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UMA ODE À LIBERDADE

UMA ODE À LIBERDADE

PROFESSORA JÚLIA E OUTRAS VOLUNTÁRIAS LUTAM PELA DEFESA DE KIEV - FOTO: LYNSEY ADDARIO - THE NEW YORK TIMES

Fiquei chocado com a foto tirada por Lynsey Addario, do The New York Times, veiculada pela imprensa do mundo todo em 27 de fevereiro, da professora Júlia, chorando, enquanto ela e outras voluntárias armadas esperam para lutar pela defesa de Kiev. “Todos temos de defender o país”, afirmou. A foto foi uma pancada. Não esperava que a “Geração Millenial” da Ucrânia, sob o comando de um comediante, o Presidente Zelensky, tivesse a coragem de confrontar uma das maiores potências militares do Planeta, em que pese as explícitas ameaças do déspota russo, Vladimir Putin, de usar inclusive as armas nucleares contra os revoltosos, “se o Estado da Rússia fosse colocado em risco”, vale dizer, se os Ucranianos continuassem a reivindicar a independência do seu país, em face dos projetos expansionistas do chefe do Kremlin.

Numa quadra da História em que a luta heróica pela liberdade parecia ser coisa do passado, eis que a corajosa Nação Ucraniana faz o dever de casa, arregaça as mangas e, com filhos no colo e toda essa aparência de fragilidade civil que nos mostram as inúmeras reportagens veiculadas nestes dias sombrios, decide enfrentar o inimigo da liberdade no seu país, reivindicando um direito que parecia coisa do passado, o sagrado direito a ser livre!

Bela lição de patriotismo e de heroísmo cívico nestes pandêmicos tempos de negociatas escusas, de roubos continuados praticados em nome da saúde, de aviltantes ameaças à liberdade de expressão vindas do topo do poder, triplamente desgastado nas suas esferas executiva, legislativa e judiciária, com os ladrões de ontem afirmando aos quatro ventos, com o maior cinismo, que serão novamente colocados no centro do poder para continuar a fazer o que sabem: roubar em nome do povo! Falar o que os donos do poder não gostam, hoje, no Brasil, dá cadeia!

Pois bem: enchamos de coragem as nossas almas, respiremos fundo, e vejamos o que hoje, hic et nunc, podemos fazer para garantirmos a nossa sagrada liberdade de cidadãos, justamente no ano em que comemoramos o bicentenário da nossa Independência. Querer morrer pela Pátria e pela Liberdade não é mais coisa do passado. É lição de coragem cívica que os Ucranianos dão ao mundo!

Curioso paradoxo: o extremo existencial de querer morrer pela Pátria abre o caminho para, justamente, viver por ela! A Luta pela liberdade vale a pena e não passou de moda. O que a Nação Ucraniana está fazendo é prova disso!

Repito, aqui, as palavras com que o grande Alexis de Tocqueville, nessa França que sangrava ainda pelas feridas da Revolução de 1789 que depôs o Antigo Regime, anunciava em alto e bom som o seu amor pela causa da Liberdade:

“(...) Só a Liberdade pode combater eficientemente, nesta espécie de sociedades, os vícios que lhes são inerentes e pará-las no declive onde deslizam. Com efeito, só a Liberdade pode tirar os cidadãos do isolamento no qual a própria independência de sua condição os faz viver para obriga-los a aproximar-se uns dos outros, animando-os e reunindo-os cada dia pela necessidade de entender-se, de persuadir-se e de agradar-se mutuamente na prática de negócios comuns. Só a Liberdade é capaz de arrancá-los ao culto do dinheiro e aos pequenos aborrecimentos cotidianos de seus negócios particulares para que percebam e sintam sem cessar a Pátria acima e ao lado deles. Só a Liberdade substitui vez ou outra o amor do bem-estar por paixões mais enérgicas e elevadas, fornece à ambição objetivos maiores que a aquisição das riquezas e cria a luz que permite enxergar os vícios e as virtudes dos homens. As sociedades democráticas que não são livres podem ser ricas, refinadas, adornadas e até magníficas e poderosas graças ao peso de sua massa heterogênea; nelas podemos encontrar qualidades privadas, bons pais de família, comerciantes honestos e proprietários dignos de estima. (...). Mas o que nunca se verá em sociedades semelhantes, ouso dizê-lo, são grandes cidadãos e principalmente um grande povo, e não tenho medo de afirmar que o nível comum dos corações e dos espíritos não cessará nunca de baixar enquanto houver união da igualdade e do despotismo. Eis o que pensava e dizia há vinte anos. Tenho de confessar que desde então nada aconteceu no mundo que me levasse a pensar diferentemente. Tendo demonstrado a boa opinião que eu tinha da liberdade num tempo em que alcançou o apogeu, não acharão ruim que nela eu persista quando a abandonam” [Tocqueville, Prefácio a O Antigo Regime e a Revolução (1856).