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UM ROLÊ DE FÉRIAS POR LONDRES E PARIS

UM ROLÊ DE FÉRIAS POR LONDRES E PARIS

ESTE CRONISTA E, AO FUNDO, A TORRE EIFFEL (JANEIRO DE 2024)

Regressei do rolê de férias. Da breve viagem de vinte dias que realizei em companhia da minha família, posso dizer o seguinte: adorei Londres, uma cidade próspera e acolhedora que muito desejava conhecer. Por outro lado, confirmei o que já sabia, por experiência, acerca de Paris, onde nos anos 90 realizei a pesquisa de pós-doutorado que versou sobre a obra de Tocqueville (1805-1859), com o gosto agridoce das belezas e das memórias perenes da capital francesa, transversalmente cortadas pela inquietude social e pela sensação de insegurança e violência nas ruas.

Também pudera! A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, hoje no seu segundo mandato (foi reeleita em 2020), como boa socialista, tem-se caracterizado pelas suas políticas sociais agressivas, que escancararam as portas da Cidade Luz aos imigrantes. Nessa trilha de generosidade para com os "companheiros", Hidalgo concedeu, por exemplo, ao Lula, em 2020, o título de “cidadão honorário”, quando já eram sobejamente conhecidas, pelo mundo afora, todas as malversações petistas com o dinheiro público. Como escrevia no meu blog quando desse fato, frisei que a população de Paris pagaria a conta. É o que está acontecendo: sob a generosidade da prefeita, a pobreza aumentou, os pedintes multiplicaram-se, a violência acelerou a sua marcha e o despegue econômico da capital francesa ainda espera dias melhores, em virtude da excessiva carga tributária que os investidores pagam, para financiar a generosidade socialista.

Da Inglaterra sabia, pelas minhas leituras de autores do século XIX, como Tocqueville e Guizot (1797-1874), e pelo testemunho de amigos que por lá estiveram a trabalho ou realizando estudos (da Colômbia, o ex-presidente Carlos Lleras Restrepo e o saudoso escritor e membro da Academia de História, Otto Morales Benítez; de Portugal e do Brasil, João Carlos Espada, Eiiti Sato, Antônio Paim, Carlos Henrique Cardim, entre outros). Segundo eles, tudo se sedimentou, em termos de reformas sociais, inicialmente no plano dos costumes, tendo sido os cambios adotados consensualmente, pela sociedade e, depois, pelo Estado, após os períodos de reviravolta. A característica das mudanças, especialmente as democráticas, que ocorreram na segunda metade do século XIX, com a universalização do sufrágio, foi, fundamentalmente, que elas amadureceram primeiro na sociedade, e, depois, nas instituições políticas e econômicas. Assim, as instituições, na Inglaterra, se enraizaram na paulatina adoção do regime representativo, que foi surgindo entre a primeira revolução de Cromwell (1641) e a Gloriosa Revolução de 1688, inspirada na obra do pai do Liberalismo, John Locke (1632-1704), intitulada: Dois Tratados sobre o Governo Civil (1690).

A resultante desse processo histórico é que a sociedade inglesa estabeleceu o governo sobre as bases da representação de interesses dos cidadãos. Com a incorporação da democratização e do sufrágio direto nos distritos eleitorais, na reforma feita por William Evart Gladstone (1809-1898), a Inglaterra conquistou as bases do desenvolvimento econômico sustentado. Isso, evidentemente, potencializado pela Revolução Industrial. O país produz, hoje, uma sensação de paz e tranquilidade, com uma grande classe média da qual participam os imigrantes, num clima de calma e alegria que se refletem no trato afável por parte das pessoas em geral.  Tocqueville escrevia, na década de 1850, que a Inglaterra (chamada por ele de ‘Éden’) se destacava, no contexto europeu, pelo progresso econômico. Um sexto da população britânica, segundo Tocqueville, era marginalizada pela pobreza. Mas justamente por estar a maioria dos cidadãos em situação de conforto econômico, a marginalidade do proletário era mais visível entre os ingleses do que na própria França  [cf. Tocqueville, "Ensaio sobre a pobreza", 1852, in: Oeuvres I, Paris: Gallimard /La Pléiade, 1991, p. 1156]. Hoje se poderia fazer uma avaliação mais generosa da Pátria de Churchill (1874-1975), se levarmos em consideração que conta com um desenvolvimento muito maior do que no século XIX, sem ter de lidar com as tensões do mercado do euro. Ao que tudo indica, o Brexit deu certo!

De Paris, que já conhecia do tempo dos meus estudos de pós-doutorado, poderia dizer que o seu clima, quanto à paz social, é semelhante ao das nossas cidades latino-americanas, com mendigos, arrastões e um certo caos no trânsito. Mas o que ressalta na Cidade Luz é a magnificência dos seus monumentos, palácios e museus. Impressiona a Torre Eiffel, inaugurada em 1889, a qual, com os seus 300 metros de altura, é uma imagem patente da opção da França moderna pelo progresso industrial. Ressalta, de outro lado, a beleza e o tamanho do Museu do Louvre, construído por Luís XIV (1638-1715) para que ali residisse a sua Corte.

Chama a atenção, em Versailles, o fato de que Napoleão Bonaparte (1769-1821) preparou ali uma das suas residências, no segundo andar da ala central, com a exposição, nos salões adjacentes ao alojamento do Primeiro Imperador dos Franceses, de vários quadros das batalhas das quais participou como comandante. Ressalta, outrossim, a beleza da ala dedicada, no Museu do Louvre, ao II Império presidido por Luís Napoleão Bonaparte (1808-1873), sobrinho de Napoleão. Essa ala foi inaugurada nos anos 90 do século passado e se destaca pelo luxo das habitações e da mobília representativos da Belle Époque. Não ficam para trás, no Louvre, as joias da Antiguidade, como a belíssima estela de basalto preto que preserva, em escrita cuneiforme, o Código de Hammurabi, da antiquíssima Mesopotâmia, que se confunde com os fundamentos ancestrais do Direito. Razão tinha o grande escritor Victor Hugo (1802-1885) quando afirmava que a Mesopotâmia, pela invenção da escrita cuneiforme, que representava sons e não imagens, é a remota origem da Civilização Ocidental, que posteriormente assimilaria os legados da civilização Grega (com o culto à Razão) e do Cristianismo (com a noção de pessoa humana como um ser livre saído das mãos de Deus, “à sua imagem e semelhança”). Visitei a casa de Victor Hugo, que era amigo pessoal de Dom Pedro II (1825-1891), no belo bairro medieval do Marais, que foi modernizado no século XVII pela Place des Vosges, aquele lindo espaço imaginado por Luís XIII (1601-1643) e que o governo do Diretório dedicou, na época da Revolução Francesa (1789), aos pagadores de impostos da Primeira República.

Visitei, também, as Catacumbas de Paris, situadas no XIV Arrondissement, que constituem o maior monumento fúnebre do Mundo, não somente dedicado aos falecidos nas guerras que sofreu a capital francesa, mas que passou a abrigar, também, os restos mortais da população da cidade, vítima dos incontáveis conflitos armados (especialmente na Revolução de 1789) e das pandemias que Paris enfrentou desde o Século XVI. As Catacumbas receberam restos mortais ao longo do século XIX, tendo sido incorporadas ao conjunto de reformas urbanas da cidade, empreendidas pelo grande urbanista do II Império, o empresário George Eugene Hausmann (1809-1891). A modernidade, diria ele, chegou também para os mortos! São mais de seis milhões de restos humanos cuidadosamente organizados com a indicação dos Cemitérios Particulares de onde provieram. Os engenheiros construtores aproveitaram os túneis abertos para extração de pedra, numa rede subterrânea de mais de vinte metros de profundidade, que ocupa uma extensão de seis quilômetros embaixo da cidade. Mas no subsolo de Paris existem mais túneis ainda não explorados totalmente, que datam da época romana, e que, segundo calculam os especialistas, se estendem por incríveis 400 quilômetros. A entrada ao lúgubre monumento das Catacumbas está situada embaixo de uma estação do Metrô (Denfert Rochereau) e os visitantes saem da extensa rede de túneis perto do belo Parque Montsouris (“Parque do Monte do Rato”), que foi aberto por Hausmann no lugar onde ficava uma antiga lixeira da cidade, vizinha, hoje, da sede principal da Université de Paris. Curiosamente, essa saída fica próxima a uma das residências que foram ocupadas por Vladimir Illich Ulianov, Lênin (1870-1924) numa das suas permanências na capital francesa.

Tentei auscultar as expectativas econômicas dos dois países visitados, através do que diziam os vendedores de souvenirs. Chamou-me a atenção o bom humor dos vendedores de Londres, vindos dos quatro cantos do mundo. O meu filho Pedrinho se deliciou escolhendo melodias clássicas, nessas lindas caixinhas de música que pululam nas lojas de recordações. Ouvi as animadas conversas da minha esposa com os vendedores em torno aos seus interesses e acerca da sua ocupação e expectativas. Atendem geralmente o público com solicitude, como se fossem empresários. São, em geral, muito jovens. Contrasta essa observação com o que vi entre os vendedores de souvenirs em Paris, geralmente, imigrantes provenientes do Norte da Africa, e de outras ex-colônias francesas. A atitude, na maioria daqueles com os que tive oportunidade de falar, era mais de resignação do que de realização. Um velho vendedor de souvenirs de Montmartre, por exemplo, dizia-me que a vida de um pequeno comerciante de origem argelina, como ele, era difícil, pela pouca atenção que recebia das autoridades no relacionado aos seus pedidos para obter a cidadania francesa. Pagava em dia os impostos dos seus dois pontos de venda, mas tudo era mais difícil pela sua condição de residente temporário, circunstância que se prolongava inexplicavelmente, embora já residisse em Paris havia décadas. Talvez desse descaso oficial decorra o mau humor que é característico dos profissionais do comércio e de outras atividades na Cidade Luz.

Um último ponto para encerrar estas recordações do meu rolê europeu. Todo Império precisa de duas coisas imprescindíveis: um grande exército e uma Catedral ou Basílica. Falando de lugares religiosos, foi assim com o Império Romano, que sagrou templos imensos e de grande beleza na Roma antiga. Quando da conversão dos Imperadores Romanos ao Cristianismo, nos primeiros séculos da nossa era, muitos recintos da era pagã foram sagrados no contexto da nova religião oficial. Quando, a partir do 5º século, os Bárbaros invadiram definitivamente as fronteiras do imenso Império e chegaram a Roma, os vários Reis Cristãos, Lombardos, Visigodos,  Ostrogodos, etc., ergueram as suas Catedrais, dando ensejo ao belo Estilo Românico que pautou a construção dos primeiros templos. Quando da criação do Sacro Império Romano-Germânico no Ocidente, as belas Catedrais Góticas foram o centro da vida cívica e religiosa. Carlos Magno (742-814) e outros grandes príncipes abriram espaço para o amadurecimento de novas formas artísticas na arquitetura, na escultura e na pintura. Carlos Magno, que sofria de dislexia, não conseguindo apreender o texto escrito, acentuou o aperfeiçoamento das imagens sacras nos vitrais góticos, tendo investido muitas riquezas e trabalho na paciente pesquisa de cores para o vidro, a fin de melhor espelhar, nos Vitrais, os mistérios do Cristianismo, no contexto da massiva evangelização que foi fomentada ao redor das Catedrais e das Igrejas pela Europa afora. Nesse contexto de valorização da Cultura religiosa, ao longo da alta Idade Média, ao redor das Escolas Abaciais e Dominicais, foram surgindo as primeiras Universidades, como centros de ensino e preservação do saber.

A Inglaterra e a França, quando viraram Impérios, não foram exceção à regra: construíram as suas respectivas Catedrais. Desse esforço de formatar em pedra, imagens e vitrais as primeiras grandes obras de Arquitetura Religiosa da Idade Média, participaram ativamente Reis e Imperadores, sendo Carlos Magno um dos grandes criadores de obras sacras, ao longo do seu Reinado. Não foi diferente no surgimento e sagração das Potências Modernas, das quais a Inglaterra e a França foram as mais reluzentes e poderosas. Os Ingleses construíram a bela Catedral de São Paulo em Londres e os Franceses ornaram e revitalizaram a antiga Catedral Gótica de Notre Dame, em Paris. Como a belíssima Catedral parisiense ainda está em obras, para reconstruí-la totalmente após o incêndio de 2018, a melhor opção para quem deseja conhecer o aspecto arquitetônico e artístico do Reino da França, é La Sainte Chapelle, em Paris, construída, entre 1246 e 1248, pelo Rei São Luís IX  (1214-1270), como Capela do Palácio Real (hoje preservado como Palácio da Justiça). Divide-se a bela Igreja, perfeitamente conservada, em dois espaços: no subsolo, com pequenos vitrais, para o culto dominical da população parisiense. No andar superior fica situada a Capela Real, com belíssimos vitrais que se elevam do chão até o teto e uma cúspide no melhor estilo gótico, Vale a pena um passeio por este monumento da fé que instaurou as origens da Monarquia Francesa e que sobreviveu a duas Guerras Mundiais e à Revolução Francesa de 1789, que arrasou com a memória medieval de Paris. Nessa triste e terrível circunstância, A Sainte Chapelle foi literalmente "disfarçada" pelos fiéis, que apressadamente construíram enormes bibliotecas de madeira, com as quais cobriram os grandes vitrais da parte superior. Somente foi destruída a cúpula da Igreja pelos revolucionários. Os 1113 vitrais coloridos da Sainte Chapelle, que narram em imagens a História Sagrada permaneceram incólumes, dando testemunho à França e ao Mundo da força da Religião Católica, sobre a qual se alicerçou o magnífico Império Romano-Germânico.

A Catedral de São Paulo, inspira-se nos estilos barroco e neoclássico. Situada na região londrina de Ludgate Hill, foi inaugurada em 1711 e o seu arquiteto foi  Christopher Wren (1632-1723). O seu projeto era construir uma Catedral que rivalizasse, em grandeza, com a Basílica de São Pedro, em Roma. A ideia central da Catedral é a de que o Rei inglês, cabeça da Igreja Anglicana, recebeu de Céus a missão de manter unido o povo inglês ao redor da Religião Anglicana, da qual é cabeça. Assim, a magnífica Catedral foi concebida com dimensões que rivalizam com as da Basílica de São Pedro. A cúpula da Catedral de São Paulo, em Londres, é a segunda maior do mundo, só sendo ultrapassada pela da Basílica de São Pedro em Roma. Ao redor do Altar e na área da cripta, jazem os túmulos de personalidades  que se destacaram pelos seus serviços prestados ao Reino da Inglaterra, enfatizando o seu patriotismo e a grandeza dos seus feitos. Assim, a Igreja de São Paulo Apóstolo de Londres abriga os túmulos de heróis nacionais e de cidadãos britânicos que prestaram serviços relevantes ao seu país. É cultivada uma espiritualidade centrada no ideal de permanência do Reino da Inglaterra em benefício do Povo Britânico. A imagem de Maria, Mãe de Jesus é cultuada como a concretização do ideal da maternidade a serviço de Deus e da Pátria. A catedral abriga, também, os túmulos de importantes figuras da Igreja Anglicana, como bispos, Pastores e Mártires, que deram a sua vida em defesa da Religião e da Pátria.