Em livro que lancei em 2020 intitulado: Da esquerda para a direita, a minha opção liberal-conservadora (Campinas: Távola Editorial, Editores: Antônio Roberto Batista e Elias Daher, Apresentação de Antônio Paim, Prólogo de Darío Montoya, embaixador da Colômbia no Brasil, 402 pp) descrevia a Transição como “Trensição”, ou seja, como o ato de pegar carona num trem em movimento. Se você consegue entrar, cai no meio do vagão já lotado, mais perdido que cachorro em dia de mudança. Pessoas desconhecidas, gente que te segura pelo braço pedindo emprego, possíveis assessores que oferecem os seus serviços e até os sem-vergonhas de sempre, caras de pau que, com o maior sangue frio, oferecem ao futuro ministro o negócio das arábias: tal secretaria, de porteira fechada, para o Partido X, e os 30% da comissão, líquidos, para o ministro todo fim de mês!
Na atual transição para o governo Lula, que de entrada, já pediu uma “bandeirada” de 800 bi, só para início de conversa, tendo prometido, de outro lado, o “revogaço” das boas práticas que tinham sido adotadas pelo governo Bolsonaro, as coisas rolaram rapidamente e com incrível desenvoltura. Ninguém da grande imprensa contestou as negociações para garantir a política de “fura teto de gastos”. Fosse no início do governo Bolsonaro, teria havido rasgada de vestiduras sacras, impropérios e ameaças contra o Presidente eleito e os novos membros do gabinete. O clima reinante no país nesta complicada transição, é de crise moral da República, na qual os interesses individuais de uns poucos privilegiados da Classe Política e da estrutura do Estado, prevalecem sobre os que atingem a maioria dos brasileiros.
Diante de uma ditadura de fato do STF-TSE sobre a sociedade brasileira, com prisões políticas sendo praticadas à luz do dia, sem que o Senado ouse questionar práticas da Magistratura que ele deveria controlar e punir, o clima de crise moral poderia ser ilustrado com um texto corajoso de Percival Puggina: “Vou usar a palavra tolerância, mas não no sentido que o leitor está pensando. Direi que a tolerância do Congresso tem um limite e esse limite atende pelo nome vulgar de ‘grana’. Mexeu na grana das emendas e até quem está em casa de cuecas, veste as calças e se manda para Brasília expressar indignação. E pasmem: imediatamente começaram a falar em excessos do Judiciário, em ativismo judicial, em desprestígio do parlamento e até na indignação dos cidadãos... Sim, sim, sei. Não precisa explicar. Eu só queria, mesmo, entender. Como aluno atento do mestre Alexandre de Moraes, aprendi dele algumas ‘categorias criminais’ novas, de criação própria, desenhadas à perfeição para aplicar restrição de direitos conforme seu gosto. São categorias fluidas, gasosas, tais como, entre outras, atos antidemocráticos, fake news, militância digital, desordem informacional” [Percival Puggina, “O que os homens de azul não toleram”, Gazeta do Povo, Curitiba, 25/12/2022].
Em que pese os “dois pesos e as duas medidas” utilizados pela grande imprensa em face dos governos, o que sai e o que entra, é importante, no entanto, fazer um balanço honesto da administração que está prestes a findar. Houve muitas coisas positivas no governo Bolsonaro. Faltou, certamente, uma ponte da alta administração do Estado com veículos da grande imprensa. Bolsonaro não quis nem saber: a tônica era moralizar as relações do governo com a mídia e toda negociação de propaganda terminou sendo cortada de raíz. Resultado: o novo presidente ficou sem veículos de informação que anunciassem, corriqueiramente, à sociedade as realizações do novo governo. Eu não esperava, sinceramente, que Bolsonaro devesse baixar a guarda em matéria de relação ética com a mídia. Mas poderia, sim, ter negociado, dentro dos marcos do éticamente possível, uma ponte com alguns veículos, os menos contaminados com as más práticas, a fim de manter a sociedade regularmente informada dos projetos e realizações. Para esse fim, não bastavam as redes sociais, fartamente utilizadas por Bolsonaro e colaboradores durante a campanha. Era necessário, ainda, manter um canal de comunicação com a grande imprensa. Um exemplo positivo dessa colaboração, preservando a variável ética, é apresentado pela Gazeta do Povo de Curitiba. Ora, esse caso poderia ter ocorrido ao redor de outros veículos de imprensa com cobertura nacional, sem ferir os princípios da ética jornalística.
Sem pretender uma análise técnica, posso destacar, no entanto, que o governo Bolsonaro teve sucesso no controle da inflação, houve diminuição gritante nos casos de maus manejos de dinheiro público nestes últimos quatro anos, embora na segunda parte do seu mandato Bolsonaro tivesse de negociar com o Centrão a fim de manter uma condição mínima de governabilidade, no que tange à aprovação dos projetos de lei que interessavam ao governo. Em que pese esse entrave, no entanto, as exportações cresceram, o agronegócio atingiu metas invejáveis, o desemprego diminuiu, foram barateados itens essenciais à sobrevivência dos menos favorecidos como o acesso à eletricidade e ao gás de cozinha. Ao ensejo da Pandemia que assolou a economia do país, fez-se necessária a ajuda extraordinária do Governo, com o Auxílio Brasil, em face dos mais necessitados; os dinheiros consignados na conta dos mais pobres foi, certamente, um ato de justiça social. A violência, de outro lado, diminuiu em relação aos governos anteriores e a sociedade foi beneficiada com medidas que desburocratizaram as transações entre empresas e indivíduos com a adoção do pix, por exemplo. A livre circulação legal de armamentos leves entre os cidadãos, foi um dos fatores que contribuíram para a defesa da sociedade, com queda da criminalidade. Na parte correspondente à garantia dos insumos para o agronegócio, Bolsonaro conseguiu negociar uma boa condição para a importação de fertilizantes, notadamente com a Rússia. Significativos projetos foram desenvolvidos no que tange à irrigação e às obras de infraestrutura em portos, aeroportos, ferrovias e estradas. A nova legislação em relação ao saneamento básico abriu uma porta para a participação da iniciativa privada. Foi concluída, com sucesso, a transposição das águas do Rio São Francisco, que simplesmente tinha sido ignorada pelos governos petistas.
No que tange ao MEC, foi garantido o repasse às Escolas dos dinheiros do FUNDEB mas, do ângulo administrativo das Universidades públicas, pouco se avançou, por exemplo no que tange à adoção de uma nova metodologia para escolha dos reitores dessas instituições, infelizmente ainda reféns do marcado domínio dos sindicatos ligados à CUT nos processos eleitorais internos. A implantação das Escolas Cívico-Militares foi um sucesso pelo país afora, garantindo às crianças e às famílias um ambiente democrático e sadio para a adequada educação escolar; continuei apoiando essa modalidade de ensino, buscando ampliá-la em várias cidades brasileiras. Ao sair do Ministério deixei uma série de projetos encetados no terreno do ensino básico (focalizando, sobretudo, os novos métodos de letramento e a formação de professores nas Escolas Normais, deixando de lado, na formação pedagógica, as Faculdades de Educação, excessivamente ideologizadas pelo método Paulo Freire). Tinham sido iniciados processos de modernização do ensino médio profissionalizante de segundo grau, dando continuidade a uma reforma que tinha sido iniciada no governo anterior. Não vi resultados, de outro lado, no que tange às investigações que foram iniciadas por mim graças ao protocolo assinado pelo MEC com o Ministério da Justiça, com a PGR, com a AGU, e com a Polícia Federal, a fim de que fossem devidamente investigados e encaminhados à Justiça, rumorosos casos de má administração de dinheiros do orçamento em Universidades Públicas. Era o projeto denominado de “Lava-Jato do MEC”, que causou urticária aos ativistas da esquerda radical e cuja culminância teria sido de grande valor no saneamento dessa área importante da nossa educação pública.
Em que pese esses aspectos negativos, no entanto, a linha geral de desempenho do governo Bolsonaro foi boa, embora tivesse tido de sortear esse enorme teste para a paciência e a resiliência dos gestores públicos que foi a COVID. A linha geral de realizações do Governo Federal nesse setor foi boa, notadamente porque foram realizadas políticas públicas de apoio aos mais desfavorecidos e aos setores da indústria e do comércio que mais sentiram o impacto desse flagelo. Isso apesar do circo de inverdades e retórica populista ensejado pela oposição com motivo da CPI da Pandemia, que tinha o propósito de condenar o governo Bolsonaro como se não tivesse tomado providências nesse importante segmento da vida nacional.
No que tange à preservação das instituições do Governo Representativo, foi de extraordinária significação o resultado obtido pelo Presidente Bolsonaro, no relativo à renovação positiva do Senado e da Câmara dos Deputados, com motivo das eleições gerais do mês de outubro. A renovação da representação em ambas as Casas Legislativas foi marcante, com um aumento considerável do número de candidatos eleitos no segmento de apoio ao governo e às reformas deslanchadas pelo Executivo. A eleição, para a Câmara e o Senado, de magistrados e membros do Ministério Público que participaram da Lava-Jato, foi um claro recado da sociedade para os políticos: os brasileiros queremos a preservação das políticas de combate ao roubo dos dinheiros públicos!
A parte mais sensível, aquela que tange à eleição presidencial com padrões de higidez jurídica e política, deixou a desejar, não por conta do Presidente Bolsonaro, mas, como todo mundo sabe, em decorrência da judicialização da política que já tinha começado em anos anteriores, com o desmantelamento da Operação Lava-Jato por parte do STF, com a anulação do processo em que o ex-presidente Lula foi condenado e com a sua consequente soltura da prisão, tornando-o habilitado para se apresentar como candidato à eleição presidencial. O próprio desenvolvimento da eleição não foi satisfatório, tendo sido deixadas brechas a partir das quais se fortaleceu a dúvida acerca do correto desenvolvimento do pleito eleitoral, com suspeitas em torno à utilização das urnas eletrônicas. A estratégia montada pelo STF-TSE no sentido de dar um tratamento autoritário à questão da lisura das urnas eletrônicas, enquadrando qualquer dúvida como fake-news atentatória contra a democracia, equivaleu, a meu ver, a um golpe nas instituições republicanas, passando por cima do Congresso e das liberdades constituídas. O resultado foi a progressiva insatisfação do eleitorado, que levou aos acampamentos montados ao redor dos comandos militares pelo Brasil afora, em meio a democráticos e pacíficos protestos da sociedade civil. A agressividade da alta cúpula da magistratura ensejou a adoção de práticas antidemocráticas como a prisão de contestatários, empresários, deputados, vereadores e pessoas comuns, sem que tivesse sido aberto o adequado processo legal e sem observar a liturgia prescrita para o combate a crimes contra as instituições. Qualquer protesto passou a ser alcunhado pelo Ministro Alexandre de Moraes (revestido de autoridade absoluta), de crime contra a democracia e o estado de direito. Nesse clima de dúvida contra a lisura do pleito e de desconfiança e progressiva insatisfação, deu-se a diplomação dos eleitos e avança-se rumo à posse do novo presidente, Luis Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro. Tudo num clima de desconfiança crescente, em face da inobservância dos adequados ritos legais.
Devemos ter presente um dado fundamental: A escolha, por parte do PT, da implantação de um socialismo de cunho totalitário. Ora, esta, considero eu, é a opção do peito acalentada por Lula ao longo da sua vida política. Aparentemente foi substituída em 2002, quando da “Carta do Recife ao Povo Brasileiro”, como tática para consolidar a penetração na classe média, cada vez mais desconfiada em face dos impulsos totalitários de Lula e o do seu Partido, presentes no documento que consolidava a proposta de governo de Lula, explicitada na “Carta de Olinda”, de início desse ano. Observada, no entanto, a história à luz da lupa do tempo de longa duração, vemos que a “Carta do Recife” foi apenas recurso tático para angariar os votos da classe média. Uma vez empossado, o velho líder sindical voltou-se para a sua proposta de sempre: implantar o socialismo mediante a cooptação generalizada da classe política, ao ensejo do “Mensalão” e, ulteriormente, uma vez descoberta essa falcatrua, com motivo do denominado “Petrolão”, que tinha uma finalidade mais ambiciosa: cooptar de vez o sistema produtivo a partir das empresas estatais, notadamente a Petrobrás, a fim de fazer um caixa multimilionário para comprar as futuras eleições, tendo, por outro lado, favorecido empréstimos fraudulentos a países socialistas tanto da América Latina (Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua) como da África. Esses empréstimos foram feitos via BNDES, o que garantiria tanto o dinheiro para favorecer o país “amigo”, como para efetivar o seguro pagamento das milionárias “comissões” a que Lula e os seus amigos tinham “direito”.
Para garantir o cumprimento da estratégia de longo curso do que passou a ser denominado de “O Mecanismo” de Lula e companhia, já a partir dos dois governos Lula, como durante os mandatos da sua sucessora Dilma Roussef, a máxima instância da Magistratura brasileira, o STF, começou a ser infiltrada, mediante a nomeação de “juízes amigos”, os Ministros Toffoli, Lewandowski, Zavascki, R. Weber, Fachin, Carmen Lúcia e, por último Alexandre de Moraes. O ministro Gilmar Mendes terminou sendo cooptado pelo resto da corte.
Em face da complexidade da situação em que nos encontramos, considero que não podemos ficar, os cidadãos deste país, paralisados pelos desacertos da Magistratura e pelos caminhos enviesados já adotados pelos novos e pretensos “donos do poder”, o PT e as siglas de esquerda que fecharam com ele. Adoto, neste momento, uma posição inspirada em Alexis de Tocqueville (1805-1859), quando da sua vivência do clima de polarização crescente que se espraiou pelo cenário político francês, ao ensejo da Revolução de 1848, protagonizada pelos socialistas radicais, num clima muito semelhante ao que estamos hoje vivenciando no Brasil.
Em cinco pontos resumirei as minhas reflexões em torno à construção de uma proposta de governo, de índole liberal-conservadora: 1 – Construir a representação para defender a Liberdade. 2 – Adotar a ética do trabalho. 3 – Adotar a tolerância e o combate à intolerância. 4 – Valorizar a sensibilidade social na luta pela liberdade. 5 – Controlar o estatismo.
Em próximas postagens me debruçarei sobre estes cinco aspectos. Dedicarei a cada um dos itens enunciados, um artigo correspondente que publicarei neste blog ao longo das próximas semanas.