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TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA MODERNA - CAPÍTULO 16º - JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778), A NOVA EDUCAÇÃO E O DEMOCRATISMO

TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA MODERNA - CAPÍTULO 16º - JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778), A NOVA EDUCAÇÃO E O DEMOCRATISMO


Nesta exposição serão desenvolvidos os seguintes itens: I - Prolegômenos da “Democracia Totalitária”, no contexto do desgaste da “Democracia representativa”. II – A vida agoniada de Jean-Jacques Rousseau, entre a busca da Liberdade do homem natural e a sua destruição pela vida social. III – Nascimento, com Rousseau, da “Democracia Totalitária”. IV - O pensamento de Jean-Jacques Rousseau sintetizado em oito pontos. V – Três seguidores conspícuos de Rousseau: Napoleão, Bolívar e Marx. VI – Conclusão: a crítica de Constant de Rebecque ao pensamento político de Rousseau.

I - Prolegômenos da “Democracia Totalitária”, no contexto do desgaste da “Democracia representativa”.

Deparamo-nos, hoje, com movimentos conduzidos por ativistas ou funcionários públicos em nome da “democracia”, dos quais não se pode dissentir, sob o risco de ser alcunhado de “fora da lei” ou “reacionário”, e receber ameaças às liberdades individuais ou à integridade pessoal. Assim, não é estranho o cidadão comum se deparar com situações ultrajantes, protagonizadas por esses ativistas ou funcionários. Os exemplos são múltiplos, e cobrem a vasta gama das relações sociais, no nível interno dos países, ou no terreno internacional.

Mencionemos alguns desses casos: piquetes “democráticos” nas portas das fábricas, em períodos de greve, para amedrontar aos que furem a decisão das massas; ativistas “democráticos” que utilizam métodos fascistas (incêndio de escritórios, por exemplo), para insuflar pânico entre jovens que não tenham se curvado à tendência dos DCEs oficiais (como aconteceu, no decorrer dos primeiros meses de 2010, no Rio Grande do Sul). Invasões de propriedades produtivas em nome de uma vaporosa “via campesina”, com a finalidade de amedrontar pequenos e médios produtores rurais e obrigá-los a ceder às desapropriações propostas pelos “movimentos sociais”. Governantes, como Chávez, por exemplo, na Venezuela, ou os sucessores dos irmãos Castro, em Cuba, que ostensivamente perseguem grupos de oposicionistas, inclusive praticando assassinatos que ficam impunes, cometidos com a finalidade de manter a fraudulenta propriedade do poder pessoal sem qualquer crítica. Teólogos ou comunidades eclesiais, que assumem como missão evangelizadora a defesa de uma versão de democracia, que faz da cinzenta massa dos “oprimidos” o sujeito de direitos políticos, com exclusão de quaisquer outros grupos; líderes populistas que em período de palanque, centram os seus discursos na ameaça das “elites” contra o povão, para se apresentarem como os salvadores da pátria, e que, em virtude dessa vocação “democrática” da qual eles são os exclusivos portadores, passam por cima da legislação eleitoral vigente, pressupondo que tudo é válido para se elegerem e enriquecerem às custas do orçamento, “em nome do povo”.

Nos últimos tempos, no Brasil, duramente golpeado pela pandemia, ergueram-se lideranças, na Magistratura, que decidiram fazer do STF o “guardião” da democracia, dando fim à Operação Lava Jato e pondo em liberdade funcionários corruptos condenados pela Justiça, mesmo que à custa das disposições constitucionais quanto à independência dos Poderes Públicos e ameaçando os direitos individuais, tudo para manter a “ordem”, em que pese a utilização da “desordem” de práticas à margem do disposto na nossa Carta Magna. Uma confusão em que o chavismo já tinha mergulhado, fazendo periclitar a democracia na Venezuela e que, agora, instala-se no Brasil, com perplexidade geral dos cidadãos.

A eleição de Jair Messias Bolsonaro, em 2018, foi, num primeiro lance, uma resposta irada dos eleitores contra o messianismo político do PT e coligados, que se enriqueceram absurdamente com a corrupção, friamente pensada no seio do que se convencionou em chamar de “O Mecanismo”. Nos quinze anos de governos lulopetistas, o Brasil foi posto à disposição dos “donos do poder” e dos seus amigos, incluindo aí empresários inescrupulosos e governos estrangeiros que enxergaram, nas benesses oferecidas pelas grandes empreiteiras financiadas com recursos oficiais, a oportunidade de ganhar absurdamente rios de dinheiro. O PT, que elegeu os seus candidatos no início do milênio, na trilha moralizante de um governo que atacaria a corrupção, foi o primeiro a se corromper.

A reação desencadeada por setores da social-democracia, do próprio PT, da grande imprensa e de políticos corruptos envolvidos, para desmontar a operação “Lava-Jato”, conseguiu o primeiro objetivo: pôr na rua os dois principais artífices, na cúpula do Estado, da ação corruptora, como se nada tivesse acontecido, “dando uma virada na mesa”, como se diz, ao colocar no pelourinho das suspeitas por ações à margem da legalidade, funcionários do Ministério Público, membros dos Tribunais Superiores e até o próprio juiz que representou a linha de frente de combate à corrupção. Convenhamos que o sentimento de injustiça espalhou-se pela sociedade, em decorrência dessas práticas heterodoxas. Ver nas ruas, com aval do STF, os dois principais arquitetos da onda de corrupção que assolou o Brasil, enquanto outros condenados cumprem ainda as suas penas, fere o sentimento de justiça e envilece a honra de um dos poderes públicos.

O próprio chefe do Executivo terminou botando lenha na fogueira, com o seu estilo de “atira logo assim que sentir a primeira pedra”, ensejando um ambiente de suspense continuado, alimentado pela tsunami virtual de postagens nas redes sociais de incontáveis auxiliares e voluntários, muitos deles polarizados numa guerra de opiniões alimentadas pela visão “denuncista” e escatológica do “Guru da Virgínia”, Olavo de Carvalho (1947-), cujos militantes começaram logo a tornar insuportável a vida daqueles membros do governo que não caminhassem dentro dos incertos sendeiros por eles traçados.

O clima, convenhamos, nestes dois anos do novo governo, ficou bastante carregado por conta do extremismo dos que em nenhum momento acreditaram no mandatário esfaqueado e recém-eleito, só pelo fato de se contrapor aos delírios salvíficos da esquerda radical, apresentando uma proposta conservadora, como se ser conservador fosse um delito de lesa-pátria. Ora, a esquerda radical ficou cansada de praticar o “discurso de ódio” contra os seus adversários, ao longo dos quinze anos dos governos petistas e só por ter perdido as eleições em 2018 se converteu, por arte de magia, na virgem impoluta que passou a denunciar o discurso pretensamente hegemônico de Bolsonaro, quando foram eles próprios, lulopetistas e colaboradores, os autores, à luz do gramscismo, da hegemônica proscrição dos que se lhes contrapusessem.

É claro que erros foram e são cometidos pelo bolsonarismo de raíz, identificado, não poucas vezes, com a defesa de familiares encrencados com a lei, numa cena patrimonialista suburbana em que – como frisa conhecido cientista político - os “filhos justificam os meios”, no salve-se-quem-puder da guerra midiática e de palanque. Mas nada justifica a insidiosa campanha que é erguida contra a atual administração, acusando o governante de hoje e os seus colaboradores dos crimes de opinião que o PT e coligados cansaram de cometer em quinze anos de desmando, “assassinando reputações” e “fazendo o diabo”, como dizem, sem vergonha e cinicamente, os militantes devotados.

Pretendo, neste texto, ilustrar acerca das origens, na filosofia de Jean-Jacques Rousseau, dessa vertente do pensamento moderno, que passou a ser conhecida pelos estudiosos como “democracia totalitária”. Em face das complexidades da vida social e do desgaste dos modelos tradicionais de democracia representativa, ergue-se o modelo radical da “democracia por unanimidade” ou “democracia totalitária”, cujo pai, na modernidade, foi Jean-Jacques Rousseau. O nome de “democracia totalitária” é paradoxal. Mas o paradoxo é, justamente, o elemento básico da “retórica utópico democrática”, como foi alcunhada a “democracia totalitária” pelos Pais Fundadores da pátria americana.

No pensamento político ocidental, consolidaram-se, ao longo da História, dois modelos de governo: A - aquele que entende o poder institucionalizado como algo ideal, com a implantação da unanimidade ao redor do governante e com o banimento de qualquer oposição. B – aquele que parte do pressuposto de que a ordem política não é algo ideal, mas apenas possível, mediante uma negociação política entre os interesses em conflito, a fim de se chegar a um consenso que garanta a governabilidade.

Esses dois modelos ancoram em duas concepções que o pensamento grego consolidou, uma ao redor de Platão (428-348 a.C.), que constituiu a visão ideal da política, outra, ao redor de Aristóteles (384-322 a.C.), que apresentou a concepção possível. O modelo platônico evoluiu rumo à implantação da unanimidade ao redor do Rei Filósofo, com banimento de qualquer oposição. Já o modelo aristotélico partiu da pressuposição de que no início havia, na sociedade, interesses em conflito, que poderiam ser dinamizados e mitigados mediante a negociação, a fim de implantar a democracia possível, ou Politeia, o governo da classe média.

É sabido que Thomas Hobbes (1588-1679) aderiu, no seu Leviatã (1651) ao modelo unanimista de Platão e que Rousseau teria aderido também a ele, no seu Du Contrat Social (1762). Outra, a concepção moderada e prática, partiu do pressuposto de que, em política, não vale o ideal mas o possível, com a construção, pelo governante, de consensos entre os interesses em conflito, a fim de tornar possível a gestão da coisa pública. A prática da democracia representativa, proposta por John Locke (1724-1804), optou por seguir o modelo aristotélico, enquanto o modelo ideal de Platão teria ficado confinado à prática do absolutismo, exorcizado pelo filósofo inglês nos seus Tratados sobre o Governo Civil (1690).

II – A vida agoniada de Jean-Jacques Rousseau, entre a busca da Liberdade do homem natural e a sua destruição pela vida social.

Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, em 28 de Junho de 1712. Teve uma infância agitada e infeliz. A mãe, a bela Suzanne Bernard (1673-1712), filha de um pastor calvinista, morreu de parto quando do nascimento do nosso autor. Jean-Jacques ficou aos cuidados do pai, Isaac Rousseau (1672-1747), relojoeiro de profissão e de caráter indisciplinado e instável. Na casa paterna, o menino Jean-Jacques acompanhava o pai, lendo para ele, enquanto consertava relógios, os livros herdados da mãe, que incluíam obras literárias da cultura antiga grega e romana, bem como textos da história de Roma e dos pensadores clássicos, especialmente o romano Suetônio (69-141) e o grego Plutarco (350-431), que terminou recebendo a cidadania romana, adotando o nome de Lúcio Méstrio Plutarco.

Lidos todos os livros do acervo, o menino continuou lendo os que pertenciam à biblioteca do avô materno, entre os quais figuravam obras da teologia calvinista, bem como de história política da Antiguidade e da Idade Média. O pai de Jean-Jacques terminou sendo obrigado a fugir para o estrangeiro para não ser preso, em decorrência de uma briga de rua. Isaac Rousseau instalou-se em Constantinopla, como relojoeiro oficial da corte. Junto com o seu irmão mais velho, François, Jean-Jacques ficou com o tio Gabriel Bernard, engenheiro militar que era irmão de sua mãe e casado com uma irmã de seu pai.

Essas idas e vindas da sua infância desenvolveram em alto grau a sensibilidade do nosso autor, com a dolorida ausência da mãe, tendo recebido do pai pouca segurança quanto ao código de conduta a ser seguido, em virtude da vida aventureira que levava. O menino identificava-se, com o seu progenitor na leitura apaixonada de romances, que exaltavam os sentimentos e a emoção. Mas pouca força recebeu dele, no que tange ao autocontrole das emoções e à introjeção da disciplina para se adaptar à vida em sociedade. Isso produziu em Jean-Jacques um desequilíbrio no que tange ao controle emocional, tendo passado a considerar que a vida em sociedade é a causante das desgraças individuais. A culpa pelas próprias falhas não era dele, Jean-Jacques, mas dos outros, dos endinheirados e dos negócios egoístas que tinham maculado o bom caráter do homem primordial. As justificativas que, mais tarde, o filósofo dava para os que lhe perguntavam como tinha abandonado os cinco filhos, entregando-os a casas de caridade chamadas de “Enfants-Trouvés”, iam nesse sentido da “terceirização social de culpas e responsabilidades”.

Em 1722, o nosso autor passou a morar e estudar na casa do pastor protestante Lambercier, em Bossey, na Alta Sabóia (sudeste da França, limitando com a Suíça e a Itália). Voltou a Genebra e, em 1728, tendo chegado muito tarde à cidade após as suas rotineiras caminhadas pelos bosques da região, encontrou as portas fechadas, e tomou a decisão de abandonar a religião calvinista e buscar o acolhimento de um padre católico. Saiu em direção à França, onde conheceu uma jovem viúva de origem nobre, Françoise-Louise de Warens (1699-1762), que residia na Alta Sabóia, perto da Suíça, e que era catequista. O jovem Rousseau converteu-se ao catolicismo, dizendo que "uma religião pregada por tais missionários não pode deixar de levar ao paraíso" passando a residir na casa da jovem viúva. Em 1732, já com vinte anos, o neófito Jean-Jacques converte-se em amante de sua protetora e institutriz. Foi encaminhado por ela, então, a um internato católico em Turim, onde passou a estudar latim, tendo completado, também, os estudos de composição musical que tinha iniciado anos atrás. Em 1740 tornou-se preceptor, na França, mas não conseguiu bons resultados nessa profissão.

Em 1742, Rousseau chegou a Paris, em busca de sucesso pessoal e profissional. Tornou-se amigo de Denis Diderot (1713-1784) e do Abade Etienne Bonnot de Condillac (1714-1780), tendo sido incumbido por Diderot de escrever os artigos relativos à música para a Grande Encyclopédie. Em 1745, ligou-se a uma humilde mulher, Thérèse Levasseur (1721-1801), lavadeira de profissão, com quem teve uma relação bastante tempestuosa da qual nasceram os seus cinco filhos, por ele abandonados em orfanatos, como já foi frisado, alegando falta de recursos para sustentá-los. Este fato o atormentaria pelo resto da vida. Embora o nosso autor atribuísse à sociedade desigual a sua triste condição familiar, sofria intensamente com pesadelos nos quais via, aterrorizado, a mulher e os cinco filhos perseguindo-o.

Em 1749, Rousseau redigiu o seu Discurso sobre as ciências e as artes. Em 1752, compôs o “intermezzo” operístico intitulado: “O adivinho da aldeia”, que foi encenado no palácio de Fontainebleau. Em 1754, o nosso autor visitou a sua cidade natal, Genebra, e voltou ao seio do protestantismo, sua religião de infância. Em 1755, publicou os Discursos sobre a origem da desigualdade entre os homens e Sobre a economia política. Em 1756, Rousseau passou a viver no castelo do Ermitage, pertencente à sua amiga e protetora Madame Louise d´Epinay (1726-1783); esse castelo estava localizado perto de Montmorency, nos arredores de Paris (onde se encontra importante museu em memória do pensador genebrino). Ali o nosso autor começou a escrita do seu romance A Nova Heloísa. Em 1757 escreveu o seu tratado pedagógico Emílio ou da educação, bem como o Contrato social.

Rousseau começou, nessa época, a revelar os sintomas da mania de perseguição. O Contrato Social, bem como Emílio ou da Educação foram condenados pelas autoridades francesas; para fugir à perseguição policial, o nosso autor refugiou-se na Suíça, em Neuchâtel. Em 1764, redigiu um Projeto de constituição para a Córsega, bem como as suas Confissões. Em 1765, perseguido pelas autoridades suíças, deixou Neuchâtel e refugiou-se na Inglaterra, onde passou a morar, em Londres, na casa do amigo David Hume (1711-1776). Em decorrência das suas suspeitas infundadas em relação a Hume, movidas pela mania persecutória, brigou com o seu protetor, voltando para a França; em 1767 formalizou a união com a mãe dos seus filhos, Thérèse.

Nesse mesmo ano publicou o seu Dicionário de Música. No ano de 1771, Rousseau escreveu as suas Considerações sobre o governo da Polônia e compôs os Diálogos: Rousseau, juiz de Jean-Jacques para supostamente se defender dos ataques dos seus adversários. Em 1776 escreveu Devaneios de um caminhante solitário. O nosso autor faleceu em 2 de Julho de 1778, no castelo de Ermenonville (perto de Paris), propriedade de seu amigo o marquês Louis de Girardin (1735-1808) que desenhou os jardins, inspirado na obra novelística de Rousseau. O corpo do escritor foi enterrado na Ilha dos Choupos, em Ermenonville. Os restos mortais do filósofo foram transferidos, depois, para o Panteão, em Paris, durante a Revolução Francesa.

III – Nascimento, com Rousseau, da “Democracia Totalitária”.

A “Democracia Totalitária” teve a sua original expressão doutrinária, na versão da filosofia radical sistematizada por Rousseau e que influenciou aos outros representantes da intelectualidade francesa inspiradora da Revolução de 1789, tais como Étienne-Gabriel Morely (1717-1778), Claude Adrien Helvetius (1715-1771), o Barão de Holbach (1723-1789), Pierre-Paul Lemercier de la Rivière (1719-1801), Gabriel de Mably (1709-1785), Maximilien de Robespierre (1758-1794), o Abade Emmanuel José Sieyès (1748-1836), Louis-Antoine Saint-Just (1767-1794), Georges-Jacques Danton (1759-1794), François-Noël Babeuf (1760-1797), etc.

Jacob Leib Talmon (1916-1980) salienta que a origem da ideia democrática totalitária deita raízes na convicção, comum ao racionalismo francês do século XVIII, de que podia ser conseguida a ordem natural na sociedade, mediante a implantação da vontade geral, cujo reconhecimento era cientificamente possível e conduziria a humanidade à felicidade perfeita. Surgiu daí a crença nesse futuro desenlace da história, que assumiu feições de necessidade.

Vejamos de que forma essa convicção fundamental foi sistematizada por Rousseau. No fundo da reflexão filosófica do pensador genebrino encontramos a tentativa de superar uma contradição interior que, devido à sua irregular infância, o atormentava: o conflito entre a obediência à própria vontade e o impulso a adaptar-se a algum critério objetivo. A propósito, Talmon escreve: “Rousseau fala de sua própria condição quando descreve, no Emílio, e em algum outro lugar, a infelicidade do homem que depois de deixar o estado de natureza, é prisioneiro do conflito entre os seus impulsos e os deveres da sociedade civilizada, sempre oscilando entre as suas inclinações e os seus deveres, nem inteiramente homem nem inteiramente cidadão, nem bom com ele mesmo nem bom para os demais, porque nunca está de acordo consigo mesmo” [Talmon, 1956: 42].

Qual seria a solução do problema? Basicamente consistiria, para Rousseau, em “desnaturalizar” esse homem assim confuso, substituindo uma existência relativa e contraditória por uma absoluta, transformando a consciência própria em consciência social. A respeito, Talmon escreve: “Impôs-se um modelo fixo, austero, universal dos sentimentos e da conduta com o objetivo de criar o homem de uma só peça, sem contradições, sem força centrífuga nem desejos antissociais. O objetivo era criar cidadãos que quisessem somente a vontade geral e que desse modo fossem livres, em lugar de que cada homem fosse uma entidade em si mesmo, atormentado por paixões egoístas e, portanto, escravizado” [Talmon, 1956: ibid.].

O indivíduo, consequentemente, só poderia resolver as suas contradições íntimas num projetar-se para fora de si mesmo, tratando de se identificar com o pólo objetivo da sua existência, a realidade social, identificada com a vontade geral. Quem se submetesse a ela, mesmo que se obrigasse a obedecê-la em tudo, não perderia a liberdade. Muito pelo contrário, realizá-la-ia em pleno sentido, pois se libertaria da contradição originária, que o dissociava entre o dever objetivo e as inclinações subjetivas. Considerando a solução dada por Rousseau ao problema da liberdade humana, podemos frisar que ele envereda por caminho totalmente contrário ao seguido por Immanuel Kant (1724-1804). Enquanto o filósofo de Königsberg tentava encontrar um fundamento transcendental, ligado à consciência do homem, para o agir ético, o pensador genebrino renuncia à subjetividade, num projetar-se total para fora de si mesmo na realidade extra subjetiva da vontade geral.

Ela assumiu, para Rousseau, o caráter de uma verdade matemática ou ideia platônica, com existência objetiva, mesmo que não a compreendessem os homens. Contudo, o pensador genebrino frisava que era necessário o esforço humano para descobrir a vontade geral. Uma vez descoberta, a mente não podia, honestamente, deixar de aceita-la. A problemática da liberdade ficava reduzida, para Rousseau, à identificação do eu com a vontade anônima da coletividade. Pois, como frisa Talmon, para ele “(...). A liberdade é a capacidade de se libertar a si mesmo das considerações, interesses, preferências e preconceitos, tanto pessoais como coletivos, que obscurecem a verdade e o bem objetivos, os quais, se eu for sincero com a minha verdadeira natureza, estou forçado a querer. O que se aplica ao indivíduo poderia aplicar-se, igualmente, ao povo. O homem e o povo foram feitos para eleger a liberdade e, se for necessário, para serem forçados a ser livres” [Talmon, 1956: 45].

O problema da ética e da felicidade descansava, portanto, para Rousseau, numa questão de tipo prático: como preparar os homens para que aceitassem a vontade geral, sem sentirem coação. A aspiração política fundamental do legislador na sociedade, deveria ser a de treinar os homens para que carregassem docilmente “o jugo da felicidade pública” ou, como diz Talmon, para “criar um novo tipo de homem, uma criatura puramente política, sem lealdades particulares nem sociais, sem interesses parciais”. É interessante salientar que, tanto para Rousseau quanto para os seus seguidores jacobinos, esse processo consistiria no estabelecimento do “reinado da virtude”, uma expressão que passou inteira para o vocabulário republicano brasileiro, com o mesmo sentido de educação compulsória do homem para inserção dele na entidade anônima da coletividade. Essa foi a versão que os Castilhistas conferiram ao “reinado da virtude”.

Partindo do fato da desigualdade criada pela sociedade, que Rousseau explicava no seu livro A origem da desigualdade entre os homens, (1753) [cf. Rousseau, 1972], o filósofo propôs, na sua obra Do Contrato Social (1762) [cf. Rousseau, 1966], a doutrina política que levaria ao completo reinado da vontade geral. Diferentemente dos fisiocratas, que acreditavam na materialização da racionalidade política numa autoridade soberana, única, superior a todos os interesses particulares e presidida por um chefe unipessoal, o pensador genebrino atribuía a soberania e o exercício da autoridade à vontade geral. Mas praticamente acabou aceitando a visão absolutista dos fisiocratas, ao deixar na nebulosidade da retórica democrática o exercício da soberania por parte da mencionada vontade.

Rousseau, efetivamente, terminava colocando o povo no lugar do déspota fisiocrata ilustrado; rejeitava, de outro lado, qualquer sistema de democracia representativa, bania a presença do interesse particular ou de grupos da formulação do pacto social e exigia, por último, a unanimidade de todo o povo para que se manifestasse a sua vontade geral. Essas exigências equivaliam, no sentir de Talmon, à clara demonstração, por parte de Rousseau, da estreita ligação existente entre o seu conceito de soberania popular ilimitada e o totalitarismo.

Talmon explica assim essa ligação: “No fundamento autêntico do princípio da democracia indivisível e na esperança da unanimidade está implicada a ditadura, como a história tem-nos mostrado muitas vezes. Se se faz um constante apelo ao povo como a um todo, não a um pequeno corpo representativo, e ao mesmo tempo se pede unanimidade, não existe alternativa diferente da ditadura. Isso estava já pressuposto na ênfase que fazia Rousseau no ponto verdadeiramente importante, de que os chefes devem perguntar ao povo somente sobre questões de caráter geral e, também, de que eles devem saber como propor essas questões. As perguntas devem ter uma resposta tão evidente, que uma resposta diferente apareça como uma traição ou uma perversão. Se a unanimidade é o que se deseja, deverá se chegar a ela pela ameaça, as eleições falsas, ou a organização de manifestações populares espontâneas, mediante ativistas que se dediquem a fazer pedidos, demonstrações públicas e uma violenta campanha de denúncia” [Talmon, 1956: 50-51].

O quadro da democracia totalitária rousseauniana fica completo com outros elementos apresentados no livro Do Contrato Social: a vontade geral, não sendo fato consumado, deve ser formada no seio do povo, por intermédio do seu partido de vanguarda revolucionária, que deve compeli-lo no sentido da unanimidade de sentimentos e de ideias, base da mencionada vontade. Esse partido, transformado em Comitê Revolucionário, deve destruir toda a ordem política antiga, a fim de conformar a nação jovem, que é o povo, com a expressão unânime que acabamos de mencionar. O chefe da vanguarda revolucionária, uma vez triunfe a revolução contra a velha ordem, transforma-se no Legislador, verdadeiro déspota ilustrado que com o seu conhecimento superior prepara o povo para chegar à vontade geral, eliminando qualquer oposição, que deverá ser considerada como atentado contra a humanidade, porquanto conspiradora contra a racionalidade e a felicidade públicas.

No final de todo o processo de unificação totalitária, Rousseau enxergava o surgimento de um novo tipo de homem, com uma nova mentalidade, com novos valores, com nova sensibilidade, totalmente livre dos velhos instintos, maus hábitos e preconceitos. Tratava-se de uma verdadeira conversão de tipo religioso.

Não estranha, assim, o projeto de messianismo político que Rousseau propunha para instaurar a catarse unificadora da vontade geral. Inspirando-se na utilização feita pelo Império Romano do fator religioso como meio de unificação política – fato em que os Romanos assumiram elementos presentes no despotismo oriental dos povos por eles conquistados, como sugere Wittfogel [cf. 1977: 129-256] – o filósofo genebrino salientava que só no surgimento da Religião Civil, que unificasse as mentes e as vontades ao redor do Estado, poderia ser conseguida a plena unanimidade de sentimentos. Como o próprio Rousseau reconhecia, ele se inspirou, também, na proposta do poder único e indivisível nas mãos do Estado, que Thomas Hobbes (1588-1679) tinha formulado um século atrás no Leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil (1651), para superar o estado de “guerra permanente” ou de insegurança coletiva [cf. Hobbes, 1974].

A índole da religião que Rousseau propunha, era assim explicada: “Existe, pois, uma profissão de fé, puramente civil, cujos artigos o soberano está incumbido de fixar, não precisamente como dogmas de religião, mas como sentimentos da sociabilidade, sem os quais seria impossível (alguém) se tornar bom cidadão ou sujeito fiel”.

E um pouco mais adiante, o filósofo afirmava em relação ao núcleo dogmático da nova religião: “Os dogmas da religião civil devem ser simples, em pequeno número, enunciados com precisão, sem explicações nem comentários: a existência da divindade poderosa, inteligente, benfeitora, previdente e providente; a vida futura; a felicidade dos justos; a punição dos malvados; a santidade do contrato social e das leis; eis os dogmas positivos. Quanto aos dogmas negativos, eu os reduzo a um só, a intolerância: ela pertence aos cultos que temos excluído” [Rousseau, 1966: 179].

A descrença nos dogmas básicos da Religião Civil possibilitaria a expulsão dos implicados nesse pecado social. O Legislador, novo messias da joven nação libertada por ele, seria o Sumo Sacerdote dessa religião, que exprimiria a unidade total do povo na vontade geral. Não há dúvidas de que a pretensão rousseauniana de buscar a unidade da sociedade sob a direção de um poder total, espiritual e temporal, é o nascedouro do totalitarismo hodierno. Paradoxalmente, como frisa Talmon, o totalitarismo escondido no messianismo político surgiu, não porque a filosofia da Religião Civil “(...), rejeitasse os valores do século XVIII e do individualismo liberal, mas porque, desde o começo, mantinha perante eles uma atitude perfeccionista demais. Fez do homem um ponto absoluto de referência. O homem tinha se libertado, mas não só das suas limitações históricas. Todas as tradições existentes, as instituições estabelecidas e as ordenações sociais, tinham de ser derrubadas e refeitas, com o único propósito de garantir ao homem a totalidade dos seus direitos e liberdades. Era necessário libertá-lo de toda dependência” [Talmon, 1956: 272].

A democracia totalitária rousseauniana abriu o caminho, na França, para o radicalismo que acompanhou a Revolução de 1789, com o jacobinismo e o igualitarismo de Babeuf, e para as restantes manifestações de messianismo político ensejadas ao longo do século XIX, como o bonapartismo, o saint-simonismo, o comtismo e o marxismo. O Estado francês, após a Revolução, reforçou, no ciclo napoleônico e na restauração (até 1830), os traços absolutistas que tinha herdado do Ancien Regime, tendo tentado acabar de vez com as tradições feudais e fortalecendo o Poder Central.

Alexis de Tocqueville (1805-1859) frisava que a tendência da Revolução Francesa foi, justamente, a de “(...) tornar ainda maiores o poder e os direitos da autoridade pública (...). Quando a consideramos em si mesma, separando-a de todos os acidentes que mudaram temporariamente sua fisionomia em diferentes épocas e em diversos países, percebe-se, claramente, que esta revolução teve o único efeito de abolir as instituições políticas que tiveram, durante muitos séculos, vigência indiscutível para a maior parte dos povos europeus e que geralmente são designadas sob o nome de instituições feudais, para substitui-las por uma ordem social e política mais uniforme [Tocqueville, 1973: 335].

O pensador francês concluía assim as suas observações acerca do fenômeno do centralismo na política do seu país: “A própria centralização foi o sinal e o começo da Revolução. E acrescentaria ainda que, quando um povo destruiu a aristocracia, ele persegue, por si próprio, a centralização. Nestas circunstâncias, é preciso muito menos esforço para precipitá-lo sobre este plano inclinado (do que) para impedi-lo de cair. Em seu seio, todos os poderes tendem, naturalmente, para a unidade e só com muita habilidade se pode mantê-los divididos” [Tocqueville, 1973: 344-345].

Essa tendência centralizadora no seio do Estado francês manifestou-se na política absolutista de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Inspirado em Sieyès e no democratismo rousseauniano, o Imperador buscava colocar sob o seu controle toda a administração pública e até a própria religião tentando fazer surgir uma Igreja nacional. Destarte, o velho centralismo continuou sendo uma das características marcantes do Estado francês.

A V República proclamada em 1958 ensejou uma manifestação hodierna do centralismo modernizador, ao consagrar a figura de Charles de Gaulle (1890-1970) como “monarca republicano”, feição que se prolongou nos seus sucessores. Explica-se, assim, as reformas estatizantes que marcaram os primeiros anos da presidência de François Miterrand (1916-1996). Os problemas que enfrentou a França na institucionalização do Mercado Comum e na unificação da Europa decorreram, principalmente, da multiplicação pouco racional das intervenções do governo francês. A propósito deste ponto, os estudiosos Pierre e Monique Maillet frisaram: “Querendo intervir em todas partes e em qualquer momento (o Estado francês) reduz a eficácia de cada uma das suas medidas. É importante que sejam reconsiderados (...) o papel do Estado e, sobretudo, as suas modalidades de ação, visando a uma melhor distribuição das responsabilidades e das tarefas entre poder central e poderes locais” [Maillet, 1970: 126].

A herança estatizante da filosofia rousseauniana e da Revolução Francesa teve significativa repercussão nos países latino-americanos, cujos Estados nacionais surgiram no contexto do patrimonialismo ibérico. Empolgados pela retórica revolucionária de Rousseau e dos philosophes que inspiraram a Revolução de 1789, os caudilhos hispano-americanos que comandaram os processos de independência, juntaram o etéreo ideal democrático francês às antigas formas centralizadoras e absolutistas de dominação, aprendidas do colonizador ibérico. E consolidaram a independência dos seus países reforçando, na estruturação dos novos Estados nacionais, a secular tradição estatizante. No Brasil, a materialização dessa simbiose entre patrimonialismo e filosofia rousseauniana, ficaria por conta do democratismo que inspirou a Propaganda Republicana.

IV - O pensamento de Jean-Jacques Rousseau sintetizado em oito pontos:

1 – Tentativa de superar o conflito entre a obediência à própria vontade e o impulso a adaptar-se a algum critério objetivo.

No fundo da reflexão rousseauniana encontramos esse conflito, decorrente da sua irregular infância. A propósito dessa situação, escreve Talmon: “Rousseau fala de sua própria condição quando descreve, no Emílio (...) a infelicidade do homem que, depois de deixar o estado de natureza, é prisioneiro do conflito entre os seus impulsos e os deveres para com a sociedade civilizada, sempre oscilando entre as suas inclinações e os seus deveres, nem inteiramente homem nem inteiramente cidadão (...) porque nunca está de acordo consigo mesmo” [Talmon, 1969: 271].

2 – Solução para o problema: desnaturalizar esse homem assim confuso, substituindo uma existência relativa e transformando a própria consciência em consciência social.

Em relação a este ponto, Talmon escreve: “Impôs-se um modelo fixo, austero, universal, dos sentimentos e da conduta, com o objeto de criar o homem de uma só peça, sem contradições, sem força centrífuga nem desejos antissociais. O objetivo era criar cidadãos que quisessem somente a vontade geral e que, desse modo, fossem livres” [Talmon, 1969: 42].

3 – O indivíduo, conseqüentemente, só pode resolver as suas contradições íntimas num projetar-se para fora de si mesmo, tratando de se identificar com o pólo objetivo da existência, constituída pela realidade social, identificada com a vontade geral.

Quem se submeter a esta, mesmo que se obrigue a obedecê-la em tudo, não perde a liberdade; muito pelo contrário, realizá-la-á em plena medida, pois se liberta da contradição original, que o dissocia entre o dever objetivo e as inclinações subjetivas. Considerando a solução dada por Rousseau ao problema da liberdade humana, podemos frisar que ele envereda por caminho totalmente contrário ao seguido por Immanuel Kant, pois enquanto o filósofo de Königsberg tenta encontrar um fundamento transcendental, ligado à consciência do homem, para o agir ético, o pensador genebrino renuncia à subjetividade, num projetar-se total na realidade extra subjetiva da vontade geral.

4 - A vontade geral assumiu, para Rousseau o caráter de uma verdade matemática ou uma idéia platônica, com existência objetiva, mesmo que não a compreendessem os homens.

Seria necessário um forte exercício pedagógico sobre os indivíduos, para que eles descobrissem a vontade geral. Uma vez descoberta, os homens não poderiam honestamente deixar de aceitá-la. A problemática da liberdade fica reduzida à identificação do eu com a vontade geral. Como diria Espinosa, a liberdade consiste no “reconhecimento da necessidade”.

Talmon frisa que, para Rousseau, “(...). O homem e o povo foram feitos para eleger a liberdade e, se necessário, para serem forçados a ser livres” [Talmon, 1969: 42].

5 – A vontade geral consiste, para Rousseau, na unanimidade, origem da felicidade pública.

Não sendo fato consumado, ela deve ser formada no seio do povo, por intermédio do seu partido da vanguarda revolucionária, integrado pelos “puros”, que renunciaram à defesa dos seus interesses particulares, em benefício do bem público. Esse partido da vanguarda revolucionária, transformado em Comitê Revolucionário, deve destruir toda a ordem política antiga, a fim de formatar a nação jovem, que é o povo organizado unanimemente ao redor da vontade geral. O chefe da vanguarda revolucionária, uma vez triunfe a insurreição contra a velha ordem, transforma-se no Legislador, verdadeiro déspota esclarecido que, com o seu conhecimento superior, prepara o povo para cerrar fileiras em torno à vontade geral, eliminando qualquer oposição, que deverá ser considerada como atentado contra a Humanidade, porquanto conspiradora contra a racionalidade social e a felicidade pública. Qualquer meio é válido para o Legislador e a sua Vanguarda Revolucionária conseguirem materializar a unanimidade no seio do povo.

6 – No fim de todo o processo de unificação totalitária, Rousseau enxergava o surgimento de um novo tipo de homem.

Ele possuiria uma nova mentalidade (alheia à defesa dos interesses individuais), com novos valores, com nova sensibilidade, totalmente livre dos velhos instintos, maus hábitos e preconceitos. Trata-se de uma conversão de tipo religioso, que abarca a Humanidade por inteiro.

7 – Para facilitar o trabalho de conscientização política a ser efetivado pelo Legislador e o Comitê Revolucionário, Rousseau propunha uma Religião Civil.

Essa idéia inspirava-se na consideração da história do Império Romano, no qual, segundo o pensador, tinha se consolidado a autoridade inquestionável dos Césares, ao redor da Religião do Estado. O nosso autor inspirou-se, também, na leitura do Leviatã, de Thomas Hobbes, que propunha a unificação dos poderes espiritual e temporal nas mãos da autoridade única e inquestionável do soberano absoluto.

A índole da religião que Rousseau propunha, era assim explicada pelo filósofo: “Existe, pois, uma profissão de fé puramente civil, cujos artigos o soberano está incumbido de fixar, não precisamente como dogmas de religião, mas como sentimentos de sociabilidade, sem os quais seria impossível alguém se tornar bom cidadão ou sujeito fiel” [Rousseau, 1966: 179]. A nova religião deveria ter um conjunto de normas simples. Quem não se ajustasse aos mandamentos apresentados pelo Legislador, deveria ser expulso do corpo social, como inimigo da felicidade pública. Inspiraram-se nesse modelo os “Comitês de Salvação Pública”, surgidos após a Revolução Francesa e que deram ensejo ao terror jacobino (entre 1789 e 1798), os “Comitês dos Sovietes” (na Revolução Comunista de 1917), os “Comitês para a Defesa da Revolução” (das revoluções castrista e chavista), a “Polícia para a Defesa do Islã” (da revolução iraniana de 1979), os “Comitês da Revolução Cultural” de Mao-Tse-Tung, na China, os “Conselhos Nacionais” do lulopetismo, etc.

8 – Há uma evidente contradição entre a filosofia política proposta por Rousseau no seu Contrato Social e as idéias educacionais presentes na Nova Heloísa e no Emílio ou da Educação.

Ao passo que na parte pedagógica o filósofo de Genebra defendia a “educação para a liberdade”, superando a velha pedagogia de impor modelos comportamentais à criança e apregoando que a educação seria uma ação de estímulo às capacidades do educando, a fim de que estas desabrochassem nele, junto com o exercício da liberdade, considerada como o maior bem do homem, na parte política Rousseau defendia o contrário: a aniquilação da liberdade individual para se conseguir o maior bem almejado: a unanimidade do corpo social. O problema é de uma contradictio in terminis, como diziam os escolásticos. Problema de autêntica duplicação da personalidade, um caso mais de psiquiatria do que de filosofia. Afinal das contas, não é exagero se perguntar pela sanidade mental de alguém que escreve, na sua maturidade, uma obra com o seguinte título: Diálogos – Rousseau, juiz de Jean-Jacques.

V – Três seguidores conspícuos de Rousseau: Napoleão, Bolívar e Marx.

Nesta parte do nosso ensaio serão desenvolvidos três itens: 1 - Napoleão Bonaparte (1769-1821): o “Legislador” pensado por Rousseau. 2 - Simón Bolívar (1783-1830): a formação de um líder revolucionário à sombra das ideias de Rousseau. 3 – Karl Marx (1818-1883), e a inspiração rousseauniana da “Revolução do Proletariado”.

1 - Napoleão Bonaparte (1769-1821): o “Legislador” pensado por Rousseau.

Como Júlio de Castilhos (1860-1903) ou Getúlio Vargas (1883-1954), Bonaparte não foi um teórico da política. Foi mais um político pragmático. Como frisa Touchard (1918-1971), “o Império é uma época de ação, não de doutrina. Napoleão detesta os ideólogos, e atribui à ideologia a responsabilidade por todas as desgraças sofridas pela França” [cf. Touchard, 1972: 366]. O Imperador considerava a ideologia “como essa tenebrosa metafísica que, ao procurar com sutileza as causas primeiras, quer fundar sobre essas bases a legislação dos povos, em lugar de adequar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da História” [apud Touchard, 1972: 366-367]. Daí por que, diante da necessidade de caracterizar a política napoleônica, devemos prestar atenção aos mecanismos mediante os quais o Imperador pretendeu consolidar, de forma prática, a sua obra. Se bem é certo que o Bonaparte rejeitava a teoria abstrata, conferia grande valor, no entanto, ao sustentáculo cultural que, do ângulo da imaginação popular, dava alicerce à política real.

Nesse pragmatismo, duas variáveis passavam a jogar um aspecto importante: a religião e o teatro. A primeira seria, para ele, o sustentáculo da ordem social. “Não vejo na religião – frisava– o mistério da Encarnação, mas o mistério da ordem social”. Ela satisfaz o nosso “amor pelo maravilhoso (...). Os sacerdotes valem mais do que os Cagliostro, os Kant e todos os sonhadores da Alemanha”. O teatro, por sua vez, garantiria o reinado da imaginação que é, para os povos, o alimento do espírito. O Imperador considerava que “o vício das nossas instituições consiste em não ter nada que fale à imaginação. Somente com o seu concurso pode-se governar o homem. Sem a imaginação, ele é um bruto” [apud Touchard, 1972: 367]. Daí a grande importância que o Imperador conferiu ao teatro. Napoleão insere-se, assim, no contexto da reação ao Iluminismo, embora também receba a influência desta corrente.

O cerne pragmático da estrutura do poder institucionalizado, segundo Napoleão, seria o Conselho de Estado que, ligado diretamente ao Imperador, teria como finalidade essencial auxilia-lo na confecção das Leis de que a Nação carecia, para sua organização política e administrativa. Napoleão entendia o Estado como um Sistema de Engrenagens matematicamente sincronizadas entre si.

Entre 1800 e 1814, foi justamente o Conselho de Estado o órgão que se responsabilizou pela legislação e que deu ensejo, portanto, à institucionalização do Estado Francês. O papel da Magistratura seria o de preservar o conjunto de leis ensejado pelo Império e fazer com que a máquina governamental e administrativa funcionasse a contento. Em primeiro lugar, valha salientar um aspecto essencial do Império napoleônico: o valor que o Soberano conferia à formulação da Lei e à sua aplicação. “A minha glória, disse Napoleão em 1818, não consiste em ter vencido quarenta batalhas. O que ninguém apagará, o que viverá eternamente, é o meu Código Civil e os processos verbais do Conselho de Estado”. Sobre essa base legal nova, a ação da Magistratura seria racional e justa, no sentir do Imperador, que pretendia encarnar a figura do Legislador que tinha sido pensado por Rousseau como a autoridade mais graduada do Estado.

O cerne do Império napoleônico, o coração do que o Imperador chamava de Sistema, era constituído pelo Trono e pelo Conselho de Estado. Esse Sistema foi progressivamente preparado por Bonaparte já no período do Consulado. O Império só veio a desvendar o que já era uma realidade: tudo girava ao redor do Primeiro Cônsul Vitalício. Napoleão agia inspirado pelo pensamento de Rousseau, mas entendido em sentido diferente da Convenção e dos Jacobinos: ao passo que tal inspiração, neles, traduziu-se no assembleísmo e na impossibilidade de governar, o Imperador fez uma interpretação rigorosamente centralizadora e unipessoal da busca dos melhores: o representante da Nação era somente o Soberano, o seu Legislador supremo.

Valha a pena salientar, aqui, que Napoleão tinha lido os escritos de Jacques Necker (1732-1804), que foi o último ministro de Finanças de Luís XVI. O jovem oficial tinha se dirigido ao ministro para que levasse em consideração as peculiares condições da Córsega, na formulação da política econômica do Reino, poucos anos antes de eclodirem os acontecimentos de 1789. Necker, aliás, tinha apresentado ao Soberano, na véspera da Revolução, um plano de salvação da França, alicerçado na iniciativa que o Monarca deveria decididamente assumir, para garantir o abastecimento de gêneros de primeira necessidade ao povo (impedindo a especulação que grassou no final do Ancien Regime, fazendo explodir as tensões sociais) e instaurar a Monarquia Representativa, sem contudo ceder às chantagens dos mais exaltados. O projeto de Monarquia Moderada de Necker talvez tenha servido de ponto de meditação para Bonaparte. O jovem general terminou concluindo que somente uma Monarquia salvaria a França. O rousseauismo de Bonaparte levou-o a pensar, contudo, como vimos, numa Monarquia absoluta. De qualquer forma, os escritos do ex-ministro de Luís XVI eram conhecidos pelo jovem general.

Voltemos à análise do que constituía o cerne do modelo napoleônico. Cabia somente ao Imperador elaborar as leis e organizar o Estado, fazendo girar, ao seu redor, todas as instituições públicas e até a própria sociedade. Era isso o que Napoleão entendia como seu Sistema. Inspirado no grande astrônomo Pierre Simon de Laplace (1749-1827), que tinha sido seu professor de matemática na Escola Militar, o Imperador considerava, de outro lado, que a Nação toda devia ser arregimentada e racionalizada pelo centro único de Poder, que agiria, no universo político, como os astros giravam ao redor do Sol no Sistema de Newton (1643-1727). Assim como Laplace conseguiu elaborar uma equação que possibilitasse situar, com precisão matemática, os movimentos dos diversos elementos do Sistema cosmológico, com igual precisão seria possível prever e regular o comportamento dos diversos agentes sociais ao redor do centro único, no Sistema político.

É curioso notar que Napoleão entendia o seu Sistema num contexto teodiceico que funcionava mais ou menos assim: de forma semelhante a como Deus está presente no cosmo newtoniano através do espaço absoluto, que era definido pelo físico inglês como sensorium Dei, da mesma forma, no universo político, tudo girava ao redor do Imperador. Napoleão ficou muito chateado com o seu mestre Laplace, porque este não reconhecia a validade da hipótese da presença de Deus no Universo físico, traduzido matematicamente pelas suas famosas equações [cf. Vianna, 1971: 1-2].

O rousseauismo de Bonaparte propendeu para a centralização do poder na sua mão de forma exclusiva, ao passo que essa filosofia, nos momentos anteriores (da Revolução e do Terror) tentou encontrar, ora nas massas amotinadas, ora no Diretório, ora na Convenção, ora no Comitê de Salvação Pública, a estranha encarnação dos denominados puros, habilitados moralmente para formatar as virtudes republicanas no resto. Houve em Napoleão, portanto, uma leitura à la Maquiavel (1469-1527) e à la Hobbes (1588-1679) dos princípios do democratismo de Rousseau, justamente como depois do Imperador passaram a fazer essa leitura outros líderes inspirados no seu exemplo, como é o caso de Simón Bolívar (1783-1830), na Nueva Granada, e de Júlio de Castilhos (1860-1903) ou Getúlio Vargas (1883-1954), no Brasil. A própria filosofia política passou a elaborar os seus arquétipos à maneira napoleônica: a ditadura científica de Saint-Simon (1760-1825) e de Comte (1798-1857), não é outra coisa do que uma elucubração ao redor do que já existia na França entre 1800 e 1814 no regime napoleônico.

Mas voltemos à ação do Conselho de Estado no seio do Sistema napoleônico [cf. França, 2002: 1o Império – Conselho de Estado]. O Conselho, criado em 1799, foi o responsável pela efetivação das grandes reformas e era muito freqüentemente presidido pelo próprio Napoleão, na qualidade de Primeiro Cônsul (desde a sua criação até 1804) e na de Imperador (a partir de então até 1814). O mencionado Corpo estava integrado por 40 membros escolhidos pelo Imperador. Na escolha, Napoleão olhava, sobretudo, para a formação jurídica dos seus conselheiros, embora levasse em consideração, também, o conhecimento que eles tivessem das realidades do país, nas suas várias especialidades.

O papel legislativo mais visível do Conselho consistiu na preparação, em tempo recorde, dos cinco grandes Códigos napoleônicos: o Código Civil (1804), o Código de Processo Civil (1806), o Código de Comércio (1807), o Código de Instrução Criminal (1808) e o Código Penal (1810). O movimento de codificação tinha como finalidade integrar, num todo coerente, o cipoal de leis e regulamentos antigos, muitos deles de origem medieval, a fim de que as novas leis exprimissem as necessidades e os interesses da sociedade emergente da Revolução. Tal empresa jurídica de grande envergadura foi possível graças à conjunção de dois fatores históricos: de um lado, o rompimento da velha ordem decorrente da Revolução de 1789 e, de outro, a férrea vontade do Imperador, ligada à sua forma ampla de entender o panorama político da época, tentando preservar o que, do seu ponto de vista, seria essencial à sociedade francesa.

2 – Simón Bolívar (1783-1830): a formação de um líder revolucionário à sombra das ideias de Rousseau.

É indiscutível a presença dos ideais rousseaunianos nas lutas da independência dos vários países ibero-americanos [cf. Sánchez Vásquez, 1969; Vélez, 1978 e 1985, Arciniegas, 1984]. Tenciono mostrar a inspiração exercida pelo filósofo de Genebra sobre uma das mais expressivas personalidades do mundo ibero-americano: o Libertador Simón Bolívar. Desenvolverei dois aspectos: A - O Mestre, em que destacarei como o pensamento rousseauniano inspirou o tutor e mestre de Bolívar, Simón Rodríguez (1771-1854) e como este marcou a formação intelectual do Libertador e B - O Discípulo, em que analisarei a influência de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) em Bolívar.

A - O Mestre.

Simón Rodríguez foi, sem dúvida, o educador que exerceu maior influência na formação da personalidade do Libertador Simón Bolívar. Rodríguez nasceu em Caracas e veio a falecer em Amotape, cidadezinha do Departamento de Piura (Perú) [Cf. Liévano Aguirre, 1987: 15-22].

Se teve alguém que encarnou, de forma fiel, o ideal existencial e de concepção humanística apregoados por Jean-Jacques Rousseau, foi Simón Rodríguez. Ele reproduziu, na sua vida e nos seus ensinamentos, os ideais rousseaunianos: autodidatismo, relação estreita entre natureza e sociedade, moral alicerçada na liberdade, domínio do sentimento sobre a razão, teoria da bondade natural do homem e doutrina do contrato social [Cf. Francovich, 1983: 2].

Simón Rodríguez também sofreu a influência de Holbach (1723-1789) e de Saint-Simon (1760-1825). Do primeiro, o educador de Bolívar tirou a valorização do conhecimento científico e experimental da natureza, influência que, aliás, também tinha recebido de Rousseau. De Saint-Simon recebeu os ideais socialistas, calcados sobre a idéia rousseauniana de igualdade. A filosofia que prevaleceu em Rodríguez foi, como se pode observar, a de Rousseau.

Como o filósofo de Genebra, Simón Rodríguez foi um pensador itinerante. “Não quero - dizia - ser como as árvores, deitando raízes num lugar para não sair dali. O vento, a água, o sol, tudo que se move e não pára nunca, essa é a vida para mim” [in Castro: 1973, 22]. O próprio Bolívar exprimiu da seguinte forma a personalidade itinerante e cosmopolita do seu mestre e amigo: “É o melhor homem do mundo, mas, como é um filósofo cosmopolita, não tem pátria, nem lar, nem família, nem nada” [in Castro, 1973: 22]. Nas suas atitudes práticas o mestre de Bolívar era também um rousseauniano puro: autodidata - como já foi salientado -, amante da natureza, defensor incansável dos oprimidos, reformador audacioso dos métodos pedagógicos, tratava-se de uma personalidade polifacetada, difícil de ser enquadrada num sistema de pensamento ou num stablishment.

Essa sua natural originalidade o levou a mudar de nome, tendo adotado o de “Samuel Robinson”. Guillermo Francovich (1901-1990) [1945: 75] sintetizou assim a figura de Rodríguez: ”A personalidade do ‘Mestre do Libertador’, Simón Rodriguez, é uma das mais originais da história americana. São conhecidas várias anedotas suas graças às quais, se tivesse nascido na Grécia clássica, teria merecido figurar na galeria dos ‘filósofos ilustres’, de Diógenes Laercio, junto a mestres do pensar cínico e cético. Em que pese a sua aparente excentricidade, Simón Rodríguez foi um espírito profundamente humano e preocupado sempre com os problemas do bem-estar social”.

J. A. Cova [1943: 31] , por sua vez, identifica Rodríguez como uma espécie de cópia de Rousseau, da seguinte forma: “As excentricidades, as debilidades ou as manias do angustiado escritor das Confissões revivem incorporadas no ‘dromômano’ impenitente, no preceptor sistemático, no sofista e no poeta hipocondríaco”. O contato de Simón Rodríguez com Bolívar deu-se em três momentos: na adolescência do seu pupilo, entre os 11 e os 14 anos (1794-1797), na sua juventude, aos 21 anos de idade (1804-1805) e vinte anos depois, quando já Bolívar era o Libertador de cinco países. Em todos esses momentos, a influência do mestre sobre o discípulo foi decisiva.

Em relação à influência exercida por Rodríguez sobre o Bolívar adolescente, Jules Mancini [1970: 118] escreve: “Investido de total autoridade sobre o seu discípulo predileto, pensou então Rodríguez em realizar um projeto particularmente grato ao seu coração, o de tratar de pôr em prática o sistema por excelência de educação apregoado por Rousseau. O menino que lhe tinha sido entregue era, como deve ser Emílio, ‘rico’, ‘de grande linhagem’, órfão’, ‘robusto’ e ‘sadio’ e, ao mesmo tempo, não realizava Rodríguez o ideal do preceptor desejado por Jean-Jacques? ‘Jovem’, ‘prudente’, ‘celibatário’ e ‘independente’, ‘uma alma sublime’, qualidades ou atributos aos que podia pretender Simón Rodríguez, o qual, então, tinha vinte e um anos e gozava da reputação de ser o melhor professor da cidade”.

A fim de que o discípulo desenvolvesse as suas potencialidades, o tutor dedicou-se, como dizia Rousseau [1958] no Émile ou de l’ Education, à “difícil tarefa de não ensinar nada ao seu discípulo”, a fim de que pudesse permanecer em “estado natural”. De outro lado, convencido da verdade do axioma rousseauniano de que “a razão do sábio acostuma se associar ao vigor do atleta”, Rodríguez prolongou a permanência do seu pupilo no campo e conseguiu desenvolver maravilhosamente as aptidões físicas do futuro Libertador, que se caracterizava por ser um andarilho incansável, um exímio ginete e um intrépido nadador com quem, como frisa Mancini [1970: 118] “não conseguiu competir nenhum dos seus companheiros de armas”.

Em relação à influência exercida por Simón Rodríguez no período de juventude de Bolívar, o próprio Libertador deu testemunho de grande valia. Em carta dirigida, de Paris, à sua prima Fanny D’Ervieu de Villars (1775-1845), em 1804, Bolívar confessa que foi Simón Rodríguez quem o tirou do estado de depressão em que se encontrava após o falecimento de sua esposa María Teresa Rodríguez de Toro (1781-1803), ocorrido em 1803, e quem lhe indicou o caminho da luta em prol da liberdade da América espanhola, como meta que desse sentido à sua vida [Bolívar, 1912: 41-42]. Em 1805, mestre e discípulo viajaram à Itália e ali, no Monte Sacro, em Roma, Bolívar pronunciou, diante de Rodríguez, o famoso juramento de libertar os povos hispano-americanos [Mancini, 1970: 150].

Em relação à influência exercida por Simón Rodríguez na maturidade do Libertador, é muito significativa a carta dirigida por ele ao seu mestre, que então regressava à Ibero-America, depois de 20 anos de permanência na Europa. Eis um trecho dessa carta, datada de 1824: “Ô, meu mestre! Ô, meu amigo! Ô, meu Robinson! O senhor na Colômbia! O senhor em Bogotá e não me falou nada, não me escreveu nada! Sem dúvida que o senhor é o homem (...) mais extraordinário do mundo (...). Ninguém mais do que eu sabe quanto o senhor ama a nossa adorada Colômbia. Lembra o senhor quando fomos ao Monte Sacro, em Roma, jurar sobre aquela terra santa a liberdade da Pátria? (...) O senhor, meu mestre, quanto deve ter me observado de perto, mesmo que colocado em tão remota distância! Com que interesse o senhor deve ter seguido os meus passos, dirigidos muito antecipadamente pelo senhor mesmo (...). Não pode o senhor imaginar quão fundo gravaram-se no meu coração os seus ensinamentos; não tenho conseguido apagar sequer uma vírgula das grandes máximas que o senhor tem-me presenteado: sempre presentes aos meus olhos, tenho-as seguido como guias infalíveis (...). Fico impaciente por saber quais são os seus planos a respeito de tudo (...). O senhor contemplará com encanto a imensa pátria que tem sido esculpida na rocha do despotismo pelo buril vitorioso dos libertadores, os seus irmãos (...). Venha ao Chimborazo. Profane com o seu ousado pé a escala dos Titãs, a coroa da Terra, a torre inexpugnável do Universo Novo. (...) Amigo da natureza, venha perguntar a ela pela sua vida e pela sua essência primitiva (...). Lá (na Europa), ela está dobrada sob o peso dos anos, das doenças e do hálito pestilento dos homens; aqui ela é donzela, imaculada, formosa, ornada pela mão mesma do Criador” [apud Mancini, 1970: 154-155].

O Libertador quis que o mestre irradiasse a luz dos seus conhecimentos nos países recém libertados. No Alto Perú (Bolívia), Simón Rodríguez tentou desenvolver as suas “escolas-modelo”, em que se realizaria o ideal de um “socialismo pedagógico”, com a finalidade de transformar as crianças abandonadas em cidadãos livres. A intenção desse empreendimento, frisava Rodríguez, “não era encher o país com artesãos rivais ou miseráveis, mas instruí-los e acostumá-los ao trabalho para fazê-los homens úteis, dar-lhes terras e apoiá-los nos seus empreendimentos. Tratava-se de colonizar o país com os seus próprios habitantes. Dava-se instrução e ofício às mulheres para que não se prostituíssem por necessidade, nem fizessem do matrimônio um negócio para garantir a sua subsistência” [apud Francovich, 1945: 79]. A iniciativa de Rodríguez não prosperou, de um lado, por causa da sua falta de espírito prático e, de outro, devido às intrigas das oligarquias, das quais, aliás, foi também vítima o próprio Libertador, marginalizado da vida pública nos seus últimos anos [cf. Francovich, 1984: 2; García Márquez, 1989: 269-272; Mutis, 1982: 70-93]. Mestre e discípulo tiveram, assim, um final de incompreensão, como o tivera também o genial inspirador de ambos, “o homem que acreditava no homem”, Rousseau, para repetir o feliz título da obra de Marc-Vincent Howlet [1994].

B - O Discípulo.

Se bem é certo que a formação de Simón Bolívar sofreu, como vimos, a marcante influência do seu tutor e mestre, Simón Rodríguez, não se pode afirmar, contudo, que se circunscrevesse aos ideais humanísticos rousseaunianos do seu “Robinson”. Houve no Libertador, também, a formação militar. Para compensar a formação heterodoxa e romântica que o tutor dispensava ao adolescente, o seu previdente tio, don Carlos Palacios y Blanco (1762-1805), decidiu incorporá-lo como cadete no Batalhão de Voluntários de Aragua, o mesmo no qual o pai de Bolívar tinha servido. Entre 1797 e 1798, durante 13 meses, o futuro Libertador recebeu a sua formação militar. Como frisa Sandoval Franky [1991: 40], “(...) daí em diante, até a sua morte, essa atividade seria a sua mais gloriosa, talvez a sua exclusiva e verdadeira profissão”.

Era evidentemente clara a feição militar da personalidade de Bolívar. “A guerra é meu elemento; os perigos, a minha glória”, afirmava ele mais tarde. Com ironia melancólica, o Libertador escrevia ao general colombiano Francisco de Paula Santander (1792-1840): ”Sendo a organização dessa República tão sublime e eu tão soldado, não sou capaz de manejar teclas tão delicadas “. “Fora do exército - afirmava Bolívar em outra oportunidade - estou fora do meu centro”. Mais uma afirmação significativa: “Soldado por necessidade e inclinação, o meu destino está traçado no campo ou nos quartéis”. Ou esta outra: “A minha horrível profissão militar tem-me obrigado a me formar uma consciência de soldado e um braço forte que não pode manejar o bastão mas a espada” [apud Sandoval Franky, 1991: 40]. Se os ideais humanísticos e cívicos foram bebidos por Bolívar na fonte rousseauniana, o seu arquétipo militar foi Napoleão Bonaparte (1769-1821). Como frisa Mancini [1970: 151], “não lhe foi possível se subtrair à influência dos dois homens cujo pensamento e cuja ação dominam o século e a Jean-Jacques e a Napoleão é a quem Bolívar pedirá lições e exemplos”. Não obstante a admiração que o Libertador tinha pelo herói da França na época da assinatura do Tratado de Amiens, em 1802 [cf. Cova, 1943: 49], quando da coroação deste, em 1804, como Imperador dos Franceses, Bolívar considerou que Napoleão tinha traído os ideais republicanos. Ao general Tomás Cipriano de Mosquera (1798-1878) confessou, anos mais tarde: “Depois que Napoleão foi rei, a sua glória mesma parece-me o resplendor do inferno, as chamas do vulcão que cobria a prisão do mundo” [Mosquera, 1977: 39].

Destarte, o arquétipo militar que Napoleão representava estava submetido, na concepção de Bolívar, à preservação do ideal republicano apregoado por Rousseau, centrado na salvaguarda da salvação pública, num momento de crise de legitimidade como o que viviam as nações hispano-americanas. O princípio que inspirou a gesta revolucionária de Bolívar foi, sem dúvida, o exposto por Rousseau [1962: 150] no seu Contrat Social: “Só os maiores perigos podem contrabalançar (o poder) de alterar a ordem pública, e nunca se deve suspender o sagrado poder das leis, a não ser quando se trata da salvação da pátria. Nesses casos raros e manifestos, providencia-se a segurança pública por um ato particular que confia o cargo ao mais digno (...), nomeia-se um chefe supremo que faça silenciar todas as leis, suspendendo a vontade geral, sendo evidente que a primeira intenção do povo é a de que o Estado não pereça”.

Esse foi o princípio que, por exemplo, levou Bolívar a aceitar exercer a ditadura na Venezuela, em 1814 e no Peru, em 1824. Mas a inspiração rousseauniana do Libertador não parava aí. Uma vez garantida a independência e a liberdade às nações hispano-americanas, o Libertador aspirou ao supremo ideal rousseauniano: encarnar a figura do Legislador, o “(...) indivíduo único (...), ser extraordinário, inspirado e quase divino, capaz de dar a um povo, no ponto de partida, na origem de sua vida política, o seu ‘sistema de legislação’, as suas leis essenciais, fundamentais, fonte de instituições duradouras” [Chevallier, 1973: 173].

Assim, o aspecto fundamental do Bolívar político foi o do Legislador que pensou os fundamentos legais do pacto social, o qual garantiria a liberdade e a igualdade às nações recém libertadas do jugo espanhol. É evidente que a concepção constitucionalista do Libertador não se alicerçava, apenas, em fontes rousseaunianas. Inspiradores dela foram, também, Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755), Sieyès (1748-1836) e os constitucionalistas anglo-americanos. O projeto de constituição apresentado por Bolívar no Congresso de Angostura (1819) deixava ver essas influências nas oito grandes propostas ali contidas: 1) forma republicana de Estado; 2) a soberania nacional materializada nos representantes da nação eleitos por sufrágio censitário; 3) adoção da divisão dos poderes públicos, que seriam quatro: executivo, legislativo, judiciário e moral; 4) adoção dos direitos individuais e das liberdades públicas, à semelhança das experiências norte-americana e francesa; 5) abolição da escravidão e dos títulos nobiliárquicos; 6) organização política e administrativa com base no princípio centralista; 7) adoção do modelo presidencialista norte-americano, com um executivo monocrático controlado por um legislativo bicameral; 8) criação de um poder moral com funções para garantir uma fundamental educação cívica aos cidadãos [Rozo Acuña, 1983: 14-15].

Pode-se afirmar, no entanto, que a influência de Rousseau é a mais marcante no pensamento constitucional de Bolívar, toda vez que na filosofia política do genebrino se alicerça o aspecto mais original da proposta bolivariana: a idéia do poder moral. Bolívar pretendia, com ele, dar ensejo ao “regime da virtude” apregoado por Rousseau no seu Contrat Social, e que consistia, fundamentalmente, no banimento dos interesses particulares para que emergissem o bem público e a vontade geral indivisível, infalível, absoluta, inalienável, sagrada e inviolável.

O seguinte trecho do discurso pronunciado por Bolívar em Angostura, em 1819, é revelador da sua inspiração rousseauniana: “Para tirar deste caos a nossa nascente República, todas as nossas faculdades morais não serão suficientes, se não fundirmos a massa do povo num todo; a composição do governo num todo; a legislação num todo, e o espírito nacional num todo. Unidade, unidade, unidade, deve ser a nossa consigna (...). A educação popular deve ser o cuidado primogênito do amor paternal do Congresso. Moral e luzes são os pólos de uma República, moral e luzes são as nossas primeiras necessidades. Tomemos de Atenas o seu Areópago e os guardiães dos costumes e das leis; tomemos de Roma os seus censores e os seus tribunais domésticos; e fazendo uma Santa Aliança dessas instituições morais, renovemos no mundo a idéia de um povo que não se contenta com ser livre e forte, mas que quer ser virtuoso. Tomemos de Esparta os seus austeros estabelecimentos, e formando desses três mananciais uma fonte de virtude, demos à nossa República uma quarta potestade, cujo domínio seja a infância e o coração dos homens, o espírito público, os bons costumes e a moral republicana. Constituamos esse Areópago para que vele sobre a educação das crianças, sobre a instrução nacional; para que purifique o que se tenha corrompido na República (...). A jurisdição desse Tribunal verdadeiramente Santo, deverá ser efetiva em relação à educação e à instrução e de opinião somente nas penas e castigos. Mas os seus anais ou registros onde se consignem as suas atas ou deliberações; os princípios morais e as ações dos cidadãos, serão os livros da virtude e do vício. Livros que consultará o povo para as suas eleições, os Magistrados para as suas resoluções e os juízes para os seus juízos (...)” [Bolívar, 1971: 116-117].

Lendo as anteriores palavras, conclui-se que não é exagero dos biógrafos do Libertador (La Croix, Ducoudray-Holstein, O’Leary, Mancini, etc.) a afirmação de que as obras de Rousseau “constituem (...) em toda ocasião, a sua leitura favorita. Tira dos Discursos o fundo do seu vocabulário até o ponto que, ao ler Bolívar, a gente crê, às vezes, ler uma tradução de Rousseau. Quando se trata de celebrar com festas os primeiros triunfos dos exércitos libertadores, consulta a Lettre sur les spectacles. O livro Du Contrat Social ‘farol dos legisladores’, é o seu código de política, e La Profession de foi du vicaire savoyard lhe serve de religião” [Mancini, 1970: 151].

Mas não foi apenas o Bolívar político ou legislador que revelou a influência rousseauniana. Ela se revela também, de forma marcante, no Bolívar educador, para quem o processo educacional consistia no “endurecimento do corpo como suporte do espírito” [apud Acevedo Carmona, 1989: 26]. A influência rousseauniana manifesta-se, outrossim, no Bolívar romântico que ama as mulheres e a vida do bon sauvage e que sente cansaço pela velha Europa. A Fanny de Villars, de quem se apaixonou em Paris, escrevia o jovem Bolívar em 1807: “Vou procurar outro modo de existir; estou fatigado com a Europa e com as suas velhas sociedades; regresso à América. O que farei ali? (...). Ignoro-o (...). Sabeis que tudo em mim é espontâneo e que jamais faço projetos. A vida do selvagem possui para mim muitos encantos. É provável que eu construa uma palhoça em meio aos belos bosques da Venezuela (...) [apud Gaitán de Paris, 1991: 43]. Outro traço romântico do Libertador, que o aproxima de Rousseau, vamos encontrar na mística revolucionária que o inspirava e que o levou a proferir, em 1805, no Monte Sacro, em Roma, o juramento de libertar a sua pátria [Mancini, 1970: 149-150]. Feição romântica é também a sua rousseauniana admiração pela natureza, expressão da qual foi o seu memorável “Delírio sobre o Chimborazo” (1824) [Mancini, 1970: 148-149; cf. Arciniegas, 1988: 57] , bem como o fascínio e o magnetismo de sua personalidade que, sem, dúvida, lembram o herói à la Rousseau e o carisma napoleônico [cf. Noguera Mendoza-Castro, 1983: 83, 137, 168].

Como Rousseau e como o seu mestre, Simón Rodríguez, Bolívar teve um final de incompreensão, de que dão testemunho as seguintes palavras escritas, pouco antes de morrer, à amiga Fanny de Villars: “(...) Morro desprezado, proscrito, detestado por aqueles mesmos que gozaram dos meus favores; vítima de intensa dor, cativo de infinitas amarguras. Deixo-te minhas recordações, minhas tristezas e as lágrimas que meus olhos não chegaram a derramar” [in Castro, 1973: 275].

3 – Karl Marx (1818-1883), e a inspiração rousseauniana da “Revolução do Proletariado”.

Karl Marx nasceu em Treves, capital da província alemã do Reno, em 5 de maio de 1818 e faleceu em Londres, em 1883. Na cidade natal, o nosso autor teve oportunidade de sentir duas influências contrárias: o liberalismo revolucionário, herdeiro do jacobinismo francês e, de outro lado, a reação conservadora capitaneada pela Prússia, defensora do Antigo Regime. O pai de Karl, Hirschel Marx (1777-1838) era advogado, tendo abandonado o judaísmo em 1824, batizando-se na Igreja Luterana com o nome de Heinrich. Os estudiosos consideram que nessa conversão mediaram motivos de índole econômica, pois na Renânia, onde residia a família Marx, os cargos públicos estavam vedados aos judeus. A mãe do nosso autor, Enriqueta Pressburg (1787-1863), era descendente de rabinos.

Completados os estudos secundários em Treves, Marx ingressou na Universidade de Bonn, a fim de estudar Direito. Em 1836, o jovem estudante transferiu-se para a Universidade Friedrich Wilhelms de Berlim para continuar os estudos de Direito. O seu foco de interesse, no entanto, era o estudo da História e da Filosofia, tendo abandonado o curso inicial. Em Berlim, o nosso autor recebeu a influência do pensamento de Hegel (1770-1831). O estudante dedicado que era Marx, logo se filiou à denominada corrente da Esquerda Hegeliana capitaneada por Ludwig Feuerbach (1804-1872), que repudiava a exaltação que Hegel tinha feito do Estado Prussiano.

Em Karl Marx, o ativista sobrepôs-se ao intelectual, dando ensejo a uma posição radical, que o conduziu ao modelo de socialismo totalitário, que passou a ter vigência na Rússia e nos outros países comunistas, pelo mundo afora, ao longo do século XX, com um saldo trágico de mais de 90 milhões de mortos [cf. Courtois, et alii, 1997: 14]. Marx descartou o processo de inserção dos trabalhadores, pela via legal, nas conquistas que os beneficiaram, através das lutas parlamentares e da representação, na Alemanha e na França. Brigou com os líderes sindicais moderados e tentou impor a sua visão radical de sindicalismo revolucionário, que conduziria à ditadura do proletariado. Terminou sendo derrotado pelos fatos, pois o modelo de reformas sociais na Alemanha, na França, na Inglaterra e alhures não foi o revolucionario, mas o reformista, através da luta parlamentar. Pensadores como Proudhon, Lasalle ou Bernstein, foram os que conseguiram efetivar as reformas, pela via institucional e não pelo caminho totalitário da revolução socialista, como aconteceu no mundo comunista.

As idéias filosóficas de Marx podem ser sintetizadas nos seguintes pontos:

A. Adoção da perspectiva transcendental. Marx, como Immanuel Kant (1724-1804), desmistifica o conhecimento humano, que nas metafísicas dogmáticas tinha ficado reduzido a uma cópia passiva da realidade exterior. Quando o nosso autor afirmava que “até agora os filósofos estiveram preocupados em contemplar o mundo, nós vamos transformá-lo”, justamente propunha um novo tipo de conhecimento em que a verdade fosse efeito da ação humana, não fruto da pura contemplação de um arquétipo pré-existente fora da razão.

B. Formulação do 11º mandamento: “Não explorarás o trabalho alheio”. Marx reagiu contra um princípio de ação estranho ao homem (moralidade pautada pela religião ou pelas leis da circulação de mercadorias), e colocou como critério de ação o homem mesmo, na sua dinâmica histórica, no seio da consciência de classe. Não há dúvida quanto à inspiração kantiana do imperativo formulado por Marx. Como frisa Antônio Paim, “segundo Kant, os princípios morais só o são se não se subordinam a qualquer classe de coação externa e se correspondem a uma exigência profunda da racionalidade, aparecendo ao homem como autêntico imperativo. Essa afirmativa não envolve, por certo, a solução do grave problema da coerência do homem com semelhantes princípios, mas explica satisfatoriamente a vitalidade da ética cristã. A força do marxismo reside no mesmo princípio. O mandamento segundo o qual ´Não explorarás o trabalho alheio´ parece consistir no ápice de toda uma ética humanista” [Paim, 1984: 502].

C. Formulação do materialismo histórico. Competiria a Marx corrigir o rumo da reflexão feuerbachiana operando o trânsito entre o naturalismo de Feuerbach e o historicismo. A consciência da necessidade nasce não apenas da exterioridade da natureza, mas também da própria história humana. O estímulo para o movimento e a transformação é interior à própria realidade humana. A necessidade é, portanto, não apenas exigência natural, mas também força geradora e motora da história. Em lugar do homem abstrato da natureza, temos o homem concreto e vivo da história, através da classe social. O homem que adquiriu consciência de classe entra na luta de classes, na qual consiste a essência da política, idéias que Marx tira dos doutrinários franceses Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) e François Guizot (1787-1874). A massa humana, que tinha sido idealizada por Feuerbach, encontra em Marx uma formulação concreta e atuante [cf. Mondolfo, 1960]. Marx sintetizou esta dimensão na sua frase, presente na obra A ideologia alemã: “A existência humana determina a consciência”. A propósito deste ponto, frisa Antônio Paim [1984: 496]: “Resumindo, temos que o momento Kant-Hegel chega a uma fase de plena configuração com a esquerda hegeliana, em particular com Feuerbach-Marx. Ao invés da perspectiva platônica (o outro lado das coisas, a permanência, a substância), a perspectiva kantiana (meditação limitada à dimensão humana) desenvolvida no sentido de apreender o homem através de tudo quanto criou, não um homem dado e acabado ex nihilo mas envolvido no próprio processo de sua criação”.

D. Inspiração de Marx em Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825). Segundo Gurvitch, as teses filosófico-sociológicas em que Marx se inspirou no pensamento saint-simoniano foram as seguintes: a – A afirmação de que “a vida social é essencialmente prática”, bem como a idéia de que “a produção faz o homem” e de que homens e sociedade se produzem a si mesmos pelo seu esforço. b – A idéia de que certas estruturas sociais e determinados modos de produção “impedem a sociedade de entrar em plena posse de seu impulso criador”, sendo que Marx amplia essa idéia na sua teoria das alienações e das ideologias. c – A afirmação de que “as obras da consciência real”, ou obras da civilização, e até as ideologias se integram, de alguma maneira, nas forças produtivas. d – A inclinação de Marx em favor de uma visão dicotômica das relações entre as classes, que o leva a considerar o Estado como seu órgão de domínio de classe. e - A crença de Marx na desaparição do Estado e a adoção, por ele, de slogans saint-simonianos, tais como: “o governo das pessoas será substituído pela administração das coisas”, ou “a cada um de acordo com as suas capacidades, a cada um segundo as suas obras”. f – A concepção escatológica da história. A respeito, escreve Gurvitch: “Marx não evita a tentação de uma filosofia da história que submete à sociologia e que profetiza o fim da história. É neste aspecto que Marx, apesar dos seus esforços, permanece, mais do que Proudhon, fiel a Saint-Simon e à sua escola” [In: Saint-Simon, 1965: 40].

E. Inspiração de Marx em Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Segundo Gurvitch, Marx inspirou-se nos seguintes pontos do pensamento proudhoniano: a – A crítica às “classes altas”, burgueses e patrões, pela sua ociosidade. b – O conceito de “força coletiva”, que inspira o conceito marxista de “forças produtivas”. c – A predição acerca da desaparição do Estado.

F. Comunismo implantado por métodos violentos: a destruição do Estado burguês. Este elemento permanece claro na obra de Marx e se contrapõe aos esforços dos socialistas franceses, ingleses e alemães, em prol da construção de uma nova sociedade mediante reformas, com a chegada do proletariado ao poder através de eleições (como terminou, de fato, acontecendo, ao longo dos séculos XIX e XX). Marx considerava ser ele o líder da revolução violenta apregoada. A verdade claudicou diante da militância política. Marx foi desmoralizando, um a um, todos os pensadores e líderes socialistas que tinham aderido a um socialismo democrático, diferente do modelo totalitário por ele apregoado. Fez isso, por exemplo, na Alemanha, com Ferdinand Lasalle (1825-1864) e, na França, com Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Antônio Paim deixa claro que houve uma influência muito grande do regime apregoado por Marx sobre o adotado, na Rússia, após a Revolução de 1917, por Lenine (1870-1924). Para ambos, somente valia um tipo de socialismo, o denominado comunismo, imposto pelo líder com absoluto banimento da dissidência e com a implantação de um regime de poder total. Na Rússia, o regime bolchevique foi o novo capítulo do “despotismo oriental” czarista [cf. Paim, 2009; Wittfogel, 1977].

G. Inspiração em Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Marx recebeu esta influência primeiro, na sua formação em Trèves e, depois, ao longo de sua permanência em Paris. Para o filósofo genebrino, a soberania do povo repousa na “vontade geral”. Esta é apropriada pela “vanguarda do povo”, constituída pelos “puros”, aqueles que se despiram dos seus interesses individuais para defender o interesse público. Ora, essa vanguarda é chefiada, no caso da revolução comunista, pelo próprio Marx, que se converte numa espécie de salvador das massas proletárias.

H. Inspiração no pensamento dos liberais-conservadores franceses Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) e François Guizot (1787-1874). Como destacou Georgi Valentinovich Plekhánov (1857-1918), um dos mais importantes estudiosos russos da obra de Marx, idéias básicas da sociologia do pensador alemão como interesses individuais, interesses de classe, consciência de classe, luta de classes, encontram a sua origem nesses pensadores liberais-conservadores, cujas obras Marx leu durante a sua permanência em Paris. Até a expressão, presente no Manifesto Comunista: “proletários do mundo, uni-vos” inspira-se na frase conhecida de Guizot: “burgueses da França, uni-vos” e “enriquecei-vos” [cf. Plekhánov, 1989].

VI – Conclusão: a crítica de Constant de Rebecque ao pensamento político de Rousseau.

Benjamin Constant de Rebecque considerava que o grande defeito da Ilustração consistiu na valorização da razão por cima da luta em prol dos interesses humanos. Seria necessário recolocar o exercício da razão no contexto da defesa da liberdade individual e da propriedade. Voltava, assim, Constant de Rebecque a uma ideia que tinha iluminado as reflexões de John Locke nos seus escritos políticos. É a defesa da propriedade que nos coloca no mundo concreto dos interesses materiais, em que se desenvolve a luta pela vida e pela liberdade! Porque, sem cuidar daqueles, a vida simplesmente fenece.

Em relação a estas ideias, escrevia Constant de Rebecque nos seus Princípios de política: “(...). Temos visto, na nossa revolução, literatos, matemáticos ou químicos se entregarem às opiniões mais exageradas, sem prejuízo de serem, em outros aspectos, ilustrados e estimáveis; mas tinham vivido longe dos homens e tinham-se acostumado a se abandonar à sua imaginação, ou a levar em consideração unicamente a evidência rigorosa ou, em fim, a ver na natureza, na reprodução dos seres, uma prefiguração da destruição. Tinham chegado, por diferentes caminhos, ao mesmo resultado: desdenhar as considerações tiradas dos fatos, desprezar o mundo real e sensível, raciocinar sobre o estado social como entusiastas, sobre as paixões como geômetras, sobre as dores humanas como físicos. Se tais erros foram patrimônio de homens superiores, quais não seriam os descaminhos em que incorreriam os candidatos subalternos, os pretendentes desgraçados? Quão urgente é colocar um freio ao amor-próprio ferido, às vaidades contrariadas, a todas essas causas de amargura, de agitação, de descontentamento, contra uma sociedade em que cada um se sente deslocado. (...). Todos os trabalhos intelectuais são honoráveis, todos devem ser respeitados. Nosso primeiro atributo, nossa faculdade distintiva, é o pensamento. Quem o exercitar tem direito à nossa estima, com independência do sucesso. (...). No entanto, cada ciência dá ao espírito daquele que a cultiva uma direção exclusiva que se torna perigosa nos assuntos políticos, a menos que seja controlada. Ora, tal controle só pode se encontrar na propriedade. Somente ela estabelece entre os homens laços uniformes. Os põe em guarda contra o sacrifício imprudente da felicidade e da tranquilidade dos demais, abarcando nesse sacrifício o seu próprio bem-estar e obrigando-os a levar em consideração o seu próprio interesse. Os faz descer do alto das teorias quiméricas e dos exageros impraticáveis, estabelecendo entre eles e o resto dos membros da associação relações numerosas e interesses comuns” [Constant, 1970: 65-66].

Constant retomou a ideia aristotélica de que o início do corpo político é a sua Constituição. É ela que pauta a soberania, o poder que a comunidade política dá ao governo para que garanta o bem comum e o gozo por parte de todos aos direitos inalienáveis à vida, à liberdade e às posses. Mas, destaca Constant, a soberania confere ao Estado um poder limitado, não ilimitado. Para Constant, “(...) no mundo só existem dois poderes; um ilegítimo, a força; outro legítimo, a vontade geral. Mas, ao mesmo tempo que se reconhecem os direitos dessa vontade, quer dizer, a soberania do povo, é necessário, é urgente, conceber bem a sua natureza e determinar convenientemente a sua extensão. Se não se definem com exatidão e precisão os seus termos, o triunfo da teoria poderia resultar em calamidade na sua aplicação” [Constant, 1970: 7-8].

O grande defeito de Rousseau consistiu, para Constant, em ter-se distanciado da vida real, imaginando que a vontade geral instauraria um poder sem limites, ao se abandonar ao universo quimérico dos sentimentos expressos na literatura, se distanciando do interesse pela vida, pela sua liberdade, pela propriedade. Tudo isso ocorreu por força da história traumática da vida familiar do grande pensador genebrino. Somente ficaria em pé o interesse público, banindo os interesses individuais como contrários à felicidade geral.

Constant corrige a posição extrema de Rousseau. “Numa sociedade fundada na soberania do povo – frisa – é evidente que nenhum indivíduo, nenhuma classe, tem direito de submeter o resto à sua vontade particular; mas é falso que a sociedade, no seu conjunto, possua sobre os membros uma soberania sem limites. A universalidade dos cidadãos é soberana no sentido de que nenhum indivíduo, nenhuma facção, nenhuma associação parcial pode se atribuir a soberania se ela não lhe foi delegada. Mas disso não se segue que a universalidade dos cidadãos, ou aqueles que foram investidos com a soberania, possam dispor soberanamente da existência dos indivíduos. Há, pelo contrário, uma parte da vida humana que é, por natureza, individual e independente e que fica à margem de toda competência social. A soberania somente existe de um modo limitado e relativo. Onde começa a independência e a existência individual, detém-se a jurisdição dessa soberania (...)” [Constant, 1970: 9-10].

O Contrato apregoado por Rousseau é instrumento de despotismo, pois o soberano abstrato a quem se entrega o indivíduo não é a totalidade dos cidadãos, mas aqueles que agem em nome de todos. A propósito, frisa Constant: “Rousseau ignorou esta verdade, e o seu erro fez do Contrato Social, tão frequentemente invocado em favor da liberdade, o instrumento mais terrível de todos os gêneros de despotismo. Definiu o contrato celebrado entre a sociedade e os seus membros como a alienação completa e sem reservas de cada indivíduo, com todos os seus direitos, à comunidade. Para tranquilizar-nos acerca das consequências de abandono tão absoluto de todas as partes da nossa existência, em proveito de um ser abstrato, diz-nos que o soberano, ou seja, o corpo social, não pode prejudicar nem ao conjunto dos seus membros, nem a cada um deles em particular; que ao se entregar cada um por completo, a condição é igual para todos. (...). Mas esquece que, ao conferir todos esses atributos preservadores ao ser abstrato, que chama de soberano, resulta que esse ser se compõe de todos os indivíduos sem exceção. Ora, logo que o soberano tem de fazer uso do poder que possui (...), não podendo exercê-lo por si mesmo, delega-o, e todos esses atributos desaparecem. Ao estar, necessariamente, por vontade própria ou por força, a ação que se executa em nome de todos à disposição de um só ou de alguns, resulta que, ao se entregar um a todos, não é verdade que não se entregue a ninguém; pelo contrário entrega-se a todos os que atuam em nome de todos. Daí que, ao se entregar por completo não se entra numa condição igual a todos, já que alguns aproveitam-se exclusivamente do sacrifício do resto. (...). Não é verdade que todos os associados adquirem os mesmos direitos que cedem, nem todos ganham o equivalente daquilo que perdem e o resultado daquilo que sacrificam é, ou pode ser, o estabelecimento de uma força que lhes arrebate aquilo que têm” [Rousseau, 1970: 10-11].

Em síntese: como quem realmente manda é o Legislador e os seus sequazes, que se autodenominam de “comitê de salvação pública”, instaura-se a pior das ditaduras, aquela que se exerce pelo líder e os seus colaboradores em nome do povo. É a modalidade de “ditadura científica”, “ditadura do proletariado”, ou “reino da virtude”, chefiado pelo ditador e os seus colaboradores, “os puros”, que se identificam com os interesses do líder e estão dispostos a aniquilar qualquer um que se opuser a esse estado de coisas. É o totalitarismo hodierno. Rousseau se tornou, assim, o arquiteto do “poder total”, que tantas desgraças trouxe à Humanidade ao longo do século XX e neste começo do século XXI.

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