Voltar

TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA MODERNA - CAPÍTULO 1º: AS FILOSOFIAS NACIONAIS E O ESTUDO DA FILOSOFIA

TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA MODERNA - CAPÍTULO 1º: AS FILOSOFIAS NACIONAIS E O ESTUDO DA FILOSOFIA

CAPA DA OBRA DE RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ, INTITULADA:

PREFÁCIO .

Cada dia é maior o número de profissionais liberais e de professores, universitários ou do segundo grau, que procuram os cursos de pós-graduação stricto sensu em Filosofia. A problemática brasileira, as incertezas da conjuntura mundial neste início de milênio, a busca do aperfeiçoamento intelectual, são os motivos mais frequentes dessa opção. Esta obra pretende responder às necessidades didáticas desses cursos, no que se refere à Filosofia Moderna. Trata-se de uma abordagem introdutória de alguns dos autores e momentos destacados, com a finalidade de incentivar a leitura das obras mais representativas do período.

Partindo da problemática das filosofias nacionais, que começaram a emergir após a aparição do Estado moderno nas nações europeias, é estudado o pensamento renascentista, no que tange às suas principais manifestações. Logo, são abordadas as metafísicas do século XVII, sistematizadas por Gottfried Leibniz (1646-1716) e Baruch Espinosa (16323-1677). A seguir, é analisado o impacto da ciência moderna na Filosofia, que conduziu à crítica de David Hume (1711-1776) e Immanuel Kant (1724-1804) à metafísica da substância e á formulação da perspectiva transcendental. São estudados, logo, os mais destacados autores da filosofia inglesa, com a preocupação de identificar a forma em que a dupla tradição neoplatônica e aristotélica inspirou uma meditação polarizada pela ideia de experiência.

O pensamento de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é analisado nas suas relações com a democracia totalitária. À luz dessa influência, é estudado o modelo de messianismo político de Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825), bem como a proposta regeneradora de Augusto Comte (1798-1857).

As raízes filosóficas do marxismo são analisadas a seguir, destacando-se a dupla fonte que as alimenta: as correntes kantiano-hegeliana e a saint-simoniana e proudhoninana. A obra termina com o estudo do neokantismo, no que concerne à temática da corporeidade segundo Ernst Cassirer (1874-1945).

  Capítulo I - As Filosofias Nacionais e o estudo da Filosofia.

O problema das Filosofias Nacionais é tema importante na evolução do pensamento moderno. No entanto, não foi fácil chegar ao estágio atual de análise desapaixonada. No contexto latino-americano, duas posições conflitantes poderíamos encontrar: a dos que simplesmente negaram a possibilidade da existência das filosofias nacionais, a partir do pressuposto de que o pensar filosófico ocidental teria já sido formulado pelos pensadores europeus, cabendo-nos, simplesmente, a missão re reproduzir os seus ensinamentos. Tal era, por exemplo, a forma em que era entendido o estudo da filosofia nas Universidades Católicas no mundo hispano-americano, ao longo do século XX até os anos 60. A Ratio Studiorum jesuítica, vigente até então, excluía a possibilidade de uma abordagem direta da filosofia em termos de problemas culturais nacionais [cf. Vélez, 1983: 449-451].

De outro lado, encontramos a posição dos que valorizam excessivamente as possibilidades da meditação nacional, chegando ao extremo de coloca-la como algo totalmente original, desligado, portanto, da tradição filosófica ocidental. Pretender-se-ia, nas versões mais radicais, identificar nas culturas pré-colombianas longínquos vestígios para uma meditação autóctone; ou, também, assinalar o elo entre as condições peculiaríssimas do nosso subdesenvolvimento e um discurso filosófico que emergisse como original resposta dialética a essas circunstâncias, apregoando um tipo prático e revolucionário de libertação. Tal parece ser, por exemplo, a proposta do professor argentino Enrique Dussel (1934-), ao formular a sua “filosofia da libertação”, ou “analéctica da liberdade”.

Entre esses dois extremos, situa-se o esforço desenvolvido recientemente, ao longo dos últimos decênios, por crescente número de pensadores, no sentido de estudar a forma em que a tradição filosófica ocidental é retomada e recriada, no contexto das diferentes culturas na América Latina.

Seria difícil fazer, neste momento, uma enumeração completa dos autores mais representativos. Remeterei a estudos que têm sido feitos a respeito, como a publicação, patrocinada pela OEA, intitulada: Los fundadores de la Filosofía en la América Latina [cf. OEA, 1972], a coletânea de ensaios pulicada pela Sociedad Venezolana de Filosofía sob o título de: La filosofía em América [cf. SVF, 1980] ou o Portal Ensayo Hispánico organizado, na Universidade de Georgia, Athens, Estados Unidos, pelo professor José Luis Gómez Martínez [cf. www.ensayistas.org ].

Restringindo a análise ao campo brasileiro, poderia salientar as três contribuições que acho mais marcantes, para esclarecer o objetivo e os métodos para a elaboração de uma história nacional das ideias. O lugar de destaque cabe, sem dúvida, ao professor Miguel Reale (1910-2006), cujo trabalho à frente do Instituto Brasileiro de Filosofia, desde 1949, ensejou o cultivo do pensamento nacional, livre de uma atitude polêmica e aberto às mais diversas tendências. Antônio Paim sintetizou assim a contribuição do pensador paulista:

“Ao antigo espírito polêmico, que alimenta como valor primordial a conquista da vitória no combate, sobrepôs-se o empenho de aprofundamento dos temas e problemas suscitados. A par disto, o professor Reale, presidente do Instituto, elaborou um método para o exame do pensamento brasileiro de comprovada eficácia. Consiste: 1º em identificar o problema (ou os problemas) que tinha pela frente o pensador, prescindindo da busca de filiações a correntes; 2º em abandonar o confronto de interpretações e, portanto, o cotejo das ideias do pensador estudado com outras possíveis, para eleger entre uma ou outra; e, 3º em ocupar-se preferentemente da identificação de elos e derivações que permitam apreender as linhas de continuidade real de nossa meditação. Com semelhante espírito, alguns estudiosos conseguiram preencher lacunas, promover a reedição de textos e estabelecer novas hipóteses de trabalho” [Paim, 1979: 11].

Em segundo lugar, merece destaque a contribuição ensejada pela obra do prof. Antônio Paim (1927-). Alicerçado na metodologia traçada por Miguel Reale, Paim desenvolveu ampla pesquisa tentando identificar os mais importantes problemas com que se defrontou o pensamento brasileiro. Em relação à importância que na época hodierna e, mais especificamente, no seio da cultura brasileira, ganhou o estudo das filosofias nacionais, frisa Paim:

“Com o processo de consolidação das nações e o abandono do latim como língua oficial no mundo do saber, ocorre simultaneamente a emergência das filosofias nacionais; estruturadas em torno de determinada temática que as singulariza. A par do que tem lugar na Inglaterra, Alemanha, França ou Itália, formam-se igualmente as filosofias portuguesa e brasileira. Estas, em seus momentos mais destacados, acabam sempre privilegiando o tema da moral e deixando marcas profundas em outras esferas do pensamento como a meditação acerca da política, da pedagogia, do direito, etc. Deste modo, a discussão dos fundamentos da moralidade, na Filosofia Moderna e Contemporânea, e a formação das filosofias nacionais constituem núcleo não exclusivo mas de importância capital na nossa cultura” [Paim, 1983: 1].

Na sua obra já citada: O estudo do pensamento filosófico brasileiro, Paim sintetiza os principais resultados alcançados pelos pesquisadores nos últimos vinte anos, no relativo ao estudo dos principais problemas sobre os quais se debruçou a meditação filosófica no país.

Em terceiro lugar, é importante lembrar a contribuição do professor Eduardo Abranches de Soveral (1927-2003) ao estudo do tema das filosofias nacionais e suas implicações metodológicas. Alicerçado em análise fenomenológica, o professor Soveral traçou as linhas mestras do que, no seu entendimento, é fundamental na metodologia filosófica para o estudo das filosofias nacionais [Soveral, 1979: 63-73]. Sete itens considera necessários o professor Soveral para tal estudo: 1 – A determinação de filosofemas. 2 – O estudo das formações históricas desses problemas. 3 – A análise do desenvolvimento lógico historicamente dado às soluções desses filosofemas. 4 – A consideração do desenvolvimento histórico dado à vigência dessas soluções, nos vários contextos sociais. 5 – A apreensão das novidades que implicaram a formulação de novos filosofemas e / ou a reformulação de filosofemas já existentes. 6 – A explicação das articulações lógicas que determinam os novos filosofemas ou a sua reformulação. 7 – A determinação da vigência dos novos filosofemas e/ou suas modificações.

Referindo-se ao primeiro item, assim explica o professor Soveral: “A determinação de filosofemas, ou seja de problemas que, equacionados a partir das interrogações mais amplas e radicais que se abrem ao espírito do homem, exigem soluções inteligíveis e exaustivamente fundamentadas”.

O ponto de partida da metodologia apresentada pelo mestre português coincide, em essência, com a metodologia assinalada por Reale para o estudo do pensamento brasileiro. Trata-se de não pré-julgar acerca da filosofia de determinado autor, mas de ouvi-lo, tratando de entender a problemática a que pretende responder.

Bibliografia.

OEA [1972]. Los fundadores de la Filosofía en la América Latina. Washington: Organização dos Estados Americanos - Subsecretaria de Educação. (Editor: Armando Correia Pacheco).

PAIM, Antônio [1979]. O estudo do pensamento filosófico brasileiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

PAIM, Antônio [1983]. A pós-graduação em Filosofia na Universidade Gama Filho. (Documento de trabalho). Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho – Departamento de Filosofia.

REALE, Miguel [1977]. Experiência e cultura: para a fundação de uma teoria geral da experiência. 1ª edição. São Paulo: GRIJALBO / EDUSP.

SOCIEDAD VENEZOLANA DE FILOSOFÍA [1980]. La filosofía en América. Caracas: Ediciones de la Sociedad Venezolana de Filosofía. 2 Volumes.

SOVERAL, Eduardo Abranches de [1979]. “Epistemologia da História: o caso particular de uma História Nacional das Ideias”. Presença Filosófica, Rio de Janeiro, vol. 3, julho-setembro 1979: pp. 63-73.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1983]. “As filosofias nacionais e o estudo da filosofia”. Convivium, São Paulo. Vol. 31 (nº 6): pp. 449-451.