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TEMPOS DE TRANSIÇÃO - A PROPÓSITO DA OBRA DO PROFESSOR DOUTOR CLODOMIRO BANNWART, "POLÍTICA SEM OFENSA, POR GENTILEZA!"

TEMPOS DE TRANSIÇÃO - A PROPÓSITO DA OBRA DO PROFESSOR DOUTOR  CLODOMIRO BANNWART,

CAPA DA OBRA DO PROFESSOR DOUTOR CLODOMIRO JOSÉ BANNWART JUNIOR, INTITULADA:

Como é bom encontrar, logo após a crispação da passada campanha, amigos que pensam diferente, mas que nos estendem a mão. Um deles é o professor Clodomiro José Bannwart Júnior, bem mais novo do que eu, que nasci em 1943 e navego no lago dos septuagenários, sendo que o meu amigo ainda está sulcando as águas dos quarentões. Sou liberal-conservador, ou seja, luto pela liberdade, mas com os pés fincados também no caminho da tradição e da justiça social, à maneira de Alexis de Tocqueville (1805-1859). Clodomiro é social-democrata, da nova geração que se formou no Brasil, ao ensejo dos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1931-) que revelaram uma brilhante plêiade de intelectuais como Bolívar Lamounier, Simon Schwartzman, Carlos Henrique Cardim, Claudia Costin, José Serra e outros.

A leitura das obras de Alexis de Tocqueville, quando adiantava a pesquisa para a minha dissertação de Mestrado em Pensamento Brasileiro, na PUC do Rio, em 1973-74, me libertou das cadeias do marxismo, às quais tinha ficado acorrentado após terminar os meus estudos de Teologia, na tumultuada Colômbia dos anos 60. Comigo aconteceu algo semelhante ao vivido pelo filósofo Gilles Lipovetsky, nascido em 1944 e autor da obra que já se tornou um clássico da sociologia atual, intitulada: O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas [São Paulo: Companhia das Letras, 2009]. O escritor francês, de origem polonesa, frisava acerca da sua ideologia política, o liberalismo: “Larguei Marx e adotei Tocqueville”. A minha conversão aos ideais da Liberdade, foi devida à influência do orientador no Mestrado, o saudoso amigo Antônio Paim (1927-2021).

Clodomiro é um social-democrata que se alimenta de fontes primarias da filosofia política como Norberto Bobbio (1909-2004). Professa um sadio pluralismo que o leva a dialogar com pessoas as mais diversas no leque político-partidário. Lançou em Londrina, recentemente, o livro intitulado: Política sem ofensa, por gentileza [Londrina: Engenho das Letras, 2022, 133 pp]. A obra contou com a editoração da esposa de Clodomiro, a professora Michelle Christiane de Souza Bannwart e de Eduardo Bueno Rodrigues. O prefácio é do jornalista Diego Prazeres, editor de política da Folha de Londrina.

Na “Apresentação”, Clodomiro já deixa clara a sua abertura intelectual e política, ao reconhecer a necessária condição de variedade do universo das ideologias. Frisa a respeito: “É preciso haver ofensas para debater política? Cada pessoa tem uma visão e leitura de mundo formatada a partir dos insumos (de) que ela dispõe ou (aos quais) teve acesso. Entram no combo de sua cosmovisão os valores herdados, o tempo de escolarização, a quantidade de livros lidos durante a vida, a tendência de acomodar-se dentro de uma ideologia – de esquerda, centro ou direita, conservadora ou progressista, religiosa ou secular, liberal, republicana ou socialista – além da maneira (como) lê, interpreta e critica os fatos políticos produzidos no dia a dia, sem desconsiderar, é claro, os filtros pelos quais as notícias são disponibilizadas. Enfim, é preciso perceber que existe uma pluralidade de formas de ver, de entender e de doar sentido às experiências vivenciadas” [pp. 13-14].

Qual seria o primeiro passo para o debate político? – pergunta o autor -. Responde: “Notar essa gama de experiências, que é alcançada de forma pessoal, é o primeiro passo para reconhecer o direito fundamental de cada um pensar da forma como pensa. Qualquer interlocução, de concordância ou discordância, deve ocorrer com base nas ideias ofertadas ao debate, jamais no emprego de adjetivos pejorativos que visam atacar a integridade do outro. (...) O que move o mundo são as ideias. São elas que devem ser discutidas, refletidas e tematizadas”. E arremata: “Então vamos lá! Política sem ofensa, por gentileza!” (p. 14).

No diálogo necessário entre as várias ideologias, frisa Clodomiro no segundo capítulo da sua obra, é necessário observar as “Regras da Democracia”. Nas disputas em política, lembra o autor, há um cenário semelhante ao do jogo de futebol, que só se torna possível com a prévia aceitação, por parte dos jogadores, das regras do jogo. Tais regras, frisa Clodomiro, “não engessam a partida, mas permitem uma disputa equilibrada e asseguram a liberdade para que os jogadores (individualmente) e os times (coletivamente) organizem as suas estratégias” (p. 16). As regras que pautam o exercício da liberdade no jogo político são, como se diz, “cláusulas pétreas”, que devem permanecer. A propósito dessa estabilidade, frisa: “A política não se resume a um jardim de infância com crianças imaturas e brincadeiras arbitrárias destituídas de regras. A política requer pessoas maduras capazes de compreender, antes de qualquer posicionamento ideológico, as regras que foram constituídas com suor e sangue, e que ofertam a possibilidade de um convívio civilizacional” [p. 19].

Ora, qual seria a regra fundamental no jogo político democrático? Esta: a tolerância para com as outras posições que entram em campo. Louva-se, aqui, o meu amigo Clodomiro, do grande pensador liberal Karl Popper (1902-1994), o qual, na sua obra intitulada: A sociedade aberta e os seus inimigos [tradução de Milton Amado, Belo Horizonte: Itatiaia, 1998, p. 128], frisa: “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. Devemo-nos, então, reservar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante”.

A “Pluralidade Cultural” constitui, para Clodomiro, outra das características do universo democrático. Como ele a define? Eis a forma em que o nosso autor a entende, na sua relação essencial com o Liberalismo: “Com base na ideia de pluralismo fundamenta-se a ideia do liberalismo, ao sopesar que não existe um único modo de ser, mas diferentes maneiras de autorrealização. Essa premissa é fundamental para a formação de cidadãos capazes de perceber a pluralidade social, conscientes de que o poder político somente é legítimo sob o amparo do constitucionalismo democrático, fundamentado na soberania popular, no império da lei e no respeito aos direitos e garantias individuais (...). A política, sob a rubrica do desenho institucional do Estado de direito democrático, tem a fundamental tarefa de assegurar a coexistência da pluralidade de valores e de formas de vida em um mesmo espaço social, afastando a violência e a barbárie” [pp. 23-24].

Outra variável essencial à vida democrática é constituída pela Liberdade de expressão. Em relação a este ponto, frisa o nosso autor, “A Constituição é bem clara ao assegurar a todos a liberdade de manifestação do pensamento, incluindo a liberdade de opinião. Enfim, a ninguém é vedado o direito de expressar e de manifestar opiniões. Até porque estamos em uma democracia, ambiente que pressupõe ‘um livre trânsito de ideias’. Ou ainda, para usar a expressão cunhada por Oliver Holmes (1841-1935), ‘o regime democrático só é possível em um mercado livre de ideias’ ” [p. 31]. Clodomiro guarda distância, portanto, em face da denominada “experimentação regulatória” de Carl Schmitt (1888-1945), que foi chamado por um dos seus críticos, Günter Frankenberg (1945-), de “coveiro do liberalismo”. Distancia-se, também, do combate autoritário à "desordem informacional" postulado pelo novel discípulo da “aritmética política” pombalina, o inefável Ministro do TSE Alexandre de Moraes (1966-).

Em outro capítulo da sua obra, o nosso autor compara a vida democrática brasileira a um Boeing em pleno voo. “Na condição de cidadãos – frisa Clodomiro – somos responsáveis por uma aeronave chamada Brasil. Cabe a nós selecionar o piloto e o copiloto. Não estamos no cockpit, mas estamos todos embarcados no mesmo avião. É fundamental que tenhamos todas as informações necessárias para fazer a correta seleção do piloto e da tripulação. Não adianta colocar um despreparado no cockpit. A aeronave não decolará. O avião precisa de comando. (...). A desinformação induzida no espaço público não sustenta o voo de um país que teima em indicar queda em seus índices avaliativos. Para um país decolar e assegurar de forma sustentável todo o seu potencial, é imprescindível que os corresponsáveis pelo voo – todos os cidadãos – tenham informações transparentes. Desinformação, fake News e mentiras só ofertam a possibilidade de uma tragédia anunciada” [p. 35].

O capítulo intitulado: “Futebol, política e religião”, teria sido muito apreciado pelo grande Nelson Rodrigues (1912-1980), se vivo fosse. A propósito do lúdico tema, o nosso autor escreve: “Há um ditado antigo e muito difundido que diz: ‘Futebol, política e religião não se discutem’. O dito popular parece debitar as três frações na conta da subjetividade e bloquear a possibilidade de questionamentos. Talvez a sabedoria popular anteveja que qualquer discussão nesses três campos redundará em xingamentos, brigas e agressões. Porém, esses três pilares – que se pretendem imaculados – são objeto de permanente discussão. E assim deve ser” [p. 47].

Ora, frisa Clodomiro, o lúdico do futebol pode dissipar tensões tanto na área das crenças religiosas como na seara da política. No que tange ao primero ponto, a religião, frisa: “(...) É sempre bom, a meu ver, uma pitada de humor na vida. E a religião não pode ficar de fora. Thomas More (1478-1535), filósofo e Santo da Igreja Católica, por exemplo, esbanjava bom humor em suas orações. Assim rezava: ‘Senhor, dai-me uma boa digestão, mas também algo para digerir. Dai-me saúde do corpo, mas também o bom humor, necessário para mantê-la’. Para quem dispõe de uma fé madura, as críticas e as sátiras que atingem a sua religião serão recebidas como uma vacina para combater o fanatismo. A política, de outro lado, se beneficia com o lúdico quando conseguimos relativizar o afã de luta pelo poder por pautas que levem em consideração as necessidades prementes dos nossos semelhantes.

“A política – frisa o autor - serve para enfrentar esses problemas e tantos outros. Problemas que afetam a todos nós e não apenas o torcedor deste ou daquele time, ou o seguidor desta ou daquela religião. Política conjuga-se no plural. Espaço de pessoas civilizadas ocupadas em debater as demandas sociais e dar a elas encaminhamentos possíveis e razoáveis. A política não irá trazer o céu à terra, mas poderá nos afastar do inferno. (...). O antídoto para combater qualquer quadro pandêmico de fanatismo será sempre a tematização crítica e reflexiva. E uma boa dose de bom senso!” [pp. 50-51].

No capítulo intitulado: “Venezuela”, o nosso autor traça com vivas cores o drama do povo desse país vizinho, vítima de uma violenta tirania que o domina há várias décadas, a partir do testemunho de Dona Joana, uma senhora que migrou para o Brasil, e que sobrevive de trabalho como empregada doméstica. “Dez anos atrás – conta Clodomiro – em seu país, a Venezuela, dona Joana era proprietária de uma loja de material escolar. Tinha uma vida normal de classe média. Casa própria, carro, férias, enfim, uma vida bastante razoável. Aos poucos, o populismo autoritário que tomou conta do país a colocou na miséria. Ela e a quase totalidade do país. Sem alimentos nos mercados para comprar e sobrevivendo com um salário-mínimo de 3 dólares e cinquenta centavos (algo em torno de 20,00 reais), que mal dava para comprar um pacote de arroz por mês, dona Joana começou a emagrecer. Perdeu cerca de vinte quilos em pouco mais de um ano. Desnutrida, sem recursos e sem esperança em seu próprio país arrasado por uma ideologia equivocada e por um autoritarismo medíocre, resolveu migrar para o Brasil. Com ajuda de algumas pessoas conseguiu, aos poucos, referência para trabalhar como doméstica. Em casa, ela não apenas faxinou e passou roupas. Fez mais do que isso: brindou-nos com uma aula de política e de esperança. Deu detalhes de como um país é paulatinamente destruído”.

“Dona Joana demonstrou, com exemplos doloridos – prossegue Clodomiro – que a política é essencial para uma Nação. É a ferramenta indispensável para fazer um país avançar, estagnar ou regredir. Lá as coisas começaram a degenerar com um populismo aliado à captura das Forças Armadas, destruição do Judiciário e eleições fraudadas. Quando perceberam, infelizmente, o país já havia naufragado sob a insígnia de uma ditadura. É importante notar que os regimes ditatoriais não são peculiares da esquerda. O totalitarismo caminha nos extremos tanto da esquerda quanto da direita. O script é semelhante. Desrespeito às instituições, posturas antidemocráticas, capitalização de uma massa acrítica, cooptação do legislativo e desvalorização do Poder Judiciário. Ao final do dia passei um café. Enquanto saboreávamos uma xícara e trocávamos algumas palavras, dona Joana, com os olhos marejados, disse: ‘Não há algo mais sagrado neste mundo do que a liberdade, e esta só pode ser assegurada em uma democracia de verdade. Que os brasileiros sejam vigilantes, sempre!‘ ” [pp. 58-59].

Ao ler o capítulo intitulado: “Cidadania deficitária”, lembrei-me de artigo escrito há vários anos pelo antropólogo Roberto Damatta (1936-) que destacava a desvalorização da cidadania no Brasil. O brasileiro comum - frisava o antropólogo – tem vergonha de si mesmo, considera-se um João ninguém; não sente orgulho de ser cidadão. Para ser levado em consideração precisa ter “costas largas”, ser apadrinhado de algum poderoso e dizer: “Você sabe com quem está falando?”

Clodomiro expressa ideia semelhante ao afirmar na sua obra: “A ausência de cidadania é sintoma de que tanto a sociedade quanto o Estado não se firmaram integralmente, deixando vácuos ocupados por lideranças que prometem improvisar arbitrariamente o que o poder público não conseguiu realizar institucionalmente. É nesse contexto conflagrado que nascem mandatários que desejam ser mais temidos do que respeitados e fazem da ameaça uma afronta permanente à legalidade” [p. 67].

“Acrescente ainda – frisa o nosso autor – os novos inquisidores, que carregam a Bíblia numa mão e a arma na outra, convictos de que acenderão novamente a fogueira santa, ao mesmo tempo que lutam para colocar um bezerro de ouro no altar do Supremo Tribunal Federal. Suas marchas desacreditam as balizas do Estado de direito e diminuem o respeito aos preceitos democráticos. No limiar do ocaso, forma-se uma tempestade perfeita com força de aniquilar a cidadania ativa, a única, segundo Hannah Arendt (1906-1975), a garantir o direito a ter direitos” [ob. cit., p. 68].

No capítulo intitulado: “O gigante adormeceu”, o autor trata da Operação Lava-Jato e do que ela significou em termos de dar início, a partir do sistema judicial, a um combate sistemático à corrupção. Acerca do clima de otimismo com o saneamento jurídico e político do país ensejado pela mencionada Operação, escreve o autor: “Em 2014 nasceu a Operação Lava Jato e com ela a percepção da sociedade de que, pela primeira vez na história do país, os mecanismos de controle, de fiscalização e de persecução penal, enfim, valeriam igualmente para todos. A Lava Jato rapidamente chegou ao centro do poder político e econômico do país e despiu os bastidores promíscuos que alimentavam a relação corruptiva entre os setores público e privado. Corrupção, aliás, que sempre vilipendiou o Estado há muito mais tempo do que a franja da história fisgada pela Lava Jato. O país vivia euforicamente uma varredura ética. No horizonte propugnava-se uma democracia amadurecida, pautada pela qualificação da opinião pública num crescente fortalecimento das instituições” [p. 70].

Na tentativa de traçar um quadro fiel das críticas a que foi submetida a Operação Lava Jato, do ângulo estritamente jurídico, Clodomiro cita o livro da Juíza federal Fabiana Alves Rodrigues, intitulado: Lava Jato. Aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça [São Paulo: WMF / Martins Fontes, 2020]. O autor sintetiza assim os dois pontos fundamentais da obra mencionada: “O primeiro infere que a Lava Jato só existiu em razão de transformações institucionais que aprimoraram o aparato funcional da Justiça Federal, do Ministério Público e da Polícia Federal, além da especialização de órgãos judiciais, da capacitação de recursos humanos, da melhoria na infraestrutura tecnológica e, igualmente, do aperfeiçoamento da legislação e das ferramentas processuais. A Lava Jato, nesse sentido, foi resultado do aperfeiçoamento da infraestrutura do sistema de justiça e não do voluntarismo salvífico de um juiz ou de um grupo específico de procuradores. O segundo ponto incide, segundo a autora, nos pontos cinzentos da legislação que permitiram aos agentes da operação a adoção de ações estratégicas mescladas de voluntarismo, que determinaram o ritmo das ações numa atuação seletiva sustentada por critérios discricionários ou até arbitrários” [ob., cit., pp 71-72].

O resultado, ao que parece – frisa o autor – “foi que os atores do sistema de justiça acabaram colocando os fins acima dos meios, calculando os passos de cada ação em função dos resultados que pretendiam alcançar. Esse segundo ponto é o que está, hoje, em questionamento. A justiça não pode se valer dos resultados alcançados (fins), mas dos procedimentos adotados (meios). A legitimidade da justiça encerra-se nos procedimentos, na observância e no respeito ao devido processo legal. Quando a justiça rompe os parâmetros legais para perseguir objetivos, mesmo que encharcados de nobreza, ela própria se descaracteriza. Não se combate a corrupção pervertendo as pilastras institucionais do Estado Democrático de Direito” [ob. cit., pp 72-73].

Concluindo, escreve o nosso autor: “A Lava Jato está sob julgamento e questiona-se até que ponto ela contribuiu para fixar parâmetros sustentáveis de combate à corrupção ou apenas serviu de instrumento político para alternância de poder. Enquanto o Judiciário e os mecanismos de controle estão enfraquecidos no divã, pululam discursos que flertam com o rompimento institucional sob olhar complacente de vários setores do Estado e da sociedade. A corrupção parece engalfinhada nas entranhas do Estado de direito, maculando e pervertendo as instituições por dentro. Por ora, ouve-se apenas o ronco do gigante adormecido” [ob. cit., p 73].

Se a Política tem sido, tradicionalmente, o espaço de encontro com os nossos semelhantes para a busca do bem comum, no entanto, na contemporaneidade, o autor considera que esse elevado fim foi esquecido. A política seria hoje, infelizmente, o reino em que externamos o ódio em face daqueles que são diferentes de nós. A propósito, Clodomiro frisa no capítulo intitulado A Política como picadeiro do caos: “As redes sociais foram transformadas em um poderoso instrumento no jogo político, a ponto de colocar em risco a forma clássica de fazer política, além de ameaçar as estruturas da democracia e disseminar o caos. O que importa são as emoções despertadas nas pessoas, preferencialmente aquelas que tocam no ressentimento e no estoque de raiva que, diariamente, são desaguados nas redes sociais e espiar os culpados dos problemas que afetam o mundo” [ob. cit., p. 96].

O autor desenha assim a segmentação produzida pelas redes na disseminação do ódio: “O rancor, antes analógico, limitava-se ao âmbito de relações interpessoais, em grupos restritos. Hoje, esse sentimento é disseminado de forma digital, transformando os temas políticos em trincheiras que reforçam a animosidade e maculam qualquer tentativa de diálogo ou de consenso. A velha política partidária ficou no pretérito, assim como as antigas videolocadoras. É o reinado da política na era da Netflix. Os partidos cederam aos algoritmos. Agora, o cidadão carrega no bolso um aparelhinho conectado às verdades que explicam de forma simplificada a complexidade do mundo. Empoderado, ele dispensa os especialistas, ludibria dados e estatísticas“ [ob., cit., p. 97].

O resultado de tanta balbúrdia não poderia ser outro: a política como picadeiro do caos, ilustrado da seguinte forma: “Na política dos algoritmos, os elementos centrais da democracia como a formação de consensos, o debate autêntico e o respeito ao contraditório, estão ameaçados. Prospera (...) a desintegração e a desintermediação de todos os domínios, transformando a política em picadeiro do caos, em que vale vociferar o ódio, a raiva e o ressentimento, menos, é claro, o bom senso” [ob. cit., p. 98].

Conclusão.

Em boa hora são publicados livros de gente inteligente e jovem, comprometida com a realidade do Brasil, como é a obra do meu amigo Clodomiro. Diante da imensa tarefa de tocar para frente este imenso país, numa conjuntura especialmente difícil, ao ensejo do desgaste das antigas fórmulas globais de governança, propostas como as que apresenta o professor Clodomiro Bannwart na obra Política sem ofensa, renovam as esperanças de dias novos para o Brasil.

Sugeriria, no entanto, à nova geração de social-democratas uma coisa: que voltem a mirada para os clássicos que deram ensejo a essa tendência ideológica, emergente do Cristianismo aplicado à solução da complexa questão social, na Europa do século XIX. Entre esses clássicos se destacam John Stuart Mill (1806-1873), portador das raízes liberais e demo-cristianas da social-democracia, Alexis de Tocqueville, defensor incondicional da liberdade para todos e cujo pai, o conde Hervé Clérel de Tocqueville (1772-1856) fundou na França o “Banco dos Pobres” e Eduard Bernstein (1850-1832), com a crítica corajosa que fez na Alemanha ao dogmatismo marxista, destacando que não existe “socialismo científico”, mas apenas tendências democráticas inseridas no mundo sindical, que deram voz às esperanças de milhões de trabalhadores, nos partidos que defendiam a liberdade como sustentáculo de propostas pé-no-chão de socialismo democrático.

A social-democracia brasileira não precisava, como fez nestes últimos tempos, se atrelar ao cadáver insepulto do comunismo do Foro de São Paulo. Ela própria, a proposta social-democrática, alimentou-se de filosofias muito mais arejadas do que o “socialismo científico” de Marx (1818-1883), o qual, submetido à prova da História, foi fragorosamente sepultado pelos mais de cem milhões de mortos que provocou, mundo afora, nos conflitos por ele inspirados ao longo do sanguinolento século XX.