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SANTOS PADRES LATINOS (SÉCULOS III E IV)

SANTOS PADRES LATINOS (SÉCULOS III E IV)

SANTO AGOSTINHO DE HIPONA (354-430)

Seis partes integram esta exposição: I - Orígenes (185-253). II – Hipólito de Roma (170-235). III – São Cipriano (210-258). IV – Santo Atanásio (295-373). V – Santo Ambrósio de Milão (333-397) e VI - Santo Agostinho de Hipona (354-430). 

I - ORÍGENES (185-253).

Orígenes era egípcio, de Alexandria. De família cristã. O seu pai, São Leônidas, mártir da fé, fez com que o filho decorasse longos trechos da Bíblia e lhe proporcionou sólida formação humanística. Essa educação desabrochou numa conduta irreprimível, bem como numa erudição enciclopédica, tornando-o uma das personalidades mais originais da sua época.

Orígenes era o filho mais velho de uma numerosa família. Sendo ainda adolescente, se a sua mãe não o tivesse disfarçado com as suas próprias roupas, teria acompanhado o pai no martírio. Durante a perseguição do Imperador Severo foi confiscado o seu patrimônio familiar (no ano de 202) e teve de se dedicar ao ensino para sustentar a família. O bispo Demétrio confiou-lhe, quando tinha 18 anos, a direção da Escola Catecumenal de Alexandria, para substituir Clemente, o antigo diretor que tinha sido desterrado. O melhor elogio de Orígenes foi feito, nas seguintes palavras, por Eusébio: “Tal como falava, vivia e tal como vivia, falava. Por força desse fato, Orígenes atraía inúmeros discípulos, que buscavam seguir o seu exemplo” [Eusébio, História Eclesiástica, Livro VI].

Orígenes chegou ao extremo de se castrar, seguindo uma interpretação literal do Evangelho de São Mateus. Como professor, o trabalho de Orígenes teve dois períodos: 1º Período – de 203 a 231, em que dirigiu a Escola de Alexandria. Os seus discípulos eram, preferencialmente, hereges e filósofos pagãos. Ensinava dialética, física, matemáticas, geometria, astronomia, filosofia grega, teologia e Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo, assistia às aulas dadas por Amônio Saccas (fundador do neo-platonismo e que terminou influenciando o próprio Orígenes). Neste período, ao longo do ano 212, viajou a Roma, no pontificado de São Zeferino, e encontrou-se com o mais famoso teólogo da época, São Hipólito de Roma. Em 215 viajou pela Arábia. Foi, depois, a Antioquia, a convite da mãe do Imperador Alexandre Severo. Neste período foi ordenado sacerdote (em 230), em Jerusalém, fato que desgostou muito a Demétrio de Alexandria, que o depôs do sacerdócio. Orígenes viu-se obrigado a se refugiar em Cesareia da Palestina, onde abriu uma nova escola teológica. 2º Período - de 231 até 253, em que Orígenes superou a Escola de Alexandria. Durante a perseguição movida por Décio (250) foi preso e torturado com a deslocação das pernas. Orígenes sobreviveu três anos ao seu martírio, tendo falecido em Tiro, no ano de 253.

Obra de Orígenes.

Não encontramos nele a tese de Clemente, de que a filosofia grega conduziu a Cristo. Esta filosofia, para Orígenes, é apenas matéria preparatória, mas sofreu de forma exagerada a influência de Platão, fato que a levou a erros dogmáticos como o da pré-existência da alma. Essa divergência conduziu às Controvérsias Origenistas, que terminaram fazendo com que desaparecessem centos dos seus preciosos escritos; Epifânio calculou os escritos perdidos em mais de 6 mil.

A maior parte da obra de Orígenes é dedicada à Bíblia, sendo ele o fundador da Ciência Escriturística. Com grande esforço, Orígenes conseguiu compor um texto crítico do Antigo Testamento. Com tal finalidade começou a escrita da sua Hexápla Biblía (Bíblia Séxtupla), à qual dedicou a sua vida inteira. No que tange à exegese, Orígenes é o primeiro intérprete científico da Bíblia, utilizando três tipos de escritos diferentes: Sjólia, Homilíai e Tómoi (Escólios, Homilías, Tomos). As Homilías são 574; trata-se de escritos simples e sem artifícios retóricos, mais uma conversa cotidiana. Seguiam-se os Comentários, que eram trechos de exegese científica, em número de 291.

No que tange aos Escritos Apologéticos, o mais importante, foi o intitulado: Katà Kélsou (Contra Celso), que constitui a refutação de um escrito irônico que se intitulava: Alethés Lógos (Escrito Verdadeiro). Celso debochava da ideia do Messias, considerando a Jesus simplesmente como um impostor, que teria pregado com a finalidade de converter os cristãos ao paganismo, levando-os a se envergonharem do Cristianismo. Este escrito datava de 246. Orígenes mostrava, nele, como a divindade de Jesús é obvia em decorrência dos milagres, das profecias e da força do Espírito Santo, que age nos cristãos. Ao contrário do restrito patriotismo de Celso, Orígenes se revelava como um cosmopolita, para quem a história das Nações e dos Impérios era a história da Humanidade governada por Deus. A sua obra conquistou o apoio dos sábios dos primeiros tempos do Cristianismo. Eusébio dizia que nela estavam presentes, com antecedência, tanto os temas quanto a refutação de todas as heresias dos séculos vindouros.

Entre os seus escritos dogmáticos, a obra mais famosa é o Perì Archõn (Acerca do Começo, em latim: De Principiis), que constituiu o principal manual do dogma dos primeiros tempos cristãos e que foi escrito entre 220 e 230, tendo sido preservado através de uma tradução latina livre elaborada por Rufino. A obra compreende quatro livros: Deus, Mundo, Liberdade e Revelação. Com este escrito, Orígenes propunha-se estudar as doutrinas fundamentais (“principia”) da fé cristã. A fonte de toda a verdade religiosa é o ensino de Cristo e dos seus Apóstolos (que Orígenes chamava de “o anúncio”, Tò Kérugma). A respeito desse ponto de partida, frisava: “Pelas palavras de Cristo não entendemos apenas as que Ele pronunciou como homem na sua vida mortal, porque já antes de Cristo o Verbo de Deus estava em Moisés e nos Profetas”. As fontes da doutrina cristã são a Escritura e a Tradição. Orígenes assinalava a existência de uma regra de fé que guardava em si o ensinamento básico dos Apóstolos. Há dois elementos em toda teologia, o positivo e o especulativo. Nos quatro livros acima mencionados é exposta uma teologia, uma cosmologia, uma antropologia e uma teleologia (Deus, Mundo, Liberdade, Revelação).

Na Disputa com Heráclides, que é um diálogo acontecido numa Igreja da Arábia, em 245, perante os bispos e o povo, Orígenes expunha a sua doutrina trinitária. O autor pergunta: - “O Pai é Deus?” E Heráclides responde: - “Sim”. Orígenes pergunta, ainda: - “O Filho é diferente (héteros)?” Heráclides responde: - “Como poderia ser, ao mesmo tempo, Filho e Pai?” Orígenes pergunta: - “O Filho, diferente do Pai, é também Deus?” Heráclides, por sua vez, responde: - “Também Ele é Deus”. Orígenes pergunta: - “Então os dois deuses formam um só Deus?” Heráclides responde: - “Sim, mas o poder é um só (dýnamis mía estín)”.

Orígenes afirmava que há um sangue físico e um sangue do homem interior, identificada com a alma. A alma é sangue que, com a morte, se separa do corpo do justo e entra no torrente da companhia de Cristo.

Escritos Morais. Temos, no que tange a este ponto, o seu mais belo tratado: De Oratione, escrito em 234. A obra consta de duas partes: da oração em geral e do Pai Nosso, em particular. A genuína inspiração de Orígenes revela-se nesta jóia da obra: “O que é impossível à natureza humana, é possível com a graça de Deus e a assistência de Cristo e do Espírito Santo”. Aí precisamente alicerça-se a afirmação que dá início à obra. A respeito, frisa o nosso autor: “A conveniência da oração consiste em que permite nos unirmos ao Espírito que enche o céu e a terra. Cristo nos dá o melhor exemplo da oração; deveríamos nos dedicar a ela em certas horas do dia, ainda mais, a nossa vida deveria ser uma oração; nossa vida deveria exclamar: Pai nosso que estás nos céus, porque a nossa conduta deveria ser celestial e não mundana. Há quatro classes de oração: de petição, de adoração, de súplica e de ação de graças. Deveríamos adorar ao Pai e ao Filho no Espírito Santo. O pão nosso que se pede é o Lógos, o qual a si próprio se chama de Pão da Vida. A preparação interior condiciona os efeitos da oração; não pode haver uma verdadeira oração se não for declarada guerra ao pecado. Não poderão conversar com Deus aqueles que não se reconciliaram totalmente com os seus irmãos. Mas ainda, depois de tudo, a oração continua sendo um dom do Espírito Santo, que é quem ora por nós e nos guia quando oramos".

Orígenes amava o martírio. Como testemunho, escreveu a sua obra intitulada: Exortação ao martírio, em 235. “Não faltará – escreve – a ajuda de Deus aos mártires, como não faltou aos três jovens no forno e a Daniel no fosso dos leões”. Este tratado é o melhor comentário à conduta do autor, que desejou o martírio ao longo da sua vida e morreu em decorrência dos tormentos recebidos em nome de Cristo.

As Cartas. São muitas. Destaca-se uma endereçada a São Gregório Taumaturgo, na qual diz que, assim como os israelitas tiraram dos egípcios os vasos de ouro e prata para destiná-los ao Santo dos Santos, da mesma forma os cristãos deveriam tomar os tesouros do pensamento dos gregos e coloca-los a serviço do verdadeiro Deus, se bem Orígenes não deixava de ser consciente dos perigos que esse empreendimento ocultava. A respeito, o autor frisava: “Mas tu, Senhor e filho meu, atende, antes de tudo, às Sagradas Escrituras. Sim, atende bem, para entender as coisas divinas é necessária a oração”. Numa outra carta, endereçada ao Papa Fabiano, Orígenes lamentava que os seus escritos tivessem passagens que não concordavam com a doutrina da Igreja.

A Teologia de Orígenes.

1 – A ideia de Deus.

Este constitui o ponto de partida do seu pensamento teológico. Deus é espírito; é luz; é incriado; Deus é o princípio absoluto do mundo, princípio pessoalmente ativo: cria, conserva, governa, é incompreensível, mas se torna compreensível por meio do Lógos, Cristo. Se bem pode ser conhecido através das suas criaturas “como conhecemos o sol pelos seus raios. Ele é imutável e, portanto, bem diferente de nós. Em Deus há três pessoas ou deuses, mas o Filho não procede do Pai por divisão, mas por um ato espiritual, por uma geração divina que deve ser eterna, pois em Deus tudo é eterno. Assim, pois, o Filho não tem princípio (no sentido temporal). O Pai e o Filho têm uma unidade de substância, a divindade. São “homoúsios”, palavra que se tornou famosa no Concílio de Nicéia e que foi inventada por Orígenes. O nosso autor, no entanto, não evita o subordinacionismo que está, evidentemente, presente no seguinte trecho: “Desde o momento em que declaramos que o mundo visível está sob o poder do Criador de todas as coisas, afirmamos que o Filho não é mais poderoso que o Pai, ou seja, inferior a Ele”. E o Espírito Santo tem uma categoria inferior à do Filho.

2 – A ideia de Cristo.

Cristo é o “Theánthropos”. A alma de Cristo, como a dos outros homens, preexistia e foi ela, precisamente, o elo de união entre o Lógos infinito e o corpo de Cristo. A carne na qual penetrou a alma de Cristo era “ex incontaminata virgine assumpta et casta Sancti Spiritus operatione formata”, ou seja, “assumida de uma virgem incontaminada e casta, formada por obra do Espírito Santo”. Em tanto que unida ao Lógos, a alma de Cristo é impecável. A alma, o corpo e o Lógos são um só ser, Cristo. Orígenes introduziu na Cristologia os seguintes termos: Fysis, hipóstasis, ousía, homoúsios e theántropos.

3 - Maria.

Foi aplicada a ela o título de “theotókos” “Mãe de Deus”. Segundo Orígenes, “ninguém pode compreender o Evangelho se não tiver reclinado a cabeça sobre o peito de Jesus e se não tiver recebido, d’Ele, Maria como mãe”.

4 – A Igreja.

É o Corpo Místico de Cristo. Assim como a alma habita no corpo, o Lógos habita na Igreja. Ele é o princípio da sua vida. A Igreja é o “coetus Populi Christiani; coetus omnium sanctorum, credentium plebs” (“congregação do Povo Cristão”; “reunião de todos os santos”; “família dos crentes”). A Igreja é a Cidade de Deus sobre a terra, fora da qual ninguém se salva, pois somente nela se encontram as doutrinas e leis que Cristo trouxe à humanidade.

5 – Batismo.

As crianças devem ser batizadas. Toda alma que nasce na carne porta a mancha da iniquidade e do pecado, assim seja a criancinha que somente tem um dia de vida.

6 – Penitência.

Falando com rigor, só há uma remissão: a do Batismo; mas, depois dele, existem meios para o perdão dos pecados posteriores: o martírio, a esmola, o perdão das ofensas, a conversão de um pecador, a prática da caridade e, por último, a confissão do seu pecado a um sacerdote, recebendo dele a medicina da absolvição. Todo pecado pode ser perdoado.

7 – Eucaristia.

O pão convertido no Corpo de Cristo santifica aqueles que o recebem devidamente preparados. A Eucaristia tem um caráter sacrificial e expiatório. Pode-se beber o sangue de Cristo de duas formas: sacramentalmente, ou pela palavra vivificante.

8 – Escatologia.

O conceito mais característico da teologia de Orígenes é a denominada “apokatástasis”. A respeito, Orígenes escreveu: “As almas dos pecadores serão submetidas ao fogo que as purifica, enquanto as já purificadas entram no Céu, onde Deus resolve todos os problemas do mundo. Não há fogo eterno. Não existem os castigos do Inferno; mesmo Satanás será purificado pelo Lógos. Quando todos estiverem purificados, o Filho do Homem virá, pela segunda vez, e todos ressuscitarão. Deus, no entanto, frisa Orígenes, não começou a agir somente quando criou este mundo visível, mas, assim como depois da destruição deste mundo haverá outro, cremos, também que existiram outros mundos antes do nosso”. A recaída dos espíritos torna necessário um novo mundo corpóreo. Assim, a um mundo segue outro e a criação do mundo vem a ser um ato eterno.

9 – As almas.

A este mundo visível precedeu outro: o das almas que se separaram de Deus no mundo anterior; estas purgam, agora, nos corpos, pelos seus pecados. Estes, por serem de diversa quantidade em cada alma, explicam o fato de Deus dar, agora, diferente quantidade de graças a cada um, bem como a circunstância de os homens serem diferentes entre si.

10 – A Bíblia.

A Bíblia é a palavra de Deus, é uma palavra viva dirigida de forma direta a cada homem de hoje. O Novo Testamento ilumina o Antigo Testamento, mas, por sua vez, este projeta luz sobre o Novo. Entre os dois há uma relação de alegria. Entender as Escrituras é uma graça. Três são os sentidos da Escritura, correspondentes às três partes do homem: corpo, alma e espírito, que dão ensejo aos três sentidos interpretativos: o histórico, o místico e o moral.

Orígenes negou, contudo, com exagero inaceitável, a realidade da letra. Vê um sentido espiritual em todas e cada uma das passagens bíblicas. Assim, no seu sistema que interpreta tudo alegoricamente, o exegeta termina derrapando pela ladeira da fantasia.

11 – Mística.

Orígenes foi um dos grandes místicos da Igreja. Segundo ele, com a dignidade de imagem de Deus ao homem foi conferida, na sua origem, a possibilidade da perfeição para que, realizando perfeitamente as obras, atinja a plena semelhança com Deus. O maior dos bens é “se assemelhar a Deus o mais possível”. Para atingir essa alta finalidade, temos necessidade da graça divina, além dos nossos esforços. Se quisermos atingir o ideal da perfeição, a via mais apta é a imitação de Cristo. O conhecimento de si mesmo é o princípio da vida de perfeição, e dele resultará o reconhecimento de que temos de nos armar contra o pecado. Para nos libertarmos das paixões devemos lutar contra as nossas tendências instintivas e contra o mundo, que as incentiva. O domínio sobre estas constitui a “apátheia”. Cristo trouxe a virgindade ao mundo e esta é o ideal da perfeição. A meditação de Orígenes valoriza sobremaneira o ascetismo e a mística, o que o torna um dos precursores do monaquismo. A respeito, o nosso autor considerava que “são necessários frequentes vigílias e jejuns, a fim de consolidar o domínio sobre o corpo”. Para conquistar a perfeição é necessário estudar diuturnamente as Sagradas Escrituras. Essa disciplina exige muita humildade. À luz desta virtude o homem é conduzido a se sentir o último de todos. O orgulho é a fonte de todos os pecados, sendo ele a causa fundamental da queda do diabo.

12 – A ascensão de Cristo.

Para Orígenes, o homem vive na terra só de passagem. Cada passo de ascensão em direção a Deus traz sofrimentos para a alma. Mas quanto mais combates e lutas houver, mais consolações espirituais auferiremos e sentiremos uma profunda nostalgia das coisas do Céu. Purificados nessa luta, poderemos ter acesso ao dom das visões, que parece terem sido uma graça que Orígenes felizmente recebeu. Quanto maior for a elevação da alma, maior será também a importância desses favores espirituais. No entanto, é prudente estar alerta pois essas consolações são apenas circunstâncias acidentais no caminho da perfeição e podem, inclusive, derivar em tentações. A última etapa da ascensão a Cristo é o matrimônio espiritual, a união mística e misteriosa da alma com Cristo, o Lógos, que é chamada de “spiritualis amplexus” ou “união espiritual”, que produz a “ferida de amor”. O misticismo da cruz e do crucificado é comum à mística do Lógos. Assim, pois, o verdadeiro discípulo de Cristo é o mártir. Aquele que não pode atingir o martírio, pode se aproximar dele pela mortificação e pela renúncia.

II - HIPÓLITO DE ROMA (170-235).

Originário do Oriente, Hipólito pertencia à Escola de Alexandria. Orígenes escutou a sua pregação em Roma. Foi o primeiro antipapa da história, mas, apesar disso, teve uma morte de mártir sob o imperador Maximiano o Trácio. Durante a sua permanência em Roma, o Papa Calixto (217-222) tornou menos rigorosa a disciplina para os que tinham cometido pecado mortal. Hipólito rebelou-se contra essa medida e foi eleito bispo de Roma por uma facção de descontentes. O cisma se estendeu ao longo dos pontificados de Calixto, Urbano (223-230) e Ponciano (230-235). Este último e Hipólito foram desterrados à ilha da Sardenha, onde se reconciliaram. Ambos renunciaram ao pontificado, tendo sido eleito Papa Antero (235-236).

A obra mais importante de Hipólito é o escrito intitulado: “Philosophumena” que estava dividido em 10 livros. A sua intenção era provar o caráter não cristão das heresias, “posto que todas dependem da filosofia pagã”. A obra, escrita por volta de 222, é uma das fontes mais importantes da história do gnosticismo. Com o título de O Anticristo, Hipólito escreveu o tratado mais importante da literatura dos Santos Padres sobre o tema.

No que tange à exegese bíblica, o seu livro mais notável é o Comentário a Daniel, que constitui o primeiro tratado exegético cristão conhecido, publicado por volta de 204. A obra divide-se em 4 livros: 1 – História de Suzana, figura da Igreja, esposa imaculada de Cristo e perseguida pelos ímpios. 2 – Os impérios babilónio, persa, grego e romano, os quais constituíam os quatro reinos citados em Daniel, capítulos 2 e 7. 3 – As relações dos cristãos com o Estado, tema muito atual na época e 4 – Cristo, de quem Hipólito afirma que nasceu em 25 de dezembro e morreu em 25 de março.

Sobressai também entre os livros exegéticos o Comentário ao Cântico dos Cânticos, no qual Cristo é o Rei do Cântico e a sua esposa é a Igreja. Às vezes, como em Orígenes, a esposa é, também, interpretada como a alma enamorada de Deus, figura que teve grande influência na exegese ocidental posterior. Outra obra exegética de Hipólito de Roma é a Homilia sobre os Salmos, na qual o autor destaca que Davi foi efetivamente o autor dos Salmos, embora não todos tenham sido escritos diretamente por ele. Os títulos dos Salmos, destacava Hipólito, possuem unidade e um sentido íntimo.

Hipólito deixou, também, dois tratados cronológicos intitulados: Crônica e Cômputo Pascal. O primeiro é uma narrativa que abarca desde a criação até o ano 234, data da composição da obra. A finalidade da obra era acabar com o desassossego dos fiéis que achavam próximo o Juízo Final e o advento do Milênio. O Mundo, frisava Hipólito, deveria durar ainda 6 mil anos. O Cômputo Pascal tinha como finalidade retirar a Igreja do Calendário Judaico, embora o autor não tenha conseguido realizar o seu propósito.

 Um livro de indubitável interesse para a atualidade é constituído pelo texto intitulado: A Tradição Apostólica, que constitui um ritual primitivo com regras e formas fixas para a sagração dos bispos, sacerdotes, diáconos, etc., e para a celebração da eucaristia e do batismo. Esta obra é preciosa como testemunha da liturgia e da constituição da Igreja durante os três primeiros séculos. A sua composição data do ano 215. Nela é narrada a forma em que era eleito e sagrado o bispo. Destaca-se que os bispos são sucessores dos Apóstolos e têm o poder de perdoar os pecados. Faz-se alusão ao Cânone da Missa (a Oração Eucarística mais antiga que conhecemos). Se, por um lado, Hipólito faz referência a formas fixas, por outro deixa ver que não eram obrigatórias.

Teologia de Hipólito.

O nosso autor não pretende construir um sistema teológico. Tampouco encontramos, nele, a profundidade de Orígenes. A filosofia, para ele, é germe de heresias. No que tange à Cristologia, Hipólito continua na linha de São Justino, Atenágoras, Teófilo e Tertuliano, mas já não é subordinacionista. O Verbo se desenvolve, progressivamente, em três etapas: o tempo de antes da criação, o tempo que segue a esta e a encarnação. Só aqui, nesta terceira etapa, é pessoa. Para ele, - hereticamente - a geração do Verbo é um ato livre, algo assim como a criação. Deus poderia ter feito de um homem Deus.

Quanto à forma como entende o Cristo Salvador, Hipólito considera que o Lógos tomou a carne para renovar a humanidade; ao tomar a carne, devolveu ao homem a sua imortalidade. Cristo é verdadeiro homem e verdadeiro Deus.

A Igreja é a depositária da verdade, sendo a garantia do seu ensino a sucessão apostólica dos bispos. Mas Hipólito errou o caminho ao afirmar que considerava a Igreja como uma sociedade quase exclusivamente de justos, não permitindo entrar nela àqueles que tinham pecado mortalmente.

O FRAGMENTO DE MURATORI.

É atribuído a Hipólito. Descoberto e publicado em 1740 pelo jesuíta italiano Ludovico Antonio Muratori (1672-1750), na Biblioteca Ambrosiana de Milão, o manuscrito do século VIII copia o cânone mais antigo que se conhece dos livros do Novo Testamento. Foi escrito no final do século II.

III - SÃO CIPRIANO (210-258).

Cecílio Cipriano, o Tascio, nasceu, como Tertuliano (160-220), na África, no seio de uma família pagã muito culta. Foi retórico hábil e mestre de eloquência. Por volta de 245, graças à influência do presbítero Cecílio, de quem tomou o primeiro nome, converteu-se ao Cristianismo e doou aos pobres todas as suas posses. Sendo neófito, foi aclamado bispo pelo povo em 248, ocupando a sede de Cartago. Ao longo dos seus anos de episcopado, São Cipriano, sem violentar ninguém e com grande dedicação e habilidade agrupou, em torno de si, uma centena de bispos que governavam a Igreja na África. Foi um verdadeiro líder, sendo considerado o Papa da África. Era prudente, caridoso, afável, conciliador. Nele não preponderou o desequilíbrio do seu mestre Tertuliano a quem Cipriano admirava e de quem foi seu discípulo, enquanto teólogo. Em, 257, por ordem do imperador Valeriano foi desterrado em Cucubis, na costa próxima a Cartago, tendo sido decapitado em 258, na presença do seu povo. É o primeiro bispo africano mártir.

Os seus escritos se contam entre os mais populares da antiguidade cristã e da Idade Média. Era um pastor mais do que um teórico especulativo, fato que o levou a evitar exageros como os de Tertuliano. De forma semelhante a este, no entanto, São Cipriano utiliza fartamente a linguagem e as imagens das Sagradas Escrituras.

Ad Donatum. Neste escrito, Cipriano descreve os maravilhosos efeitos produzidos pela graça de Deus na sua própria conversão. O autor faz uso de um estilo que lembra o utilizado por Santo Agostinho (354-430) nas suas Confissões.

De habitu virginum. É um tratado que parece ter sido escrito logo depois de sua sagração como bispo, e que Agostinho colocou como modelo de oratória para os jovens cristãos. As virgens “são flores da Igreja espiritual, resplendor da natureza, obra perfeita e incorruptível de louvor e glória, imagem de Deus que responde à santidade do Senhor, porção mais ilustre do rebanho de Cristo, fecundidade gloriosa de nossa Mãe a Igreja”.

De lapsis. Os cristãos que foram débeis na perseguição e caíram, somente após terem sofrido grandes torturas merecem mais clemência. No entanto, todos devem fazer penitência.

De Ecclesiae unitate. É o tratado que exerceu influência mais duradoura. Todo cristão deve permanecer na Igreja Católica, porque não há mais do que uma só Igreja, que está edificada sobre Pedro. A respeito, frisava Cipriano: “Não pode ter Deus por pai quem não tem a Igreja por mãe”. Assim como ninguém se salvou fora da Arca de Noé, tampouco é possível se salvar fora da Igreja. Os falsos doutores são muito piores que aqueles que caíram (os “lapsi”) e não pode ser mártir quem está fora da Igreja”.

De Dominica Oratione. O “Pai Nosso” é a oração mais excelente e mais eficaz, porque o Pai se compraz em escutar as mesmas palavras do seu Filho. A ideia da unidade está sempre presente na mente de Cipriano. As orações que se fazem acompanhadas de jejuns e esmolas sobem rapidamente a Deus, Que acolhe, misericordioso, as petições acompanhadas de boas obras.

De mortalitate. Esta obra foi escrita ao ensejo da peste que se alastrou por várias regiões da bacia do Mediterrâneo no ano de 252. A morte é, para o cristão, o descanso depois de um combate. Ela é o chamado de Cristo.

De opere et elemosinis. A respeito da prática da esmola, escreve o nosso autor: “Como no banho da água salvífica é extinto o fogo do inferno, assim também é apagada, pela esmola e pelas boas obras, a chama eterna”. Este livrinho foi uma das leituras favoritas dos antigos cristãos.

De bono patientiae. A paciência é um distintivo especial dos cristãos, que a possuem em comum com Deus. Todo homem amável, paciente e manso é um imitador de Deus Pai, que suporta, com infinita paciência, os templos pagãos, os ídolos e os seus ritos.

Ad Cuilinium. Esta obra contém grande número de citações da Escritura e é muito importante para conhecer as primeiras versões da Bíblia. Os Judeus, de acordo com o anunciado por Deus, separaram-se d’Ele e perderam o seu favor. Os Cristãos ocuparam o seu lugar.

Cartas. Elas são importantes para estudar este período da Igreja; esperanças e temores, vida e morte dos cristãos numa das províncias mais importantes do Império Romano. Além disto, as Cartas são uma obra magistral do latim cristão.

Teologia de São Cipriano.

Até Santo Agostinho, Cipriano é a autoridade teológica do Ocidente. Os seus escritos eram mencionados ao lado dos Livros Canónicos do Antigo e do Novo Testamento. A sua doutrina sobre a Igreja, núcleo do seu pensamento, foi invocada uma e outra vez por Papas, bispos e teólogos.

Eclesiologia. A respeito deste capítulo da sua Teologia, escreveu Cipriano: “Salus extra Ecclesiam non est. Habere non potest Deum Patrem qui Ecclesiam non habet Matrem” (“Não há salvação fora da Igreja. Não pode ter Deus como Pai aquele que não tem a Igreja como Mãe”). O caráter fundamental da Igreja é a unidade. A Igreja é, segundo a figura preferida pelo nosso autor, a Mãe que reúne todos os seus filhos numa só e grande família, uma Mãe que é feliz por acolher em seu seio um povo que tem um só corpo e uma só alma”. A respeito do ideal da unidade, frisava Cipriano: “Deveis saber que o bispo está dentro da Igreja e a Igreja no bispo e todo aquele que não está com o bispo não está dentro da Igreja”. Cipriano aplicava o texto de Mateus 16:18 a todo o colégio episcopal cujos membros, unidos uns aos outros pelas leis da caridade e da concórdia, fazem da Igreja Universal um só corpo.

O Primado de Roma. Não há uma supremacia de jurisdição do bispo de Roma sobre os seus companheiros. Cipriano não acreditava que Pedro tivesse recebido poder sobre os demais Apóstolos. No entanto, a “Cathedra Petri” é, para ele, a Ecclesia Principalis e ponto de origem da unidade sacerdotal. O nosso autor esperava que Roma não se intrometesse nos assuntos das várias dioceses, ponto no qual Cipriano se opôs ao Papa Estevão na questão do batizado dos hereges. Não obstante, frisava Cipriano, “grex unus ostenditur ab Apostolis omnibus unanimi consentione pascatur; qui cathedram Petri super quem Ecclesia fundata est deserit, in Ecclesia se esse confidit?” (“Uma púnica grei é apascentada, em unânime concordância, por todos os Apóstolos; aquele que deserta da cátedra de Pedro, sobre a qual foi fundada a Igreja, pode confiar que permanece na Igreja?”).

O Batismo. Cipriano frisava – erradamente – que o Batismo conferido pelos hereges era inválido. E reconhecia que havia um outro Batismo: o de sangue, recebido pelos Mártires.

A Penitência. Cipriano acreditava que ninguém poderia ser privado do fruto da reconciliação da consciência e da paz. Colocava-se, assim, num ponto de equilíbrio entre os extremos. Opinava a respeito que seja qual fosse o pecado, sempre seria possível obter o perdão depois do Batismo. Esse meio de perdão seria a penitência pública, a qual compreendia três atos: confissão, satisfação proporcionada à falta cometida e reconciliação.

A Eucaristia. O único escrito anterior ao Concílio de Nicéia (325), dedicado a este tema, é a Carta 63 de Cipriano, que apresenta a ideia da Eucaristia. O sacrifício celebrado pelo sacerdote é a repetição da Ceia do Senhor. A oferenda é o Corpo e o Sangue de Cristo. Cipriano é o primeiro em afirmar isto. O pão sacramental é um símbolo da união de Cristo e os fiéis e da unidade eclesial. A respeito, frisava: “Quando no cálice se mistura a água com o vinho, o povo junta-se a Cristo e o povo dos crentes se une e junta com Aquele no Qual acreditou”.

IV - SANTO ATANÁSIO (295-373).

O principal inimigo dos arrianos e defensor da fé no Concílio de Nicéia (325) nasceu em Alexandria. Na sua juventude, entrou em relação com os monges da Tebaida e, em 319, foi feito diácono por Alexandre, seu bispo, com quem marchou ao Concílio de Nicéia como secretário. Durante o Concílio discutiu com os arrianos. Em 328 sucedeu ao seu bispo Alexandre, na sede de Alexandria.

Aí começou o seu calvário em defesa da fé. Cinco vezes foi desterrado da sua cidade, tendo completado 17 anos no desterro. Depois de ter completado 45 anos de bispado, tornou realidade aquilo que a multidão que o proclamou bispo gritou quando da sua escolha: “um homem probo, virtuoso, bom cristão, asceta, um verdadeiro bispo”. Morreu em Alexandria.

Atanásio possuía um conhecimento aprofundado das Sagradas Escrituras e uma grande habilidade para escrever. A maior parte das suas obras está relacionada com a luta em defesa da fé, ao ensejo do Concílio de Nicéia. O seu pensamento, pelo fato de ter sido formulado no contexto das lutas contra as heresias, carece de uma linha sistemática. Mas é um pensamento claro, forte, corajoso e em estreita fidelidade com as verdades fundamentais do Cristianismo. Vejamos um panorama das suas obras.

Adversum gentes. Trata-se de uma refutação das mitologias pagãs, bem como do culto e crenças daí emergentes.

Oratio de Incarnatione Verbi. A tese fundamental sustentada pelo autor é que fora da Encarnação de Jesus não há salvação nem medicina para sanar a corrupção da humanidade. Não é possível, fora do Cristianismo, se conseguir a restauração do homem.

Orationes de Incarnatione et contra Arianos. Partindo de uma cuidadosa explicação dos textos das Escrituras Santas, notadamente do Quarto Evangelho, trata da geração do Filho de Deus, bem como das relações d’Ele com o Pai e da Encarnação. Este livro constitui a principal obra de Atanásio. A obra aprofunda nas reflexões em torno à Encarnação, destacando a divindade de Cristo e as suas relações com o Espírito Santo.

Symbolorum Athanasianum. Constitui uma exposição acerca da Trindade e sobre as duas naturezas, divina e humana, de Cristo. Esta obra foi muito divulgada a partir do século VII.

Ad Marcellinum, de interpretatione Psalmorum. Este escrito constitui uma obra de exegese bíblica, em que é ressaltado o tema do Messianismo nos Salmos. A obra põe de relevo a beleza deste gênero literário, bem como a sua universalidade, destacando a sua aplicabilidade às condições mais variadas da existência humana.

A vida de Santo Antônio. Obra escrita por volta do ano 357, foi dedicada aos monges e expõe a vida do pai do monaquismo, Santo Antônio (morto em 356). Constitui o mais importante tratado acerca do monaquismo primitivo. Atanásio não pretendia destacar nem os milagres nem o dom das visões do seu biografado. O autor queria apenas uma coisa: que fosse imitada a sua santidade. Este escrito foi muito importante na difusão dos ideais da vida monacal e para introduzir a prática do monaquismo no Ocidente. Para o monge Antônio, a perfeição consiste em que voltemos ao nosso estado original como criaturas de Deus. Essa condição exige o controle sobre nossas paixões e o triunfo sobre Satanás e o pecado.

Cartas. São essenciais para conhecer a história da controvérsia arriana, bem como a evolução do dogma no século IV. Em que pese o estilo epistolar, às vezes, pelo seu rico conteúdo, chegam a ser Tratados completos. As cartas denominadas de “festales” são uma tradição dos bispos de Alexandria. Cada ano, eles anunciavam, às suas dioceses e às vizinhas, o começo da Quaresma, bem como a data exata da celebração da Páscoa, em carta especial enviada após a Epifania. Eram nelas tratados, também, assuntos e coisas da vida cristã. Atanásio seguiu essa tradição fielmente. As suas Cartas foram colecionadas por um amigo e muito difundidas. Através delas pode-se observar que o costume de jejuar quarenta dias antes da Páscoa tinha já se estabelecido no Egito. Há nelas um clima de alegria pascal. A mais importante das Cartas Festales é a 39ª do ano 367. Nela são enumerados os livros do Antigo e do Novo Testamento, considerados “canónicos” ou oficiais pela Igreja. Esse cânone coincide, exatamente, com o Codex Vaticanus de começos do século IV. Ambos omitem os Livros dos Macabeus.

No volume das Cartas intitulado: Tomus ad Antiochenos é discutido o uso do termo “Hipóstasis” e se admite os dois significados de “subsistência” e “persona”.

No volume das Cartas sobre o Espírito Santo se trata da divindade do Espírito Santo, um tema ligado ao da divindade do Filho. O Espírito Santo é o Espírito do Filho. Não somente o Filho O doa e O envia, mas ele é identificado como princípio da vida de Cristo em nós. Possui um interesse especial, para a posteridade, a Carta de Decretis Nycenae Synodi, na qual se faz uma descrição das sessões do Concílio de Nicéa e uma defesa especial das expressões gregas “ek tes ousías” e “homoúsios”. Quanto a este última, os arrianos pensavam ter Dionísio a seu favor, como se não a tivesse pronunciado nunca; mas Atanásio os tira de sua falsa crença.

Temos, também, a Carta de Synodis Arianini in Italia et Seleuciae in Isauria, escrita em 359, ano em que aconteceram os Sínodos gêmeos de Arianini e Seléucia. Atanásio frisa que não havia razão para reunir esses Sínodos, já que as decisões de Nicéia os tornavam desnecessários. Admite, ainda, que o termo “homoioúsios” (interpretado como “parecido, em essência, à substância de...”) poderia ter uma correta interpretação.

Teologia de Santo Atanásio.

O maior mérito de Atanásio consistiu em ter defendido a tradição cristã do processo de “helenização” que se escondia em Arrio e em seus seguidores. Atanásio não constrói um sistema teológico, nem cria novos termos. Mas a história da sua vida é a do dogma no século IV. Estava convencido de que o homem, com a sua razão unicamente, não poderia abordar a sua própria natureza nem a dos outros elementos terrestres. Com muita maior razão, não poderia o homem, com o exclusivo poder do seu conhecimento, abordar a inefável natureza de Deus. Atanásio é preciso quando separa o pensamento grego da revelação cristã. Caso contrário, a verdade do Evangelho poderia ser falseada. O seu ensinamento nos deixou, como herança, as ideias básicas para compreendermos adequadamente a doutrina trinitária e a cristologia.

A Trindade. Ela é una: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. A Trindade é criadora. O Pai faz todas as coisas pelo Verbo no Espírito Santo. Os arrianos diziam que Deus, quando quis criar a natureza, viu que esta não poderia suportar a mão poderosa de Deus Pai e fez primeiramente o Filho, o Verbo, para que por Ele fossem logo criadas todas as coisas. Atanásio refuta esse erro e, em lugar de colocar o Lógos ao lado das criaturas, coloca o Lógos ao lado de Deus. Ele é incriado. Pai e Filho são dois, mas também o mesmo, pois têm a mesma natureza. Não pode haver mais do que um Filho, porque em si mesmo se basta para esgotar a fecundidade do Pai. Em Atanásio não há lugar para o subordinacionismo. Quando o Filho diz: “o Pai é maior do que eu”, significa: o Pai é a origem, o Filho é a derivação.

O Lógos e a Redenção. A ideia da Redenção é o fundamento da doutrina de Atanásio. A respeito, escreve: “Ele se fez homem para que nós pudéssemos nos tornar Deus (theopoiethõmen) (...). Manifestou-se através de um corpo para que recebêssemos uma ideia do Pai invisível. Suportou as injúrias para que pudéssemos herdar a imortalidade. Não teríamos sido redimidos se Deus mesmo não se tivesse feito homem e se Cristo não fosse Deus. Ao assumir a natureza humana, o Lógos deificou a Humanidade, venceu a morte não só por si mesmo, mas por todos nós”.

Cristologia. Tudo quanto o Senhor fez como Deus e como homem pertence a uma mesma pessoa. No entanto, na cristologia de Atanásio não há lugar para uma alma humana em Cristo. Para o nosso autor, era claro que a morte consiste na separação da alma e do corpo. Mas a morte de Cristo consistiu na separação do Lógos e do corpo.

Mariologia. Maria é, verdadeiramente, “theotókos”, Mãe de Deus, pois o Verbo tomou, por nós, carne de uma virgem, que se converteu em Mãe de Deus, se fazendo Ele homem como nós. A unidade pessoal de Cristo traz, também, como consequência, a “communicatio idiomatum”. Daí por que Cristo tem direito de ser adorado, como Deus, mesmo na sua natureza humana.

O Espírito Santo. Se o Espírito Santo não fosse Deus, não teríamos n’Ele nenhuma participação de Deus. Ora, o Espírito Santo forma parte da Trindade e, como esta é homogênea, o Espírito não é criatura, mas Deus. Sendo, portanto, consubstancial “homoúsios” ao Pai, assim como ao Filho. Uma conclusão lógica, na teologia de Atanásio, é que o Espírito procede do Filho e do Pai, através do Filho. Procede do Pai porque brilha e é enviado e dado pelo Verbo, o qual, por sua vez, é consubstancial ao Pai.

O Batismo. A respeito deste sacramento, frisava Atanásio: “Os arrianos não batizam no Pai e no Filho, mas no Criador e na criatura, n’Aquele que faz e na sua obra. Como a criatura é outra coisa diferente do Filho, o Batismo, que se supõe seja administrado por Eles, é diferente do batismo verdadeiro, embora nomeie o Pai e o Filho por serem palavras da Escritura”. O Batismo conferido pelos arrianos e, assim, inválido.

A Eucaristia. A respeito, destacava Atanásio na sua obra: “Depois que se tenham pronunciado as grandes e admiráveis orações, então o pão se converte no corpo do Nosso Senhor Jesus-Cristo e o vinho se converte no seu sangue”.

V - SANTO AMBRÓSIO DE MILÃO (333-397).

Ambrósio, Prefeito do Pretório para as Gálias, era cristão e um dos primeiros funcionários do Império Romano. Morreu prematuramente deixando 3 filhos: Marcelino, Sátiro e Ambrósio, que foi bispo de Milão. Ambrósio nasceu em Treveris; a sua mãe, Marcelina, morto o seu esposo, transladou-se com os seus filhos para Roma, a fim de completar a educação deles. Cumprida a sua missão materna, entrou ao convento, tendo recebido o véu das virgens do Papa Libelio (em 353) e, mais tarde, colaborou com o seu filho Ambrósio nas obras pastorais do bispado de Milão.

Após uma sólida formação literária, Ambrósio estudou direito e entrou, em 370, na carreira administrativa do Império. Foi logo nomeado governador da Ligúria e Emília, passando a residir em Milão. Morto o bispo Auxêncio em 374 e enquanto Ambrósio arengava a multidão integrada por católicos e arrianos para manter a ordem, uma voz infantil gritou: “Ambrósio, bispo”. Isso foi definitivo, pois a multidão, unânime, volcou-se sobre ele. Embora rejeitasse, Ambrósio teve de se submeter aos pedidos dos demais bispos e do próprio Imperador. Como ainda era catecúmeno, teve de esperar para tomar o batismo, tendo recebido, imediatamente, as ordens eclesiásticas no dia 7 de dezembro de 374.

O seu primeiro cuidado foi repartir os bens entre os pobres, aos quais passou a dar primordial atenção na sua predicação. Foi por ela como Ambrósio exerceu influência definitiva sobre a diocese de Milão. Possuía grande talento oratório. Dedicou-se ao estudo da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, tendo recebido influência do seu guia espiritual o sacerdote Simpliciano, que seria o seu sucessor na diocese.

Em matéria de exegese, Santo Ambrósio seguiu Orígenes e, em teologia, Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Basílio, Dídimo e Gregório de Nacianzo. O seu ensino era, sobretudo, prático. Dedicou-se, com empenho, a destruir os restos da heresia arriana, com os seus dois grandes tratados: Sobre a Fé e Sobre o Espírito Santo, dedicados ao imperador Graciano (359-383). Para combater a mencionada heresia no meio do povo, Atanásio compôs uma série de hinos religiosos a serem cantados nos ofícios litúrgicos, tendo obtido resultados muito satisfatórios. De outro lado, Ambrósio deu uma contribuição litúrgica importante, ao criar o rito denominado de “milanês ou ambrosiano”.

Uma contribuição importante de Ambrósio foi a influência que teve sobre o Imperador Graciano, no Império Romano de Ocidente, ao exercer a regência em nome do meio irmão deste, Valentiniano II, reforçando a autoridade imperial de Graciano e de Teodósio (no Império Romano do Oriente). Santo Ambrósio morreu em 397, tendo sido um dos bispos que mais prestígio deram à Igreja. Permaneceu na memória popular como o grande bispo de Milão.

Obra de Santo Ambrósio.

Ambrósio foi, antes de tudo, um pastor acolhedor e bondoso. Foi, também, um administrador firme e vigilante, dotado de grande senso prático. Daí que as suas obras se relacionem, em grande parte, com a Sagrada Escritura e a moral.

1 – A obra de Ambrósio em Exegese.

Os seus Discursos têm como objeto principalmente o Antigo Testamento, com exceção do breve Comentário ao Evangelho de São Lucas. Nesses escritos, Ambrósio possui originalidade, em que pese o fato de se alicerçar em comentaristas antigos. Sobressai a sua obra intitulada: Hexameron, em 6 livros, que trata da criação do mundo por Deus. Nessa obra, o autor busca qualquer ocasião para se elevar até o Criador, a partir da contemplação dos seres da natureza, plantas, animais, astros, mares e paisagens. Tudo foi emoldurado por Deus Criador num contexto de rara beleza e harmonia. Nesse clima de contemplação, Santo Ambrósio aborda os relatos da criação que aparecem no livro do Gênese e comenta as referências à obra criadora de Deus por parte dos Patriarcas e, especialmente, nos Salmos.

2 – A Moral Prática e a Ascética.

Sobressai, aqui, o livro intitulado: De oficiis ministrorum (Sobre os ofícios dos Ministros), que constitui uma adaptação do tratado De Oficiis de Marco Túlio Cicero (106-43 AC). Se bem o livro de Ambrósio se dirigisse inicialmente ao clérigos, no entanto aparece também uma exposição moral detalhada endereçada aos fiéis.

Os Tratados ascéticos deram a Ambrósio o título com que a posteridade os valorizou, conferindo ao seu autor a alcunha de “doctor virginitatis” ("Doutor da virgindade"). Mais adiante, ao expormos a “Teologia Moral” de Ambrósio, trataremos deste tema.

3 – A Teologia Dogmática.

Ambrósio dedicou-se, nas suas obras, seja a combater o arrianismo, seja a desenvolver a doutrina dos Sacramentos. Parte muito importante da sua obra foram os Hinos, dentre os quais aparecem quatro com autenticidade indiscutível: “Aeterne rerum Conditor” (Ô eterno Criador das coisas”), “Deus Creator omnium” (“Deus Criador de tudo”), “Jam surgit hora tertia”, (“Já são 9 horas da manhã”) e “Veni Redemptor omnium” (“Vem Redentor de tudo”). Certamente o “Te Deum” não é de Ambrósio, mas de Nicetas, bispo de Remesiana (335-414), atual Bela Palanka (Sérvia).

Santo Ambrósio é o “Doutor dos Direitos de Deus e da Igreja”, bem como o “Doutor dos Direitos da Consciência”. Ele elevou os espíritos até o misticismo. Como “Doutor dos Direitos da Igreja” desenvolveu três princípios, a saber:

A – A Igreja é, em seu domínio, independente do Estado. Ambrósio distinguia entre “religio” e “res pública”. A “religio” tem direito à liberdade, a qual seria inútil se o Estado não a garantisse. A respeito, frisava Ambrósio: “Ea quae sunt divina, imperatoriae potestati non sunt subiecta” (“As coisas divinas não estão submetidas à potestade imperial”). E afirmava também: “”Ad Imperatorem palatia pertinent, ad Sacerdotem, Ecclesiam” (“Os palácios pertencem ao Imperador, ao Sacerdote, a Igreja”).

B – A Igreja é a guardiã da moral. Ela tem o direito e o dever de submeter à moral todo mundo, inclusive os príncipes.

C A Igreja tem direito à proteção do Estado. Este não pode lhe recusar os seus favores e, paralelamente, deve recusá-los a outros cultos, “pois o erro não pode ter os mesmos direitos que a verdade”. No entanto, Ambrósio reprova qualquer tipo de violência neste terreno.

D Eclesiologia: a unidade da Igreja tem como centro a sede apostólica romana. A propósito, Ambrósio diz: “Ubi ergo Petrus, ibi Ecclesia” (“Pois onde está Pedro, aí está a Igreja”). “Ubi Ecclesia, nulla mors, sed vita aeterna” (“Onde está a Igreja, não há morte, mas a vida eterna”). Este sentido da unidade da Igreja e de suas exigências era muito agudo em Santo Ambrósio e o seu pensamento traduzia-se nos seus atos, servindo de inspiração aos Papas, especialmente São Leão (que reinou como Papa entre 440 e 461) e São Gelacio I (que reinou entre 492 e 496).

4 – A Teologia Moral.

Como já foi anotado, o sentido moral é o mais característico em Santo Ambrósio, mas a sua exegese, carregada de alegorias é débil, em seu conjunto. Os princípios práticos da sua moral são conhecidos, como já foi frisado, pelo seu livro De Oficiis, no qual traz muito menos argumentos filosóficos do que provenientes da Sagrada Escritura. A sua moral tem o fundamento verdadeiro na sua fé em Cristo, que sustenta a Igreja. Assim, pois, a sua moral apoia-se, por um lado, em Deus e, por outro, na Igreja. Entre os preceitos especialmente dedicados aos clérigos estão os da castidade, o pudor e a oratória sagrada.

É, contudo, quando trata dos deveres para com Deus e o próximo, quando o bispo de Milão completa mais fortemente os antigos argumentos. No livro II do Tratado De Oficiis, principalmente, são expostos os deveres da caridade, das boas obras e da hospitalidade. A tendência da moral ambrosiana aponta para um firme ascetismo, ou seja, para a prática de meios especialmente recomendados para atingir a perfeição. O meio principal é a virgindade. Esta é superior ao matrimônio (como, aliás, foi reconhecido, posteriormente, pelo Concílio de Trento (1545-1563). A virgindade é um altar sobre o qual se imola uma “hostia pudoris, víctima castitatis” (“hóstia de pudor, vítima da castidade”), sendo fundadora de tal estado a Virgem Maria. Ela constitui o exemplo ideal de toda pureza. Tal é o tema do livro intitulado: De Institutione Virginis, no qual aparece uma tenra piedade. É um dos escritos mais antigos e que mais tem contribuído ao desenvolvimento, na Igreja, do culto a Maria.

O ascetismo de Santo Ambrósio inspira-se num puro misticismo. São prova disso as seguintes palavras: “Omnia igitur habemus in Christo; omnia Christus est nobis. Si vulnus curare desideras, Medicus est; si febribus aestuas, fons est; si gravaris iniquitate, iustitia est; si auxilio indiges, virtus est; si mortem times, vita est; si coelum desideras, via est; si tenebras fugis, lux est, si cibum quaeris, alimentum est. Gustate igitur et videte quoniam suavis est Dominus; beatus vir qui sperat in Eo!” (“Pois todas as coisas as temos em Cristo; Cristo é tudo para nós. Se desejas curar a ferida, Ele é o Médico; se a febre te queima, Ele é a fonte d’água; se a iniquidade te verga, Ele é a justiça; se precisas de ajuda, Ele é a força; se temes a morte, Ele é a vida; se desejas o céu, Ele é o caminho; se foges das trevas, Ele é a luz; se buscas comida, Ele é o alimento. Gostai, pois e vede quão suave é o Senhor; feliz o homem que espera n’Ele!”).

5 – A Teologia da Trindade.

Ambrósio concebe a Trindade à maneira dos orientais; as Pessoas, antes que a Natureza. O Pai é a fonte e a raíz do Filho; Este é chamado tal enquanto gerado e Verbo enquanto produzido espiritualmente O Filho é a fonte do Espírito Santo, se bem Ambrósio não diz que procede d’Ele. Por último, não há nenhuma desigualdade entre as Pessoas.

6 – A Cristologia e os Sacramentos.

Em Cristo há duas naturezas e duas vontades bem distintas, Ele é, no entanto, “unus” (“um”) e n’Ele não se pode dividir o que é do Pai e o que nasceu de Maria. Quanto à redenção, Ambrósio, como São Hilário de Poitiers (315-368), a explica pela doutrina realista da expiação e da satisfação.

Quanto à Teologia dos Sacramentos, Ambrósio distingue bem o “ritus” (“rito”) da “gratia” (“graça”). A ideia do símbolo eficaz não lhe é estranha. Quanto à Eucaristia, o sentido da consagração da hóstia é o de uma conversão (transubstanciação) da natureza do pão e do vinho. A conversão se opera pelas palavras mesmas de Cristo na Ceia.

A penitência refere-se aos “delicta graviora” (“faltas mais graves”) que exigem uma penitência pública imposta uma só vez. Tal penitência pressupõe: A – uma confissão secreta, feita ao bispo ou ao sacerdote, que determina a satisfação. B – A “exomologuesis” ou “expiação pública”. O pecador dá satisfação a Deus diante da Igreja. C – A “reconciliatio” (“reconciliação”) solene pela imposição das mãos do bispo, no sábado santo.

7 – A Escatologia.

Revela a influência de Orígenes. Ambrósio não admite que todos os justos, salvo alguns privilegiados do Antigo e do Novo Testamento, como os Patriarcas, os Profetas, os Apóstolos e os Mártires, possam ser admitidos à visão beatífica antes da ressurreição. O nosso autor acredita, ademais, que todos os cristianos serão, algum dia, salvos por causa da sua fé.

VI - SANTO AGOSTINHO DE HIPONA (354-430).

Aurélio Agostinho, filho de uma família de classe média, nasceu em Tagaste (Souk-Ahras), cidade situada na região da Numídia. Patrício, o seu pai, era pagão, mas a sua mãe, Mônica, era uma piedosa cristã. O seu pai, embora fosse pagão, recebeu o batismo antes de morrer, em 371. Frequentada a educação popular em Tagaste, Agostinho foi estudar letras em Madaura. Passou no ócio o 16º ano da sua vida, em decorrência da má situação econômica dos seus pais, que queriam que de qualquer forma estudasse retórica em Cartago, ideal que Agostinho conseguiu realizar.

Aos vinte anos, já tinha terminado o curso e se dedicou ao ensino durante os 12 anos seguintes. Na Itália, ganhou por concurso a cátedra de retórica em Milão, em 383. Em 386, por motivos de saúde e de crise existencial, renunciou ao seu cargo. Por volta de 373 entrou em uma seita maniquéia, procurando aplacar a sua desordem sentimental, da qual nasceu um filho, de nome Adeodato. Tentando encontrar a verdade acerca da existência humana, leu o livro Hortensius de Cícero.

Embora nunca tivesse chegado a ser um completo maniqueu, Agostinho assimilou, contudo, os princípios fundamentais dessa seita, consistentes nos seguintes pressupostos: 1 – Tudo, Deus inclusive, é matéria. 2 – O mal é uma substância separada e vivente. 3 – A alma humana é uma parte da divindade. Seguindo esses princípios, Agostinho foi chegando, segundo ele próprio confessa, ao fundo do abismo. Convenceu vários amigos acerca da validade dessa doutrina, entre eles Alípio, Romaniano e outros. Mas Mônica, sua mãe, não cessava de chorar as desordens do filho, orando constantemente ao Senhor por ele.

Os clamores da piedosa mãe pronto foram escutados. A vida de retorno à fé cristã começou em 383. Fausto, o grande doutor do Maniqueísmo, o decepcionou, pois se revelou um charlatão. De outro lado, Agostinho ficou seduzido pela profundidade da pregação de Ambrósio, bispo de Milão. Tinha 30 anos quando Agostinho decidiu-se de novo pelo catecumenato. No ano seguinte, teve lugar a conversão do seu espírito, quando o neo-platonismo tinha solucionado, no seu pensamento, vários dos problemas que o afligiam. O mundo inteligível dos platônicos ajudou-lhe a conceber a ideia do Verbo. Mas sobreveio nele um intolerável orgulho exaltado pela filosofia. De outro lado, a conversão moral tardava em chegar.

Agostinho descobriu o sentido da verdadeira humildade ao compreender a natureza do mistério da Encarnação. Essa compreensão o levou a descobrir um ideal de vida superior. Nisso consistiu a sua verdadeira conversão, em agosto de 386. Retirado na solidão em companhia da sua mãe e o amigo Alípio, foi compreendendo, aos poucos, a verdade e foi resgatado das trevas por Cristo. Ao ensejo dessa conversão, Agostinho escreveu três tratados: Contra academicos, De beata vita e De ordine. Para o Agostinho converso, a filosofia é sinônimo de vida cristã, um médio para se unir a Deus.

Nessa época, o seu mestre, Santo Ambrósio, recomendou-lhe a leitura de Isaías. Em 387, Agostinho chegou a Milão e na Páscoa desse ano, juntamente com Adeodato o seu filho e Alípio, recebeu o batismo do mesmo bispo Ambrósio. No outono desse ano mudou-se para a cidade de Ostia, sobre o Mar Tirreno, com a sua mãe, a fim de embarcar para Africa. A morte, no entanto, surpreendeu Mônica, após um colóquio espiritual com Agostinho, que retornou a Roma.

Em 388, Agostinho transladou-se para Tagaste, na Africa. Vendeu seus bens e fundou uma comunidade religiosa de monges. Tagaste foi, assim, o primeiro mosteiro agostiniano. Adeodato tinha então 17 anos. Para a formação deste, Agostinho escreveu por esse tempo o seu tratado De Magistro. Em 391, Agostinho fixou residência em Hipona onde fundou outro mosteiro, espécie de seminário para a formação de presbíteros. A regra dessa fundação intitulou-se: Regra ad servos Dei e foi publicada junto com o pequeno tratado intitulado: De vita et moribus clericorum. Agostinho firmou-se, assim, como um verdadeiro patriarca da vida religiosa no norte da Africa e um grande reformador do clero. Os seus discípulos Alípio, Severo, Evodio, Posídio e outros ocupariam várias sedes episcopais. Os pontos da espiritualidade agostiniana serão, basicamente, a pobreza e a vida em comum.

Agostinho também fundou mosteiros para jovens cristãs, sendo a sua própria irmã superiora de um deles. A regra para esses estabelecimentos encontra-se na Carta 211 de Agostinho. Com a invasão dos Vândalos, os monges e monjas desses conventos dispersaram-se por várias regiões do Norte da Africa e do sul da Itália. Assim, a obra pastoral de Agostinho, no que tange à formação de religiosos e religiosas, constituiu uma contribuição fundamental para a introdução e o desenvolvimento do monaquismo nessas regiões.

A obra de Agostinho centrou-se, então, na luta para desmascarar os erros maniqueus. Com tal finalidade escreveu o tratado intitulado: De moribus Ecclesiae Catholicae et de moribus Manicheorum, que constitui um autêntico tratado de moral cristã. Dois pontos sobressaem nesta obra: 1- Deus é o sumo bem ao qual o cristão está unido pela caridade. 2- É reprovável o materialismo que inspira aos Maniqueus na sua filosofia e nas reflexões teológicas. O principal livro escrito por Agostinho nesta época é o De libero arbitrio, que começou a escrever em Roma, tendo-o terminado em Hipona. Três pontos ressaltam na obra: 1 – O mal provém da vontade, pois o pecado é uma submissão da razão às paixões; ora, essa desordem provém do livre arbítrio. 2 – Deus é causa de todo bem e, portanto, do livre arbítrio, que é um bem. 3 – O pecado é uma desordem nas relações do homem com Deus. A obra está solidamente pensada. Ela exalta, contra os pelagianos, o privilégio da liberdade que nos foi outorgada por Deus.

Em 386, Agostinho substituiu Valério como bispo de Hipona. Por volta de 398, o nosso autor compôs as suas Confissões, que é uma fonte preciosa para o conhecimento da sua vida. Destaquemos uma parte central da obra: o Livro X, que descreve o seu estado espiritual de então. A atividade episcopal de Agostinho concentrou-se em quatro pontos: 1 – A administração da diocese, para a qual Agostinho teve de empreender várias construções como um novo hospício para os indigentes e várias basílicas. 2 – A pregação, especialmente a catequese dos pobres e ignorantes. 3 – Os escritos dirigidos aos fiéis de todas as condições, posições e países, que acudiam a Hipona para escutar os seus ensinamentos. 4 – A preparação das suas intervenções nos dez Concílios presididos por Aurélio, o grande bispo de Cartago e amigo de Agostinho.

No que tange à sua obra oratória, Agostinho iguala-se a São João Crisóstomo, no seu grande poder de orador inspirado. Já no tocante à sua luta contra as heresias, Agostinho destruiu os Maniqueus, tendo-se voltado, depois, contra os Donatistas. Para combater estes, Agostinho escreveu sobre dois pontos que dividiam aos cristãos de então no norte da Africa: a Igreja e os Sacramentos. Os donatistas falseavam a catolicidade da Igreja e a sua santidade, pretendendo excluir dela a todos os pecadores e fazendo depender da validez dos sacramentos o valor moral do ministro, especialmente no que tangia ao batismo e à ordenação sacerdotal. Depois de muitas vicissitudes, Agostinho contemplou os bons frutos da sua luta: os católicos triunfaram. O Donatismo foi suprimido em 411, tendo desaparecido os últimos donatistas no final do século V. Entre 410 e 420, Santo Agostinho foi um dos pastores mais levados em consideração pelos cristãos da Africa e da Europa. O triunfo sobre o Donatismo, a difusão de obras de Agostino,  De Trinitate, De Genesi ad Litteram e De Civitate Dei contribuíram para alastrar a fama do grande teólogo.

Desde 418 já estava vencido o Pelagianismo. Este consistiu numa doutrina heterodoxa formulada pelo monge bretão Pelágio, no início do século IV, e que se estendeu rapidamente pelo norte da Africa e inclusive em Roma. Os pontos fundamentais do Pelagianismo eram os seguintes: 1 – O homens sozinhos, com as suas próprias forças, podem querer e praticar o bem moral. 2 – Não existe pecado original. 3 – Há algumas vantagens no Batismo, mas este não é necessário para a vida eterna. 4 – A graça é um simples ornato espiritual. 5 – A graça atual interior não tem nada a ver com a vontade. 6 – A ação de Cristo não recai sobre a vida, sendo somente algo exterior.

Dois livros foram publicados ao ensejo da controvérsia entre católicos e pelagianos: De spiritu et littera e De natura et gratia. Neste último, o autor garante que todos os homens estão submetidos ao pecado e padecem com a oposição da carne em face do espírito. O homem pode não pecar, mas somente com o auxílio da graça e da oração. A natureza humana encontra-se debilitada pelo pecado. Pelayo foi condenado em 416 pela Igreja de Africa. Essa decisão e as críticas ao Pelagianismo foram aprovadas pelo Papa Inocêncio I, fato que levou Agostinho a exclamar: “Causa finita est utinam aliquando finitur error” ("Uma querela é superada quando por fim termina o erro").

Toda essa primeira fase de luta está condensada na obra de Agostinho intitulada: De gratia Christi et peccato originali (418). A segunda fase da controvérsia encontra-se no tratado intitulado: De anima et eius origine, que se refere à transmissão do pecado. Santo Agostinho rejeita o emanantismo, e o coloca entre o traducionismo e o criacionismo.

Em 426, Agostinho quis se retirar em uma espécie de solidão espiritual, tendo deixado Heraclio como bispo auxiliar encarregado da administração exterior, com o encargo de sucedê-lo na sede do bispado de Hipona. O seu repouso, no entanto, foi logo tumultuado. O emanacionismo reaparecia com os bárbaros Godos invasores da Africa. Eles tinham um bispo arriano: Maximino. Dessa época datam os escritos de Agostinho intitulados: Retractationes, Liber de haeresibus e mais quatro tratados contra os primeiros semi-pelagianos.

O semi-pelagianismo era o erro daqueles que negavam a necessidade da graça para o início da justificação, com a pretensão de colocar em alto a liberdade humana. Essa posição levou Agostinho a defender, novamente, a gratuidade da graça, em dois tratados: De praedestinatione sanctorum e De dono perseverantiae. Estes foram os seus últimos escritos (428-429).

A morte se aproximava. O conde Bonifácio, general romano e governador da Província, revoltado contra o Imperador Valentiniano III (425-455), tinha levado à Africa os Vândalos, também arrianos e de uma atroz ferocidade. Santo Agostinho fez o possível para convencer Bonifácio contra eles e, se bem conseguiu o seu propósito, já era tarde demais. Bonifácio foi derrubado e morto (em 432), tendo os bárbaros colocado sítio a Hipona durante 18 meses, até a rendição da cidade. Agostinho morreu no terceiro mês do sítio, no dia 28 de agosto de 430.

Os últimos 10 dias da sua vida Agostinho os passou no mais rigoroso recolhimento, orando sem interrupção. O seu corpo foi transportado a Sardenha e finalmente a Pavia.

A TEOLOGIA DE SANTO AGOSTINHO

Destaquemos, de entrada, alguns pontos fundamentais da Teologia agostiniana.

1 - A Fé constitui o pano de fundo da sua obra.

É sobre esse pano de fundo que inclui a Revelação e a dimensão sobrenatural da mesma, onde se situa o seu pensamento. Daí a posição eminente que, na obra de Agostinho, ocupa a Sagrada Escritura. Isso não implica, no entanto, que na sua obra Agostinho não desenvolva um arrazoado autenticamente filosófico. O seu espírito metafísico deixou por todas partes profundas pegadas espirituais em relação aos problemas essenciais. Pensou uma síntese filosófica original e rica. No plano cristão, Agostinho colocava-se sob as luzes do Espírito Santo e em direção a essa altura aspirava elevar os seus discípulos. O seu amor a Deus se revela até nas grandes sínteses que preparam a grande obra da Teologia medieval.

Os temas fundamentais de Agostinho são de inspiração cristã: a Trindade, a Encarnação a Redenção, a Graça, a Igreja. O dogma cristão prolonga-se na moral. O homem possui uma tendência humana à beatitude e, sem deixar de lado as virtudes filosóficas, Agostinho recomenda as virtudes evangélicas: a humildade, a piedade, a ascese interior, a caridade. Com todos esses elementos, o pensador de Hipona construiu uma síntese viva.

2 – A atividade literária de Agostinho divide-se em três períodos bem demarcados.

O primeiro período se estende de 386 a 396 e cobre os episódios do batizado e da sagração episcopal do nosso autor. A caraterística deste período é o espírito de sabedoria que o ilumina, tanto do ângulo filosófico quanto no terreno da exegese bíblica.

O segundo período se estende de 396 até 411, abarcando a primeira parte do seu trabalho pastoral como bispo. Agostinho centra a sua meditação teológica ao redor da Santíssima Trindade.

O terceiro período vai do ano 411 até 430 e cobre a segunda parte da sua obra como bispo. Prevalece, nesse espaço de tempo, uma preocupação eminentemente pastoral.

3 – Três são os graus de sabedoria que aparecem na obra de Agostinho.

Em primeiro lugar, temos a sabedoria natural que se baseia no “uti” (dimensão prática), mas apenas parcialmente. Em segundo lugar, temos a sabedoria teologal, a qual é a base da vida cristã, constituído pelo amor à verdade revelada. Em terceiro lugar, aparece a sabedoria mística, que consiste no fruto superior dos dons do Espírito Santo. Eles produzem um tal grau de amor pela verdade divina, que a alma encontra ali o seu verdadeiro repouso sobrenatural. Esta etapa constitui já uma parte do “frui” (fruição dos frutos do Espírito) que encontrará a sua plenitude na eternidade.

4 – A Escola de Ocidente.

De Agostinho surge uma nova tradição doutrinária. Assim como se fala da Escola de Antioquia ou de Alexandria, pode-se falar, também, de uma Escola de Ocidente na qual se agrupam pensadores influenciados pelo grande mestre de Hipona. Assim, vão surgindo teólogos da talha de São Próspero, São Leão, São Fulgêncio, São Cesáreo de Arlais, Santo Isidoro de Sevilha, São Gregório Magno, etc.

Os Princípios doutrinários da Escola de Ocidente são os seguintes:

A – O objetivo essencial da exegese é o amor de Deus por Ele mesmo e o amor do próximo por Deus. A exegese agostiniana é, pois, essencialmente dogmática e moral.

B – Quanto ao alegorismo, o pensamento de Agostinho não é bem claro. Ele usou, fartamente, da alegoria. No entanto, esse uso é bastante pessoal.

C – Para Agostinho, é essencial à exegese a lei da história. A Revelação não é uma exposição especulativa de verdades ou um código de leis, mas ela se desenvolve na vida mesma da humanidade. Cristo está no coração da história. Esse é o sentido da Cidade de Deus. Em Teologia, para Agostinho domina a moral mística, ou seja, uma síntese entre o moralismo de Antioquia e o misticismo de Alexandria.

Para aprofundar na exposição da fé, Agostinho utiliza um instrumento valioso: o platonismo cristão, cujo sistematizador é o próprio Agostinho. O Deus criador é também iluminador dos espíritos e regra das consciências. Deus está presente no coração do homem e essa “interioridade” da via que conduz a Ele é um dos traços essenciais do seu pensamento religioso. No entanto, Deus é transcendente, Ele é, por muitos aspectos, inacessível aos espíritos.

Cristo é Deus Encarnado, Redentor e Cabeça da Igreja. Agostinho sabe manter a integridade das naturezas, insistindo, contudo, na pessoa única do Filho de Deus que é Sabedoria e Verdade. Ele é o Cristo que vive e luta na Igreja, movido pelo seu Espírito, a fim de conduzir os eleitos à vida eterna. Graças a Santo Agostinho, o Cristo onipotente, “Pantocrator”, virá a ser, no Ocidente, um Mestre da vida interior.

PONTOS DOUTRINÁRIOS DA TEOLOGIA DE SANTO AGOSTINHO.

A Teologia era definida, por Agostinho, como “ratio seu sermo de divinitate” (“arrazoado ou discurso acerca da divindade”). Em doze pontos pode ser sintetizada a Teologia Agostiniana:

1 – As perfeições de Deus.

A razão pode provar a existência de Deus, mas ela é, vantajosamente, confirmada pela fé. As perfeições de Deus exprimem-se pelos seus nomes. A expressão bíblica: “Ego sum qui sum” ("Eu sou Aquele que é") coloca Deus como o Ser, ou seja, ao mesmo tempo como essência e como existência. A expressão: “Deus de Abrahão, de Isaac e de Jacó” evoca a condescendência do Ser Infinito que chama o homem a uma união pessoal com Ele.

2 – Os atributos divinos.

Deus é eterno, imortal, incorruptível e imutável. N’Ele reinam a justiça, a bondade, a beatitude e a espiritualidade. Ele é vivente, sábio, poderoso, belíssimo. O seu atributo central é a Sabedoria (Sapientia).

3 – A atividade ad extra.

A Providência, na qual Agostinho insiste muito, é também, principalmente, uma obra de sabedoria, no plano natural e no sobrenatural. A criação é a obra das três Pessoas, mesmo que tal ou qual coisa seja atribuída a uma delas em particular. A Providência é uma criação prolongada e, consequentemente, é, também, a obra da natureza divina mais do que de uma Pessoa. A Cidade de Deus é a obra mestra da Providência sobrenatural.

4 – A Trindade.

A doutrina agostiniana sobre este ponto reveste-se de uma incomparável profundidade. Agostinho parte na sua exposição, não do Pai, considerado como fonte das outras Pessoas, mas da natureza divina uma e simples, que é Trindade. Assim, o subordinacionismo é demolido pela sua base. Agostinho conclui a respeito: A – Há uma unidade de operação ad extra. B – Há igualdade absoluta das Pessoas. C - Há a necessidade de expressar, no singular, tudo o que se refere à natureza e tem alguma coisa de absoluto.

Para evitar o modalismo, Santo Agostinho desenvolve a teoria das Relações: estas Pessoas são Relações que não se confundem com a substância ou com a natureza, posto que elas não são algo absoluto mas tampouco são acidentes, posto que são essenciais à natureza, eternas e essenciais como ela. Assim, pois, o Pai é chamado de “ad Filium” (“em relação ao Filho”) e o Filho “ad Patrem” (“em relação ao Pai”). Santo Agostinho é o primeiro que exprime, amplamente, a processão “a Patre Filioque” (“do Pai e do Filho”), sustentando, sempre, que o Espírito procede principalmente do Pai, que é “princípio sem princípio”. O Espírito Santo é “ad Patrem et Filium” (“relacionado essencialmente ao Pai e ao Filho”).

5 – O homem.

O homem é imagem da Trindade, pelo ser, o conhecer e o querer. Para Agostinho, a sabedoria é idêntica à piedade (“pietas”). É por ela como o homem vem a ser perfeita imagem de Deus, da Trindade, imagem que deve durar ainda na outra vida, onde ela se aperfeiçoará pela visão. Ela é criada pela renovação interior, espiritual, moral do homem inteiro.

Essa renovação compreende, efetivamente: A – O conhecimento de Deus. B – A fidelidade do Espírito, que induz o homem a se inspirar nos juízos divinos. C - A adesão do coração a Deus, que gera a pura caridade. “Venera ao Senhor, eis a sabedoria”, escreve Agostinho. Não é pela sua própria luz como o espírito do homem se tornará sábio, mas participando da luz soberana como ele será imortal e reinará na bem-aventurança. Assim entendida, a sabedoria (“sapientia”) do homem não é mais do que a sabedoria de Deus, participada pela criatura racional. A imagem da Trindade consiste em que o sábio tenha não somente o conhecimento habitual de Deus, mas uma maneira de pensar atual, concretizada pelo homem interior numa palavra (“verbum”) da razão, que expressa a imagem divina integralmente. Dessa maneira, o pensamento está acompanhado de uma expressão amorosa e atual, unindo o verbo à sua origem primeira, a Palavra divina.

6 – Cristo.

Ele é, por excelência, para Agostinho, a via que conduz a Deus. Cristo é o centro da história da humanidade; é, também, o centro da vida cristã. Ele é a Pessoa do Filho de Deus. O mistério da Revelação é o que Agostinho mais leva em consideração. Jesus fez a Redenção em virtude da sua humildade. Nenhum dos Padres da Igreja insistiu tanto neste aspecto espiritual da Encarnação: a humildade de Deus.

A Redenção é, antes de tudo, uma obra de reconciliação do homem com Deus. Mediador entre Deus e os homens, Cristo é sacerdote e Ele mesmo se ofereceu em sacrifício, pela sua morte voluntária. A obra redentora de Cristo, completada pelo sacrifício do Calvário, realiza-se por graus e sob formas múltiplas, que são, assim, a manifestação dessa obra. A graça é o seu fruto em cada fiel santificado. Os sacramentos são o seu canal. A Igreja recebeu a posse e a administração da graça. Assim como a Igreja reúne em seu seio todos os fiéis, que formam uma imensa sociedade, a Cidade de Deus, cujo Rei é Cristo, Ele quis que a sua Mãe participasse do cumprimento da missão conferida à Igreja.

7 – Maria.

Era necessário que Cristo nascesse de uma mulher para que se manifestasse, claramente, a salvação do sexo feminino. Assim como nos perdemos pela culpa de um homem e de uma mulher, convinha que, da mesma forma fôssemos salvos. A Mãe de Deus deveria ser virgem antes, durante e depois do nascimento do Salvador. Da mesma forma, ela deve estar isenta de todo pecado. A respeito, frisa Agostinho: “De qua propter honorem Domini nullam prorsus cum de peccatis agitur habere volo quaestionem” (“Acerca da qual isenção, em virtude da honra devida ao Senhor, não posso aceitar qualquer dúvida”).

8 – O homem e a graça.

O homem atual, frisa Agostinho, não está em situação de desvantagem em relação ao homem inocente do Paraíso. A graça que ele possui é mais poderosa do que aquela da qual Adão tinha necessidade e ela é superabundante. Adão não foi criado no estado atual da humanidade; ele era inocente e possuía os dons preter e sobrenaturais. Os dons preternaturais eram: em seu corpo, a imortalidade, o estar isento de sofrimentos e enfermidades. Na sua alma, a sabedoria, a ciência infusa, o domínio sobre os sentidos, a liberdade perfeita, a justiça que comporta a plena rectidão do espírito.

Contra Pelágio, que negava a existência do pecado original, Agostinho defende a tradição. Ele é o primeiro em profundizar este extenso tema. Nesse campo, contudo, Agostinho exagera, chamando a concupiscência de “pecado” e a humanidade não regenerada de “massa damnationis” (“massa de condenados”). A adoção divina – ou como Agostinho chama, a divinização da alma, que realiza mais perfeitamente a imagem de Deus do que a pura disposição da natureza – “é realizada pelo batismo e vai se aperfeiçoando na justiça e na santidade da verdade” (São Paulo). A caridade, que completa a união com Deus, começa pela graça, sobretudo quando ela está acompanhada da “sapientia”, a sabedoria.

A graça atual, na qual o homem resgatado recebe as força para a ação, não é somente comunicada de forma exterior, pela pregação – como dizia Pelagio – mas sobretudo de forma interior. Santo Agostinho proclama a necessidade da graça atual, ainda para começar as boas obras e perseverar nelas. Para as primeiras graças, Agostinho proclama a absoluta gratuidade, pois não há nenhum mérito pessoal. No entanto, as segundas graças podem ser merecidas de alguma forma, por parte daquele que possui a fé, sobretudo mediante a oração. A perseverança final assemelha-se às primeiras graças; é absolutamente gratuita, se bem pode – e deve - ser pedida. Mas a graça não destrói a liberdade mas, pelo contrário, a desenvolve. É a escravidão do pecado a que a destrói ou a impede. Deus, ao contrário, é o bem. A alma, imagem de Deus, foi criada para o bem e a graça ali a conduz. De outro lado, a graça convida à ação.

9 – Os sacramentos.

Os sacramentos são, antes du tudo, signos de uma coisa santa. Deles encontram-se muitos no Antigo Testamento. Mas os do Novo Testamento são “virtute maiora, utilitate meliora, actu faciliora, numero pauciora” (“maiores em poder, melhores em utilidade, de mais fácil realização e menores em número”). Os últimos merecem, num sentido mais estrito, o título de sacramentos.

O Sacramento comporta dois elementos: primeiro, – a “res sacramenti”, a coisa significada, também chamada de graça ou “virtus sacramenti”; segundo elemento, - O “Sacramentum” ou signo dessa realidade santa, visível ou tangível.

A – Batismo e Ordem. Por causa dos hereges donatistas, Agostinho teve de insistir nesses dois sacramentos. São Cipriano vinculava a validez e a eficácia do Sacramento à fé do ministro; os donatistas, vinculavam-nas à santidade. Agostinho diz: “As disposições do ministro não influem sobre o sacramento”.

B– Eucaristia e Penitência.

Agostinho tratou da Eucaristia amiúde, como orador e como místico, não como teólogo. Da Penitência, pelo contrário, Agostinho é testigo teológico importante. Distingue entre os “peccata quotidiana”, ou de fragilidade, que se apagam com as boas obras e os “peccata mortalia”, que são castigados com a separação da Igreja e que excluem do Reino de Deus.

C – Confirmação.

Este sacramento é colocado no mesmo nível que o Batismo e a Eucaristia e é constituído pela imposição das mãos do bispo, depois do Batismo.

D – Matrimônio.

Simboliza a união de Cristo com a sua Igreja, de onde se depreende a indissolubilidade da família. Condena-se, com firmeza, o divórcio.

E - Extrema-Unção.

Agostinho cita o texto da Carta de Santiago (5:14), mas não menciona a Extrema-Unção como rito cristiano ou sacramento.

10 – Moral e ascese.

Santo Agostinho explica a “fides sine operibus legis” (“fé sem as obras da lei”) pela “fides quae per dilectionem operatur” (“fé que age mediante o amor”). Esta doutrina é fortemente sustentada contra os monges preguiçosos que gostariam de se contentar com a oração, excluindo o trabalho e contra os semi-pelagianos, que recusavam a correção fazendo a graça responsável pela sua inação. Para Agostinho, é a graça, pelo contrário, que fornece um compromisso prático às obras, mesmo que sejam de caráter especulativo. O moralismo é um fruto da graça, cujo fim é submeter a alma ao Espírito Santo, que a empurra, assim, a uma atividade interior mais intensa de amor a Deus e às obras exteriores.

A moral cristã tem como fundamento natural a Lei eterna, confirmada pelo Decálogo no Antigo Testamento, mas cujo verdadeiro Senhor é Cristo. São as virtudes teologais as que caracterizam a moral cristã, porque elas conferem valor a toda a ordem moral. Mas é a caridade a que une, verdadeiramente, o homem com Deus. “Non praecepit Scriptura nisi caritatem” (“A Escritura somente prescreveu a caridade”), a qual é “motus animi ad fruendum Deum propter Deum” (“movimento da alma para desfrutar Deus pelo fato de ser o próprio Deus”). A caridade, perfeitamente praticada com a ajuda do Espírito Santo, eis a perfeição. As obrigações morais do cristão são: A – Deveres para com Deus, ou seja, com a Religião, que é o fundamento de tudo. B – Deveres para consigo mesmo, de abnegação e vida interior. C – Deveres para com o próximo, ou seja, caridade pessoal e social.

11 – A Igreja (“Cidade de Deus”).

A “Cidade de Deus” é, para Agostinho, o desenvolvimento da comparação do “Corpo Místico”, de que trata São Paulo nas suas cartas. O amor a Deus e o amor a si mesmo distinguem as duas cidades, criadas no gênero humano. Uma, a dos justos, assenta-se sobre o amor a Deus até o esquecimento de si próprio. Outra, a dos iníquos, alicerça-se no amor a si mesmo até o desprezo de Deus. A alma da Cidade de Deus é o amor a Deus, embora a sua causa eficiente seja o Espírito Santo, autor da graça, o qual une as almas a Cristo e as solidariza entre si, como os membros de um único corpo. Não importa a posição que, no Corpo Místico, caiba a cada um. O que importa é a pertença à Igreja. Cristo se entrega a si mesmo na Eucaristia, que é o alimento espiritual dos membros do Corpo Místico. A presença eucarística e a comunhão simbolizam essa união, mais ainda, a realizam e fortalecem.

A “Cidade de Deus” é um organismo social de cunho espiritual, que se confunde com a Igreja. Esta é esposa de Cristo e mãe nossa. Essa maternidade espiritual que dá a luz novos Cristos é análoga à de Maria. A tese protestante de um sacerdócio universal com igualdade de poderes e sem discriminação específica, é alheia a Santo Agostinho. Existe, para ele, um “ordo clericorum” ("ordem dos clérigos"), instituído por Deus. A essa ordem dos clérigos foi transmitido por Cristo o poder de continuar a sua obra pregando, governando, perdoando os pecados e administrando os sacramentos. A Igreja possui quatro notas características: uma, santa, católica e apostólica. Agostinho insiste na santidade da Igreja e na sua catolicidade. A Igreja tem, como órgãos essenciais, os concílios universais irreformáveis e os bispos de Roma com a sua autoridade doutrinária. A propósito, afirma: “In qua (apostolica sedes) semper apostolicae cathedrae viguit principatus” (“Sede apostólica na qual sempre vigorou a primazia”).

No que tange às relações da Igreja com o Estado, cabe a este regir a administração dos bens temporais, se ocupando a Igreja dos interesses espirituais. Assim, a Igreja, A – Possui o direito à proteção do Estado. B – A tolerância prática de um culto não católico é legítima e boa, sendo que essa tolerância tem os seus limites. C – A intervenção do Estado em matéria religiosa não se deve estender, jamais, à pena de morte.

12 – Escatologia e predestinação.

A escatologia agustiniana encontra-se na sua obra A cidade de Deus e no Enchiridion. Agostinho rejeita a doutrina de Joviniano, partidário da salvação pela fé sem as obras. De outro lado, Santo Agostinho, com a sua interpretação espiritualista do Apocalipse, deu um golpe mortal ao milenarismo. Da mesma forma, com provas tiradas da Escritura e da prática da Igreja de não orar pelos condenados, acabou com o erro de Orígenes, que tencionava negar a eternidade do inferno. A pena dos reprovados, dizia este autor, consiste na perda da vida divina e nas dores causadas por um fogo que os tortura no seu ser material e espiritual, suplício que já existe e que não espera até a ressurreição dos mortos.

Quanto ao limbo, Santo Agostinho acreditou primeiro nele, mas logo renunciou a tal ideia, se contentando com declarar como “muito mínima” a pena das crianças. No relativo ao purgatório, Agostinho apresenta uma doutrina firme: na outra vida há penas temporais que terminam ao menos com o juízo e purificam as almas. O nosso autor fala, inclusive, num “fogo purificador”, “ignis purgatorius”. Agostinho admite a utilidade das preces e das boas obras feitas em favor dos defuntos, especialmente, a oferenda do sacrifício eucarístico.

O Céu é, ante tudo, segundo Agostinho, a visão de Deus, o gozar plenamente com o conhecimento da Verdade perfeita, que não se conhece num conceito ou imagem, mas nela mesma, graças a uma visão direta e imediata. O Céu é a posse de Deus na vida eterna, descrita por Santo Agostinho no final da sua obra A cidade de Deus. Consiste na manifestação da face do Pai. Os santos desfrutam, no Céu da visão beatífica. A vivência desse lugar de felicidade sem término, o Reino Celeste, é descrita assim pelo nosso autor: “Ibi vacabimus et videbimus, videbimus et amabimus, amabimus et laudabimus. Ecce quod erit in fine sine fine” (“Ali repousaremos e veremos, veremos e amaremos, amaremos e louvaremos. Eis aquilo que será, finalmente, sem fim”).

Quanto à predestinação, Agostinho considera que a vida eterna não é garantida a todos, pois haverá eleitos e condenados. A predestinação é um “mistério de amor”. Ela se conecta com a esperança, pois se não há certeza de salvação para os homens sobre a terra. Estão presentes, no entanto, as promessas formais feitas por Deus aos homens de boa vontade, garantidas pelos méritos de Cristo e realizadas pelo seu Espírito Santo. O cristiano sincero não deve tanto temer quanto esperar. A propósito, Agostinho escreve: “Vivi como predestinados, para saber um dia que já erais tais”. O nosso autor cita as palavras da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios: “Sic currite ut comprehendatis atque ut ipso cursu vestro ita vos esse praecognitos noveritis ut legitime currentis” (“Correi assim para que compreendais. Não sabeis que os que correm no estádio todos correm, mas um só alcança o prêmio? Correi, pois, de modo que o atinjais” I Cor 924).

Agostinho define assim a predestinação: “Praescientia et praeparatio beneficiorum Dei, quibus certissime liberantur quicumque liberantur” (“Conhecimento prévio e preparação dos benefícios de Deus os quais, com certeza, são liberados a todos aqueles que os devem receber”). A finalidade desta doutrina é, para Agostinho, deixar em claro as predileções de Deus para com os seus eleitos. A predestinação supõe a livre cooperação do homem, a qual pode ser estimulada recordando que, de fato, não todos estão salvos. Deus determinou o número dos eleitos. Ele quer lhes dar a perseverança para introduzi-los na glória. Todos os eleitos, objeto dessa predestinação, serão salvos para manifestar a misericordiosa bondade de Deus. Os outros, simplesmente “vocati” (“chamados”) serão excluídos do Céu por causa dos seus pecados e manifestarão, assim, a justiça divina.

De outro lado, destaquemos um ponto doutrinário netamente agostiniano: assim como há, atualmente, duas cidades, da mesma forma, haverá eternamente duas: a cidade de Deus, que rende homenagem à misericórdia infinita, e a cidade infernal, que manifesta a sua justiça. Este ponto era mais ou menos negados pelos discípulos de Orígenes, partidários da salvação de todos, ainda até, por vezes, dos demônios. A respeito, Agostinho escreve: “Vult autem Deus omnes homines salvos fieri et in agnitionem veritatis venire” (“Pois Deus quer salvar a todos os homens e que venham a conhecer a verdade”). Cristo, efetivamente, morreu por todos, até pelos pequeninos privados do céu. Agostinho admite, fora da vontade consequente, uma vontade divina antecedente que quer a salvação de todos.

O livre arbítrio, para ele, pode fazer o mal por si mesmo e, de fato, fá-lo amiúde. Ele pode também, com uma ajuda sobrenatural, que não é negada, fazer atos meritórios para o céu. O mistério da predestinação tem como base, precisamente, esta liberdade. No entanto, ao insistir nessa doutrina, corria o risco de esquecer que Deus não age nas almas mais do que para fazê-las agir, que a predestinação, longe de excluir a atividade humana, a pressupõe, normalmente, e a chama.

13 – O Agostinismo na história.

A respeito deste tema, podem ser desenvolvidos oito itens:

A – Existe um Agostinismo histórico? A essa pergunta podemos responder que existe, centrado no conjunto de doutrinas contidas nos escritos autênticos de Santo Agostinho.

B – Agostinismo anti-pelagiano: foi seguido pelos primeiros discípulos de Agostinho, que lutavam contra os restos do Pelagianismo.

C - Agostinismo teológico medieval: faz uso sistemático de um ecletismo inspirado na obra de Santo Agostinho, ao longo dos séculos XII e XIII, ao redor das relações entre fé e razão, se destacando o aspecto da iluminação da razão pela fé.

D – Agostinismo místico medieval, cujo principal representante foi São Boaventura (1221-1274), que se inspirou nos escritos místicos de Agostinho.

E – Agostinismo escolástico, que abarca a grande síntese científica medieval, da qual o tomismo representa o apogeu.

F – Agostinismo político, que tenta aplicar à cidade cristã, construída no plano humano, os princípios transcendentes da Cidade de Deus.

G – Agostinianismo: atitude doutrinária da Ordem de Santo Agostinho.

H – Agostinismo filosófico, que sintetiza os princípios filosóficos de Santo Agostinho.

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