
JEAN-JACQUES ROUSSEAU E A PRIMEIRA EDIÇÃO DO SEU
“Toda unanimidade é burra”, dizia o grande jornalista e dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues (1912-1980). Porque, notadamente na seara da política, o ser humano é, antes de tudo, dissidente. A dificuldade de fazer política consiste em construir consensos apesar dessa dissidência ou, justamente, a partir dela. Razão tinha o filósofo Immanuel Kant (1724-1804) em ficar pensativo quando, às cinco da tarde, passava, na sua caminhada diária, em frente à porta do Cemitério da sua cidade Königsberg, na antiga Prússia. Lendo o letreiro à entrada do campo santo, forjado em grandes caracteres de ferro, com o dizer: “Pax Perpetua”, o filósofo se perguntava se seria somente essa a forma da paz possível entre os mortais. Será que a paz deveria se restringir ao reino do além, após a morte? Todo mundo em silêncio e deitado eternamente... Ora, Kant achava que o ser humano poderia aspirar a uma condição melhor que lhe permitisse pensar na paz entre os vivos. Não a paz sombria dos defuntos, mas uma paz viva, saltitante, que surgiria do consenso entre os viventes, embora animado cada um deles por paixões, pensamentos e desejos diferentes.
Foi o filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) quem, na sua obra Du Contrat Social (1762) formulou o conceito de “contrato social” que constituiria a paz entre os vivos, presididos pelo Legislador. Para o filósofo, havia uma condição prévia: todos deveriam renunciar à defesa dos seus interesses individuais, a fim de que prevalecesse o interesse público, incutido na comunidade pelos “puros”, uma espécie de “exército da salvação”, que tinham renunciado previamente à defesa do egoísmo, ou seja, dos interesses individuais. A felicidade da Nação brotaria como flor mágica do chão da aniquilação dos interesses individuais e da defesa do interesse público pela Vontade Geral de todos. Consolidada a unanimidade ao redor do Líder, a felicidade seria eternamente reinante.
Valeria aqui, apenas, registrar a pergunta feita a respeito da Vontade Geral pelo filósofo político e constitucionalista Henry-Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), que era suíço de nascença, como Rousseau: Será que a decisão de todos de renunciar aos seus interesses individuais, a fim de consolidar a Vontade Geral, não abriria mão da defesa dos indivíduos em prol de um ente superior, que os dominaria como quisesse? Como sabemos, Rousseau se atrapalharia para responder a essa pergunta, que aparecia na obra de Constant intitulada: Princípios de Política (1810). Os discípulos de Rousseau, pelo menos, se atrapalharam para responder ao jovem pensador, visto que Constant fez a pergunta quando Rousseau já era morto. O arrazoado de Constant é meridiano: em termos concretos, se todos os membros da sociedade entregam a defesa dos seus interesses a um sujeito determinado, este passa a se considerar superior a todos e nunca largará o poder total conferido a ele.
Vejam os caros leitores como essa mágica simplória e totalitária empolgou os espíritos radicais, desde o século XVIII, com a Revolução Francesa de 1789 e o império do Terror Jacobino, passando pelo terror bonapartista do Império de Napoleão I (entre 1804 e 1815) e se espraiando pelo tortuoso século XX com a Revolução Russa de 1918, com o império totalitário pensado por Lenin (1870-1924) e materializado por Trotsky (1879-1940) e Stalin (1878-1953), e com as múltiplas revoluções que ocorreram no mundo comunista ao longo do século XX, com os mais de 100 milhões de mortos e com os milhões de vítimas ensejadas pela Segunda Guerra Mundial, no combate das Nações Ocidentais contra o totalitarismo nazi-fascista. A esse mar de sangue somou-se, já na segunda metade do século passado, a Revolução Cubana (1959), bem como as múltiplas revoluções que pipocaram em vários pontos do Planeta, notadamente na América Latina, com a desgraceira ensejada pelo “Socialismo Bolivariano do século XXI” apregoado em Venezuela pelo coronel Hugo Chávez (1954-2013) e pelo seu pantagruélico sucessor Nicolás Maduro (1962-) e com o sangue que segue correndo nos países da América Latina que claudicaram diante do Socialismo Bolivariano como Nicarágua, Argentina, Bolívia e hoje a Colômbia e, infelizmente para todos nós, na recente eleição presidencial brasileira, após a cooptação do STF-TSE pelo PT e os seus sequazes.
Falava no título desta postagem da burrice petista. Porque o modo rousseauniano de governar, parte do pressuposto de que a felicidade de todos decorre, automaticamente, do império absoluto do Legislador sobre a sociedade, destroçando a dissidência. Ora, ora. Esse é um imbróglio mental que Rousseau vendeu no plano internacional. O caminho para a felicidade seria rápido: bastaria com aplicar o terrorismo de Estado contra os dissidentes e, como num passe de mágica, tudo se resolveria. Não seria necessário o duro trabalho de pensar e negociar políticas públicas que, respeitando as liberdades, dessem ensejo a um plano de reformas racionais e democráticas. Todo esse itinerário foi formulado por Rousseau no 8º capítulo do seu livrinho O Contrato Social. Uma solução política negociada seria muito complicada. Era mais fácil deixar que o líder supremo impusesse com tacão de ferro a sua vontade, que tudo estaria resolvido.
Por isso, o candidato vencedor não explicou um ponto sequer do seu programa de governo na passada campanha. Por esse motivo foi calada a oposição e a discussão em torno ao melhor modo de eleger os nossos governantes, em face das dúvidas que pairavam com o uso das urnas eletrônicas. Não seria necessária tanta agitação. Bastaria com que o líder colocasse os pontos fundamentais, que já tudo estaria resolvido. Bastaria com furar o teto de gastos para pagar regiamente o caro funcionalismo que vinha de anos de obrigado jejum cartorial. Bastaria louvar incondicionalmente o líder de plantão, como faziam os áulicos do Ditador venezuelano Juan Vicente Gómez (1857-1935), o qual, antecipando as autocracias de Pérez Jiménez (1914-2001) e de Hugo Chavez (1954-2013), governou de forma autoritária a Venezuela de 1908 até 1935. García Márquez, aliás, eternizou genialmente a saga autocrática daquele ditador, no seu romance intitulado: O outono do Patriarca (1975).
O caminho do poder total assinalado por Rousseau é simples e falacioso, mas possui o charme da ideia única que seduz os espíritos. Um homem inteligente e idealista como Simón Bolívar (1783-1830), Libertador de cinco nações sul-americanas, foi formado na filosofia rousseauniana pelo seu mestre Simón Rodríguez (1769-1854). Eis as palavras que Bolívar, já no ocaso da vida, escrevia ao seu mestre: "Yo he seguido el sendero que Usted me señaló. No puede Usted figurarse cuán hondamente se han grabado en mi corazón las lecciones que Usted me ha dado; no he podido borrar jamás siquiera una coma de las grandes sentencias que Usted me ha regalado. Siempre presentes a mis ojos intelectuales, las he seguido como guías infalibles" (apud: Alfonso Rumayo González, Simón Rodríguez, maestro de América).