O patrimonialismo, conceito central para a compreensão da formação do Estado brasileiro, tem sido objeto de análises e de consistentes debates ao longo de nossa história. Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Antonio Paim, José Osvaldo de Meira Penna e Ricardo Vélez Rodriguez, cada um ao seu modo, contribuíram para o aprofundamento das discussões sobre o fenômeno.
Neste ensaio, realizarei breve introdução ao tema, dentro do contexto das pesquisas dos autores mencionados e também do estado da arte, expandindo a análise para além da conjuntura nacional, varrendo raízes e indicando alguns dos desditosos defeitos do patrimonialismo na Europa e na América Latina.
Sérgio Buarque de Holanda.
Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), historiador e escritor, foi também um dos autores fundamentais para a compreensão do fenômeno do patrimonialismo. Em Raízes do Brasil (1936), explorou a formação da identidade brasileira, destacando a cordialidade [i], o personalismo e o bacharelismo – este cognominado por Ricardo Vélez Rodriguez de modelo estetizante dos advogados de início de século – como elementos fatoriais de nossa cultura.
O personalismo e o bacharelismo [ii] favoreceram as relações pessoais e familiares em detrimento da impessoalidade. Bastavam, assim, laços de sangue, um diploma de Coimbra, “palavras bonitas ou argumentos sedutores” para justificar a adoção do culto às personalidades individuais, apegos aos “valores da personalidade configurada pelo recinto doméstico” e comportamentos indiferentes à lei e ao interesse público. Daí para a troca de favores e a corrupção bastava (e ainda basta) um passo.
O exotismo da cordialidade brasileira, embora pudesse ser visto como (aparentemente) positivo, na realidade contribuiu para a manutenção do patrimonialismo e para a adoção de um tipo de governo que ainda admite a ingerência imberbe de burocratas dedicados exclusivamente à satisfação de interesses pessoais.
Nesse estado de coisas, critérios técnicos e meritocráticos são jogados às traças, prevalecendo métodos assistemáticos e não objetivos de proteção e apadrinhamento. Circunscritos aos ambientes fechados e totalmente refratários à ordenação impessoal, unicamente ocupados pelas famílias circunvizinhas ao poder, são estabelecidos acordos de compadrio que tanto denunciam a malsinada primazia das conveniências particulares sobre os interesses de ordem coletiva e o predomínio do elemento emocional sobre o racional.
Raymundo Faoro.
Raymundo Faoro (1924-2022), advogado e cientista social, foi um dos principais estudiosos do patrimonialismo no Brasil. Em Os Donos do Poder (1958), Faoro traça um panorama da formação do Estado brasileiro, apontando o patrimonialismo como responsável pela constituição de um sistema de dominação onde poder político se confunde com poder econômico.
Faoro dizia que o patrimonialismo brasileiro se deve à colonização portuguesa, especialmente no modelo adotado aqui no Brasil para a distribuição de terras, divisão do território e permissão de exploração dos recursos naturais (sesmarias e capitanias hereditárias). Tal mecanismo de delegação de poder criou uma elite de donatários que, ao longo do tempo, consolidou poder e influência, estabelecendo um sistema de dominação baseado na propriedade da terra e no controle de cargos públicos.
O patrimonialismo, na visão de Raymundo Faoro, manifesta-se na cultura política brasileira através da personalização ou personificação do poder, pela troca de favores e pela corrupção, sendo um obstáculo ao desenvolvimento de um Estado impessoal.
Antonio Paim.
O filósofo Antonio Paim (1927-2023) dedicou grande parte de sua vasta bibliografia à análise do patrimonialismo, especialmente sobre a sua relação com o estatismo. Dentre os principais trabalhos do mestre baiano sobre o tema, A querela do estatismo (1978), republicado recentemente pela Editora Távola, traça um panorama preocupante sobre a massiva interferência estatal e o burocratismo na vida nacional.
Paim sustentava que o conceito de patrimonialismo tinha base doutrinária em Max Weber (1864-1920), exatamente a partir de sua clássica divisão tipológica da legitimidade da dominação em carismática, tradicional e racional. O patrimonialismo, nesse contexto, decorreria do tipo de dominação tradicional (ou paternalista, patrimonial), cuja característica é a preservação de interesses exclusivamente particulares dentro de uma estrutura de Estado constituída de agentes treinados não para servir, mas para se servirem da coisa pública, transformada em suas próprias casas[iii].
De acordo com Paim, o patrimonialismo é primo-irmão do estatismo e ambos possuem como característica a concentração de poder nas mãos do Estado. Além disto, a utilização dos recursos públicos serve unicamente ao atendimento de interesses privados.
O patrimonialismo possui uma nota clientelista e cartorialista, herança do pombalismo e de seu cientificismo, cuja forte decrepitude moral e nefasta monopolização das consciências suplantou até mesmo as boas intenções modernizadoras de Estado propugnadas, em alguns aspectos, pelo estadista português.
Aponta Antonio Paim que a passagem da monarquia para a república intensificou o patrimonialismo de compadrio na medida em que o novo regime criou um déficit alarmante de representação ao reduzir a autonomia do parlamento, a ponto de favorecer a ascensão do positivismo e consolidar o castilhismo e o getulismo com o advento da Revolução de 1930.
José Osvaldo de Meira Penna.
Intrépido intelectual, filósofo, jurista de formação, crítico ferrenho do estatismo e do clientelismo, o embaixador José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017) cobriu em sua obra uma multiplicidade de temas envolvendo o neoliberalismo, a Escola Austríaca de Mises e Hayek, o patrimonialismo e suas repercussões na América Latina e no Brasil.
Em meados da década de 1980, sentindo a necessidade de renovar a tradição política brasileira, Meira Penna, juntamente com Antonio Paim, Aroldo Rodrigues, Boanerges Ribeiro, Francisco Martins de Souza, Luís Carlos Lisboa, Nicolau Boer, Nelson Lehmann da Silva, Paulo Mercadante, Paulo Pimenta de Mello, Renato Barros Pimentel, Ricardo Vélez Rodríguez, Selvino Antonio Malfatti, Ubiratan Macedo e Victor Márcio Konder, fundou a Sociedade Tocqueville, a fim de estimular as ideias liberais e os verdadeiros princípios democráticos, demonstrando a importância de se instituir governos legitimamente representativos em contraposição ao democratismo e ao populismo autoritário e demagógico.
A Carta de Princípios da Sociedade já sinalizava as pretensões do Embaixador, que se constituíam na defesa da ampla liberdade de pensamento, opinião e ação e – sob as bênçãos de Tocqueville, Burke, Lord Acton, Mises, Hayek, Ortega y Gasset, Voegelin, Raymond Aron, Nisbet e Rothbard – no combate ao patrimonialismo, herança do cartorialismo português e do estatismo imposto pelo Marquês de Pombal.
Segundo Meira Penna e os demais subscritores da Carta da Sociedade Tocqueville, na linha teórica de Max Weber, o patrimonialismo “consiste na concepção e no exercício do poder político como instância privada, a ser administrada de forma doméstica. (…) O Patrimonialismo brasileiro desenvolveu ampla base estatal, de caráter pré-burocrático (alheia, portanto, à racionalidade weberiana) e alicerçada na posse de sinecuras improdutivas e no ‘burocratismo orçamentívoro’ (Oliveira Vianna)”.
A Editora T. A. Queiroz publicou no ano de 1988 a principal obra de Meira Penna sobre o patrimonialismo, O Dinossauro: uma pesquisa sobre o Estado, o patrimonialismo selvagem e a nova classe de intelectuais e burocratas, materializada em uma coletânea de ensaios publicados na grande imprensa que rendeu a Meira Penna inúmeras homenagens, dentre as principais a de Ricardo Vélez Rodríguez, atual presidente da Sociedade Tocqueville, que considera O Dinossauro como “uma das mais importantes contribuições à análise crítica das relações de poder na sociedade brasileira”[iv].
Ricardo Vélez Rodriguez.
Ricardo Vélez Rodriguez, filósofo, professor, escritor e ex-ministro da educação, dedicou-se ao estudo do patrimonialismo no Brasil e na América Latina partindo de dois modelos essenciais: o patrimonialismo segundo Max Weber e o patrimonialismo na abordagem de Karl August Wittfogel (1896-1988).
No primeiro caso, Vélez apresenta o tipo de dominação tradicional weberiano (na esteira de Antonio Paim) como base do fenômeno. O patrimonialismo, então, é considerado instrumento de organização do poder central, estruturado através de quadros administrativos. “O soberano organiza o poder político de forma análoga ao seu poder doméstico” visando à dominação estamental patriarcal com caráter centrípeto, ou seja, concentração e perpetuação do comando unipessoal jungido por um séquito.
De outro lado, o modelo de Wittfogel pressupõe o tipo de poder exercido nas chamadas civilizações hidráulicas (Egito antigo, Mesopotâmia, Babilônia, Civilizações Pré-colombianas, Índia e, principalmente, a China), onde o soberano promovia uma clara divisão de trabalho (uns exercendo tarefas leves, outros exercendo tarefas estafantes, tudo a depender da posição social) e uma intromissão absurda na economia agrícola, aspecto este que o diferencia, segundo Vélez, dos estados totalitários modernos: nesses ambientes, o jugo estende-se a todos os setores da economia e da política, interpenetrando em todos os aspectos da vida privada dos cidadãos, sequestrando mentes, convicções e consciências.
Ricardo Vélez ensina que o patrimonialismo não é apenas um sistema de dominação política e econômica, mas também um fenômeno cultural que se manifesta em diversas dimensões da vida social, podendo atingir a família, a religião e a educação. Exemplo nefasto da desconstrução cultural dos países é o que já foi produzido em várias regiões do mundo, particularmente no Brasil, pelo movimento gramscista e pelo wokismo.
Para o autor colombiano, o patrimonialismo no Brasil está relacionado a uma visão de mundo hierárquica e personalista, onde as relações sociais são mediadas por laços de parentesco, amizade ou clientelismo. Essa visão de mundo, digo eu, inibe a formação de uma cultura cívica baseada na liberdade e na responsabilidade individual. Vélez defende a necessidade de mudança profunda no Brasil, que deve passar pela revalorização da meritocracia, da cidadania (superávit de representatividade), da impessoalidade e da moral.
Em Castilhismo: uma filosofia da república (2024, Ed. E.D.A.) [v], Ricardo Vélez apresenta um interessante paradoxo entre: i) incremento da ideia de representatividade, especialmente no segundo reinado com o advento da Constituição de 1824 focada nas letras de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) e de Benjamim Constant de Rebecque (1767-1830); ii) racionalização e cientificismo positivista comteano, que inspirou Júlio de Castilhos (1860-1903) e Getúlio Vargas (1883-1954) a se contraporem ao modelo liberal e ao equilíbrio das diferentes ordens de interesses, para promoverem a “ideia de moralização dos indivíduos através da tutela do Estado”.
Durante o Império, o país conservou-se organizado e unificado. O castilhismo sepultaria definitivamente qualquer possibilidade de manutenção desse equilíbrio de interesses ao realizar a quebra da justa e adequada representatividade dos grupos multifacetados até então operada pelo Poder Moderador (extinto com o golpe republicano), cuja função natural era compor os interesses permanentes da nação.
Ricardo Vélez acredita na superação do patrimonialismo por meio de um longo processo de reconstrução do sistema educacional, livre de doutrinação e das agendas sindicais.
Reflexos do patrimonialismo na Europa, na América Latina e no Brasil.
Na Europa, Portugal e Espanha sempre exibiram traços alargados de patrimonialismo. Portugal, durante o absolutismo, conferiu ao rei poderes centralizados e fundados no paternalismo, estabelecendo a divisão de seus territórios com base nos acordos de conveniência, sem qualquer compromisso com o mérito pessoal do donatário. A figura do “caudilho” e a concentração de poder em torno de líderes carismáticos podem ser vistas como formas de manifestações do mesmo sintoma na Espanha.
Na América Latina, o patrimonialismo se manifestou de diversos modos. No México, o sistema de encomiendas concentrava terras da Coroa nas mãos de poucos fidalgos do rei, configurando a desvirtude. No caso argentino, o caudilhismo e a personalização do poder sempre foram marcantes.
No Brasil, o patrimonialismo teve papel central na formação do Estado e da sociedade. Ricardo Vélez, na sequência de autores como Raymundo Faoro, Simon Schwartzman, Antonio Paim e José Osvaldo de Meira Penna, indica a presença do patrimonialismo em Portugal desde a Revolução de Avis (1383-85) e sentencia a influência desse vício em nossos processos políticos.
Durante o período colonial, a Coroa portuguesa delegou aos particulares a administração do território e a exploração de seus recursos, gerando uma elite de “donatários” que estabeleceram um sistema de dominação baseado na propriedade da terra e no controle das funções públicas.
O empreendimento de dominação portuguesa no Brasil, baseado na formação de uma elite de donatários apadrinhados, manteve-se de pé durante todo o Império. A República Velha manteve os mesmos traços com a política do “café com leite” e mediante a troca de favores entre as elites agrárias.
Com o Estado Novo, o patrimonialismo se fortaleceu e permaneceu consistente durante os governos militares. A Constituição de 1988, embora tenha avançado na democratização do país, não eliminou completamente o vício, que continua impregnado na política, na administração pública e na cultura brasileira.
Nas democracias modernas, a falência do sistema representativo e o desvirtuamento do poder, consubstanciado na tentação dos governantes de se locupletarem ou de percorrerem o caminho do totalitarismo, gera disfunções e perversões ignominiosas sobre o sentido de Estado. Esta dinâmica típica da divinização do abismo de Moloch, da estatolatria hegeliana e do aparelhamento althusseriano, empurra o pêndulo da história para o lado improdutivo e inseguro do intervencionismo radical e da tributação exagerada para encobrir os deflúvios do paternalismo.
O patrimonialismo no Brasil contemporâneo.
A chaga do patrimonialismo é identificada pela dificuldade (por ignorância ou fingimento) dos agentes públicos em estabelecer clara diferença entre público e privado.
A esquerda brasileira adota frequentemente expedientes heterodoxos e comportamentos desviantes para a tomada de poder. No campo político, a tática primordial foi extraída das anotações de cela do então presidiário Antonio Gramsci (1891-1937). Gramsci defendeu o abandono das armas e da fé marxista nos operários e pregou métodos sub-reptícios de modulação cultural, infiltração em instituições e sua destruição “por dentro”, a fim de sequestrar gradativamente o espírito do povo e destruir os valores tradicionais estabilizadores do sistema.
O que temos visto nos últimos tempos sobre desvios de dinheiro público norte-americano para irrigar ONGs ocupadas com interferências em sistemas eleitorais, manipulação da opinião pública, censura e perseguição política pela via do lawfare, não passou despercebido por José Guilherme Merquior (1941-1991). Em Arte e sociedade, cuja primeira edição é de 1969, Merquior indiciava os potenciais estragos a serem produzidos pelo grêmio de Frankfurt, indicando as técnicas utilizadas para a manipulação da linguagem e da consciência pela via do identitarismo, embuste que se transformou na base fundamental da cultura woke [vi].
Merquior, na conclusão do livro, escreveu que a visão de mundo dos modernos (onde se incluem os pós-modernos) gerou uma crise nas estruturas tradicionais comparável à queda do Império Romano. A crítica da cultura, disse o autor, é inteiramente responsável pela crise de consciência que atacou inicialmente a Europa e que depois se espraiou para o mundo[vii].
Embora o discurso de muitos agentes políticos ataque a desigualdade e prometa justiça social, muitos deles se beneficiam abertamente de condutas patrimonialistas que favorecem exclusivamente o interesse próprio, de grupos econômicos aliados e de parentes (nepotismo).
O uso de recursos públicos para fins eleitorais é um cancro no Brasil. A distribuição de benefícios sociais em troca de votos é outro mal que o sistema se recusa a combater de modo efetivo. A relação promíscua entre sociedades empresárias privadas e Estado revela o método fascista de favorecer a criação de monopólios mediante partilha de resultados, isso sem contar a formação de caixa extracontábil para o financiamento de campanhas eleitorais, venda de “leis” e “sentenças”, consórcio de poderes em detrimento da vontade popular, pactos supranacionais contrários à soberania nacional, dentre outros engenhos, tudo a indicar relações de favor suficientes para desprestigiar o mérito, a moralidade e a efetivação do interesse público.
É possível superar o patrimonialismo?
É possível superar as dificuldades causadas pela gatunagem institucionalizada. A matéria-prima do jogo político, como todos sabemos, é a alocação do poder, poder esse que jamais se estabilizou definitivamente em favor de um dos lados da batalha, pois a palavra estagnação nunca faz parte do vocabulário da histórica experiência humana no campo da governança.
Dalton Trevisan, em Dia de matar porco (1965), narra a desfortuna de Sofia, aprisionada a um casamento desastroso com Onofre, cuja arrogância e certeza da inexpugnabilidade de seu posto nunca lhe fez pensar na possibilidade de uma reviravolta, que acabou acontecendo quando um tiro certeiro de espingarda pica-pau, dado por Sofia, arrancou-lhe um gemido tépido e derradeiro: “Velha, me acuda, que estou morto, estou atirado”.
Superar o patrimonialismo é um desafio complexo que exige um conjunto de medidas em áreas diversas do organismo social e estatal. É preciso fortalecer as instituições, aumentar a transparência na gestão pública, incentivar a cultura da meritocracia e da responsabilidade, valorizar o interesse público e, no entendimento de Ricardo Vélez Rodriguez, ampliar a representação popular, consolidar a democracia, a economia de mercado e realizar reformas profundas no sistema educacional.
Neste sentido, é indispensável uma reformulação política capaz de fortalecer os partidos, incentivar a participação cidadã e aumentar a transparência nos processos eleitorais, sem se descurar de uma verdadeira reforma da administração pública (com a valorização do mérito, da impessoalidade e da eficiência), fortalecendo os órgãos de controle e diminuindo a interferência dos grupos de interesse.
Também, é claro, competirá aos reformadores a promoção de uma educação voltada à valorização dos conhecimentos tradicionais e da cidadania e que privilegie a liberdade, a moralidade e a responsabilidade, mostrando a importância da participação popular com efetivo poder de influência junto aos representantes eleitos.
O patrimonialismo, fenômeno complexo e multifacetado, tem raízes históricas e culturais profundas no Brasil. Sua superação é um desafio. Exige um conjunto de medidas articuladas entre a sociedade e seus representantes, em um ambiente de cooperação e diálogo, livre do ranço ideológico dos justiceiros igualitaristas. A dinâmica prospectiva da destruição criativa, do avanço tecnológico e da liberdade econômica reduz fortemente a influência do sectarismo das seitas políticas e dos plutocratas de plantão, pois como assentou Mario A. L. Guerreiro (1944-2025) em Liberdade ou igualdade (2002): “(…) quando a meta é a igualdade socioeconômica acompanhada por esta ou aquela forma de redistribuição de renda ou de qualquer outra tentativa de equalização do inequalizável, desponta uma forte probabilidade de se estar caminhando na direção do pior dos mundos possíveis, que começa com o democratismo e – como temia justificadamente Tocqueville – corre o seríssimo risco de acabar na implacável ditadura da maioria”.
NOTAS
[i] Antonio Candido anotou que, na concepção de Sérgio Buarque de Holanda, o homem cordial é “formado nos quadros da estrutura familiar” (…); ele não acha “agradáveis as relações impessoais, características do Estado, procurando reduzi-las ao padrão pessoal e afetivo. (…) O homem cordial não pressupõe bondade”.
[ii] Sérgio Buarque de Holanda aponta o bacharelismo como um dos vícios mais abstrusos de nossa cultura, pois carrega a tendência de exaltar a personalidade individual como valor próprio.
[iii] Max Weber, pela boca de Antonio Paim, anotou que “o estado patrimonial é o representante típico de um conjunto de tradições inquebrantáveis. O domínio exercido pelas normas racionais se substitui pela justiça do príncipe e seus funcionários. Tudo se baseia então em considerações pessoais. Os próprios privilégios outorgados pelo soberano são considerados provisórios”.
[iv] Capítulo de autoria de Ricardo Vélez sobre Meira Penna no livro Instituto Liberal: Quatro décadas em defesa da liberdade, Ed. Armada, 2023, p. 171.
[v] Vélez publicou Patrimonialismo e a realidade latino-americana (2006, Ed. Documenta Histórica), onde se dedicou a apresentar e discutir o problema da privatização do Estado como bem patrimonial pelos agentes políticos e pelo estamento burocrático.
[vi] Thomas Sowell, em livro recentemente lançado no Brasil (Falácias da justiça social, 2024), decifrou os perigos das palavras e das ações dos burocratas quando se sub-rogam nas tomadas de decisão dos homens comuns do povo, envilecendo e degradando a liberdade e a autonomia pessoal.
[vii] José Guilherme Merquior apontou que “a problemática da crítica da cultura assim entendida não interessa apenas à sua matriz europeia tradicional, em virtude dos próprios efeitos daquela extensão planetária, que foi uma das características da civilização ocidental na Idade Moderna”. Segundo ele, “o sentido geral da crise da consciência europeia representado pela crítica da cultura é político, no significado amplo de questionamento da formas de organização social. Logo, a crítica da cultura se dá como revisão da teoria social (isto é, da teoria crítica da remodelação da sociedade) engendrada no seio dos tempos modernos”.
*Rogério Torres é advogado e diretor de Cursos e Eventos do Instituto Liberal da Alta Noroeste (ILAN).