Este livro, que acaba de ser publicado em Londrina pela Editora EDA (constando de 177 páginas) e que pode ser adquirido através da Amazon, recolhe as pesquisas realizadas sobre os Escritos dos Santos Padres, ao ensejo dos estudos feitos por mim no Seminário Conciliar de Bogotá, entre 1965 e 1968, no Curso de Teologia, sob a orientação do Pe. Alfred Morin (1926-2017). Na Biblioteca da mencionada instituição tive oportunidade de consultar a rica bibliografia ali conservada, sobre as origens do Cristianismo, a literatura patrística e a história dos primeiros séculos da Igreja. O ensino dos sacerdotes sulpicianos, congregação à qual pertencia o padre Morin, valorizava sobremaneira os estudos bíblicos. Os docentes das disciplinas ligadas ao estudo das Sagradas Escrituras tinham se especializado na famosa Escola Bíblica de Jerusalém, sendo que, ao lado da Biblioteca do Seminário, foi organizado por eles um riquíssimo Museu de Arqueologia Bíblica, acompanhado da bibliografia básica para o estudo da hermenêutica bíblica, cujo acervo foi zelosamente conservado até hoje.
Quando da minha passagem pelo MEC, como Ministro, nos primeiros meses de 2019, realizei contatos com a Escola Bíblica de Jerusalém, com o apoio do embaixador de Israel em Brasília, Yossi Shelley, para assinar um convênio de intercâmbio entre essa renomada instituição e algumas Faculdades de Teologia sediadas no nosso país. Infelizmente, com a minha saída do Ministério, as negociações não prosperaram. Espero que, futuramente, uma iniciativa semelhante seja retomada pelo Ministério, para benefício da pesquisa e da docência da Teologia Bíblica nos centros de estudos dedicados a essa disciplina no nosso país.
Os escritos dos Santos Padres recolhem a tradição das primeiras comunidades cristãs que rapidamente se disseminaram ao longo do Império Romano nos três primeiros séculos da nossa era. Os idiomas em que foram vertidas as primeiras obras que davam conta da vida dessas comunidades eram o grego, na versão popular conhecida como koiné, o latim e o ciríaco. Um traço sobressai nessas obras: a cálida transmissão da experiência da vida cristã no seio dessas comunidades, ao ensejo do denominado querigma, que constituía o cerne da evangelização. Essa mensagem se centrava num fato: a pregação da ressurreição de Cristo e a vida eterna por Ele prometida aos seus fiéis seguidores.. Ora, o dia a dia das comunidades primitivas passava a girar ao redor dessa experiência nova, que recolhia, sem dúvida, as expectativas de renovação que, no mundo Antigo, outras religiões já anunciavam de forma vaga, mas inegável, notadamente nas religiões do Antigo Egito, para não falar da esperança da vida futura nas antigas comunidades judaicas, que proliferaram ao redor do Mediterrâneo, desde as costas da Palestina e Israel até as Colunas de Hércules, na longínqua Espanha.
Contrapondo essa experiência que poderíamos chamar de "globalização" religiosa com a proporcionada pelas comunicações instantâneas via redes de hoje, podemos destacar um aspecto que nos pareceria estranho. A relativa tolerância com que a experiência religiosa cristã era recebida no Mundo Antigo, no seio das diversas sociedades. Os leitores acharão estranha essa minha afirmação e perguntar-me-ão: e as perseguições de que foram vítimas os cristãos nos primeiros séculos? É claro que houve momentos em que tais manifestações de intolerância levaram à morte de milhares de cristãos. Mas não foi esse, unicamente, o clima geral que acompanhou a pregação do Cristianismo, ao longo dos primeiros séculos.
A mensagem cristã, muitas vezes, ocupava o espaço de uma novidade que as pessoas tinham curiosidade em conhecer, como foi, por exemplo, a circunstância da pregação feita pelo Apóstolo Paulo em Atenas, no Areópago. O grande Pregador do Cristianismo parou em frente ao altar dedicado "Ao Deus desconhecido" (tó agnosto Theó) e, a partir daí, pregou a mensagem evangélica da morte e ressurreição de Jesus. Diferia, pois, muito, o intercâmbio de vivências religiosas no Mundo Antigo, do fenômeno contemporâneo da "lacração" de todo aquele que pensar diferente. Nos tempos iniciais do Cristianismo havia pelo menos curiosidade em escutar uma pregação que prometia a vida eterna.
A mensagem dos Santos Padres e as suas "Apologias" do Cristianismo caracterizam-se como um colocar em conheciento dos outros o cerne de uma mensagem nova, que promete a renovação da existência e que deságua na Eternidade. Santos pregadores chegam até a se dirigir ao Imperador romano para lhe dar a conhecer o "querigma" primitivo, da morte e ressurreição de Jesus, de forma semelhante a como o Divino Mestre, nos Evangelhos, aparece pregando o Reino de Deus até às autoridades romanas, como no caso do centurião de Cafarnaum.
O Cristianismo é apresentado, por muitos pregadores dos primeiros séculos impregnados de helenismo, como uma "filosofia" de vida, diferente das filosofias em voga como o epicurismo ou o estoicismo, justamente na medida em que promete uma renovação existencial completa, que se perpetua na Eternidade.
Esta obra está integrada assim: Na primeira parte, tratarei dos Santos Padres, percorrendo os seguintes itens: Capítulo Primeiro - Os Santos Padres nos primeiros séculos cristãos. Capítulo Segundo - Os Santos Padres Latinos. Capítulo Terceiro - Os Santos Padres Gregos. Na segunda parte, como Capítulo Quarto, no final da obra, desenvolverei uma síntese do que poderia ser denominado de Introdução à Literatura Bíblica, ou seja, aos escritos sagrados da tradição judaico-cristã, a partir dos quais se deu a reflexão dos Santos Padres. Constitui esse capítulo uma síntese para a abordagem do que poderíamos chamar de Literatura Bíblica, recolhida na Bíblia, que constituiu o ponto de partida para a elaboração teológica dos Santos Padres Latinos e Gregos.
Dediquei esta obra à memória dos meus queridos amigos Leonardo Prota (1930-2016) e Antônio Paim (1927-2021), com os quais compartilhei as aventuras do Ensino Humanístico no Instituto de Humanidades, criado por nós em São Paulo, junto com o caro amigo Arsênio Corrêa, em 1986.
Embora a obra em apreço se refira à História do Cristianismo nos três primeiros séculos da nossa era, no entanto, o seu conteúdo é de grande atualidade. Em primeiro lugar, porque, nos escritos dos Santos Padres, aparece explícito o princípio que confere identidade à Cultura Ocidental, consistente na afirmação de que, com o Cristianismo, se consolida a dignidade da Pessoa Humana, entendida como um ser inteligente e livre, que goza de uma dignidade estendida a todos os seres humanos, os quais foram "feitos à imagem e semelhança de Deus", segundo consta das Sagradas Escrituras.
Em segundo lugar, o conteúdo da obra é atual, porquanto baliza os direitos humanos, numa reflexão racional sobre o Homem, sendo essa racionalidade a luz que deve iluminar as reflexões sobre a condição humana em todas as épocas, notadamente nestes tempos de cultura "wolke", que pretende desmontar princípios herdados das gerações anteriores, em torno à dignidade humana o aos seus fundamentos. Há princípios essenciais que não podem ser desconhecidos quando se fala em cultura humana. Se as conquistas da civilização ocidental estão abertas a todos os seres humanos, também é verdade que permanece, como fundamento inamovível dela, a convicção da dignidade da Pessoa.