Voltar

REFLEXÕES ESTRATÉGICAS

REFLEXÕES ESTRATÉGICAS

PAULINO SOARES DE SOUSA (1807-1866) VISCONDE DE URUGUAI E PRIMEIRO PENSADOR ESTRATÉGICO BRASILEIRO, COM O SEU "TRATADO DE DIREITO ADMINISTRATIVO" (1860).

Escrevia um velho amigo, dia destes, que com motivo da guerra da Rússia contra a Ucrânia, teria de aturar, via redes, os milhões de especialistas em estratégia internacional que se prontificam para fazer predições diárias acerca das desgraças dos outros. Respondi-lhe que sim, mas que essa chatice poderia ser solucionada entrando nos aplicativos somente para o estritamente necessário (consultar algum portal de pesquisa, comprar on line alguma coisa ou serviço). Já do ângulo dos países, considero eu, a ausência de informações confiáveis de caráter estratégico é coisa séria, pois as lideranças precisam, hoje, mais do que em qualquer outro tempo, de dados verídicos, a fim de que os governos consigam tomar medidas sensatas na formulação das políticas públicas econômicas, culturais ou de política internacional.

Observando os improvisos do governo Bolsonaro em matéria de relações internacionais (com a maluca visita que o Chefe de Estado brasileiro decidiu fazer a Putin às vésperas do atual conflito), considero que é insuficiente a assessoria que o nosso país tem em matéria de pensamento estratégico e da previsão de conflitos no plano internacional. Nos anos dos governos militares havia uma entidade que cuidava de mapear a situação internacional, a fim de assessorar o Chefe de Estado na formulação de políticas públicas. Tratava-se da Escola Superior de Guerra, uma instituição séria e reconhecida, pelo mundo afora, como núcleo de estudos estratégicos de peso. Após o ciclo militar, os governos civis desmontaram esse valioso centro de reflexão e análise estratégica e varreram para baixo do tapete as preocupações dessa área de pensamento como “entulho autoritário”.

Há quinze anos, nos primórdios do atual milênio, ajudei a criar, na Universidade Federal de Juiz de Fora, o Núcleo de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, com a finalidade de estimular as pesquisas e o intercâmbio de informações, no terreno estratégico, não somente nessa Universidade, como também em outros Centros de Estudos Superiores e de Pesquisa. Com a ajuda do professor Expedito Stephani Bastos, historiador da nossa indústria bélica, demos início aos trabalhos na UFJF, convidando professores e alunos para que participassem das atividades do Centro de Pesquisas, que significativamente levava o nome do Visconde do Uruguai (1807-1866) o qual, como Ministro do Império e Senador, andava muito preocupado com o futuro do nosso país no contexto internacional. Resultado do convite formulado à comunidade acadêmica: muitos estudantes se prontificaram para participar das atividades do Centro. Mas houve uma coisa negativa: poucos professores da UFJF inscreveram-se entre os colaboradores. A causa dessa diferença? Os jovens alunos andavam muito preocupados com o seu futuro profissional, num mundo cada vez mais incerto e no qual a tecnologia digital já estava criando os primeiros desafios no tocante ao mercado de trabalho. Os docentes, pelo contrário, gozando da estabilidade garantida pelo concurso público com o qual tinham se habilitado para lecionar na Universidade, não achavam necessário participar desse grupo. Digamos que o preconceito era, em boa medida, ideológico e cartorial. Afinal, quem se preocupava com os “assuntos estratégicos” deveriam ser os milicos, arrolados todos como de direita.

A nossa preocupação era estimular as novas gerações, bem como os professores, para que imaginassem qual deveria ser o futuro, daqui a cinquenta anos, para o nosso país, em matéria econômica e tecnológica, em política e nas questões culturais e educacionais. Que país imaginaríamos para daqui a meio século? Com a finalidade de intercambiarmos os resultados das pesquisas na área estratégica, criamos o Portal do Centro de Pesquisas Estratégicas [www.ecsb.defesa.com.br]. Diante das tentativas de anular o nosso Portal com malware e outras malvadezas digitais, surgidas de grupelhos políticos e ideológicos contrários a qualquer progresso na área, o professor Expedito, com aquela disposição acadêmica de pesquisador que o anima, assumiu os custos para o funcionamento do Portal. Nele, Expedito divulgava as pesquisas sobre História da fabricação de armamentos brasileiros (em que ele é figura de prol no Brasil), mas também eram divulgadas as pesquisas sobre assuntos estratégicos em geral, que eu desenvolvia, assim como os alunos e alguns corajosos docentes da nossa Universidade, além, é claro, dos trabalhos enviados por colaboradores nacionais do Centro.

Em pouco tempo o Portal Defesa se transformou numa bela janela de divulgação da Universidade Federal de Juiz de Fora e começou a atrair colaboradores internacionais. Em decorrência do fato de, em novembro de 2018, ter tido eu a honra de ser chamado pelo Presidente Bolsonaro para integrar o seu gabinete como Ministro da Educação, licenciei-me do meu cargo de Diretor do Centro de Pesquisas Estratégicas da UFJF (que ocupava de graça). Registro que, em 2013, tinha me aposentado nessa Universidade, mas continuava desempenhando as funções "ad honorem" de Diretor do Centro de Pesquisas Estratégicas. Um dado que revela o interesse despertado pelo Centro de Pesquisas Estratégicas da UFJF: a média semanal de acessos ao Portal chegava, na época, a 60 mil. Um verdadeiro sucesso para a imagem da nossa Universidade!

No final de 2019, alguns meses depois de eu ter deixado o Ministério da Educação, recebemos uma triste notícia: por ato da Reitoria da UFJF foi fechado o Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”. Alegava-se, para a maluca decisão, que o Centro não era de interesse da atual administração da Universidade. Foi uma pena. Ora, a alta administração da UFJF sempre tinha dado apoio e prestigiado o nosso Centro. Imagino que pesaram motivos de índole ideológica e política, pois não se tratava, certamente, de uma unidade que não produzisse investigação de qualidade acadêmica. Mais uma nódoa no pano de fundo de inoperância das nossas Universidades Federais, reféns de um sindicalismo doentio! Hoje, a ordem do dia, em muitas delas, consiste em imaginar “como construir a próxima greve”.

Uma curiosidade estatística: em estudo publicado por mim no Portal Defesa sobre o Brasil e os BRICS, mais concretamente, ao tratar do célere desenvolvimento econômico e tecnológico da China, lembro-me de ter feito referência aos Centros de Pesquisas Estratégicas existentes no gigante asiático. Fiquei atordoado com o número de 1.600 instituições desse tipo que o Estado mantém nesse grande país. Afinal de contas, para ser, hoje, a segunda potência do Planeta, a China precisa conhecer em detalhe a conjuntura internacional, nos seus aspectos culturais, econômicos, políticos e tecnológicos [cf. https://www.ricardovelez.com.br/blog/a-tipologia-sociologica-do-despotismo-hidraulico-e-a-sua-manifestacao-na-russia-e-na-china]. Daí a grande ênfase dada pelos Chineses à existência de Centros de Pesquisas na área estratégica! As nossas empresas, certamente, valorizam esse esforço, bem como as Forças Armadas e algumas Universidades, Públicas e Privadas, que hoje mantêm Centros desse teor. Pena que não sejam todas as Universidades públicas as que tenham posição semelhante!