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QUER SAIR DO PATRIMONIALISMO? CONTROLE IMPRESSO DO VOTO ELETRÔNICO E LIVRE INICIATIVA JÁ!

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O MODELO DE "DITADURA CIENTÍFICA" DE COMTE (1798-1857) VOLTA E MEIA ASSOMBRA OS BRASILEIROS EM PLENO SÉCULO XXI.

Em política, a tradição filosófica ocidental legou-nos dois modelos: fechado e aberto. O modelo fechado diz relação à proposta platônica de um governo ideal que deveria ser organizado pelo Rei Filósofo, que decretaria a melhor forma de gerir a Cidade-Estado e estabeleceria, manu militari, os papéis a serem desempenhados pelos cidadãos. Platão (427-347 a.C.) partia de um conceito pessimista em relação ao homem: somos seres decaídos e presos na corporeidade. A nossa alma precisa se libertar das cadeias da matéria, a fim de levantar voo para o céu empíreo das Ideias Eternas presididas pelo Amor. O modelo fechado platônico é, também, uma forma de absolutismo e de unanimidade dos cidadãos ao redor de um núcleo de poder inquestionável [cf. Barros, 1990].

Nessa trilha se situou, na modernidade, O Contrato Social (1762) de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que constituiu a fonte moderna dos absolutismos e dos totalitarismos [cf. Rousseau, 1962]. O modelo platônico era rígido e se restringia à experiência ateniense de uma República aristocrática e autocrática. Quando transplantado a outros contextos, o filósofo não foi feliz com o seu modelo de governança, como aconteceu com o Tirano de Siracusa, Dionísio, que o encarcerou, porque o rude governante recusou-se a adotar as virtudes nobiliárquicas do Rei Filósofo.

O modelo aberto foi proposto por Aristóteles (384-324 a.C.) na sua Política. Consiste numa sociedade em que impera a média da opinião (ou politeia) a ser construída pelo consenso dos cidadãos integrantes de uma grande Classe Média. A essa formulação chegam os cidadãos não contra a sua vontade, mas seguindo a tendência, inserida na sua natureza, da sociabilidade. “Anthrópos fýsei zoon politikón” (”o homem é, por natureza, um animal político”) tinha escrito, na sua Ética a Nicômaco, o Estagirita [cf. Aristóteles, 2003]. Sendo o homem sociável por natureza, o elemento que, segundo Aristóteles, define a modalidade concreta de exercício do poder, seria o conjunto das tradições que formataram cada sociedade. Há, portanto, em matéria de organização política, uma grande diversidade. O Estagirita chegou a identificar mais de 100 modelos diferentes, sendo a democracia ateniense apenas um de tantos [cf. Aristóteles, 1995 e 2010].

Na tradição brasileira, por força da adoção do cientificismo, nas reformas efetivadas pelo marquês de Pombal (1699-1782) no ciclo colonial, estruturou-se um modelo fechado de sociedade, ao ensejo da crença de que compete ao soberano absoluto garantir o sucesso da Nação, mediante a incorporação da ciência aplicada a serviço do Estado [cf. Paim, 1982]. Tal tendência ajustou-se, no final do Império, ao ideal positivista da ditadura científica. No início do ciclo republicano, por obra de Leônidas de Rezende (1889-1950), o cientificismo positivista terminou sendo amalgamado com o marxismo, dando ensejo ao modelo de cientificismo marxista, hoje vigente em grandes setores da intelectualidade e da própria sociedade [cf. Paim, 1984: 245 ss].

No terreno educacional, o cientificismo marxista foi aplicado, com sucesso, por Paulo Freyre (1921-1997) e Moacyr Gadotti (1941-), no sentido de formatar, num contexto de sindicalismo de modalidade “soviética”, a gestão da educação. Nos últimos 40 anos, o Partido dos Trabalhadores tomou conta das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação pelo país afora, implantando, nos currículos acadêmicos, a transmissão desse modelo para as novas gerações, que passaram a aderir a um vaporoso socialismo de inspiração marxista.

Tudo foi vertido no seio desse arquétipo conceitual, sendo que, hoje, tanto a Base Nacional Curricular quanto às políticas defendidas pelo Conselho Nacional de Educação estão, definitivamente, inseridas nessa mentalidade. É tarefa hercúlea o desmonte de toda essa superestrutura de autocratismo e atraso. Somente com muito empenho de parte da sociedade será possível formular outras políticas, livres do cientificismo marxista. O ideal da Justiça passou, evidentemente, a ser interpretado de acordo à tendência predominante no seio do Estado brasileiro, de aplicação do cientificismo marxista na busca de um socialismo que manteria intocado o arquétipo de Estado, para benefício de uma elite burocrática afinada com o Patrimonialismo. Tudo isso embalado, como era de se esperar, numa retórica de justiça social, em pretendido benefício dos menos favorecidos. Até a cúpula da Igreja Católica, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, terminou claudicando diante dessa realidade, como testemunhou, com rara coragem, o padre português José Narino de Campos na sua obra intitulada: Brasil, uma Igreja diferente. [cf. Campos, 1981].

O resultado prático imediato dessa obra de atraso foi o engessamento progressivo da economia na formulação do orçamento da União, para beneficiar empresários e corporações sindicais suscetíveis de serem cooptados pelo Estado Patrimonial. Hoje, o grosso do orçamento da União, (96%) já vem carimbado, a fim de manter os benefícios dos sindicatos e corporações afinados com o funcionalismo público e com a nomenklatura. É assim como, em que pese a formulação, de tempos em tempos, de políticas liberalizantes para a economia, na prática tudo é conduzido para a manutenção do status quo de um enxame de sindicatos e corporações, controlados por ativistas ou empresários amigos, com a finalidade de manter intocado o regime de privilégios vigentes na burocracia do Estado.

A saída do PT do poder central não significou a derrota das propostas de autoritarismo sindical e atraso. Estas continuaram a alimentar as práticas governamentais, exercendo a força de um peso morto na gestão do Estado. A essa variável burocrática juntou-se, na formulação das políticas econômicas dos últimos 60 anos, a distorção decorrente da adoção de um modelo industrialista que sacrificava a modernização do campo. Essa distorção apareceu clara quando do debate entre dois economistas que assessoravam o Ministério do Trabalho: Eugênio Gudin (1886-1986) e Roberto Simonsen (1889-1948).

Em que pese o fato de a nossa história ter trilhado, de início, caminhos que nos levariam ao pleno desenvolvimento, terminamos optando pelo atraso. O saudoso professor Antônio Paim (1927-2001), com a clarividência que o caracterizava, resumiu o nosso drama histórico nos seguintes termos: “Momentos decisivos da nossa história são aqueles nos quais o país poderia ter seguido rumo diverso do escolhido. Vejo três desses momentos, com perdão de Tobias Barretto (1839-1889), para quem, por sua conotação cabalística, o número três nunca deveria ser invocado nas análises que aspirassem à consistência. O primeiro configurou-se nos séculos iniciais, quando escolhemos a pobreza e nos deixamos ultrapassar pelos Estados Unidos, depois de termos sido mais ricos. O segundo no século XIX, quando optamos pela unidade nacional, mas nos revelamos incapazes de consolidar o sistema representativo. Finalmente, o terceiro, no século XX, quando estruturamos em definitivo o Estado Patrimonial, recusando terminantemente o caminho da democracia representativa. Neste (...) milênio pode estar sendo decidido um quarto momento que, entretanto, somente se apresenta como interrogação: seremos capazes de enterrar o patrimonialismo?” [Paim, 2020: 15].

A bem da verdade, são pouco claras as perspectivas que se delineiam para superarmos, de vez, o atraso identificado com a preservação do Estado Patrimonial – ou Estado a serviço de poucos, organizados na burocracia oficial e nos segmentos da sociedade a ela chegados -. Vale a pena, novamente, levar em consideração o alerta do Mestre Antônio Paim, expresso no prefácio à terceira edição do seu livro Momentos decisivos da História do Brasil: “(...). Nesse conjunto de desacertos, criamos uma estrutura destinada à preservação do status quo, o Estado Patrimonial, que se tem revelado imbatível. Seu último feito consistiu precisamente na cooptação do Partido dos Trabalhadores (PT), a organização que parecia destinada a minar seus fundamentos, notadamente no que respeita às relações do mundo do trabalho, onde o patrimonialismo havia estruturado sistema inamovível, com absurdos tais como a sustentação de sindicatos com base em impostos. Ao contrário de corresponder àquela expectativa, seria justamente o PT que empreenderia um passo que bem pode estar destinado a fechar-nos de vez [a porta] à realização daquele que seria o nosso autêntico projeto nacional. Trata-se de que haja conseguido enterrar de vez o projeto de constituição da ALCA. Ao invés de estarmos integrados ao que seria o provável desfecho do atual ciclo de globalização – a criação de mercado constituído pela junção dos Estados Unidos com a União Européia -, ingressaremos num período de marginalização cujas dimensões e consequências serão certamente funestas. (...). A par disto, tivemos que efetuar atualizações pontuais. (...). Tive que atualizar o que pode ser duradouro e não apenas momentâneo, como se dá no presente, [ou seja], o fato de que, da rearticulação do elemento liberal não haja resultado a constituição, no país, de uma agremiação política que a encarnasse, bem como a comprovação, pela pesquisa contida no livro A cabeça do brasileiro, de autoria de Alberto Carlos de Almeida, de que a cúpula da burocracia estatal brasileira, sustentáculo da tradição patrimonialista, representa os sentimentos e as aspirações da maioria de nossa população. Por certo que isto pode mudar, mas enquanto tal não se der, não se vislumbra no horizonte quando poderá ocorrer o cumprimento da aspiração de sair do patrimonialismo” [Paim, 2020: 13-14].

Os desacertos, em matéria de políticas econômicas já vinham de antes. No Segundo Pós-guerra, quando se discutiu o tipo de modelo econômico a ser seguido, após o Estado Novo, o governo terminou batendo o martelo a favor do modelo industrialista subvencionado com amplos recursos oficiais e mantendo a prática do planejamento estatal, na trilha do Keynesianismo na versão estatizante da CEPAL, sob o comando do economista argentino Raúl Prebisch (1901-1986). Essa decisão terminou deixando o Brasil rural para trás, abrindo espaço para as vagas de retirantes que engrossaram os cinturões de miséria das grandes cidades, ao longo das décadas seguintes. O que houve no Brasil foi o crescimento desproporcionado do Estado e do setor industrial da economia, à sombra da ideia de planejamento, socavando a liberdade de iniciativa e enterrando a produtividade, na defesa de interesses cartoriais e do lucro subsidiado para as grandes indústrias.

O professor Eugênio Gudin (1886-1986) frisava a respeito: “No Brasil, o Estado, sem qualquer programação socialista de nacionalização, assenhoreou-se de muitos setores econômicos que nas outras democracias incumbem à iniciativa e direção privadas. Fica-se alarmado ao verificar como se tem estendido o domínio do Estado sobre tantos setores da economia brasileira (...). O Estado tem, no Brasil, o controle da enorme maioria da rede ferroviária e de quase toda a navegação mercante. Estradas de ferro, navegação, portos, siderurgia, minério de ferro, petróleo, fábrica de motores, são atividades hoje quase integralmente açambarcadas pelo Estado. Essa ampliação da atividade do Estado não foi, como em outros países, o resultado de um propósito, ou de um plano político. Foi, geralmente, o produto da incapacidade política e administrativa do Estado, que acabou por tornar inviável a direção privada das respectivas empresas e a força-las a entregar-se ao Estado. A par dessas atividades, erradamente transferidas do campo da economia privada para o Estado, é de alarmar a manutenção, em tempo de paz, dos controles estabelecidos pelo Estado durante a guerra mundial (...)” [Gudin, 1951: 38].

Gudin era intransigente na crítica ao planejamento. Castigava fortemente esse conceito. Um exemplo, em que o economista grifou todas as palavras do texto: “A mística da planificação é, portanto, uma derivada genética da experiência fracassada e abandonada do New Deal americano, das ditaduras italiana e alemã que levaram o mundo à catástrofe e dos planos quinquenais da Rússia, que nenhuma aplicação podem ter a outros países” [Gudin, 1951: 39].

Ora, nos últimos quinze anos as coisas mudaram: o agronegócio, que recebeu pouca atenção estatal (sendo a maior contribuição oficial a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, EMBRAPA, em 1972), cresceu por si próprio e ocupa, hoje, um lugar de destaque na economia brasileira. Houve, paralelamente, durante o mesmo período, um progressivo desgaste da indústria, com o fenômeno conhecido como desindustrialização e a perda de competitividade nos mercados globais. O consultor de empresas Stephen Kanitz, em recente informe, escreve: “Quem está perdendo miseravelmente é a indústria, os sindicatos, os partidos desses trabalhadores chão de fábrica, as grandes cidades, os industriais cada vez mais falidos e subsidiados. Quem está crescendo e ganhando é a Agricultura. A agricultura por si já representa 25 % do PIB, contra 10% anos atrás. O agronegócio, que incorpora as indústrias que a fornecem, como mineração de fertilizantes, a indústria de tratores, os bancos, as seguradoras, as transportadoras passa a ser 40% do PIB, tranquilo. Ter 40% do PIB significa dinheiro, crescimento, poupança, prosperidade. Significa crescente poder político, que ao contrário (do) que a maioria das pessoas pensam, o setor Agrícola não tinha, comensurável a esses 40%. Foi sempre a agricultura que gerou exportações e superávit no câmbio, foi sempre a indústria que importava máquinas estrangeiras. Indústria sempre foi muito mais forte do que a Agricultura, mas agora ela definha, não apresenta lucros, não tem mais poder financeiro. Isso explica as alianças desesperadas, como a do Paulo Scaf com o Partido Socialista, da Globo com o Psol, da Folha com o PT, do Abílio com a Dilma. Desespero total” [Kanitz, 2020].

Ora, à luz dessas mudanças pode-se entender a eleição de Bolsonaro, em 2018, bem como as pressões que, no terreno eleitoral, exercem hoje os setores da sociedade que participam da aceleração do desenvolvimento no agronegócio, e as expectativas das populações urbanas mais carentes, abandonadas pelas políticas oficiais, que enxergavam os trabalhadores sindicalizados, mas não os desempregados e que foram polarizados ao redor da eleição presidencial. É provável que a crescente força do campo se traduza num perfil conservador a ser mantido nas próximas eleições presidenciais. Com Bolsonaro ou sem ele, o certo é que o eixo da política nacional está mudando, para perfis mais conservadores e consentâneos com a cultura interiorana que se sedimentou nas áreas do agronegócio. É o que deixa transparecer o cientista político Jairo Nicolau, na sua obra, lançada no ano passado com o seguinte título: O Brasil dobrou à direita [cf. Nicolau, 2020b].

Para Nicolau, “Bolsonaro, que é um autêntico líder conservador, ‘um Lula da direita’, deixou escapar uma oportunidade de ouro: não aproveitou o crescimento do Partido pelo qual se elegeu, o PSL, e partiu para a criação, em tempo recorde, de uma nova legenda. Se estivesse no PSL, frisa Nicolau, seria uma lavada. Com dinheiro, com apoio do presidente, o partido deixaria de ser inexpressivo e passaria a ter uma estrutura muito sólida, com uma bancada ainda maior em 2022. Mas ele foi um desastre, brigou com o próprio partido” [cf. Nicolau, 2020 a].

A pergunta que fica no ar é a seguinte: Conseguirá se sedimentar um governo liberal-conservador que dê o passo definitivo na direção de erradicar o patrimonialismo e substituí-lo por um Estado que limite o crescimento desregrado do funcionalismo e do gasto público e que abra as portas para a consolidação de uma economia alicerçada na livre empresa? Conseguirá o Brasil se converter num país capitalista e moderno, estimulando o crescimento equilibrado do setor industrial e do agronegócio, sem corrupção e sem a tutela da burocracia estatal? Conseguiremos nós, brasileiros, neste século ainda, conquistar a tão almejada liberdade e o progresso econômico e social ao qual aspiramos, superando, definitivamente, as mazelas da pobreza e da corrupção? A solução, nesse terreno, está nas nossas mãos. As instituições do governo representativo, como frisava o professor Antônio Paim, “não caem do céu”.

A atual conjuntura é certamente confusa. Rusgas entre os Poderes Públicos. Incerteza quanto aos mecanismos a serem adotados para conferir maior credibilidade às urnas eletrônicas. E não é apenas o Executivo que reivindica essas medidas. A opinião pública também as exige, em massivas manifestações que, estranhamente, são ignoradas pela grande imprensa. Já houve, num passado recente, maior transparência do STF e do Congresso face às medidas que poderiam ser adotadas. Deu-se, em 2015, até a aprovação das mesmas por parte do Congresso, com beneplácito da máxima instância da Magistratura nacional. Não se sabe o porquê da mudança de posição nesses Poderes Públicos. Hoje, a Comissão correspondente, no seio da Câmara dos Deputados, defende a aprovação do voto impresso, como medida para garantir a confiabilidade das urnas eletrônicas. Mas escutam-se ruídos no seio do Parlamento, em torno a dissolver essa Comissão, a fim de garantir a permanência das coisas como estão em matéria de voto.

Compete a nós, cidadãos, nos empenharmos na labuta de aperfeiçoar as nossas Instituições Republicanas. Se referindo à construção da democracia na França, vítima do absolutismo e do bonapartismo, frisava Alexis de Tocqueville (1805-1859): “Precisamos construir o homem político” [Vélez, 1998: 69]. Missão semelhante temos, hoje, os cidadãos deste País. Trata-se de construir, no seio da sociedade, o sentido da responsabilidade para com as nossas instituições governamentais. E, nessa alta missão, o primeiro passo deveria ser o resgate de uma educação básica e fundamental de qualidade, sobre a qual se alicerce a formação da consciência cidadã, que não depende, certamente, apenas dos interesses sindicais dos docentes, mas que deve consultar as expectativas dos cidadãos e das famílias deste país.

Ora, nesse quesito, “ouvir o clamor das ruas” seria o primeiro passo a ser dado. Diante da exigência, por parte da sociedade, de medidas que deem maior credibilidade às urnas eletrônicas, de nada adiantam declarações do colegiado da Justiça eleitoral, até apelando para o pronunciamento dos que, no passado, integraram essa Corte, se no presente não são escutadas as reclamações massivas dos eleitores que enchem ruas e avenidas, em que pese os rigores da atual pandemia e os riscos que essas aglomerações significam. Países vizinhos, como o Chile e a Colômbia, estão dando provas de os respectivos Governos, Tribunais e Congressos ouvirem o que os cidadãos têm a dizer. Não seria o caso de que, no Brasil, hoje, acontecesse coisa parecida?

O jornalista Cláudio Humberto, na sua coluna Poder, Política e Bastidores do dia 3 de agosto de 2021, resumiu a perplexidade que se abate sobre o Brasil, a partir do “cientificismo” do Supremo Tribunal Federal que, contra todas as evidências, condena apriori a auditagem das urnas eletrônicas da forma em que tinha sido aprovada pelo Congresso em 2015. A respeito, frisava o mencionado jornalista, fazendo-se eco da perplexidade dos eleitores brasileiros:

“Toda manifestação contra Jair Bolsonaro lembra, com razão, o ‘respeito às instituições’ e à ‘harmonia dos poderes’, mas na prática a teoria é outra. Em 2015, sem a animosidade atual, o voto impresso foi aprovado por ampla maioria no Congresso e virou lei, mas oito ministros do STF mandaram às favas o respeito à ‘harmonia’ e às decisões de instituições do Poder Legislativo mandando a lei para a cesta do lixo, mostrando valerem mais que os deputados e senadores eleitos pelo povo. Acontecerá de novo, caso o Congresso aprove a medida defendida por Bolsonaro. Até por ser defendida pelo presidente. (...). O veto de Dilma à lei 13.165/15, que instituía no Brasil o voto impresso, foi derrubado por 424 parlamentares. Mas oito ministros do STF vetaram. (...). O TSE chegou a apresentar a nova urna com impressão do voto e design elogiado por ministros, inclusive Luis Roberto Barroso, o atual presidente. (...). Às vésperas da eleição de 2018, o STF declarou a lei ‘inconstitucional’ porque o sigilo do voto poderia ser violado ‘se’ a impressora falhasse. (...). Vencido na época, Gilmar Mendes criticou a impressão do voto, mas gostou da nova urna e disse que a decisão é do legislador. Só eu não” [Cláudio Humberto, 2021].

Lembrando os princípios do filósofo John Locke (1632-1704), pai das Instituições Liberais Inglesas, a instância governamental que deve ter a prevalência entre os poderes públicos é o Legislativo, porque nele estão os representantes eleitos pelo povo para terem defendidos os seus interesses. Com o desconhecimento sumário do Legislativo por parte do STF, não regrediremos às sombras de uma República platônica de tipo arbitrário e pretensamente “científico”? Seria um retorno taciturno aos termos da “ditadura científica” positivista!

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