Voltar

PESSOAS, PROPRIEDADES E LEGITIMIDADE: POR QUE O PT NOS DEGRADA AO RELATIVIZAR AS NOSSAS POSSES E OS NOSSOS DIREITOS?

PESSOAS, PROPRIEDADES E LEGITIMIDADE: POR QUE O PT NOS DEGRADA AO RELATIVIZAR AS NOSSAS POSSES E OS NOSSOS DIREITOS?

A CONSTITUINTE BURGUESA DE 1789

Já virou uma cantilena repetitiva a índole gastadora do PT. O Partido dos trabalhadores é extremadamente generoso com o gasto do dinheiro dos outros. É criativo, na arte de inventar novos impostos. Entra governo e sai governo e a mente dos indigitados é a mesma. Não descobriram, ainda, a importância de produzir bens e serviços, apenas se agarram à arte macunaímica de se apropriar do dinheiro alheio via políticas tributárias extorsivas.

Não que o PT tenha inventado a arte de ganhar sem trabalhar. Isso vem de longe. Só para ficarmos na Modernidade – porque desde Caim e Abel o pecado dos amigos do alheio é muito velho - lembro das contas que fazia o abade Emmanuel Sieyès (1748-1836) que pertencia à Assembléia Nacional Francesa como deputado pelo seu “estado” (o baixo clero), na obrinha intitulada: Que’ est-que le Tiers État? (O que é o Terceiro Estado?) publicado no final de 1788, ao ensejo da convocação, pelo Rei Luís XVI (1754-1793), dos Estados Gerais, que se reuniram solenemente, na primavera de 1789, em Versailles. O Abade-deputado perguntava: “O que é o Primeiro Estado? (Nobreza) e respondia: “Nada”. “O que é o Segundo Estado?” (Alto Clero) e a sua resposta era a mesma: “Nada”. Por último, perguntava: “O que é o Terceiro Estado?” E a resposta surpreendia: “Tudo”.

Quem integrava o Terceiro Estado? Fundamentalmente, a nascente burguesia, o povo trabalhador e aquele que se dedicava ao artesanato e às artes do comércio ganhando nessa atividade um bom dinheiro, que era desejado pela Nobreza improdutiva e pelo Alto Clero. Lembremos que nos séculos XI e XII os Burgueses constituíram a elite ascendente das cidades medievais, sendo o seu nome indicativo das organizações urbanas (“Burgos” ou nomes com esse radical como: Estrasburgo, Edimburgo, Hamburgo, etc.). As cidades medievais se enriqueceram e a Nobreza, como na Itália de Maquiavel (1469-1527), virou freguesa dos Burgueses. Na linguagem da época, essas eram as “classes sociais’ de então e tinham, cada uma delas, os seus interesses. Dos Nobres participavam, em primeiro lugar, os guerreiros que tinham uma tradição no uso das armas e das atividades de defesa e ataque. Também pertenciam a esse estrato aqueles que, por nascimento, tinham herdado a posição de elite dirigente. Pertencia, por último, a esse estrato também a Nobreza de Toga, aquela que desempenhava as funções advocatícias de defesa dos interesses tradicionais e de reivindicação, quando esses interesses fossem desconhecidos; no exercício dessas tarefas foram, ao longo dos séculos, reconhecidos os Magistrados como pertencentes à Nobreça de Toga, ao desempenharem uma função essencial aos reis, pelo fato de consolidarem as tradições jurídicas na defesa dos interesses da Coroa.

Aparentemente Sieyès tinha um preconceito enraizado contra a Nobreza e o Alto Clero. Mas, se lermos a obrinha, descobriremos que não. O que Sieyès queria era impedir que a Nobreza se tornasse, na Modernidade, a classe atrabiliária que despojava os trabalhadores das suas posses, utilizando as armas. A propósito, frisava Sieyès no seu livro: “Não se deve ignorar que o Terceiro Estado é, hoje, a realidade nacional, de que antes não era senão a sombra; que durante essa longa mudança, a Nobreza cessou de ser essa monstruosa realidade feudal que podia oprimir impunemente; que não é senão a sua sombra, e que em vão essa sombra trata ainda de assustar a uma Nação inteira” [Sieyès, Qué es el Tercer Estado? Tradução ao espanhol e notas de Francisco Ayala, Madrid: Aguilar, 1973: 43].

Três petições dirigia Sieyès ao Rei, em nome do Terceiro Estado, a fim de que tivessem vigência durante a reunião dos Três Estados: I – “Que os representantes do Terceiro Estado não sejam escolhidos senão entre os cidadãos que verdadeiramente pertençam ao Terceiro”. II – “Que os seus Deputados sejam em número igual aos das duas Ordens privilegiadas”. III – “Que os Estados Gerais votem não por Ordens mas por cabeças” [Sieyès, Qué es el Tercer Estado?, ob. cit., pp. 29, 37, 44]. Sieyès esboçava uma ideia de Nação. A propósito, afirmava: “O que é uma Nação? Um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e (são) representados pela mesma legislatura” [Sieyès, ob. cit., p. 13].

Dessa Nação, segundo Sieyès, faziam parte vários corpos com interesses diferentes. Referindo-se à forma como a casta dos Nobres participava da Nação, Sieyès era crítico: “Antes de mais nada, - escrevia o Abade - não é possível encontrar onde situar a casta dos nobres no número das partes elementares de uma nação. Sei que há indivíduos, muito abundantes, aos quais as doenças, a incapacidade, uma preguiça incurável, ou a torrente dos maus costumes, tornam estranhos aos trabalhos da sociedade. A exceção e o abuso estão em todas partes ao lado da regra e, sobretudo, num vasto império. Mas convenhamos, ao menos, em que quanto menor número desses haja, melhor passa o estado, olhando para o seu ordenamento. O pior ordenado de todos será aquele onde somente particulares isolados, ou uma classe inteira de cidadãos, ponham a sua glória em permanecerem imóveis em meio ao movimento geral e consumam a melhor parte do produto, sem ter aportado nada para fazê-lo nascer. Uma tal classe é certamente estranha à nação pela sua folgança. A ordem nobre não é menos estranha entre nós pelas suas prerrogativas civis e públicas (...). Não é muito certo que a ordem nobre tenha privilégios, dispensas, mesmo direitos separados dos direitos do grande corpo dos cidadãos? Por isso sai da ordem comum, da lei comum. Assim, os seus direitos civis fazem dela já um povo à parte na grande nação. É realmente imperium in imperio” [Sieyès, Qué es el Tercer Estado? Ob.cit., pp 12-13].

Referindo-se aos direitos políticos da casta dos Nobres, Sieyès é claro ao destacar a separação dos nobres em relação ao resto da sociedade. A propósito, escreve: “Face aos seus direitos políticos (a elite nobiliárquica) também os exerce à parte. Tem os seus representantes próprios que para nada encarregaram-se da procuração dos povos. O corpo dos seus deputados reúne-se à parte; e mesmo quando se reunisse numa mesma sala com os deputados dos simples cidadãos, não seria menos certo que a sua representação é essencialmente distinta e separada: é estranha à nação pelo seu princípio, posto que a sua missão não provém do povo, e pelo seu objeto, posto que consiste em defender não o interesse geral, mas o interesse particular”. E conclui: “O Terceiro (estado) abraça, pois, todo o que pertence à Nação. E todo o que não é o Terceiro (estado) não pode ser olhado como da Nação. O que é o Terceiro (estado)? Tudo” [Sieyès, Qué es el Tercer Estado? Ob. cit., pp. 14-15].

A respeito destas palavras de Sieyès, escreve o pensador espanhol Francisco Ayala (1906-2009): “A identificação do Terceiro estado – quer dizer, da então nova classe burguesa que se aproximava da plenitude de seu nível histórico -, com a nação, entendida como o totus da comunidade política, expressa o fator moral mais importante do processo revolucionário que tanto contribuiu Sieyès para desencadear com a sua célebre argumentação. A grande força revolucionária da burguesia, o princípio de sua energia moral, se enraizava na sua convicção de ser ela mesma idêntica à nação. Essa convicção é, para a Democracia burguesa, o equivalente do conteúdo de consciência ao qual responde, para a Monarquia absoluta, a repetida frase de Luís XIV: ‘L’État c´est moi’. Desde o centro do seu poder institucionalizado, o rei; desde a polêmica opositora, o Terceiro estado através do seu porta-voz, afirmam-se um e outro com igual decisão – em seus respectivos momentos de apogeu histórico – idênticos ao todo, para justificar assim o seu poder político, efetivo ou pretendido. A consciência de totalidade é, efetivamente, o que dá ao poder político a sua justificação ética. Tão logo o titular do poder, indivíduo, grupo ou classe, perde a consciência de ser idêntico ao todo, começa a apoiar a sua posição em argumentos de simples legalidade: o revestimento jurídico é utilizado, então, pela sua rigidez crustácea, como suporte do poder, quando já morreu e foi dissecada a substância moral que protegia” [apud Sieyès, Qué es el Tercer Estado? Ob. cit., p. 15, nota 11].

Sieyès fez um levantamento estatístico importante: calculou o Alto Clero da França em 84.400 membros, a Nobreza em 110.000 (contabilizando um total de 194.400 cabeças improdutivas). E comparou esse número com o do Terceiro Estado como um todo (que era o dos que trabalhavam, produziam e pagavam os impostos) chegando a um total de, aproximadamente, 26 milhões de habitantes. Assim concluía Sieyès o seu cálculo: “De maneira que, em conjunto, não há duzentos mil privilegiados das duas primeiras ordens. Comparai esse número com o de vinte e cinco a vinte e seis milhões de almas, e julgai a questão” [Sieyès, Qué es el Tercer Estado? Ob. cit., p. 41].

O parágrafo que acabo de citar foi o estopim da Revolução Francesa. O estopim da Revolução Brasileira do século XXI está sendo escrito pela imprensa alternativa que circula hoje com grande dificuldade e pelos blogueiros liberais e conservadores que reagem contra as imposições ilegais da Magistratura. Esses descontentes são perseguidos pelos donos do poder, os petistas e os altos burocratas do Estado Patrimonial, que integram a nossa classe dirigente. Citaria, para terminar, as palavras com que encerrei postagem de semanas atrás, acerca das nossas desventuras atuais:

“Ora, entre nós, a pregação liberal-conservadora dos novos tempos que buscavam o alargamento da Liberdade para todos os 210 milhões de brasileiros e não apenas para os 10 milhões de felizardos que vivem do orçamento público, incomodou ao stablishment, que reagiu, com raiva, à tentativa de os liberais-conservadores questionarem a legitimidade dos denominados “donos do poder”, deixando ao relento os que não pertencessem a essa exclusiva elite do estamento dominante na condução do Estado. A reação não veio empacotada da mesma forma que as reações anteriores denominadas, no nosso ciclo republicano, de “autoritarismo instrumental”. O pacto do STF-STE com a esquerda burocrática representada pelo PT, e com a burocracia de séculos que se enriqueceu absurdamente com o duplo episódio do ‘Mensalão’ e do ‘Petrolão’ no ciclo lulopetista, veio mal embrulhada, desta vez, num pacote que parece ter emergido das sombras do passado pombalino: o autoritarismo para frear os ‘crimes contra a democracia’, encarnados no chamado ‘Inquérito do Fim do Mundo’, nome que conhecido Magistrado aposentado deu às providências do novo despotismo iluminista. Tal contribuição do burocratismo orçamentívoro vem complementar, neste pesado início de Milênio, o ‘socialismo do século XXI’, com que as Narcoditaduras bolivarianas, hoje, nos assombram neste fragilizado Continente” [Https://www.ricardovelez.com.br/blog/a-historia-da-cultura-e-o-desenvolvimento-de-um-projeto-nacional].