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PERSPECTIVAS DO LIBERALISMO CONSERVADOR NO BRASIL

PERSPECTIVAS DO LIBERALISMO CONSERVADOR NO BRASIL

ANTÔNIO PAIM -

O Liberalismo conservador caracteriza-se porque centra as suas demandas na defesa da liberdade e das tradições. Os seus principais representantes na França foram, no decorrer do século XIX, Madame de Staël, Henri-Benjamin Constant de Rebecque e Alexis de Tocqueville. No Brasil, nesse período, os principais representantes foram Silvestre Pinheiro Ferreira, Rui Barbosa e o visconde de Uruguai, Paulino Soares de Souza.

Comentarei neste post um capítulo do livro de Antônio Paim: Momentos decisivos da história do Brasil. (2ª edição revista e ampliada. Apresentação de Antônio Roberto Batista. Campinas: Vide Editorial, 2014, pp. 367-380). O capítulo em questão intitula-se: “A difícil e tortuosa recuperação liberal”. Por se tratar de um balanço amplo e objetivo do percurso do Liberalismo conservador brasileiro, na segunda metade do século XX e nas primeiras décadas deste milênio, resolvi comentar esse texto, numa Live do Seminário do grupo Ibérica (8 de julho de 2021). Tanto o texto do professor Paim como o meu comentário servem de alerta e estímulo para os estudiosos do pensamento liberal, nesta quadra da história brasileira.

A respeito do estado do estudo do Liberalismo no período que se estende de 1954 a 1985, Paim escreve: “No ciclo histórico compreendido pela parte final do interregno democrático e dos subsequentes vinte anos de governos militares, os liberais brasileiros perderam os vínculos com a evolução dessa corrente no exterior. Neste ciclo, o único indício de sobrevivência do elemento liberal residiu nas tentativas isoladas de alguns círculos acadêmicos de trazer a debate os autores clássicos dessa corrente. Este desfecho seria uma das consequências do prolongado ciclo autoritário vivido pelo país, onde a nota dominante havia consistido em demonstrar a superação do liberalismo. Os movimentos políticos de maior sucesso pela volta da democracia davam-se em torno de suas bandeiras (eleições democráticas; expurgo do autoritarismo do texto constitucional, etc.), mas poucos se davam conta disso” [Paim, 2014: 367].

Paim registra que em meados da década de 80 do século passado, quando era preparada a transição dos militares para os civis, apareceram, pela primeira vez, siglas partidárias que ostentavam a denominação de liberais. Isso apesar do caráter atrasado e isolacionista da Carta de 1988, que tinha definido direitos sem assinalar deveres e tinha colocado sérios entraves ao desenvolvimento econômico, em decorrência do substrato corporativista e estatizante, que não foi removido. Em que pese esse contexto negativo, Paim frisa que “os liberais revelaram um mínimo de articulação, impedindo uma derrota completa e sem apelação, pelo menos no período imediatamente subsequente. Assim, nas eleições presidenciais de 1989 venceu a plataforma liberal, embora a adesão de Collor de Melo a essa plataforma se haja revelado manifestação de puro oportunismo” [Paim, 2024: 367].

Os fatos revelaram-se complexos, tanto pela falta de sustentação parlamentar do governo Collor, como em decorrência do fato de o candidato vitorioso ter-se revelado um liberal apenas por conveniência. A verdade é que, do ângulo político-partidário, após o ciclo de aliança com o PSDB que possibilitou os dois governos de Fernando Henrique Cardoso “o Partido da Frente Liberal (PFL) não sobreviveu ao retorno ao poder das tradicionais forças retrógradas que em certos períodos, desde a Proclamação da República, foram dominantes no país” [Paim, 2014: 368].

O Liberalismo conservador foi representado, ao longo dos anos 80 e 90 do século passado, por dois atuantes membros do Partido da Frente Liberal: os senadores Jorge Bornhausen e Marco Maciel. Eles segundo Paim, “conseguiram formular um programa que facultaria a limitação do patrimonialismo, embora não se tivesse a ilusão de que se poderia erradica-lo. Contudo, nem se tornou a nota dominante na coligação do poder, entre 1994 e 2002, nem logrou empolgar contingentes expressivos das forças políticas” [Paim, 2014: 368]. Isso em decorrência da progressiva marcha para a esquerda empreendida pelo PSDB que, no segundo mandato de Fernando Henrique, deliberadamente foi se distanciando dos seus parceiros do Partido da Frente Liberal, apesar de os liberais terem inspirado medidas fundamentais para a consolidação do regime, com as privatizações, amplamente defendidas pelo PFL e em cuja programação o professor Antônio Paim teve papel importante, como inspirador doutrinário. Lembremos, de outro lado, a perseguição encarniçada deflagrada pela Polícia Federal contra Roseana Sarney, ao ensejo da sua pretensão de se apresentar como candidata do PFL para as seguintes eleições presidenciais. Ora, essa ação policial contou com o apoio decisivo do então ministro da saúde, o tucano José Serra.

Sintetizando o que ocorreu no cenário da política nacional ao ensejo da participação dos liberais-conservadores nos governos de Fernando Henrique Cardoso, escreve Paim: ”O resultado do temporário avanço do agrupamento em causa decorreria, sem dúvida, da reconstrução dos vínculos com o pensamento liberal no exterior e da identificação das questões teóricas mais relevantes, a partir da realidade nacional. Graças a esse conjunto, logrou-se estabelecer a diferenciação entre os liberais e as demais correntes. Ainda que não tenha conseguido maior sucesso no embate político, cumpre registrá-lo, embora somente sirva para apontar a distância em que nos encontramos daquilo a que corresponderia tal ideário” [Paim, 2014: 368].

Paim destaca como se deu o reencontro do liberalismo conservador brasileiro com as tendências de estudo do liberalismo realizadas na Europa e nos Estados Unidos. “Em sua passagem pela direção da Editora da UNB – frisa – Carlos Henrique Cardim conseguira editar muitos autores liberais contemporâneos, como Nisbet, Dahrendorf, Robert Dahl, etc.”, tendo publicado, também, com caráter pioneiro, a obra de Tocqueville, O Antigo Regime e a Revolução, bem como os traços marcantes da obra de Raymond Aron, que foi convidado para um dos famosos seminários internacionais programados pelo Decanato de Extensão da Universidade de Brasília nos anos 80, tendo sido publicado a esse ensejo o livro intitulado: Raymond Aron na UNB. “Essa iniciativa, contudo – registra Paim - não teve continuidade naquela instituição, mas surgiram diversas outras” [Paim, 2014: 369].

De outro lado, lembra Paim, “O Instituto Liberal editou, desde sua fundação até inícios de 1993, 45 livros, um terço dos quais autores ligados à Escola Austríaca. Os brasileiros comparecem com oito títulos (pouco menos de 20%). Os cinquenta por cento restantes compreendem a tradução de pensadores liberais ligados a outras vertentes que não a Escola Austríaca. Entre os austríacos a preferência é por Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, tendo aparecido cinco livros do primeiro e quatro do segundo” [Paim, 2014: 369]. Autores pertencentes a outras vertentes do pensamento liberal foram publicados por diversos editores. Um deles foi Guy Sorman, que descreveu em linguagem jornalística o fenômeno da ascensão do neoconservadorismo a partir dos anos setenta. O Instituto Liberal divulgou pioneiramente a obra de Paul Johnson intitulada: Tempos modernos, ao passo que a Editora Imago publicou a História intelectual do liberalismo do filósofo conservador francês Pierre Manent, bem como a obra de vários autores intitulada: A Europa e a ascensão do capitalismo.

A prestigiosa editora Zahar, do Rio de Janeiro, incluiu autores liberais na sua linha editorial. Paim menciona O mito da decadência dos Estados Unidos, de Henry R. Nau, os dois livros de Ralf Dahrendorf intitulados: Conflito social moderno e Reflexões sobre a revolução na Europa, que figuraram na “Coleção Pensamento Público”, organizada por Carlos Henrique Cardim em sua passagem pela direção da Editora da UNB. Paim menciona, também, a divulgação das obras do liberal-conservador americano Michael Novak pela Editora Nórdica. Nessa mesma iniciativa de reconstituir os vínculos com o pensamento liberal no exterior destacam-se, no sentir do Paim, a obra por ele organizada com o título de Evolução histórica do liberalismo (Editora Itatiaia, 1987), bem como a última obra do jovem diplomata, falecido em 1991, José Guilherme Merquior, intitulada: Liberalismo antigo e moderno (Nova Fronteira, 1991). Os ensaios incluídos por Antônio Paim na mencionada obra Evolução histórica do liberalismo foram os seguintes: A formulação inicial do liberalismo na obra de Locke” (A. Paim); “A fundamentação do Estado Liberal segundo Kant (F. Martins de Souza); “O Liberalismo Doutrinário” (U. Borges de Macedo); “O pensamento de Tocqueville” (J. O. de Meira Penna); “As reformas eleitorais inglesas” (A. Paim); “Emergência da questão social e a posição anterior a Keynes. O keynesianismo” (A. Paim); “A crítica do keynesianismo” (R. Vélez Rodríguez); “A prova da história e as perspectivas – O liberalismo no século XX” (A. Paim, J. O. de Meira Penna e U. Borges de Macedo).

Na trilha do resgate da tradição liberal internacional, os autores brasileiros seguiram de perto as mudanças que se efetivavam no mundo, ao longo dos anos 80, com a “revolução conservadora americana” de Ronald Reagan, com as reformas antiestatizantes e de apoio à livre iniciativa na Grã Bretanha efetivadas pela primeira-ministra Margareth Thatcher e ao ensejo da queda do Muro de Berlim e da ascensão econômica dos Tigres Asiáticos e da China como potência econômica.

A propósito desses fenômenos, escreve Paim: “A década de oitenta marca uma reviravolta completa na evolução política do Ocidente desde o último pós-guerra. Até então, o socialismo parecia acumular vitórias sucessivas. Estas, entretanto, haviam levado alguns países à redução sem precedentes dos padrões de vida e à perda de horizontes, sendo a Inglaterra o exemplo mais flagrante. A reação de Mme. Thatcher conseguiu não só reverter o quadro em seu país como revelar aos habitantes do Leste a grande mentira que representava o socialismo, caracterizado, em contraposição ao que alardeava, pelo sucessivo empobrecimento e pela destruição do meio ambiente. A subsequente queda do Muro de Berlim, o abandono do socialismo pelos satélites soviéticos e o fim do Império russo, tudo isso originou amplo renascimento das correntes liberais tanto na Europa Ocidental como nos Estados Unidos!” [Paim, 2014: 368-369].

Já no que tange aos Tigres Asiáticos e à ascensão da China no período apontado, destacando o peso dos fatores culturais, frisa Paim: “Outro aspecto para o qual cumpriria chamar a atenção é a importância que tem readquirido a atribuição a fatores culturais de papel destacado no desenvolvimento. Em parte, isto se deve ao retumbante fracasso das políticas patrocinadas pelo Banco Mundial, que, supostamente, deveriam ter disseminado a prosperidade. Ao contrário disto, o subdesenvolvimento manteve-se virtualmente incólume na Africa e em grande parte da Asia e da América Latina. Num quadro desses, sobressai o aparecimento dos chamados Tigres Asiáticos. Como se explica o seu sucesso? A liderança de tais estudos encontra-se com Peter Berger – de quem a Itatiaia publicou a conhecida obra A revolução capitalista –. (Peter Berger) dirige presentemente o Instituto de Cultura Econômica da Universidade de Boston, (e a ele) se deve a divulgação de expressiva bibliografia. As teses de Max Weber voltam a adquirir grande popularidade. Nesse particular, vem sendo atribuída a maior relevância ao fenômeno da expansão das religiões evangélicas na América Latina. O lema que está em voga é o seguinte: ‘não há desenvolvimento sem empresário; não há empresário sem grande mudança nas crenças morais; não há crenças morais sem religião’ “ [Paim, 2014: 372].

Considerava Paim que, ao ensejo do estudo pelos liberais brasileiros do fenômeno apontado, surgiu rica bibliografia que possibilitou a compreensão dessa nova variante da abertura ao liberalismo econômico. Frisa a respeito o nosso autor: “No século passado, quando os liberais brasileiros conquistaram uma posição de grande relevo em nossa cultura, lograram efetivar densa discussão teórica. Nas últimas décadas do século passado e primeira do seguinte, ainda que não se tenha chegado a uma Agenda Teórica, como seria desejável, alguns livros têm contribuído para esboça-la, em especial Opção preferencial pela riqueza (1991) de Meira Penna, em que procura recuperar o entendimento liberal da noção de interesse, tão desfigurado pela longa sobrevivência de valores contrarreformistas; A pátria descoberta (1992) de Gilberto de Melo Kujawski, em que dá solução teórica à grave questão das relações entre nacionalismo e patriotismo; Ensaios liberais (1991), de Celso Lafer, e Estudos liberais (1992), de Roque Spencer Maciel de Barros, em que procuram apresentar os valores fundamentais do liberalismo; e, finalmente, Liberalismo e justiça social (1995), de Ubiratan Macedo, em que o tema da justiça social é equacionado satisfatoriamente do ponto de vista liberal” [Paim, 2014: 372].

Como se pode observar, é rica e variada a presença do Liberalismo Conservador brasileiro, no período estudado (entre 1955 e 2014) por Antônio Paim, na sua obra: Momentos decisivos da história do Brasil.