Constança Marcondes César[1] nasceu em São Paulo, em 1945. Concluiu o Curso de Filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1966. Muito jovem ainda, com 21 anos de idade, iniciou a sua carreira no magistério, em escolas secundárias, tendo ingressado, pouco depois, no ensino superior.
Foi professora assistente na Faculdade Paulista de Serviço Social e, a partir de 1970, desenvolveu o seu magistério na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Nessa Universidade, foi vice-diretora do Instituto de Filosofia e Teologia, bem como coordenadora da pós-graduação em Filosofia, tendo integrado vários conselhos acadêmicos da citada Universidade. Pertenceu ao grupo que criou a Revista Reflexão, tendo desempenhado a função de editora responsável. Completou o Curso de Doutorado em Filosofia na PUC de São Paulo, em 1973, e prestou concurso de livre-docência na PUC de Campinas, em 1981. Fez pós-doutoramento na Universidade de Toulouse, na França.
Pertence a várias entidades culturais, como o Instituto Brasileiro de Filosofia, o Instituto de Filosofia Luso-Brasileira (com sede em Lisboa), a Société Toulousaine de Philosophie e a Associação Internacional Cosmos and Philosophy. Participa, também, da Sociedade Fenomenológica Internacional. Após a sua aposentadoria na PUC de Campinas, em 2012, foi professora visitante do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe, em Aracajú. A sua atividade de pesquisa é intensa, junto às entidades nas quais tem colaborado como docente de pós-graduação, tendo desempenhado funções de orientadora de teses e dissertações e, também, tendo participado de diversos congressos internacionais na área de sua especialidade.
Nos dias 25 e 26 de Maio de 2012 teve lugar, Na UNIMEP, Piracicaba - São Paulo, um colóquio em homenagem à professora Constança Marcondes César. A seguir, é reproduzido o texto que preparei para abrir o mencionado evento. Coube-me a alegria, e a honra, de abrir esse evento em homenagem à querida amiga Constança Marcondes César. Já lá se vão várias décadas desde esse remoto ano de 1978, quando tive, com ela, o primeiro contato, ao ensejo de número especial da Revista Reflexão, que ela coordenava na PUC de Campinas, para o qual a minha amiga pedia-me colaboração, a respeito da temática do positivismo na realidade brasileira. Nessa época, eu trabalhava na Colômbia, como pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade de Medellín.
Interessava-me iniciar, nessa Universidade, programa de pós-graduação em História das Idéias Filosóficas na América Latina. Levou-me a pensar nesse programa o fato de ter cursado, entre 1973 e 1974, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, o mestrado em Pensamento Brasileiro (com bolsa da Organização dos Estados Americanos). Esse programa foi organizado pelos caros amigos Antônio Paim e Celina Junqueira e funcionou, entre 1972 e 1979, ano em que foi fechado por pressão do MEC, atendendo a interesses político-partidários de antigos militantes da Ação Popular Marxista-Leninista. Essas pessoas achavam incômodo o fato de o mencionado programa ter iniciado pesquisa sobre a evolução das idéias filosóficas no Brasil contemporâneo, abrangendo a obra do padre Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), inspirador da AP.
Pois bem: eu considerava que a Universidade colombiana poderia dar uma contribuição ao estudo das idéias filosóficas, no âmbito latino-americano, instituindo um programa de pós-graduação stricto sensu. Outras Universidades da Colômbia, aliás, por essa época, cogitavam iniciar programas semelhantes, notadamente a Universidade Santo Tomás, de Bogotá, coordenada pelos padres dominicanos. Elaborei, então, proposta de criação do mencionado programa, que foi acolhida pela Reitoria da Universidade de Medellín e pelo Conselho Diretivo da mesma. Corria, então, o ano de 1975. Estabeleci contato com o sub-secretário para assuntos culturais da Organização dos Estados Americanos, em Washington, o professor paranaense Armando Correia Pacheco (1915-2001), que se mostrou interessado em apoiar a minha proposta. A Organização dos Estados Americanos concederia algumas bolsas para estudantes latino-americanos cursarem, na Universidade de Medellín, o mestrado em História das Idéias Filosóficas na América Latina, complementando, assim, a iniciativa que tinha sido iniciada pela PUC do Rio de Janeiro, com o mestrado em Pensamento Brasileiro, que tinha recebido, também, apoio da OEA.
Na obtenção do apoio desta Organização, para o meu projeto, foi de particular importância a opinião favorável do, então, reitor da Universidade de Medellín, professor Orion Alvarez Atehortúa (1930-1994), que tinha desempenhado, anteriormente, o cargo de expert do Banco Mundial, junto aos governos de vários países latino-americanos. A minha proposta teve, também, acolhida da parte de Antônio Paim (1927) e do saudoso Ubiratan Borges de Macedo (1936-2007), que exercia as funções de representante brasileiro perante a Escola Interamericana de Defesa, em Washington.
Como a criação do curso de pós-graduação em História das Idéias Filosóficas na América Latina precisava do aval do Ministério da Educação da Colômbia, a Universidade de Medellín submeteu a esse órgão a proposta de minha autoria. O relator do respectivo processo foi o então vice-ministro de Educação, um furibundo heideggeriano que achava que só se podia filosofar em alemão. A minha proposta, em que pese a acolhida da Universidade de Medellín e da Organização dos Estados Americanos, foi definitivamente engavetada pelo Ministério da Educação do país andino.
A guerra do narcotráfico tinha entrado, na Colômbia, a partir de meados dos anos 70, numa etapa de perigosa escalada que terminou cobrando inúmeras vidas, ao longo dessa década. Somente em 1978, por exemplo, na Universidade de Antioquia, a maior de Medellín, com cerca de 40 mil estudantes, onde eu lecionava a disciplina História das Idéias Políticas na América Latina, foram assassinados 18 professores de várias tendências políticas. Achei conveniente passar uma temporada no Brasil, aproveitando para cursar o Doutorado em Pensamento Luso-Brasileiro, no novo programa que acabava de ser iniciado na Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro. Pedi, então, uma licença às Universidades onde trabalhava e vim ao Rio de Janeiro para cursar o Doutorado, no início de 1979. Como não tinha bolsa, comecei a trabalhar, em São Paulo, como pesquisador da Sociedade Brasileira de Cultura, Convívio, dirigida pelo saudoso Adolpho Crippa (1929-2000), que me liberou, parcialmente, para cursar no Rio as disciplinas do Doutorado. Terminei o curso em 1982, com a tese intitulada: Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro,[2] sob a orientação de Antônio Paim, (que já tinha orientado, aliás, a minha dissertação de mestrado, que levou como título: A filosofia política de inspiração positivista, na qual estudei o pensamento de Júlio de Castilhos (1860-1903) e da primeira geração castilhista, integrada por Borges de Medeiros (1863-1961), Pinheiro Machado (1851-1915) e Getúlio Vargas (1883-1954).
Em São Paulo, entrei em contato com a professora Constança. Conversando com ela acerca dos nossos projetos acadêmicos, contei-lhe o que tinha acontecido na Colômbia com o meu programa de mestrado em História das Idéias Filosóficas na América Latina. Ela mostrou-se interessada em apresentar à PUC de Campinas, onde trabalhava, um projeto dessa índole. Fiquei empolgado com essa possibilidade e elaborei proposta semelhante à que tinha apresentado, anos atrás, à Universidade de Medellín.
A professora Constança programou, em Campinas, algumas reuniões de trabalho com os seus colegas de Departamento. Encontrei, neles, um ambiente aberto para a iniciativa. Aperfeiçoei, com ela, o projeto inicial, que ficou pronto em fins de 1979, tendo sido apresentado, imediatamente, à PUC de Campinas. Paralelamente, entrei em contato com o professor Armando Correia Pacheco em Washington, e o coloquei a par do que então se passava. Ele, imediatamente, aceitou apoiar, desde a sub-secretaria de assuntos culturais da OEA, o novo projeto, oferecendo bolsas para estudantes latino-americanos.
Alguns meses depois, em 1980, fiquei sabendo, no entanto, pela minha amiga Constança, que o projeto de Mestrado em História das Idéias na América Latina tinha ficado sob a coordenação de outro professor da PUC de Campinas, que nada tinha a ver com a proposta inicial, tendo sido ela alijada do mesmo. O nosso projeto tinha virado motivo de rixa burocrática, o que, para a professora Constança e para mim, estava fora de cogitação. Desta forma, terminou sendo engavetado, novamente, o projeto acalentado. A causa foi a mesma: a incompreensão, por parte dos burocratas, da importância de um projeto acadêmico aberto ao estudo do pensamento latino-americano.
Constança continuou, no entanto, fiel à idéia de estudar, de forma sistemática, a história das idéias filosóficas na América Latina. Foi assim como publicou, em 1980, a sua obra intitulada: Filosofia na América Latina[3], que constitui uma das primeiras contribuições brasileiras nesse terreno. Ainda neste campo, Constança estabeleceu estreitos nexos de colaboração com o estudioso francês da história do pensamento latino-americano, Alan Guy, da Universidade de Toulouse-le-Mirail. Como fruto dessa colaboração, vários estudos da Constança sobre o pensamento latino-americano, português e brasileiro foram publicados na França, notadamente os seus escritos sobre Vicente Ferreira da Silva (1916-1963). Dessa estreita colaboração com a mencionada Universidade francesa, surgiu a idéia de Constança doar, ao acervo daquela instituição, a sua biblioteca particular, o que foi feito, tendo a minha amiga recebido calorosas e justas homenagens das autoridades acadêmicas dessa Universidade.
Constança é, hoje, junto com Zdenek Kourim (1932), o mais importante elo de ligação entre as Universidades francesas e o Brasil, no que tange à pesquisa da história do pensamento brasileiro e latino-americano. Constança Marcondes Cesar dedicou estudos importantes ao aprofundamento da filosofia francesa contemporânea, destacando-se os seus trabalhos sobre Paul Ricoeur (Paul Ricoeur – Ensaios,[4] obra da qual é organizadora), as linhas mestras do pensamento hermenêutico (A hermenêutica francesa)[5], a estética de Bachelard (Bachelard, ciência e poesia)[6], a antropologia filosófica francesa (Crise da liberdade em Merleau-Ponty e Paul Ricoeur)[7], o pensamento de Sartre no seu contexto histórico (Sartre e os seus contemporâneos),[8] obra organizada juntamente com Marly Bulcão (1939).
No terreno mais largo da filosofia européia contemporânea, é de capital importância a obra que a nossa pesquisadora dedica ao pensamento grego, centrada no estudo do filósofo Evanghelos Moutsopoulos (1930), na obra intitulada: Filosofia da cultura grega - Contribuição para o estudo do pensamento neo-helênico contemporâneo.[9]
No terreno específico dos estudos da filosofia luso-brasileira, coube a Constança formular a valiosa hipótese da existência da “Escola de São Paulo” (O grupo de São Paulo),[10] que teria se formado ao redor do pensamento de Vicente Ferreira da Silva e que abarcou expoentes portugueses da filosofia hermenêutica, como Agostinho da Silva (1906-1994) e Eudoro de Souza (1911-1987).
É de incalculável valor a participação da professora Constança nos Colóquios Luso-brasileiros de Filosofia, os quais, ao longo dos últimos vinte anos, têm sido desenvolvidos por iniciativa do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, sob a coordenação de António Braz Teixeira (1936) e José Esteves Pereira (1944) e com a colaboração decisiva do saudoso Luís Antônio Barreto (1944-2012), Leonardo Prota (1930-2016), José Maurício de Carvalho (1957) e Antônio Paim (1927). Os trabalhos apresentados por Constança Marcondes César, nesses eventos, aparecem, entre outras obras de sua lavra, nas seguintes: Natureza, cultura e meio-ambiente,[11] e Papéis filosóficos.[12]
Os centos de páginas dos Anais desses eventos, bem como a volumosa obra, a que deu ensejo, a colaboração entre pesquisadores portugueses e brasileiros e que eclodiu na Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia (publicada em Lisboa entre 1989 e 1992), dão testemunho inegável da grande fecundidade do pensamento luso-brasileiro, terreno no qual Constança Marcondes Cesar ocupa, de direito, lugar de primeira importância.
A obra de Constança Marcondes César ainda está para ser estudada de forma sistemática. O seu pensamento, além da seara luso-brasileira e latino-americana, tem se espraiado pelos campos férteis da filosofia francesa e da estética contemporânea. Testemunho desse interesse da nossa autora, nos terrenos mencionados são, como já foi frisado, os seus estudos sobre Paul Ricoeur (1913-2005), bem como os seus trabalhos sobre estética.
Pela relevância que a figura de Constança Marcondes Cesar tem, hoje, para o pensamento filosófico luso-brasileiro proponho, aos confrades do Instituto de Filosofia Luso-brasileira, que a sua obra seja objeto de estudo num dos nossos próximos Colóquios Luso-Brasileiros. Nada mais justo para reconhecer o trabalho desta incansável pesquisadora das idéias filosóficas em Portugal, no Brasil, e na América Latina.
BIBLIOGRAFIA
CÉSAR, Constança Marcondes. A hermenêutica francesa: Bachelard. São Paulo: Alínea, 1996.
CÉSAR, Constança Marcondes. Bachelard, Ciência e Poesia. São Paulo: Paulinas, 1989.
CÉSAR, Constança Marcondes. Crise da Liberdade em Merleau-Ponty e Paul Ricoeur. Aparecida-SP: Ideias e Letras, 2011.
CÉSAR, Constança Marcondes. Filosofia na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1988.
CÉSAR, Constança Marcondes. Filosofia da cultura grega – Contribuição para o estudo do pensamento neo-helênico contemporâneo. Aparecida-SP: Ideias e Letras, 2008.
CÉSAR, Constança Marcondes. Natureza, cultura e meio ambiente. São Paulo: Alínea, 2006.
CÉSAR, Constança Marcondes. O grupo de São Paulo. Lisboa: Casa da Moeda, 2000.
CÉSAR, Constança Marcondes. Papéis filosóficos. Londrina: UEL, 1999.
CÉSAR, Constança Marcondes. Sartre e os seus contemporâneos. Aparecida-SP: Ideias e Letras, 2008, (obra em colaboração com Marly BULCÃO).
César. Constança Marcondes. Vicente Ferreira da Silva: trajetória intelectual e contribuição filosófica. Campinas: Pontifícia Universidade Católica, 1980, 186 f. mimeografadas (Tese).
PAIM, Antônio. “CÉSAR, Constança Marcondes”. Dicionário biobibliográfico de autores brasileiros. Brasília: Senado Federal, 1999, Coleção Básica Brasileira, p. 153-154.
RICOEUR, Paul. Ensaios. São Paulo: Paulus, 1988. Obra traduzida e organizada por Constança Marcondes César.
VÉLEZ Rodríguez, Ricardo. Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro. Londrina: Editora UEL, 1997.
NOTAS
[1] Cf. PAIM, Antônio. “CÉSAR, Constança Marcondes”. Dicionário biobibliográfico de autores brasileiros. Brasília: Senado Federal, 1999, Coleção Básica Brasileira, p. 153-154.
[2] VÉLEZ Rodríguez, Ricardo. Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro. Londrina: Editora UEL, 1997.
[3] César, Constança Marcondes. Filosofia na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1988.
[4] RICOEUR, Paul. Ensaios. São Paulo: Paulus, 1988. Obra traduzida e organizada por Constança Marcondes César.
[5] CÉSAR, Constança Marcondes. A hermenêutica francesa. São Paulo: Alínea, 1996.
[6] CÉSAR, Constança Marcondes. Bachelard, Ciência e Poesia. São Paulo: Paulinas, 1989.
[7] CÉSAR, Constança Marcondes. Crise da Liberdade em Merleau-Ponty e Paul Ricoeur. Aparecida-SP: Ideias e Letras, 2011.
[8] CÉSAR, Constança Marcondes e Marly BULCÃO. Sartre e os seus contemporâneos. Aparecida-SP: Ideias e Letras, 2008.
[9] CÉSAR, Constança Marcondes. Filosofia da cultura grega – Contribuição para o estudo do pensamento neo-helênico contemporâneo. Aparecida-SP: Ideias e Letras, 2008.
[10] CÉSAR, Constança Marcondes. O grupo de São Paulo. Lisboa: Casa da Moeda, 2000.
[11] CÉSAR, Constança Marcondes. Natureza, cultura e meio ambiente. São Paulo: Alínea, 2006.
[12] CÉSAR, Constança Marcondes. Papéis filosóficos. Londrina: UEL, 1999.