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OS TIPOS SOCIOLÓGICOS DE GUIZOT E O BRASIL

A geração de estadistas que deu ensejo ao Segundo Reinado constituiu, no sentir de Oliveira Vianna (1883-1951), uma elite de homens de mil. Com esse termo bíblico, o sociólogo fluminense queria expressar o caráter extraordinário da elite imperial, perfeitamente afinada com a história do Brasil, mas, de outro lado, indissoluvelmente fiel aos ideais do Liberalismo. As fontes da filosofia liberal que inspiraram os nossos estadistas, têm sido estudadas ao longo dos últimos três decênios. Particular destaque nesse esforço corresponde a Miguel Reale (1910-2006), ao saudoso Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999), a Antônio Paim (1927), a Ubiratan Macedo (1937-2007), a Vicente Barreto (1939), a José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017), a João Scantimburgo (1915-2013), etc., e à nova geração formada à sombra deles, nos vários programas de pós-graduação em Pensamento Brasileiro, consolidados no país a partir de 1973.

A tarefa empreendida, embora bem adiantada, ainda está incompleta. Falta-nos, por exemplo, fazer o levantamento completo da influência de clássicos do pensamento liberal como Madame de Staël (1766-1817), Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), François Guizot (1787-1874), Alexis de Tocqueville (1805-1859), John Stuart Mill (1806-1873) e Pierre-Paul Royer-Collard (1763-1845). Particularmente importante foi a influência exercida, em nosso meio, por François Guizot. As suas obras eram bem conhecidas dos homens de Estado ao longo do século XIX. O positivismo republicano sumiu nas sombras do esquecimento essas significativas fontes do pensamento político. O meu propósito, nesta exposição, é bem modesto: lembrar alguns aspectos essenciais da vida e das idéias sociológicas de Guizot, e ilustrar a forma em que estas influenciaram no pensamento de um dos nossos estadistas do Império, o visconde de Uruguai (notadamente, como destacarei mais adiante, no terreno da ética pública).

I - Breve nota bio-bibliográfica sobre François Guizot[1].

François Pierre Guillaume Guizot nasceu em Nimes, em 4 de outubro de 1787, no seio de uma família da velha burguesia protestante. O seu pai era advogado e foi guilhotinado no ano II da Revolução, pelo fato de ter tomado parte na insurreição federalista, num momento, frisa Rosanvallon, "em que o confronto entre os membros do partido da montanha e os girondinos exprimia também a luta do pequeno povo católico contra a burguesia protestante".[2] A sua mãe levou-o para Genebra, junto com o irmão, onde o nosso autor recebeu a sua primeira formação, num ambiente marcado pelo liberalismo e o pietismo calvinista. A figura da mãe será muito importante para o jovem exilado. "A sombra desta mulher exigente ficará presente na vida de François Guizot, até o falecimento dela, em 1848", escreve Rosanvallon.[3] Aos dezenove anos, como frisa Larousse, Guizot “veio a Paris com a sua pobreza, a sua ambição, o seu orgulho e a sua tristeza”.[4] Não teve nem infância nem juventude comuns. Esse vazio era preenchido, em compensação, por “uma ambição amarga e concentrada”.[5] Começou a trabalhar, em Paris, como preceptor na casa do antigo representante suíço perante o governo francês, Philipp Albert Stapfer (1766-1840). Ao mesmo tempo, iniciou, em fins de 1805, os seus estudos na Faculdade de Direito. Por intermédio de Stapfer foi introduzido no salão literário de Jean-Baptiste Suard (1732-1817), onde conheceu os principais escritores da época.

Neste período começou a colaborar em diversos jornais e revistas e aproveitou, também, para escrever as suas primeiras obras, que já testemunhavam uma rara capacidade de trabalho e uma grande maturidade intelectual. Casou-se com Pauline de Meulan (1773-1827), quatorze anos mais velha do que ele. Em que pese a diferença de idade, o nosso autor estabeleceu com ela uma relação cheia de respeito e amizade intelectual. Graças à proximidade da sua mulher com os chefes do Partido Real, abriram-se para o jovem escritor as portas da carreira política, que constituía a meta da sua ambição. Datam desta primeira fase da sua vida intelectual as seguintes obras: Nouveau dictionnaire des synonimes; Annales de l’éducation; De l’état des Beaux Arts en France et du Salon de 1810; L’Espagne en 1808; Vies des poëtes français du siècle de Louis XIV. Graças a estes trabalhos tornou-se conhecido do Marquês de Fontanes (1757-1821), que o vinculou, em 1812, à Universidade, como suplente da cadeira de história moderna, da qual virou titular pouco tempo depois.

Na primeira Restauração, Pierre-Paul Royer Collard (1763-1845), de quem o nosso autor tinha virado amigo, recomendou-o ao Abade de Montesquiou (1726-1785), ministro do interior, que o escolheu como secretário geral. O seu começo na carreira política não foi brilhante, pois viu-se obrigado a colaborar na preparação de uma impopular lei contra a imprensa, tendo participado do comitê de censura ao lado do Abade Frayssinous (1765-1841). Quando do retorno de Napoleão Bonaparte (1769-1821) da Ilha de Elba, no regime dos cem dias, Guizot conservou durante mais algum tempo o seu lugar no ministério, tendo sido destituído logo depois da assinatura do Ato Adicional. O nosso autor encontrou-se com Luís XVIII (1755-1824) em Gand, onde participou da redação do famoso número do Moniteur (órgão oficial da nobreza no exílio) que se insurgia contra a usurpação napoleônica. Com o retorno dos Bourbons ao poder, foi nomeado Secretário Geral da Justiça pelo ministro François Barbé-Marbois (1745-1837). Em 1816, em protesto contra a política altamente repressiva desatada pelo governo, retirou-se da função pública que ocupava.

Em que pese os vaivéns da política, o nosso autor continuou fiel à sua tarefa intelectual. Datam deste período os seguintes escritos: Du gouvernement répresentatif et de l’état actuel de la France (1816); este escrito, reimpresso várias vezes com alguns acréscimos, constituiu o manifesto inicial dos doutrinários, à cuja testa encontrava-se Royer Collard. Monarquista constitucional, Guizot colocou-se numa posição intermediária entre os ultras e os liberais. Após o assassinato de Carlos Fernando de Artois (1778-1820) duque de Berry, o nosso autor passou a formar parte da oposição. Por este tempo publicou as obras intituladas Des conspirations et de la justice politique (1821), Des moyens de gouvernement et d’opposition dans l’état actuel de la France(1821), De la peine de mort en matière politique (1822). Estas obras são representativas de um estilo muito peculiar, de quem faz oposição de maneira construtiva, analisando criticamente a situação, mas deixando entrever soluções viáveis. Estudiosos como Pierre Larousse (1817-1875) consideram-nas como conselhos, mais do que como ataques aos seus adversários. Em que pese a sua moderação, as desavenças políticas terminaram fazendo, no entanto, com que o nosso autor perdesse a sua cadeira de história na Sorbonne, tendo o seu curso sido clausurado em 1825. Pouco antes, Guizot tinha publicado o resumo das suas aulas sob o título de Histoire du gouvernement représentatif (2 volumes).

Nessa época, de outro lado, o nosso autor empreendeu a primeira série dos seus trabalhos históricos, que lhe dariam definitivo renome no universo das letras francesas. Publicou o seu Essai sur l’histoire de France; Collection des mémoires relatifs à la révolution d’Anglaterre (26 volumes), a Collection des mémoires relatifs à l’histoire de France (jusqu’au XIIIe. siècle) (em 31 volumes), e a Histoire de la révolution d’Anglatere, depuis l’avénement de Charles Ier. jusqu’à l’avénement de Charles II (primeira parte). Publicou, também, uma edição anotada das obras de Charles Rollin (1661-1741), bem como uma revisão da tradução das obras de Shakespeare (1564-1616), com uma nota biográfica. Por este tempo Guizot publicou, também, numerosos artigos na Révue Française e na Encyclopédie Progressive. No meio de todas estas atividades, o nosso autor teve a grande pena de perder a sua mulher. Antes de morrer, ela deu-lhe uma grande prova de amor, ao abjurar da sua religião (pois era católica), tendo-se convertido ao protestantismo. Cumprindo a vontade da sua falecida mulher, Guizot casou-se, no ano seguinte, com a sobrinha dela, Marguerite-Andrée-Elisa Dillon, que veio a falecer, prematuramente, em 1833.

Guizot passou a formar parte, por esses anos, da sociedade Aide-toi, le ciel t’aidera, que tinha como finalidade garantir o livre exercício do direito eleitoral, contra as manobras governamentais. Não se tratava de uma sociedade secreta, como alguns têm pensado; a mencionada sociedade aglutinava um grupo de opositores de tendências diversas, todos eles descontentes com o autoritarismo reinante. O advento do ministério do visconde de Martignac (1778-1832) restituiu-lhe a cadeira de professor universitário, bem como o seu cargo no conselho de Estado. O nosso autor foi nomeado deputado pelos eleitores de Lisieux e passou a sentar na Câmara no lugar dos membros pertencentes ao centro-esquerda. Esta foi, sem dúvida, a época mais brilhante de sua vida.

Guizot passou a integrar, junto com Victor Cousin (1792-1867) e Abel-François Villemain (1790-1870), o trio de professores que estruturaram o ensino público francês. Dos seus cursos na Sorbonne surgiram outras obras importantes: Cours d’histoire moderne; Histoire générale de la civilisation en Europe; Histoire générale de la civilisation en France, ao longo dos anos 1827 e 1828. Na Câmara, o nosso autor combateu o ministério chefiado por Jules de Polignac (1780-1847). Acerca das suas atitudes políticas, frisa Pierre Larousse, com uma ponta de ironia, que não esconde as reservas dos historiadores da sua época em face do perfil conservador de Guizot: “amava a Restauração, especialmente porque ela encarnava a autoridade"[6].

Após a Revolução de Julho, Guizot foi nomeado ministro do interior e tomou parte na revisão da Carta. Abandonou o poder por desavenças com o ministro Jacques Laffitte (1767-1844). O nosso autor aglutinou rapidamente os doutrinários ao redor do gabinete chefiado por Casimir Périer (1777-1832). Após o falecimento deste, Guizot organizou, junto com Adolphe Thiers (1797-1877) e Victor de Broglie (1785-1870), o gabinete de 11 de outubro de 1832, que durou quatro anos, tendo desempenhado o cargo de ministro da Instrução Pública. Mas a presença de Guizot, no universo político da época, não se restringiu a essa função, tendo sido ele o pivô ao redor do qual giraram as instituições nesses conturbados anos. Foi inspiração sua a política conservadora de aplicar medidas restritivas às associações e à imprensa, como forma de manter incólumes as instituições, em face dos radicalismos de esquerda e de direita. Tratava-se, sem dúvida, de uma política liberal-conservadora. Certamente, ao lado desse papel de eminência parda, exercido a partir do ministério da Instrução, cabe-lhe a glória de ter estruturado a instrução pública francesa. A respeito, escreve Pierre Larousse: “adversário sistemático e decidido da democracia, teve a nobre inconseqüência de ter contribuído para dotá-la do instrumento de sua grandeza futura e do seu progresso (...). Como ministro da Instrução pública, o senhor Guizot tinha uma verdadeira competência e uma superioridade indiscutível”[7].

Desempenhou a função ministerial até 15 de abril de 1837, com uma breve interrupção, entre 22 de fevereiro e 6 de outubro de 1832. Em 1840, o nosso autor foi nomeado embaixador em Londres, tendo sido medíocre a sua participação na vida diplomática, segundo Pierre Larousse. Medíocre teria sido, também, o seu desempenho na pasta das Relações Exteriores, cargo que acumulou, em 1841, junto com a direção de fato do gabinete, que estava sob a presidência nominal do marechal Soult (1769-1851). O seu sistema de administração era de inspiração netamente conservadora e consistia no seguinte: no interior, dominação exclusiva da classe burguesa e resistência obstinada a qualquer reforma política; no exterior, preocupação constante em evitar qualquer conflito, mesmo sacrificando o amor próprio, numa política chamada de paz a qualquer preço. Parece que, para Guizot, as questões externas eram de pouca importância; essa era, pelo menos, a impressão que causava um ministro dos Assuntos Estrangeiros preocupado, quase exclusivamente, com a política interna.

A respeito, frisa Larousse, “A sua teoria do governo era de uma simplicidade extraordinária: no interior, ter a maioria; no exterior, ter a paz. Os 220.000 eleitores que integravam o país legal eram, para ele, toda a nação, pelo menos a única parte que um homem sério de Estado deve levar em consideração, a única que deve participar do governo da coisa pública. É popular o famoso preceito de Guizot, endereçado aos burgueses: Enriquecei-vos. Esta era a primeira e a última palavra do seu sistema”[8].  

Em setembro de 1847, Guizot assumiu as funções de Presidente do Conselho de Ministros, cargo no qual foi surpreendido pela Revolução de fevereiro de 1848. Refugiou-se, então, na Inglaterra. Após a eleição de Luís Napoleão Bonaparte (1808-1873) pensava que ainda era possível a sua volta à vida política e publicou, em janeiro de 1849, a obra intitulada De la Démocratie en France, que constituía um virulento panfleto de inspiração conservadora que revelava, aliás, a sua ignorância em relação às profundas mudanças que estavam se operando na sociedade francesa. Apresentou-se ao pleito eleitoral de julho de 1849 e sofreu pesada derrota em Lisieux (somente obtendo 166 votos entre 89.000 eleitores), se tornando assim, como frisa Rosanvallon, "o símbolo do regime derrubado"[9]. Embora torcesse pela idéia da fusão monárquica entre o Conde de Chambord (1820-1883) e a família Orléans, Guizot parece ter-se acomodado à República, ao não se insurgir contra o golpe de estado de 2 de dezembro de 1851 e ao se mostrar favorável ao voto afirmativo, no plebiscito de maio de 1870.

Situado à margem da vida política, Guizot desenvolveu amplo magistério intelectual e moral, ao longo de todo o Segundo Império. Prosseguiu com os seus trabalhos historiográficos, acabando a sua Histoire de la révolution d'Angleterre (1854-1856) e escrevendo ensaios sobre sir Robert Peel (1788-1850). Entre 1858 e 1867 publicou os oito volumes das suas Mémoires pour servir à l'histoire de mon temps, reeditou, acrescentando novos capítulos, o seu antigo curso dado em 1820-1822 e intitulado Histoire des origines du gouvernement représentatif, publicou os cinco volumes que integram a sua Histoire de France rancontée à mes petits-enfaints e reuniu os seus discursos nos cinco volumes que integram a sua Histoire parlamentaire de France.

O nosso autor ocupou um lugar de destaque na história do protestantismo francês, ao ter participado, muito de perto, da vida da Igreja reformada, ao presidir numerosas associações e ao ter assumido a responsabilidade de estabelecer uma ponte entre estas e o poder político, notadamente no processo de preparação do sínodo de 1872. No contexto destas atividades, escreveu os três volumes das suas Méditations chrétiennes e a biografia de Calvino (1509-1564). Em que pese o fato de ter se afastado do poder político nos seus últimos anos, continuou, no entanto, a ter grande influência na vida intelectual da França, sendo o grande eleitor na Academia Francesa, da qual formava parte desde 1836, na vaga deixada por Destutt de Tracy (1754-1836). Guizot faleceu no dia 12 de setembro de 1874.

II - O pensamento sociológico de Guizot .

François Guizot representa, para o pensamento político brasileiro do século XIX, o marco de referência conceitual do Liberalismo Conservador, um de cujos máximos expoentes foi Paulino Soares de Souza (1807-1866), visconde de Uruguai. A problemática vivida pelo Império Brasileiro na sua etapa inicial (correspondente ao Primeiro Reinado e ao Período Regencial, e que se estende entre 1824 e 1840), era bem semelhante à vivida pela França da época da Restauração (1814-1830). A vida política decorria, no Brasil, (no período apontado) entre os extremos do absolutismo e do democratismo rousseauniano. De forma semelhante, na França da Restauração, os abismos estavam identificados, de um lado, com o espírito reacionário dos ultras, que respiravam os ares do Ancien Régime, e com o bonapartismo, que constituía a versão burguesa do absolutismo; de outro lado, com o jacobinismo revolucionário e o democratismo rousseauniano, que tinham ensejado a Revolução de 1789 e o Terror[10].

A queda do Ancien Régime, ao tirar todo poder da Igreja, colocou no seu lugar o homem de letras, mas, certamente, um intelectual diferente daquele do Iluminismo, porquanto sensível à realidade histórica de época. A sua missão consistiria em erguer um poder espiritual que iluminasse a sociedade com as luzes de uma religião civil, diferente, por certo, da proposta por Rousseau (1712-1778), porquanto compatível com uma sociedade estruturada em várias ordens de interesses. Essa nova religião civil deveria garantir a unidade do tecido social, ao redor de uma gama de interesses comuns a todas as classes e os seus dogmas seriam objeto de um processo pedagógico ministrado pelos homens de letras, que teriam, também, funções proféticas (porquanto pregoeiros de uma nova era) e dirigentes (seriam, ao mesmo tempo, líderes da sociedade da sua época). Françoise Mélonio (1953) sintetizou o perfil desses novos líderes, com as seguintes palavras: "Saber para poder, superar a filosofia crítica das Luzes para elaborar os novos dogmas, tal é o objetivo que todos, com não poucas variações, perseguem, Jouffroi como Guizot, Comte, Hugo, Lamartine, Renan ou Renouvier".[11]

"Passar a França pós-revolucionária a limpo", esse poderia ter sido o princípio inspirador dos chamados doutrinários, Guizot à testa. Quanto ao nome dessa corrente, assim explica Rosanvallon o seu significado: "A denominação de doutrinários, que parece ter sido utilizada pela primeira vez em 1817 nos corredores da Câmara dos Deputados, referia-se no início unicamente a Camille Jordan, de Broglie e Royer-Collard. A expressão caracterizará, em seguida, a corrente indissociavelmente intelectual e política que se estruturará, progressivamente, ao redor de Guizot, aparecendo este, após 1820, como o verdadeiro líder do que, no início, não era mais do que um pequeno grupo de parlamentares"[12]. O grupo dos doutrinários esteve também integrado por Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) como figura precursora, Charles de Remusat (1797-1875). Tocqueville (1805-1859), como frisa Ubiratan Macedo (1937), "a rigor, não pode ser agregado aos doutrinários mas é impensável sem eles e corresponde, certamente, ao corolário de sua obra"[13].

O projeto político de Guizot consistia no ideal de “finalizar a Revolução, construir um governo representativo estável, estabelecer um regime que, fundado na Razão, garantisse as liberdades. Esses objetivos definem a tripla tarefa que se impõe a si mesma a geração liberal nascida com o século. Tarefa indissoluvelmente intelectual e política, que especifica um momento bem determinado do liberalismo francês: aquele durante o qual o problema principal é prevenir a volta de uma ruptura mortal entre a afirmação das liberdades e o desenvolvimento do fato democrático. Momento conceptual que coincide com o período histórico (da Restauração e da Monarquia de Julho), no curso do qual essa tarefa está praticamente na ordem do dia e que se distingue, ao mesmo tempo, do momento ideológico, que prolonga a herança das Luzes, e do momento democrático, que se inicia depois de 1848 (...)”[14].

Tarefa intelectual e política. Efetivamente, a essência da proposta de Guizot consiste em pensar as novas instituições que garantam, no plano político, o exercício da liberdade. Esse pensar as novas instituições não é ato de uma elite intelectual desligada da sociedade. É função de uma elite, sim, pensar os novos conceitos. Mas eles devem se espraiar pelo resto da sociedade. Guizot aposta num uso social da razão. A propósito, pergunta: "O que é necessário para que os homens possam fundar uma sociedade um pouco durável, um pouco regular?" E responde: "É preciso, evidentemente, que tenham um certo número de idéias suficientemente desenvolvidas, para que convenham a essa sociedade, que respondam às suas necessidades, às suas relações. É preciso, além do mais, que essas idéias sejam comuns à maior parte dos membros da sociedade; enfim, que elas exerçam um certo domínio sobre as suas vontades e as suas ações"[15].

Essa tarefa político-pedagógica é pensada num pano de fundo histórico, inserindo as instituições políticas no contexto mais amplo do espírito do tempo. A função pedagógico-política do intelectual é fazer descobrir aos franceses a sua própria história. Guizot pretende cumprir esse papel, em relação ao seu país, doutrinando as classes médias, as únicas que conseguiriam manter a unidade nacional, numa perspectiva de não privatização do poder por castas ou estamentos. O pensador francês estabelecia um estreito elo de ligação entre a conquista das liberdades individuais e a construção do Estado. Em relação a esse ponto, escreve Rosanvallon[16]: "A construção do Estado e o nascimento do indivíduo vão de mãos dadas: os dois se fundam sobre a destruição das ordens fechadas".

As obras de caráter histórico de Guizot têm como finalidade ensinar às classes médias essa importante missão de construir, na França, o Estado e a civilização. O líder dos doutrinários e primeiro representante da chamada escola histórica, "quer dar uma memória às classes médias, lhes restituindo a história"[17]. A inserção da preocupação histórica como parte essencial da tarefa dos intelectuais, formou parte do clima que se seguiu na França, e na Europa em geral, à Revolução Francesa. Ao passo que os philosophes do século XVIII davam as costas ostensivamente à realidade, transformando o seu discurso numa abstração, (Tocqueville aderiria posteriormente, em L'Ancien Régime et la Révolution, a essa crítica), os doutrinários fazem questão de se definirem como homens do seu tempo, que buscam as raízes da própria sociedade na sua história. Tarefa de evidente inspiração hegeliana[18], na qual Guizot, com insuperável maestria de sociólogo e filósofo, elaborará as categorias dialéticas à luz das quais passou a ser entendida a problemática social no seio do Liberalismo francês. Guizot entende a sociedade européia numa dupla perspectiva: socio-política e cultural. Em ambos os contextos, identifica a essência da realidade como fundamentalmente dialética.

No terreno da história da cultura, o pensador francês considera que a civilização européia é fruto do confronto entre dois princípios que se contrapõem dialeticamente: o da liberdade e o da ordem. O primeiro, identificado com o legado dos bárbaros, cujo élan era constituído por uma liberdade selvagem, vizinha da anarquia; o segundo princípio, identificado com a ordem imposta pelo Império Romano e pelas instituições herdadas, dele, pela Igreja.

Em relação a este ponto, Guizot escreve: "(...) Devemos aos Germanos o sentimento enérgico da liberdade individual, da individualidade humana. Ora, num contexto de extrema grosseria e ignorância, esse sentimento é o egoísmo em toda a sua brutalidade, em toda a sua insociabilidade (....). A Europa tratava de sair desse estado (...). Restavam, aliás, grandes ruínas da civilização romana. O nome do Império, a lembrança dessa grande e gloriosa sociedade, agitavam a memória dos homens, dos senadores das vilas sobre tudo, dos bispos, dos sacerdotes, de todos os que tinham a sua origem no mundo romano. Entre os bárbaros mesmos, ou entre os seus ancestrais bárbaros, muitos tinham sido testemunhas da grandeza do Império; tinham servido nas suas legiões, eles o tinham conquistado. A imagem, o nome da civilização romana impunha-se-lhes; eles sentiam a necessidade de imitá-la, de reproduzi-la, de conservar alguma coisa dela. Nova causa que os deveria puxar para fora do estado de barbárie (...)"[19].

Esses dois princípios, o da liberdade e o da ordem, constitutivos da civilização européia, precisaram, no entanto, de uma força que os amalgamasse numa experiência histórica concreta. O pensador francês acha que essa foi a missão dos grandes homens, que apareceram providencialmente, como é o caso de Carlos Magno (742-814). Em relação a esses importantes atores da história humana, frisa Guizot: "(..) Há homens aos quais o espetáculo da anarquia e da imobilidade social golpeia e revolta, que são sacudidos por esses fatores como se estes constituíssem um fato ilegítimo, e que são invencivelmente possuídos pela necessidade de mudar esse fato, de colocar alguma regra, algum princípio geral, regular, permanente, no mundo observado por eles. Poder terrível, amiúde tirânico, e que comete mil iniqüidades, mil erros, pois é acompanhado pela fraqueza humana; poder, no entanto, glorioso e salutar, pois ele imprime à humanidade, pela mão do homem, uma forte sacudida, um grande movimento"[20].

No terreno sócio-político, Guizot considera que a realidade da Europa é constituída pela luta de classes. Nada mais alheio, para ele, à realidade política da França e da Europa, do que o sonho utopista dos que achavam que seria possível uma espécie de entropia política, como se as relações sociais pudessem ser reduzidas uni-linearmente a uma única ordem de interesses. Mas, ao mesmo tempo, o pensador francês é consciente de que a época é a das classes médias, as únicas capazes de dotar a França de instituições livres e estáveis, superando os excessos da revolução e do absolutismo. Ora, essas classes médias identificam-se, na França da Restauração, com a burguesia. Esta deve acordar e despertar a sua consciência de que se trata de uma classe chamada a garantir a unidade francesa, fazendo frente à dissolução do Terror e ao anacronismo do Absolutismo bonapartista. Eis aí, formulado claramente, o conceito da consciência de classe. Sem dúvida nenhuma que Marx fez uso desse arcabouço conceitual (luta de classes, consciência de classe, classe habilitada para exercer o domínio na sociedade). Georgi Plekhanov (1856-1918)[21], aliás, tinha destacado esse ponto, com rara probidade intelectual que reconhecia ser Karl Marx (1818-1883) o herdeiro de um liberal-conservador, na formulação dos seus conceitos sociológicos chaves. Guizot considera-se profeta dessa situação histórica, o pregoeiro da nova ordem de coisas, de uma política alicerçada no conceito de luta de classes, e de uma burguesia que é chamada à responsabilidade histórica, indelegável, de garantir o exercício da liberdade, mediante a criação de instituições que, salvaguardando a ordem, possibilitem o amadurecimento da civilização européia. O pensador francês atribui à burguesia o papel de pregoeira da Verdade histórica.

A burguesia, no sentir de Guizot, deveria garantir as instituições que alicerçam o exercício da liberdade, mediante a organização da representação. Esta consiste, cumulativamente, na luta em prol dos interesses de classe e na tentativa de, mediante a explicitação desses interesses no terreno do discurso, dar ensejo à racionalidade social, que é fruto do entrechoque das opiniões. Desse processo dialético emerge o conceito de representação. Esta seria considerada, quando estabelecido o domínio da burguesia mediante esse processo de explicitação, como a média da opinião. Não há dúvida de que esses conceitos entraram fundo no discurso político do século XIX, tanto na França quanto no Brasil. Só para lembrar um exemplo dessa influência, Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938)[22] definia a representação como a média da opinião.

III - A influência da sociologia de Guizot no Liberalismo Conservador Brasileiro do século XIX.

O autor que mais diretamente recebeu a influência de Guizot foi Paulino Soares de Souza (1807-1866), visconde de Uruguai. Para ele, a elite imperial tinha uma missão fundamental: garantir a criação e o funcionamento de instituições que garantissem, no Brasil, o exercício da liberdade e o progresso da sociedade, a exemplo dos dirigentes franceses e britânicos. O terreno onde se deveria travar essa luta era, para Paulino, o do direito administrativo, já que à luz deste poderiam ser pensadas as instituições do governo, bem como os meios jurídicos e práticos que garantissem o seu funcionamento. Essa era a finalidade primordial do seu Ensaio de Direito Administrativo, publicado em 1862.

 A respeito, escreve Themistocles Brandão Cavalcanti (1899-1980): "Ali se estudam os elementos fundamentais do Direito Administrativo e principalmente a estrutura do Estado e da administração, o problema da centralização, do Poder Moderador, da administração graciosa e contenciosa, do Conselho de Estado. O conteúdo próprio das normas administrativas não estava ainda bem caracterizado e, por isso mesmo, não tinha a doutrina a merecida expansão. Afora, portanto, os elementos básicos de direito administrativo bem expostos no princípio da obra, o autor deu singular importância a duas instituições fundamentais da Política Constitucional do Império e que teriam influência preponderante no desenvolvimento do nosso direito administrativo e do nosso direito político - o Poder Moderador e o Conselho de Estado".[23]

O trabalho não foi pura e simples elucubração teórica. Como Guizot em relação à França, Paulino considerava que deveriam ser pensadas as instituições brasileiras à luz da história e da cultura nacionais. O Ensaio é fruto do profundo conhecimento que tinha do país, amadurecido na sua participação em vários órgãos do Governo Imperial, entre 1840 e 1862. A obra foi motivada pela viagem que o visconde realizou à Inglaterra e à França, com a finalidade de estudar o funcionamento das Instituições Públicas. A respeito, Paulino escreve: "Na viagem que ultimamente fiz à Europa não me causaram tamanha impressão os monumentos das artes e das ciências, a riqueza, força e poder material de duas grandes nações: a França e a Inglaterra, quanto os resultados práticos e palpáveis da sua administração. Os primeiros fenômenos podemos nós conhecê-los pelos escritos que deles dão larga notícia. Para conhecer e avaliar os segundos não bastam descrições. Tudo ali se move, vem e chega a ponto com ordem e regularidade, quer na administração pública, quer nos estabelecimentos organizados e dirigidos por companhias particulares. Nem o público toleraria o contrário. As relações entre a administração e os administrados são fáceis, simples, benévolas e sempre corteses. Não encontrava na imprensa, nas discussões das câmaras, nas conversações particulares essa infinidade de queixas e doestos, tão freqüentes entre nós, contra verdadeiros ou supostos erros, descuidos e injustiças da administração, e mesmo contra a justiça civil e criminal. A população tinha confiança na justiça quer administrativa, quer civil, quer criminal. E é sem dúvida por isso que a França tem podido suportar as restrições que sofre na liberdade política".[24]

O visconde regressa da sua viagem à Europa com o firme propósito de pensar as instituições que garantissem, no Brasil, o exercício da liberdade. Esse é o seu imperativo categórico, que o distancia da pura teoria e da pura prática, e que o aproxima do ideal dos doutrinários. Eis a forma em que ele entende o seu propósito: "Convenci-me, ainda mais, de que se a liberdade política é essencial para a felicidade de uma nação, boas instituições administrativas apropriadas às suas circunstâncias, e convenientemente desenvolvidas não o são menos. Aquela sem estas não pode produzir bons resultados. O que tive ocasião de observar e estudar produziu uma grande revolução nas minhas idéias e modo de encarar as coisas. E se, quando parti, ia cansado e aborrecido das nossas lutas políticas pessoais, pouco confiado nos resultados da política que acabava de ser inaugurada, regressei ainda mais firmemente resolvido, a buscar exclusivamente no estudo do gabinete aquela ocupação do espírito, sem a qual não podem viver os que se habituaram a trazê-lo ocupado".[25]

A primeira convicção que tinha o visconde de Uruguai - como de resto os demais estadistas da sua época - era a de que a monarquia constitucional constituia o regime que melhor se adaptava às necessidades brasileiras. Essa convicção, é bem verdade, tinha sido sedimentada pela obra pioneira de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Mas o interessante é que Paulino encontra no próprio Guizot um arrazoado claro e favorável à monarquia brasileira. Efetivamente, o pensador francês, na nona lição da sua Histoire de la Civilisation en Europe, tinha deixado claro que a monarquia foi, na Europa e notadamente na França, a primeira garantia de legalidade no início da modernidade, por cima da turbulenta atmosfera de particularismos em pugna. Referindo-se especificamente ao Brasil, escrevia Guizot: "(...) Abri a obra onde M. Benjamin Constant tem representado de forma tão engenhosa a realeza como um poder neutro, um poder moderador, elevado por cima dos acidentes, das lutas da sociedade e somente intervindo nas grandes crises. Não é essa, por assim dizer, a atitude do soberano de direito no governo das coisas humanas? É necessário que haja nessa idéia algo de muito especial que chame a atenção das pessoas, pois ela passou com extraordinária rapidez dos livros aos fatos. Um soberano fez dessa idéia, na constituição do Brasil, a base mesma do seu trono; a realeza é ali representada como um poder moderador, elevado por cima dos poderes ativos, como um espectador e um juiz das lutas políticas".[26]

Paulino era consciente da complexidade da tarefa empreendida. Pensar as instituições do direito administrativo, era algo mais do que conceber os termos de uma Constituição Política. Implicava, também, criar os caminhos jurídicos e institucionais que permitissem a boa administração e que se enraizassem, portanto, na cultura e nos hábitos do país. É significativo dessa preocupação o texto de Guizot que serve de epígrafe à obra de Paulino, e que reza assim: "Não basta estabelecer num país eleições, câmaras e o governo parlamentar, para libertá-lo dos seus males, dar a todos os bens que lhes são prometidos e poupá-los das funestas conseqüências de todos os erros que ali se cometem. As condições do bom governo dos povos são mais complicadas; não se satisfaz a todos os interesses, não se garantem todos os direitos colocando uma constituição no lugar de um velho poder, e não se pode ter instituído em Turim um parlamento italiano sem ter fundado na Itália a liberdade".[27]

Paulino Soares de Souza considerava que, no processo de construção das instituições que garantiam no Brasil o exercício da liberdade, as condições assemelhavam-se muito às da França pós-revolucionária. A experiência inglesa de self-government era mais distante. A nossa prática do municipalismo esteve, sempre, vinculada à garantia da legislação e das instituições por um poder central, que se soerguia por sobre o universo de particularismos e castas predispostos à privatização do poder. A prática do direito administrativo inspirou-se, no caso de Portugal e no do Brasil, na tradição francesa, centralizadora, diferente da tradição anglo-saxã, eminentemente descentralizadora.

A propósito, escreve Paulino: "O sistema francês, inteiramente diverso do anglo-saxônio, mais ou menos modificado, é o mais simples, mais metódico, mais claro e compreensivo, e o que mais facilmente pode ser adotado por um país que arrasa, de um só golpe, todas as suas antigas instituições, para adotar as constitucionais ou representativas, e isto, muito principalmente, quando esse país larga as faixas do sistema absoluto, e abrindo pela primeira vez os olhos à luz da liberdade, está mal, ou não está de todo preparado para se governar em tudo e por tudo a si mesmo. (...). Adotados em um país, como nós adotamos, os pontos cardeais desse sistema, organizado o país segundo o seu espírito em geral, não é possível proscrevê-lo, sem adotar o contrário, e sem a completa mudança de toda a organização existente. O sistema administrativo francês concede pouco ao self government, é um e muito uniforme, preventivo e muito centralizador. Alarga muito a direção, tutela a fiscalização do Governo. Admite largamente a hierarquia. Reduz o Poder Judicial ao Civil e Criminal. (...). Este sistema é muito ligado, lógico e harmônico, e tem incontestáveis vantagens. Depois de bem montado e desenvolvido é o que apresenta melhores condições de resistência e estabilidade. (...). Cada indivíduo tem menos ingerência nos negócios públicos, porém o seu direito está mais bem resguardado, e garantido do que em muitos países que se dizem livres. Bem desenvolvido e executado, como o é na França, não se dão as violências, e as injustiças flagrantes, das quais apresentam não raros exemplos países que, aliás, gozam de liberdade. A França não goza de uma completa liberdade política, mas não há talvez país melhor administrado, e onde a segurança pessoal, o direito de propriedade, e a imparcialidade dos tribunais sejam melhor assegurados e garantidos".[28]

Paulino Soares de Souza não renunciava à prática do self government. Não escondia a sua admiração por esse tipo de governo, na forma em que foi belamente descrita por Tocqueville, na sua Democracia na América.[29] Mas, à semelhança de Guizot, era consciente de que ela requeria uma base moral, que não estava suficientemente consolidada entre nós. Para atingir o estágio da plena democracia, seria necessário, primeiro, educar o povo nos hábitos do respeito ao bem público e da participação na gestão responsável da res publica. A tirania é a conseqüência da construção afoita da democracia, sem as bases morais que tornam o self government uma instituição a serviço da liberdade e não do despotismo. Em relação a esse ponto, escreve o visconde: "Assim é e deve ser, ao menos a certos respeitos, naqueles afortunados países, onde o povo for homogêneo, geralmente ilustrado e moralizado, e onde a sua educação e hábitos o habilitem para se governar bem a si mesmo. Quais e quantas são as nações entre as quais se tem podido estabelecer o self government? Ide estabelecê-lo em certos lugares da Itália, entre os Lazzaroni, no México, e nas Repúblicas da América Meridional! O pobre Soberano, o povo, deixar-se-á iludir, e será vítima do primeiro ambicioso esperto (....). Nos países nos quais ainda não estão difundidos, em todas as classes da sociedade, aqueles hábitos de ordem e legalidade, que únicos podem colocar as liberdades públicas fora do alcance das invasões do Poder, dos caprichos da multidão, e dos botes dos ambiciosos, e que não estão, portanto, devidamente habilitados para o self government, é preciso começar a introduzi-lo pouco a pouco, e sujeitar esses ensaios a uma certa cautela, e a certos corretivos. Não convém proscrevê-lo, porque, em termos hábeis, tem grandes vantagens, e nem o Governo central, principalmente em países extensos e pouco povoados, pode administrar tudo. É preciso ir educando o povo, habituando-o pouco a pouco, a gerir os seus negócios".[30]

Sintetizando: Paulino advogava por um direito administrativo centralizador, como o francês, que na sua aplicação, no entanto, estivesse pedagogicamente aberto à prática do self government. "Isto não tira que seja possível e muito conveniente, - frisava o estadista do Império -, no desenvolvimento e reforma das nossas instituições administrativas, ir dando [à sociedade], [a] parte de self government que [as instituições] encerram, mais alguma expansão temperada com ajustados corretivos, habituando, assim, o nosso povo ao uso de uma liberdade prática, séria e tranqüila, preservando, sempre, o elemento monárquico da Constituição, porque, por fim de contas, é para aqueles povos que nela nasceram e foram criados, essa forma de governo, rodeada de garantias e instituições livres, a que melhor pode assegurar uma liberdade sólida, tranquila e duradoura".[31] Proposta de autêntico liberalismo conservador, como a defendida pelos doutrinários, notadamente Guizot.

Na sua análise da realidade brasileira, Paulino Soares de Souza adotava, como pano de fundo, a perspectiva histórica proposta por Guizot. O grande problema no estudo da nossa realidade, considerava Paulino, é o fato de os estudiosos esquecerem-se da própria realidade. A propósito, escreve: "Tive muitas vezes ocasião de deplorar o desamor com que tratamos o que é nosso, deixando de estudá-lo, para somente ler superficialmente e citar coisas alheias, desprezando a experiência que transluz em opiniões e apreciações de estadistas nossos"[32]. A perspectiva histórica identificada com o conhecimento das próprias raízes (que, como vimos no item 1, inspirou a Guizot na elaboração das soluções institucionais para a França do seu tempo), era, também, a perspectiva adotada por Paulino. "É preciso, frisava ele, primeiro que tudo, estudar e conhecer bem as nossas instituições, e fixar bem as causas porque não funcionam, ou porque funcionam mal e imperfeitamente. Convém muito o estudo e o conhecimento todo que sobre elas pensaram os nossos homens de Estado, e o dos fatos próprios do país, que podem esclarecer o assunto".[33] Sobre esta base histórica de conhecimento das próprias origens, ardentemente defendida por Paulino Soares de Souza e os demais estadistas do Império, alicerçar-se-ia a etapa posterior da emergência da sociologia brasileira, com Silvio Romero (1851-1914) e Oliveira Vianna (1883-1951), na adoção do método monográfico. Paulino e os restantes "homens de mil" do Segundo Reinado foram, assim, os precursores da ciência social desenvolvida pelos seguidores do "culturalismo sociológico".

De forma semelhante a como Guizot entendia a civilização ocidental como uma luta entre os princípios de liberdade e de ordem, Paulino concebia a nossa vida política como pautada por dois grandes princípios jurídicos, contrapostos mas complementares: aquele que consolidava os direitos individuais face ao Estado (chamado de direito público interno ou constitucional) e aquele que garantia o funcionamento do Estado (chamado de direito administrativo).[34] O equilíbrio entre ambas as ordens de direitos, a constitucional e a administrativa, exige que, do ponto de vista da legislação, não se fixem, apenas, os direitos dos cidadãos, mas, também, os seus deveres (correspondentes aos direitos da sociedade). A respeito deste atualíssimo ponto (o problema da nossa Constituição de 1988 é justamente a hipertrofia dos direitos do cidadão, esquecendo os seus deveres), escrevia Paulino: "É necessário, também, que a legislação não se limite a estabelecer e a proteger direitos, é também preciso que fixe e defina bem as obrigações. Um dos grandes erros, observa (Édouard) Laferrière (1841-1901), da Assembléia Constituinte da França, seguido em outros países inexperientes que a tomaram por modelo, consistiu em ter protegido mais os direitos do homem do que os da sociedade, e em ter desconhecido e estabelecido, com timidez, a união indispensável e fundamental do direito e do dever. É agradável ter somente direitos, e os aduladores do povo fogem de falar-lhe em deveres. A legislação inglesa e americana ocupam-se especialmente em fixar os deveres".[35]

Na formulação dessa dupla vertente (direitos e deveres do cidadão), Paulino alicerça-se em Guizot, fazendo referência ao seguinte texto extraído de Mémoires pour servir à l'histoire de mon Temps:[36] "Duas idéias constituem os dois grandes caracteres da civilização moderna e lhe imprimem o seu formidável movimento; sintetizo-os nestes termos: - há direitos universais inerentes unicamente à condição humana e que nenhum regime pode, legitimamente, recusar a homem nenhum; - há direitos individuais que decorrem unicamente do mérito pessoal de cada homem, sem levar em consideração as circunstâncias exteriores do nascimento, da fortuna, ou da posição social, e que todo homem que os porta em si mesmo deve ter a possibilidade de desenvolver. O respeito legal aos direitos gerais da humanidade e o livre desenvolvimento das capacidades naturais, desses dois princípios, bem ou mal entendidos, têm decorrido, ao longo do último século. os bens e os males, as grandes ações e os crimes, os progressos e os descaminhos que ora as revoluções, ora os governos mesmos têm feito surgir no seio das Sociedades Européias".

Fazendo-se eco do hegelianismo soft que inspirava a Guizot, Paulino considera que os grandes atores da história não são, no século XIX, apenas os indivíduos, mas também, e de forma decisiva, as massas. Um governo que olhe apenas para a perspectiva individual, não consegue atingir o seu escopo. A nota caraterística da política moderna consiste em levar em consideração a perspectiva das massas, pois é nelas que passou a residir a força e a legitimidade dos governos.

Eis a forma em que o estadista brasileiro fundamentava o seu pensamento a respeito deste ponto: "Os seguintes profundos trechos de M. Guizot - Des moyens de Gouvernement - explicam e completam o meu pensamento. Quando se considera o poder, não isolado e em si mesmo, mas na sua relação íntima com a sociedade, a sua ação apresenta-se sob um duplo aspecto. Ele deve tratar, de um lado, com essa massa geral de cidadãos que ele não vê, mas que o sofrem, o sentem e o julgam; de outro lado, com indivíduos que tal ou qual causa aproxima de si e que estabelecem com ele uma relação pessoal ou direta, já se trate de que eles lhe sirvam nas suas funções, ou de que ele próprio sinta necessidade de se servir de sua influência. Agir sobre as massas e agir através dos indivíduos, é isso que se chama governar. Dessas duas partes do governo, o poder é inclinado a negligenciar a primeira. Fraco e pressionado, é absorvido pelo trabalho de tratar com os indivíduos. Nada mais comum do que vê-lo esquecer que há um povo no qual vai terminar parando tudo quanto ele faz. Dos erros do poder, esse é sobretudo o mais fatal, pois é nas massas, no povo mesmo que ele deve encontrar a sua força principal, os principais meios de governo. O público, a nação, o país, é lá que reside a força, lá que é possível conseguí-la. Tratar com as massas, essa é a grande mola do poder. Em seguida vem a arte de tratar com os indivíduos; arte necessária, mas que, sozinha, de nada vale e produz pouco efeito".[37]

IV - A ética pública de Guizot e de Paulino Soares de Souza.

Não são poucas as novidades que nos apresentam Guizot e os doutrinários, no seu arrazoado acerca das condições históricas da França de meados do século XIX. Da mesma forma, são muitas as lições de ciência política que podemos tirar da leitura do Ensaio sobre o Direito Administrativo de Paulino Soares de Souza. Gostaria de terminar estas reflexões destacando um ponto que me parece essencial no pensamento de ambos os autores: o seu conceito de ética pública. Quatro aspectos podem ser assinalados (tanto em Guizot como em Paulino):

Em primeiro lugar, o imperativo categórico do governante consiste em transformar as instituições do seu país, para garantir aos seus concidadãos, de maneira eficaz, o exercício da liberdade, no contexto do estudo diuturno das tradições históricas da nação.

Em segundo lugar, é necessário que o governante, na sua ação, não se perca na perspectiva individual, mas que enxergue, sempre e sem vacilação, o fundo que constitui a essência da legitimidade política: a vontade das massas. O folclore político resumiu esse ideal no princípio de "ouvir o clamor das ruas".

Em terceiro lugar, cabe ao governante o compromisso pedagógico de formar, mediante a educação cívica, a consciência do bem público nos seus governados, de forma que eles não reivindiquem, apenas, os seus direitos, mas que acordem, também, para os seus deveres. No sentir de Guizot, essa tarefa traduzia-se em acordar nas classes médias a consciência da sua responsabilidade histórica. Algo semelhante pensava o visconde de Uruguai: tratava-se de formar, a partir de um eleitorado censitário, um núcleo disciplinado ao redor da idéia de nação e sensível às demandas do bem público.

Em quarto lugar, não há na caminhada histórica da sociedade, um final utópico, em que todas as contradições sejam resolvidas. O processo de luta de classes permanecerá como caraterística essencial à vida política. O que Guizot e Paulino destacam é que essa luta pode ser civilizada pelo debate parlamentar e pela prática, cada vez mais aperfeiçoada, da representação. Aqui radica a diferença fundamental entre liberais e socialistas. Estes últimos terminaram acreditando no "fim utópico da história", na conquista de um paraíso em que desaparecesse a luta pela defesa dos próprios interesses.

Muitas coisas poderíamos escrever acerca da tremenda atualidade da ética pública apresentada por Guizot e adotada por Paulino Soares de Souza. Reste apenas, expressar o nosso sentimento de admiração face a esses grandes pensadores-estadistas, que conseguiram encarnar o princípio da moral de responsabilidade no momento histórico em que viveram.

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BIBLIOGRAFIA 

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MÉLONIO, Françoise. "1815-1880". In: Baecque, Antoine de e Françoise Mélonio, Histoire culturelle de la France, vol. 3 - Lumières et liberté, les dix-huitième et dix-neuvième siècles. Paris: Seuil, 1998, p. 195 seg.

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SOUZA, Paulino Soares de, visconde de Uruguai. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1960.

NOTAS 

[1] Cf. LAROUSSE, Pierre. "Guizot (François)". In: Grand Dictionnaire Universel du XIX Siècle. Paris: Larousse, 1865, p. 1640-1641. ROSANVALLON, Pierre. "Repères biographiques sommaires concernant Guizot", in: Le Moment Guizot. Paris: Gallimard, 1985, p. 403-407.

[2] ROSANVALLON, Pierre. "Repères biographiques sommaires concernant Guizot", in: Le moment Guizot. Ob. cit., p. 403.

[3] ROSANVALLON, Pierre. "Repères biographiques...", ob. cit., ibid.

[4] LAROUSSE, Pierre. "Guizot (François)". In: Grand Dictionnaire Universel du XIXe. Siècle, ob. cit., p. 1640.

[5] LAROUSSE, Pierre. Art. cit., p. 1641.

[6] LAROUSSE, art. cit., p. 1640.

[7] LAROUSSE, art. cit., ibid.

[8] LAROUSSE, art. cit., 1641.

[9] ROSANVALLON, "Repères biographiques...", ob. cit., p. 406.

[10] Para uma visão ampliada desta problemática, cf. MACEDO, Ubiratan e Ricardo VÉLEZ Rodríguez. Liberalismo doutrinário e pensamento de Tocqueville. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho; Londrina: Instituto de Humanidades, 1996. Volume 1o. do Curso de Introdução Histórica ao Liberalismo.

[11] MÉLONIO, Françoise. "1815-1880". In: Baecque, Antoine de et Françoise Mélonio, Histoire culturelle de la France, vol. 3 - Lumières et liberté, les dix-huitième et dix-neuvième siècles. Paris: Seuil, 1998, p. 195.

[12] ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot. Paris: Gallimard, 1985, pg. 26, nota 1.

[13] MACEDO, Ubiratan. "O Liberalismo Doutrinário", in: Antônio Paim (organizador), Evolução histórica do Liberalismo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987, pg. 33.

[14] ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot. Ob. cit., pg. 26.

[15] GUIZOT, Histoire de la civilisation en Europe, depuis la chute de l'Empire Romain jusqu'à la Révolution Française. 8a. edição. Paris: Didier, 1864, pg. 81.

[16] Le moment Guizot, ob. cit., pg. 199.

[17] ROSANVALLON, Le moment Guizot, ob. cit., pg. 195.

[18] A inspiração hegeliana de Guizot não é direta, mas indireta, via Cousin.

[19] GUIZOT, ob. cit., pg. 82-83.

[20] GUIZOT, ob. cit., pg. 84.

[21] Cf. G. PLEKHANOV. "Les premières phases d'une théorie: la lutte des classes". In: Oeuvres philosophiques. V. II, Moscou, s. d. (Prefácio à segunda edição russa do Manifesto Comunista). Cit. por ROSANVALLON, Le moment Guizot, ob. cit., pg. 394. Acerca da influência de Guizot em Marx, escreve Rosanvallon: "Poderá ser observada a atração exercida por Guizot sobre certos teóricos de inspiração marxista, na medida em que ele tinha sido considerado por Marx e Engels como um dos historiadores burgueses que tinham inventado a noção de luta de classes". A respeito, Rosanvallon menciona os seguintes autores, além de Plekhanov: Robert FOSSAERT, "La théorie des classes chez Guizot et Thierry", in: La Pensée, jan.-fev. 1955; B. REIZOU, L'historiographie romantique française, 1815-1830. Moscou, s. d.

[22] A respeito, escrevia Assis BRASIL: "A sociedade quer, deve e só pode ser governada segundo a média da sua opinião, que, por enquanto, é democrática e representativa" (In: Do governo presidencial na República Brasileira. Lisboa, Editora Nacional, 1896, pg. 81).

[23] CAVALCANTI, Themistocles Brandão, "Apresentação". In: Paulino Soares de Souza, visconde de Uruguai, Ensaio sobre o Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1960, pg. VII-VIII.

[24] SOUZA, Paulino Soares de, visconde de Uruguai. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Ob. cit., pg. 5.

[25] SOUZA, Paulino Soares de. Ensaio sobre o Direito Administrativo, ob. cit., pg. 5-6.

[26] GUIZOT, François. Histoire de la Civilisation en Europe depuis la chute de l'Empire Romain jusqu'à la Révolution Française. 8a. edição, ob. cit., pg. 256.

[27] GUIZOT, L ' Église et la Societé Chrétiennes en 1861, cit. por Paulino Soares de SOUZA, in: Ensaio sobre o Direito Administrativo, ob. cit., folha de rosto.

[28] SOUZA, Paulino Soares de. Ensaio sobre o Direito Administrativo, ob. cit., pg. 417.

[29] É explícita a admiração de Paulino pelo regime de self government que Tocqueville encontrou na América, e que ele aproxima do regime de liberdade municipal. A respeito, escreve o visconde: "Um povo, diz Tocqueville, pode sempre estabelecer Assembléias políticas, porque ordinariamente encontra no seu seio certo número de homens nos quais as luzes substituem até certo ponto a prática dos negócios... A liberdade municipal escapa, para assim dizer, aos esforços do homem. É raro que seja criada pelas leis; nasce por algum modo por si mesma. São, a ação contínua das leis e dos costumes, as circunstâncias e sobretudo o tempo, que conseguem consolidá-la. De todas as nações do continente da Europa, não há talvez uma só que a conheça. É, contudo, na Municipalidade que reside a força dos povos livres. As instituições municipais são para a liberdade o que as escolas primárias são para a ciência: põem a liberdade ao alcance do povo, fazem com que aprecie o seu gozo tranqüilo, e habituam-no a servir-se dela. Sem instituições municipais pode uma nação dar-se um governo livre, mas não tem o espírito da liberdade" (Ensaio sobre o Governo Administrativo, ob. cit., pg. 405).

[30] SOUZA, Paulino Soares de. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Ob. cit., pg. 404-405.

[31] SOUZA, Paulino Soares de. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Ob. cit., pg. 412.

[32] SOUZA, Paulino Soares de. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Ob. cit., pg. 8.

[33] SOUZA, Paulino Soares de. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Ob. cit., pg.12.

[34] Paulino definia o direito constitucional ou político, como aquele que compreendia "aquelas matérias que constituem o chamado direito público propriamente dito" e que tem como finalidade garantir "a inviolabilidade dos direitos civis e políticos, que têm por base os direitos absolutos que derivam da mesma natureza do homem, e se reduzem a três pontos principais, a saber: liberdade, segurança individual e propriedade". Já o direito administrativo era definido por ele como "a ciência da ação e da competência do Poder Executivo, das administrações gerais e locais, e dos Conselhos Administrativos, em suas relações com os interesses ou direitos dos administrados, ou com o interesse geral do Estado" (Ensaio sobre o Direito Administrativo, ob. cit., pg. 18-19).

[35] Soares de SOUZA, Paulino. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Ob. cit., pg. 406-407.

[36] GUIZOT, Mémoires pour servir à l'histoire de mon Temps, tomo I, pg. 169, cit. por Paulino Soares de SOUZA, in: Ensaio sobre o Direito Administrativo, ob. cit., pg. 448, nota 8. A citação de Guizot é feita a partir do texto francês, que reza assim: "Deux idées, diz Guizot, (e não o traduzo para lhe não desbotar a eloqüente energia) sont les grands caractères de la civilisation moderne, et lui impriment son redoutable mouvement; je les resume en ces termes: - il y a des droits universels inhérents à la seule qualité d'homme, et que nul régime ne peut legitimement réfuser à nul homme - il y a des droites individuels, que dérivent du seul mérite personnel de chaque homme, sans égard aux circonstances exterieures de la naissance, de la fortune ou du rang et que tout homme qui les porte en lui même doit être admis à deployer. Le respect légal des droits generaux de l'humanité, et le libre développement des superiorités naturelles, de ceux deux principes bien ou mal compris, ont découlé, depuis près d'un siècle, les biens et les maux, les grandes actions et les crimes, les progrès et les égarements que tantôt les révolutions, tantôt les gouvernements eux mêmes ont fait surgir au sein des Societés Européennes".

[37] Citado por Paulino Soares de SOUZA, Ensaio sobre o Direito Administrativo, ob. cit., pg. 502-503. O texto de Guizot reza, no original citado por Paulino, assim: "Quand on considère le pouvoir, non isolément et en lui même, mais dans son rapport intime avec la societé, son action se présente sous un double aspect. Il a à traiter d'une part, avec cette masse générale de citoyens qu'il ne voit point, mais qui le subissent, le sentent et le julguent; de l'autre avec des individus que telle ou telle cause rapproche de lui, et qui se trouvent avec lui [en] relation personelle ou directe, soit qu'ils le servent par leurs fonctions, soit que lui même éprouve le besoin de se servir de leur influence. Agir sur les masses et agir par des individus, c'est ce qu'on appelle gouverner. De ceux deux parts du gouvernement le pouvoir est encliné à négliger la première. Faible et pressé, le soin de traiter avec les individus l'absorbe. Rien n'est si commun que en le voir oublier qu'il a un peuple, et un peuple, à qui tout ce qu'il fait va aboutir. Des erreurs du pouvoir, celle là surtout lui est fatale, car c'est dans les masses, dans le peuple lui même qu'il doit pulser sa principale force, ses principaux moyens de gouvernement".