Esta exposição está dividida nas seguintes partes: I – São Basílio de Cesareia, o Grande. II- São Gregorio de Nacianzo. III – São Gregório de Nissa. IV – São João Crisóstomo e a Escola de Antioquía. V – São Leão Magno.
I - SÃO BASÍLIO DE CESAREIA, O GRANDE.
Pertencem ao grupo denominado de “Os Padres Capadócios”, São Basílio de Cesareia (330-379), São Gregório de Nacianzo (329-390) e São Gregório de Nissa (330-395). Os três nasceram na província de Capadócia, na Ásia Menor e são conhecidos em meados do século IV. Neles, a obra teológica de São Atanásio de Alexandria (296-373) foi continuada e chegou à sua culminância. Basílio é um homem de ação; Gregório Nacianceno é conhecido pela sua oratória e Gregório Nisseno como pensador.
São Basílio nasceu em Cesareia da Capadócia por volta de 330, de família cristã. Morreu em 379. Recebeu a primeira formação de seu pai, Basílio, famoso retórico de Neocesareia do Ponto, filho de Santa Macrina, a mais excelente discípula de São Gregório Taumaturgo (213-270).
Basílio estudou retórica em Cesareia, Constantinopla e Atenas, onde se tornou amigo do seu condiscípulo Gregório de Nacianzo. Depois de receber o batismo, viajou pela Palestina, Egito, Síria e Mesopotâmia, tendo estabelecido relações de amizade com os ascetas cristãos mais importantes da época. Retornando da sua viagem, distribuiu as riquezas entre os pobres e se afastou na região de Iris, perto de Cesareia, para viver uma vida de retiro e oração. Foi procurado ali por muitos jovens desejosos de empreender uma vida cristã, com total desprendimento do mundo. Entre os seus seguidores encontrava-se Gregório de Nacianzo, com quem escreveu a Philocalia, uma antologia dos escritos de Orígenes (182-254), notadamente as Regulae, espécie de norma de vida cristã, que foi definitiva para a difusão do monaquismo. Basílio fundou vários mosteiros e, persuadido por Eusébio de Cesareia (265-339), tornou-se sacerdote em 364. Com a morte de Eusébio, em 370, ocupou a sede episcopal vacante como bispo de Cesareia, metropolitano da Capadócia e bispo auxiliar da diocese do Ponto.
Basílio, no exercício da sua autoridade episcopal, revelou-se como um estadista e exímio organizador eclesiástico, expositor egrégio da doutrina cristã e um segundo Atanásio na defesa da ortodoxia, como inspirador do monaquismo oriental e reformador da liturgia. Ganhou-se a amizade do povo tendo fundado hospitais, lares para os pobres e refúgios para os peregrinos. Nas suas relações com o imperador Valente (328-378) e na luta contra o arrianismo, deu provas de grande coragem, prudência e sabedoria. A sua principal preocupação foi manter a unidade da Igreja. Estava convencido de que, quando as dissensões entre os crentes fossem superadas, triunfaria a verdade da fé cristã. Morreu aos 50 anos de idade, no dia 1º de janeiro de 379.
1 - As obras de São Basílio de Cesareia.
Basílio ocupa o primeiro lugar entre os grandes mestres ecuménicos, graças aos seus livros litúrgicos dedicados à Igreja grega. As suas obras literárias foram também muito apreciadas, tanto pelo conteúdo, como pela forma. Era lido por gente culta e ignorante, por cristãos e pagãos. Basílio escreveu tratados dogmáticos, dedicados a refutar o arrianismo. Entre eles, se destaca o seu escrito mais antigo intitulado: Contra Eunomium e um Tratado sobre o Espírito Santo. Basílio escreveu, também, livros ascéticos intitulados: Moralia, que fixam oito regras ou instruções morais. Escreveu, também, Regulae Monasticae, resultado de perguntas feitas pelos monges visitados por Basílio. Deixou, também, Tratados Pedagógicos como a obra intitulada: Ad Adolescentes, na qual afirma que a literatura e o saber pagãos podem ser proveitosos para um cristão, se se fizer uma boa seleção das obras dos poetas, historiadores e retóricos, excluindo o que for pernicioso para o espírito de quem as lê. Dessa forma, os jovens cristãos poderiam imitar muitos exemplos de virtude presentes em Homero, Hesíodo, Teócnites, Solon e Eurípedes. Basílio estava convencido das vantagens da erudição humanística para o processo educacional dos jovens, ao fazer a aproximação entre verdade cristã e cultura tradicional.
É nas suas Homilias onde Basílio revela a sua habilidade exegética, embora não se destaque a parte do conhecimento técnico de ordem hermenêutica. Nessas peças literárias, Basílio aparece como um dos mais brilhantes oradores eclesiásticos. Destacam-se, nessa obra, as Nove Homilias sobre o Hexaméron, cuja beleza é incomparável no contexto da antiga literatura cristã. Nelas, Basílio comunica uma concepção cristã do mundo, em contraposição às concepções pagãs e maniquéias. Aparecem, ali, a beleza da natureza, as maravilhas do Cosmo, o homem como imagem de Deus, numa palavra, é destacada a figura do Criador por trás da sua criação.
Na Homilia sobre os Salmos, Basílio afirma: “Os profetas ensinam uma coisa; os livros históricos, outra. Todavia, é coisa diferente o que se ensina na Lei e diferente é também o que se ensina nos livros sapienciais. A Homilia sobre os Salmos sintetiza o que há de aproveitável em todas essas obras”. As Cartas de São Basílio são, de outro lado, magníficas peças literárias e valiosíssimos documentos históricos sobre a Igreja oriental do século IV, particularmente na Capadócia.
De outro lado, é muito valiosa a Liturgia desenvolvida por São Basílio. A reforma da Liturgia de Cesareia custou muitos sofrimentos ao santo e monge, que foi acusado várias pezes pelas suas inovações e por ter instituído um método diferente de canto litúrgico. Basílio reformou o Ofício divino recitado nos mosteiros, introduzindo duas partes novas chamadas de “prima” e de “completas”. A Liturgia de São Basílio é usada, hoje em dia, nas Igrejas de rito bizantino, ao longo dos domingos da Quaresma. Nos outros dias, pelo fato de ser mais breve, é usada a Liturgia de São João Crisóstomo.
2 - A Teologia de São Basílio.
Basílio tem o indubitável mérito de ter avançado mais que São Atanásio em torno à doutrina de Nicéia e ao esclarecer a doutrina em torno à Trindade e de Cristo.
A – A Trindade.
Para Basílio, é claro que há uma distinção entre uma "ousía" (substância) e três "hypóstaseis" (pessoas ou hipóstases). "Ousía" é a substantia latina. "Hypóstasis" é "to idíos legómenon" ("aquilo que é próprio de cada Pessoa na divindade"). Com esta aclaração, Basílio fez os semi-arrianos retornarem à ortodoxia. A propósito, Basílio frisa: “Contemplamos a hypóstasis na propriedade especial da paternidade, da filiação ou do poder de santificar”. Conferindo esta direção à doutrina trinitária, Basílio guiava a Igreja em direção da definição do Concílio de Calcedônia (451). No mesmo sentido se orientam Gregório de Nissa e Gregorio de Nacianzo.
Basílio fez, também, com que a doutrina tradicional católica sobre a Trindade, afirmada no Concílio de Nicéia (325), triunfasse definitivamente no Concílio de Constantinopla (381). “Três Pessoas distintas e um só Deus verdadeiro. O Espírito Santo procede do Pai por meio do Filho”, esse seria o cerne da doutrina cristã a respeito da Trindade, conforme aos ensinamentos de São Basílio, doutrina que foi confirmada pelos Concílios de Nicéia, Constantinopla e Calcedônia.
B – A Eucaristia.
Basílio falava, claramente, da presença real de Cristo na Eucaristia, pela transubstanciação do seu corpo e do seu sangue. Basílio, por outro lado, era testemunha de que os fiéis comungavam, diariamente, e de que o Santíssimo Sacramento era conservado nas casas particulares, para uso privado.
II- SÃO GREGÓRIO DE NACIANZO.
Gregório de Nacianzo (330-390) pertencia a uma família cristã, de origem aristocrática. Sem possuir o vigor e a personalidade forte de Basílio, Gregório foi, antes de tudo, um humanista. O seu nome se inscreve entre os maiores oradores cristãos da Antiguidade, ultrapassando ao próprio Basílio, mas sem ter, no entanto, a personalidade resoluta do seu contemporâneo. Toda a vida de Gregório foi uma contínua fuga do mundo, para retornar, novamente, a ele. O seu pai era bispo de Nacianzo. Embora conhecesse Basílio, na sua juventude, em Nacianzo, foi somente em Atenas quando, como estudante, travou amizade com ele. Nos anos 358 e 357 preparou-se e recebeu o batismo. O seu próprio pai lhe impôs as mãos na cerimônia batismal e o ordenou sacerdote em 362, contra a sua vontade. Desgostoso, Gregório refugiou-se, com Basílio, no Ponto, mas, chamado pelo sentido do dever, voltou ao lado dos seus pais. Quase forçado de novo, recebeu a sagração episcopal de mãos do seu amigo Basílio e permaneceu em Nacianzo, ajudando o seu pai nas funções pastorais.
Em 379, morto o Imperador Valente (328-378), Gregório foi indicado pelos demais bispos da Capadócia para reorganizar a Igreja de Constantinopla. Nomeado Arcebispo da segunda mais importante cidade do Império Romano, encontrou que tudo estava em mãos dos hereges arrianos. Em 24 de dezembro do ano 380 fez a sua entrada triunfal em Constantinopla o Imperador Teodósio (347-395), que restabeleceu os católicos nas funções principais, reforçando a posição de Gregório à frente da Igreja.
Em 381 foi celebrado em Constantinopla o Segundo Concílio Ecumênico convocado pelo Imperador Teodósio. Nesse conclave foi reconhecido Gregório como arcebispo da Igreja local. Em face da oposição e das críticas da hierarquia das Igrejas de Egito e da Macedônia, motivadas pela posição de liderança atribuída a Gregório, o nosso autor, abatido, renunciou à sua sede arquiepiscopal, tendo se refugiado na casa dos seus pais em Arianzo, perto da cidade de Nacianzo. Gregório dedicou-se, então, às práticas monásticas, até sua morte ocorrida no ano 390.
As Obras de São Gregório de Nacianzo.
Gregório não escreveu nenhum comentário bíblico ou tratado dogmático científico. A sua obra é formada por discursos, poemas e cartas. Nessas modalidades literárias atingiu um estilo muito rico, que não teve nenhum outro escritor cristão da época.
1 – Discursos.
Constituem a melhor parte da obra de Gregório. Foram preservados 45 deles, nos quais aparecem todos os recursos da eloquência asiática. A alcunha de “Teólogo” provém dos seus Cinco Discursos Teológicos pronunciados em Constantinopla, os quais representam a conclusão de um estudo aprofundado da doutrina trinitária.
2 – Poemas.
São, aproximadamente, 400, escritos durante o seu retiro final em Arianzo. O autor propunha-se duas coisas, fundamentalmente: provar que a nova cultura cristã não era, sob nenhum aspecto, inferior à pagã e desmascarar as falsas doutrinas apolinaristas. O poema intitulado: De vita sua (na verdade, um depoimento sobre si próprio) não é só a fonte principal para estudar a vida do nosso autor, como também constitui a obra mais perfeita de toda a literatura grega, no terreno da autobiografia. Os poemas sobre a sua vida só têm um rival à altura: as Confissões de Santo Agostinho de Hipona (354-430).
3 – Cartas.
A propósito deste gênero literário, escreveu Gregório: “Uma boa carta deve ser breve, clara, graciosa e simples”. Gregório foi o primeiro autor grego que publicou uma coleção das suas próprias cartas. O valor destas é, certamente, autobiográfico.
A Teologia de São Gregório Nacianceno.
Em face de Basílio, Gregório Nacianceno significa um claro progresso, tanto no relativo à terminologia e fórmulas dogmáticas, quanto no relacionado à Teologia como ciência e no que diz respeito a um conhecimento mais aprofundado dos seus problemas.
1 – A Trindade.
Comparando o pensamento de Gregório de Nacianzo com o de Basílio, temos no primeiro uma ênfase maior na unidade e monarquia divinas (absoluta soberania de Deus), mais uma definição precisa das relações divinas. Gregório, efetivamente, escreve assim: “O nome próprio do Ingênito é Pai; o do Gerado sem começo é Filho e o nome d’Aquele que procede sem geração, é Espírito Santo”. Quanto ao Espírito Santo, Gregório afirma, explicitamente, a divindade: “Tò Pneuma Hágion kaì Theós estín” (“É o Espírito Santo e Deus”).
2 – Cristologia.
A cristologia de Gregório de Nacianzo, mais avançada ainda que a sua doutrina sobre a Trindade, mereceu ser adotada pelos Concílios de Éfeso (431) e de Calcedônia (451). Contra Apolinário, que afirmava que a divindade fazia as vezes da alma racional em Cristo, Gregório afirma a humanidade completa de Jesus: “Há duas naturezas, Deus e homem, porque n’Ele há corpo e alma. Cristo se dispôs a ser Um, composto de duas naturezas que se encontram no Um, não dois filhos”.
3 – Mariologia.
Para Gregório, o dogma da maternidade divina é o eixo da doutrina da Igreja acerca de Cristo, bem como da salvação; graças a ele, o termo “Theotókos” (“Mãe de Deus”) converteu-se em distintivo da ortodoxia.
4 – Eucaristia.
Gregório Nacianceno estava firmemente convencido do caráter sacrificial da Eucaristia.
III – SÃO GREGÓRIO DE NISSA.
Gregório de Nissa (335-385) era irmão de São Basílio. Dos três Padres Capadócios era o mais dotado como teólogo especulativo e místico. Após uma carreira mundana como retórico e depois de ter contraído matrimônio, retirou-se, por influência de São Gregório Nacianceno, ao mosteiro de Basílio, em Iris do Ponto. Em plena luta contra o arrianismo, foi sagrado bispo de Nissa, aldeia vizinha de Cesareia, em 371. Mas, em 376, os arrianos conseguiram depô-lo. Morto Valente, o Imperador arriano (em 378), Gregório conseguiu voltar à sua diocese, sendo logo, em 380, nomeado arcebispo de Sebaste. No Segundo Concílio Ecumênico, Primeiro de Constantinopla, ao qual o nosso autor assistiu em companhia de Gregório de Nacianzo, Gregório de Nissa despontou como o principal teólogo.
1 - Tratados Dogmáticos de Gregório de Nissa.
Basílio e Gregório Nacianceno carecem da profundidade de pensamento de Gregório de Nissa. O seu estilo é bastante pesado. Gregório de Nissa escreveu vários tratados dogmáticos, intitulados: Adversus Eunomium (“Contra Eunomio”, que constitui uma das principais refutações do arrianismo); Adversus Apollinarem (“Contra Apolinário”, que é uma forte réplica a Apolinário e suas teorias); Adversus Macedonianos (“Contra os Macedonianos”, refutação dos hereges comandados por Macedônio, que negavam a divindade do Espírito Santo); Quod non sint tres dii (“que não são três deuses”, resposta a uma pergunta de Ablabio, explicando que Deus é um termo que indica a essência, “o ser” e não as pessoas, sendo necessário, portanto, usá-lo sempre em singular); Dialogus cum Macrina de anima et resurrectione (“Diálogo com Macrina sobre a alma e a ressurreição” resposta à sua irmã Macrina, moribunda, que era, nesse tempo, superiora de um convento na região de Iris na Capadócia); Contra fatum (“Contra o destino” obra na qual defende a liberdade da vontade contra o fatalismo astrológico); por último, Oratio catechetica magna (“Grande Discurso Catequético”, a sua obra dogmática mais importante, escrito por volta de 385. Consiste numa admirável exposição dos principais dogmas e constitui o primeiro ensaio de Teologia Sistemática, depois do livro De Principiis de Orígenes, no qual Gregório se inspira).
2 - Escritos no terreno da exegese.
De opifício hominis ("Acerca do trabalho do homem"). Nesta obra, Gregório de Nissa pretende completar as homilias de Basílio sobre o Hexameron. Trata-se de quinze homilias sobre o Cântico dos Cânticos. Neste escrito bíblico se revela, segundo Gregório, o amor entre Deus e a alma sob a imagem das núpcias, relegando a segundo plano o colocar a esposa do Cântico como imagem da Igreja, que para Orígenes vinha em primeiro lugar.
De Oratione dominica ("Acerca da oração dominical"). Nesta obra, Gregório frisa: “Do Espírito Santo se diz, também, que procede do Pai e se afirma, ademais, que é do Filho, pois diz a Escritura: ‘Se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse não é de Cristo’”. Este texto, na verdade, falta em bastantes manuscritos e nas edições mais antigas; no entanto, tudo parece indicar que o texto é autêntico.
3 – Escritos ascéticos.
As obras que integram esta seção mereceram ao autor o título de “pai do misticismo”, pois se Basílio é o pai do monaquismo oriental, Gregório é o seu inspirador e orientador. Eis os principais escritos deste segmento:
De virginitate (“Sobre a virgindade”).
Para Gregório, a virgindade é a porta de ingresso a uma vida mais santa. Ele vê toda a economia divina à luz da virgindade. Cristo é o “arjipárthenos” (“o primeiro virgem”). Há uma encarnação de Deus em toda alma virginal. O exemplo impressionante da virgindade é a Virgem Maria. Gregório sente verdadeira pena por se sentir excluído desse estado de virgindade, pois ele era casado.
Quid nomen professione Christianorum sibi velit? (“Qual é o nome da profissão que para si deseja o cristão?”). A profissão cristã é a imitação da natureza divina. A condição primeira do homem foi a imitação da semelhança de Deus; a profissão do cristão é, pois, restabelecer o homem na sua felicidade original.
De perfectione (“Sobre a perfeição”). Gregório considerava a São Paulo como o guia mais seguro do cristão no seu esforço por imitar Cristo. A respeito, frisava: “A verdadeira perfeição nunca está quieta, mas sempre vai crescendo em direção ao melhor. A perfeição não é limitada por nenhuma fronteira”.
Vita Macrinae (“Vida de Macrina”). A morte parece como a coroação da esposa de Cristo. Esta obra, uma biografia dedicada à sua esposa que era priora de um convento feminino e que estava morrendo, é uma jóia da literatura santoral antiga e, ao mesmo tempo, constitui uma fonte histórica importante para a vida dos grandes capadócios Basílio e Gregório de Nissa. É um documento importante para conhecer os costumes da Igreja no século IV. Gregório legou-nos, também, inúmeros discursos e sermões sobre temas variados da vida cristã.
Teologia de São Gregório de Nissa.
Com a regra de ouro de que se deve fazer uso discreto da sabedoria pagã, Gregório se aproximou, como nenhum outro mestre cristão, no século IV, da filosofia grega, para tornar mais próximos os mistérios da fé em face da razão humana. Em cinco itens pode-se resumir a sua concepção teológica.
1 – A Trindade.
A distinção entre as três Pessoas divinas consiste, exclusivamente, nas suas relações mútuas imanentes. Por isso, a sua atividade ad extra não pode ser mais do que uma e é comum às três. O Espírito Santo procede do Pai através do Filho, ou seja, imediatamente do Filho, mediatamente do Pai. “O Espírito Santo – frisa Gregório – provém do Pai, mas também do Filho”.
2 – Cristologia.
Há uma clara diferenciação entre as duas naturezas em Cristo. No entanto, frisa o nosso autor, “por causa do contato e da união de naturezas, os atributos próprios de cada uma pertencem às duas”, ou seja, “há uma communicatio idiomatum” (“Comunicação de idiomas”).
3 - Mariologia.
Maria Virgem deve ser chamada Mãe de Deus, pois o Filho de Deus se fez para si uma natureza humana da carne de Maria. Por isso é que o termo “Theotókos” (“Mãe de Deus”) convém à Maria e não o de “Anthropótokos” (“Mãe do homem”).
4 – Escatologia.
Embora São Gregório de Nissa não compartilhe com Orígenes (185-253), o seu mestre, a ideia da preexistência ou de migração das almas, no entanto concorda com ele em que as penas do inferno não são eternas. A “apokatástasis” (“apocatástase ou restauração universal”), no entanto, Gregório, ao contrário de Orígenes, a considera definitiva.
5 – Mística.
Aqui se encontra o ponto mais elevado da teologia de Gregório. A sua primeira ideia básica é a doutrina sobre “a imagem de Deus no homem”. O homem, como coroação que é de toda a obra da criação, apresenta, como num microcosmo, a ordem e a harmonia do macrocosmo. No entanto, este conceito filosófico fica superado; o excelente e o grande no homem não radica “na sua semelhança com o universo criado, mas em ter sido feito à imagem e semelhança da natureza do Criador”. Especialmente, por razão da sua alma e, mais precisamente, pela faculdade da razão, do livre arbítrio e da graça sobrenatural, o homem é imagem fiel do seu Criador. Graças a essa imagem, o homem vem a ser familiar de Deus e é capaz de conhecê-lo. Somente o divino pode conhecer o divino. Esta intuição de Deus é uma antecipação da visão beatífica. É, como o mesmo Gregório diz, “uma divina e sóbria embriaguez, que faz sair o homem de si mesmo”.
É claro, pois, que uma graça tão extraordinária só é dada àqueles que se prepararam para voltar à imagem original de Deus no homem, mediante uma “katársis” (“catarse ou purificação”) e uma guerra a morte contra o pecado. Então poderá ter início a ascensão mística. A respeito, frisa Gregório de Nissa: “O propósito de evitar o mal realiza a semelhança com Deus, e porque a distância do divino em relação ao humano não é uma distância local, por isso tu possuis o direito de estares, sem mais, no Céu, porque tomaste posse de Deus com a tua mente. Ele te ordenou que, na oração, o chames de Pai, te manda nada menos que te faças semelhante ao teu Pai Celestial, mediante uma vida que seja digna de Deus: 'sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito' ”.
IV – SÃO JOÃO CRISÓSTOMO E A ESCOLA DE ANTIOQUÍA.
João Crisóstomo (344-405) pertence à Escola de Antioquía (que tendia para uma interpretação mais de tipo literal das Sagradas Escrituras e fazia ênfase na distinção entre a dimensão divina e a dimensão humana de Jesus).
João Crisóstomo nasceu em Antioquía, no seio de uma família cristã. A sua mãe Antusa, viúva com apenas 20 anos, foi a sua primeira educadora. Depois de estudar filosofia e retórica, serviu durante três anos a São Melecio o confessor (morto em 381), Patriarca de Antioquía, após o qual foi admitido ao batismo, sendo promovido a Leitor. O próprio Melecio ordenou-o diácono em 381 e em 386 recebeu a ordenação sacerdotal de mãos do bispo Flaviano. Este lhe conferiu o ofício de pregador na principal igreja da cidade. Os seus sermões, pronunciados entre os anos de 386 e 397, garantiram-lhe, para a posteridade, a imortalidade, com o famoso título de “Crisóstomo” (“aquele que tem a boca de ouro”). João Crisóstomo foi o maior orador sagrado da Cristandade Antiga.
Morto Nectário (em 397), patriarca de Constantinopla, João foi eleito para substituí-lo. Mas não se tratou de uma eleição tranquila: o próprio João resistiu a ela, pois queria permanecer com o ofício de pregador, sem ascender à dignidade episcopal. João Crisóstomo, como Patriarca de Constantinopla, tentou realizar uma reforma do clero, mas os seus planos chocaram contra os interesses políticos abrigados por alguns padres e por amplos setores da comunidade. Quando, em 401, mediante a convocação de um Sínodo, o Patriarca João dispôs a exoneração de seis bispos simoníacos, todos os adversários se aliaram contra ele. Morto o poderoso conselheiro Eutropio, que influenciava o frágil imperador Arcadio (377-408), a própria imperatriz Eudoxia colocou-se contra João. A situação tornou-se insustentável por força das intrigas do Patriarca Teófilo de Alexandria (+412) que conseguiu reunir, em Constantinopla, no início do século V, um sínodo de 36 bispos que depuseram João da sede do Patriarcado. O fraco imperador Arcadio aprovou a decisão sinodal e desterrou João a Bitínia. Embora a imperatriz Eudoxia, arrependida da injusta deposição de João, tivesse conseguido que ele voltasse a Constantinopla, no entanto, em 404 o imperador Arcádio, pressionado pela ala corrupta do clero, o desterrou novamente para Cúcuso, na baixa Armênia, onde permaneceu três anos. Terminado o prazo desse desterro, os inimigos de João, incentivados pelo patriarca de Alexandria, Teófilo, conseguiram, no entanto, que o Imperador o confinasse em Pitio, num lugar selvagem e mais afastado ainda, situado no extremo oriental do Mar Negro. Enfraquecido pelo rigoroso inverno e pelas longas jornadas a pé que foi obrigado a enfrentar, João terminou falecendo em Comana do Ponto, a caminho do seu desterro, em 14 de setembro de 407.
Apenas para lembrar, registremos um fato histórico: o Patriarca de Alexandria, Teófilo e o sucessor, seu sobrinho Cirilo (375-444), estiveram à frente do vergonhoso episódio do incêndio do Templo de Serapis (denominado Serapeu) e da biblioteca anexa, bem como do assassinato, por linchamento, da diretora do Museu de Alexandria, a matemática e filósofa neoplatônica Hipácia (351-415). O historiador Edward Gibbon (1737-1794) descreveu Teófilo, na sua obra The Decline and Fall of the Roman Empire, como "o perpétuo inimigo da paz e da virtude, um homem mau e corajoso, cujas mãos estavam poluídas ora com ouro e ora com sangue".
Em 27 de janeiro de 438, os restos mortais de João Crisóstomo foram trazidos solenemente para Constantinopla e o próprio Imperador Teodósio II (401-450), filho de Eudoxia, já falecida, saiu ao encontro do cortejo e, como narra o teólogo Teodoreto (393-457), “Apoiou o seu rosto sobre o féretro e rogou (...) que esses restos perdoassem os seus pais pelo mal que lhe teriam feito, por ignorância”.
João Crisóstomo, quando da sua deposição, tinha apelado para o Papa Inocêncio I (378-415). Teófilo de Alexandria, por sua vez, notificou ao Papa acerca da deposição de João. O Papa Inocêncio não aceitou a deposição e mandou que um Sínodo integrado por bispos orientais e ocidentais examinasse a pena, mas esse mandato papal foi rejeitado. Como consequência, o Papa e todo o Ocidente romperam com as Igrejas de Constantinopla, Alexandria e Antioquía. A comunhão com essas Igrejas só foi restabelecida por Ático (406-425), segundo sucessor de João Crisóstomo, quando aquele voltou a inserir o nome de João entre os dos Bispos de Constantinopla.
A obra de São João Crisóstomo
Foi conservada quase íntegra, tendo sido ele, entre os Padres Gregos, o escritor mais fecundo. E é, também, o mais encantador, pela emoção que encerra e pela forma de desenvolvimento do discurso, não à maneira dos Tratados, mas como simples diálogos do pastor com os fiéis. A forma mais desenvolvida em João Crisóstomo é a das homilias exegéticas sobre o Antigo e o Novo Testamentos.
A maior parte dos Sermões de João Crisóstomo foram pronunciados em Antioquía, entre 386 e 397. Daí por que a sua obra reflete muito autenticamente o espírito pastoral dessa Escola. As suas Homilias sobre São Mateus constituem o comentário patrístico mais antigo que se conhece, acerca do Primeiro Evangelho. No que tange aos seus Tratados, o mais importante e que supera todos os demais escritos, em sublimidade de pensamento, pureza de dicção e elegância de estilo é o dos Seis livros sobre o sacerdócio. Esta obra é, realmente, um dos mais belos tesouros da literatura patrística. Nele, é adotada a forma de um diálogo entre João Crisóstomo e o seu amigo Basílio de Cesaréia.
A Teologia de São João Crisóstomo
Quatro pontos serão desenvolvidos correspondentes aos seguintes temas: 1 – Cristologia. 2 – Mariologia. 3 – Confissão. 4 – Eucaristia.
1 – Cristologia.
A “natureza” é chamada de “ousía” ou “fýsis”, enquanto a essência ou natureza da pessoa é denominada de “hypóstasis” ou “prósopon”. O Filho é da mesma essência que o Pai. Cristo é perfeitamente Deus (contra os arrianos) e perfeitamente homem (contra os apolinaristas). Apesar da dualidade, não há mais do que um só Cristo, pois não ocorreu uma mistura ou uma destruição das substâncias, mas uma união inefável e inconcebível. Com essas teses, João Crisóstomo superava, definitivamente, o extremo ao qual tinham chegado alguns seguidores da Escola Antioquiana, que sustentavam o caráter humano de Jesus, com uma progressiva “adoção” da natureza divina.
2 – Mariologia.
São João Crisóstomo ensina, com toda claridade, a virgindade perpétua de Maria. Existe o pecado original. “Por isso – frisa João – batizamos também as crianças pequenas, mesmo que não tenham cometido pecado”.
3 – Confissão.
Não existe, na obra de São João Crisóstomo, nenhum texto que o torne testemunha inequívoco da confissão privada. Mas encontramos uma passagem muito significativa, na qual declara que o sacerdote pode perdoar pecados duas vezes: no Batismo e com a Unção dos doentes.
4 – Eucaristia.
São João Crisóstomo é uma eminente testemunha da presença real de Cristo na Eucaristia e do caráter sacrificial dela. Por essa razão é, tradicionalmente, chamado de “Doctor Eucharistiae” (“Doutor da Eucaristia”). Assinalando o altar, exclama: “Ali jaz Cristo imolado” e logo: “aquilo que está no cálice é aquilo que brotou do costado. O que é o pão? – O corpo de Cristo. O sacerdote que sacrifica é o mesmo Cristo”.
V - SÃO LEÃO MAGNO.
Leão Magno (400-461) mereceu o título de maior Papa da Antiguidade. O seu pontificado (entre 440 e 460) foi, efetivamente, um dos mais gloriosos, assim como um dos mais longos do Cristianismo Antigo, numa época em que a ordem política era derrubada no Ocidente e em que o Oriente religioso se dissolvia nas controvérsias cristológicas. Este Papa soube afirmar, realizar e manter a unidade da Igreja sob a supremacia do bispo de Roma, sucessor de São Pedro. Manter a unidade da Igreja foi o destino providencial de Leão Magno, o qual se propôs restabelecer a unidade cristã por meio da luta contra as seitas.
Os Maniqueus, banidos da Africa pelos Vândalos, tinham se infiltrado em toda a Itália, chegando até Roma. Os pelagianos tinham-se espalhado por todas as partes. O priscilianismo, especialmente o maniqueísmo moderado, prosperava na Espanha. De outro lado, no Oriente, a fé estava particularmente ameaçada pelas controvérsias. São Leão, consciente da sua plena autoridade doutrinária, tomou cuidado de ele mesmo definir a verdade revelada. Desse esforço dá testemunho a Carta a Flaviano, na qual o Pontífice encaminhou instruções precisas ao Concílio que ia se reunir em Éfeso, no ano de 449. Outro Concílio de tipo ecumênico realizado sob o pontificado de São Leão X, foi o de Calcedónia (451). Nele, o Papa desautorizou o Cânone 28 que considerava Constantinopla como a Segunda Roma.
A obra teológica de São Leão X está contida sobretudo nos seus Discursos. Foram conservados 96 sermões autênticos, pronunciados quase todos nos primeiros anos do seu Pontificado. São textos bastante curtos, e são considerados pela crítica como modelo de pregação clássica. Embora o autor não seja exegeta, os seus sermões inserem-se no ciclo litúrgico. O Pontífice gostava de pregar sobretudo acerca de Cristo, da sua vida, paixão, morte e ressurreição. Mais do que um teólogo especulativo, o viés doutrinário de Leão X é o pastoral. Daí a sua insistência em aspectos que dizem relação à prática da moral cristã. No que tange à sua correspondência, foram conservadas 143 Cartas. A maior parte delas aplica aos aspectos concretos da vida dos fiéis, os ensinamentos morais, dogmáticos e disciplinares da Igreja.
A Doutrina Teológica de São Leão X.
São Leão é mais um doutor, um moralista e um pastor do que um teólogo. Isso em nada diminui a sua grandeza. A sua cultura e erudição não são comparáveis às de Santo Ambrósio ou Santo Agostinho. No entanto, ressaltam, na sua obra, a firmeza doutrinária de acordo às Sagradas Escrituras e à Tradição, bem como a sua coragem incisiva no combate aos desvios doutrinários.
Em quatro pontos podemos sintetizar a doutrina teológica de São Leão X: 1 – Cristologia. 2 – A Graça. 3 – Os Sacramentos. 4 – Eclesiologia.
1 – Cristologia.
Este é o tema mais desenvolvido na teologia de Leão X. No seu célebre livro intitulado: Tomus ad Flavianum (“Livro dedicado a Flaviano”), não se perde em especulações, mas centra a sua exposição no objeto mesmo da fé, a partir da análise de algumas fórmulas simples e cortantes. Para Leão X, a redenção do homem exigia, até certo ponto, a encarnação. Somente um homem-Deus poderia reunir, ao redor de Deus, a humanidade dispersa. A natureza humana, corrompida pela morte e o pecado, encontrou o seu remédio e a sua fonte de renovação, na natureza divina que lhe está unida, em Cristo.
2 – A Graça.
Leão X retoma a doutrina de Santo Agostinho. O nosso autor é um moralista que exorta, na sua pregação, a lutar contra as paixões, a agir e a amar. O progresso é necessário no caminho da fé. A propósito, frisa: “Não avançar é retroceder. Quando nada se adquire, perde-se algo”.
3 – Os Sacramentos.
Leão X expõe minuciosamente os ritos principais dos Sacramentos. A profissão de fé se dá por meio da “redditio Symboli” ou “repetição do Credo”. O Batismo propriamente dito se dá por meio da imersão na água. A unção com o óleo consagrado é o seu complemento. O Batismo apaga o pecado original e confere a vida sobrenatural. Ele é eficaz, mesmo quando administrado pelos hereges, conquanto seja invocada a fórmula trinitária. A Confirmação, administrada pela imposição das mãos, é chamada pelo nosso autor de “sanctificatio chrismatorum” (“santificação dos crismados”).
Quanto à Eucaristia, S. Leão reafirma a presença real de Cristo. No que diz relação à Penitência, destaca três elementos: confissão, expiação ou penitência e absolvição. O primeiro elemento, a confissão, é requerido para todos os pecados graves e não só para os três “ad mortem” (apostasia, adultério e homicídio). A confissão, detalhada, é secreta. A prática contrária, da confissão pública, é oposta à tradição dos Apóstolos. A expiação começava, na Igreja, pela imposição das mãos do bispo ao penitente revestido com hábitos de luto, e durava longo tempo. São Leão reconhece uma espécie de dispensa e combate o rigorismo dos bispos que negavam a penitência e a reconciliação a certos pecadores no momento da morte, porque tinham omitido o fato de pedi-la com longa antecedência, por temor às penitências que ela impunha. A absolvição dava-se imediatamente depois da confissão, no caso de doenças terminais. Com o correr do tempo, no entanto, outras necessidades impuseram a concessão imediata do perdão. É o bispo unicamente, no entanto, quem tem o poder de absolver na sua diocese. Mas, aos poucos, a partir do século V, especialmente, os sacerdotes são reconhecidos como ministros ordinários da Penitência.
O Sacerdócio é transmitido por uma consagração, ou uma bênção, que São Leão chamava de “sacramento”. A hierarquia compõe três ordens: o episcopado, o presbiterado e o diaconato. O subdiaconato ou “a quarta ordem” já estava marcada pela obrigação do celibato.
3 – Eclesiologia.
Por causa das dificuldades encontradas, São Leão foi levado a meditar, mais do que outros, sobre a excelência da unidade na Igreja. Ele colocou os fundamentos mesmos dessa unidade na natureza da Igreja, que é a esposa virgem de um homem só, Jesus-Cristo e, ao mesmo tempo, o seu corpo místico. Mas como homem de ação, Leão se limita sobretudo às condições práticas da unidade. Estas condições são: A – A unidade da fé; por esta razão, luta contra a heresia. B – A concórdia dos sacerdotes, especialmente dos bispos, fundada sobre o reconhecimento dos poderes de cada um. C – A primazia de Pedro e dos seus sucessores, os bispos de Roma. Da mesma forma como entre os apóstolos, iguais pela eleição, há um a quem foi dada a preeminência sobre todos, da mesma forma isso acontece entre o Colégio dos Bispos e o Papa. Nenhum Papa tinha antes lembrado, com tanta força e insistência, essa origem divina do poder pontifical.
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