Os dois governos sob o comando de Lula, entre 2003 e 2010, encontraram a economia saneada. O Plano Real funcionou como força que conteve a inflação e deu novo estímulo à economia. As contas públicas foram equilibradas ao longo dos dois períodos presidenciais de FHC. Por força dessa situação, os governos petistas passaram a administrar um orçamento mais folgado, que canalizaram, em boa medida, para a materialização de políticas sociais e o aumento acelerado da burocracia estatal.
Uma das características fundamentais do lulopetismo é a incapacidade para elaborar um plano de governo. Lula elegeu-se, em 2002, na trilha do conselho do seu marqueteiro Duda Mendonça (1944-2021), aliado aos que, do ângulo econômico, assessoravam o candidato petista. Dentre eles, vale mencionar o ex-prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Palocci (1960-) e o banqueiro Henrique Meirelles (1945-) que seria presidente do Banco Central. Lula apresentou-se, na “Carta ao Povo Brasileiro” [cf. Paim, 2002], ao longo da campanha presidencial, como um moderado socialdemocrata, que manteria a política adotada por Fernando Henrique Cardoso, respeitando o marco macroeconômico, bem como os contratos internacionais. As lideranças políticas contrárias à eleição de Lula não tiveram perspicácia nem presença de espírito para sair à lide contra o candidato petista, mostrando a inconsequência da nova postura com as posições costumeiras do Partido dos Trabalhadores, (que sempre se mostrou afinado com um socialismo de cunho totalitário, fiel ao modelo cubano). E o eleitorado, carente de formação política mais aprofundada, simplesmente mordeu o anzol da “conversão” lulista ao modelo socialdemocrata e votou maciçamente no candidato petista.
No terreno das políticas educacionais, Lula simplesmente não tinha programa. Deu continuidade, por inércia, ao legado de Fernando Henrique Cardoso. Em 2004 demitiu, pelo telefone, o seu ministro da Educação, Cristovam Buarque (1944-) que pedia definição de roteiros e financiamento para o ensino básico. Após a eclosão das denúncias sobre o mensalão, em maio de 2005, Lula decidiu abrir as portas do tesouro para o financiamento de políticas sociais, com a finalidade de criar apoio popular ao governo.
O programa “Fome Zero”, bandeira improvisada do início do seu mandato e que não tinha decolado, foi substituído pelo programa “Bolsa Família” (uma adaptação bastante piorada do programa existente no governo de Fernando Henrique sob o nome de “Bolsa Escola”). Houve, também, uma aceleração dos programas de financiamento à educação, que se traduziram em ampliação atabalhoada dos gastos públicos no setor. O Governo enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 415/05 que criava o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), com a finalidade de atender, (entre 2006 e 2019), 47,2 milhões de alunos. A aprovação da Lei nº 10.832/03 do Salário-Educação permitiu que, a partir de 2004, a transferência de recursos fosse feita diretamente aos municípios.
No entanto, a adequada destinação desses recursos ficou comprometida pelo desmonte dos mecanismos de controle sobre as despesas do governo, bem como pelas críticas de Lula e dos petistas à Lei de Responsabilidade Fiscal, que controlava os gastos do setor público nas três esferas: federal, estadual e municipal. É sabido que Lula desmoralizou o Tribunal de Contas da União, impedindo o acesso dele às contas dos sindicatos e dos mal chamados Movimentos Sociais como o MST. Práticas que tinham sido erradicadas nas gestões passadas, como o uso indevido, pelos municípios, do dinheiro dedicado à educação, voltaram a reviver, no ambiente de “liberou geral” que se instalou no país com a falta de transparência. A corrupção passou a invadir áreas já saneadas, como as ligadas ao ensino básico e à prestação de serviços de saúde. O descalabro foi geral, o que fez aumentar, de forma exponencial, a dívida pública brasileira.
O governo Lula, de outro lado, ampliou o ensino universitário a cargo da União. Foram criadas 14 Universidades Federais: UFTM (Uberaba, MG), UFCSPA (Porto Alegre, RS), UNIFAL (Alfenas, MG), UTFPR (Curitiba, PR), UFABC (Santo André, SP) UFVJM (Diamantina, MG), UNIPAMPA (Bagé, RS), UFGD (Dourados, MS), UFERSA (Mossoró, RN), UFRB (Cruz das Almas, BA), UFOPA (Santarém PA), UFFS (Chapecó, SC), UNILA (Foz do Iguaçu, PR), UNILAB (Redenção, CE). Isso além da multiplicação de extensões dos campi de Universidades tradicionais como a UFJF, a UFSJ (em Minas Gerais) e de outras Universidades Federais em várias regiões do país.
Toda essa ampliação do ensino superior não obedeceu, contudo, às regras do planejamento responsável. Na maior parte das Universidades apontadas houve sérios problemas de planejamento acadêmico e de infraestrutura, o que levou alunos e docentes a entrarem em greve para exigir do governo que melhorasse as condições de trabalho. Isso até numa das instituições-ícone do reformismo oficial, a Universidade do ABC que, ao longo de 2013, entrou em greve por falta de condições acadêmicas e financeiras.
O jornal Folha de São Paulo mostrou que a maioria dessas novas Universidades não teve nenhuma repercussão para o setor produtivo. A propósito, frisava artigo da jornalista Natália Cancian: “Bandeiras das gestões do PT no Planalto, as universidades federais criadas nos últimos dez anos são pouco lembradas no mercado e enfrentam dificuldades para atrair docentes qualificados e investir em infraestrutura. Esse é o diagnóstico de 14 universidades criadas durante a política de expansão do ensino superior do governo Lula e analisadas pelo Ranking Universitário Folha. Das 14, [poucas] eram efetivamente novas. As demais surgiram da divisão de instituições ou tiveram status alterado (...)”.
Assim continuava a análise feita pela citada jornalista: “As demais (Universidades) ainda patinam em alguns indicadores: nove não foram citadas como referência em suas áreas nas entrevistas com avaliadores do Ministério da Educação. Uma delas é a UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará), [aparece] em 168º lugar no ranking e com problemas de estrutura em alguns cursos. Faltam laboratórios e há institutos que não têm prédio, conta Luiz Fernando de França, do sindicato dos docentes. Parte das aulas ocorre em um hotel alugado pela universidade há três anos. Em julho, o local chegou a ser interditado por cinco dias devido a rachaduras. A UFOPA diz que a sede é provisória e que está construindo um novo local para os alunos em um dos campi já existentes. Obras em andamento são outro ponto comum entre as novas federais. Em Foz do Iguaçu (PR), a sede definitiva da UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) só deve sair em 2014. Até lá, as aulas serão em um complexo da usina de Itaipu. A UNILAB (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) também se apressa para finalizar um novo campus, mas não estipula prazos. A pouca idade pesou no ranking para essas duas instituições. Sem experiência em pesquisa e sem notas no ENADE por não ter turmas formadas, ambas pontuaram mal. Destaque entre as recém-criadas, a Universidade Federal do ABC aparece como líder em internacionalização e em 21º lugar em pesquisa. O pró-reitor de pesquisa da instituição, Klaus Capelle, atribui o bom resultado ao modelo em que apenas professores doutores são contratados para dar aulas e há estímulo à pesquisa. Os estudantes também cursam uma formação geral antes de optarem pela específica e saem com mais de uma graduação. Um dos fatores que favorecem a UFABC é a proximidade de grandes centros, onde há grande oferta de doutores (...)”. [CANCIAN, 2013].
Como a administração universitária passou a ser regida de acordo aos interesses dos sindicatos do setor (lembremos que a aparelhagem dos mesmos pela militância petista já tinha ocorrido antes da era Lula), os reitores eleitos ao longo dos governos petistas, reféns dos sindicatos, simplesmente se jogaram nos braços do governo, cumprindo tudo aquilo que o MEC exigia para liberação de verbas. Quem aumentasse o número de vagas, recebia mais recursos. Obras para ampliação física dos campi foram realizadas ao longo do país, sem que se levasse em conta a questão da qualidade acadêmica. De outro lado, como já foi frisado, o governo federal deu carta branca aos sindicatos para que gastassem sem ter de prestar contas aos órgãos competentes (como o Tribunal de Contas da União). O aumento desordenado das despesas por parte dos reitores não foi contestado pelos sindicatos. Assim, os gastos do setor viraram um enorme buraco negro, tendo sido banida a transparência.
O governo, de outro lado, cooptou os diretórios estudantis, contemplando-os com generosas verbas oficiais, sem que fosse exigida transparência nos gastos, como de resto, aliás, aconteceu em outras áreas ligadas à cultura e à prestação de serviços de saúde. ONGs de todos os tipos foram beneficiadas com generosas verbas do orçamento sem a devida transparência. Tudo isso, como se sabe, veio aprofundar o abismo do déficit público, com as lamentáveis consequências de pressão inflacionária e comprometendo os recursos que deveriam ser destinados à infraestrutura.
O programa “Bolsa Família” converteu-se em enorme fiasco, ao não serem controlados os beneficiários. Até bichano apareceu recebendo o benefício, sem falar em burocratas miúdos ligados ao partido do governo. Segundo afirmava o senador Jarbas Vasconcellos (1942-), do PMDB, na memorável entrevista concedida à Revista Veja (18/02/2006), sob o título de: “O PMDB é corrupto” [Vasconcellos, 2006: 17-21] o programa constituiu o maior projeto de compra de votos do mundo. Afirmava o Senador Jarbas Vasconcellos na sua entrevista: “O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo (...). Há um benefício imediato e uma consequência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho”.
E para ilustrar esse caráter nefasto do mencionado programa, o Senador contava uma história que se passou na terra dele, Pernambuco: “Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada, cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa, para ele e outra para o filho, e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece”.
Poderíamos sintetizar em dez pontos os aspectos negativos do sistema de ensino brasileiro ao longo dos dois governos de Lula e dos governos da sua sucessora, Dilma Rousseff (1947-):
1 – Queda do setor de ensino primário nas avaliações internacionais.
2 – Queda do setor de ensino secundário nas avaliações internacionais.
3 – Queda do setor de ensino superior nas avaliações internacionais.
4 – Critérios dúbios adotados pelo Ministério de Educação na avaliação do sistema de ensino brasileiro nos seus três níveis.
5 – Pano de fundo altamente ideológico e radical das reformas educacionais petistas, no contexto da denominada “revolução cultural” de inspiração gramsciana.
6 – Inépcia do INEP na gestão dos vestibulares.
7 – Aparelhamento, pelo Partido dos Trabalhadores, dos Institutos de Pesquisa do Estado em relação ao desenvolvimento econômico e social (IPEA, IBGE).
8 – Inadequada formulação do programa “Ciência sem Fronteiras”, para enviar ao exterior 100 mil estudantes brasileiros de nível superior, um caso gritante de “turismo acadêmico”.
9 – Preconceitos do PT em face do setor privado no terreno educacional.
10 – Despreparo do governo para lidar com o ensino digital de grandes proporções.
Ultrapassaria o espaço deste artigo se fosse analisar, um a um, os itens que acabam de ser mencionados. A fim de ilustrar a falta de planejamento crônica nos governos do PT, ao longo de quatro mandatos presidenciais, analisarei unicamente dois itens: o relacionado ao falido programa “Ciência sem Fronteiras” e o que se refere aos preconceitos do PT em face do setor privado no terreno educacional.
A falta de planejamento adequado do programa “Ciência sem Fronteiras” criou problemas para os pesquisadores brasileiros, na medida em que recursos que tradicionalmente iriam para financiar projetos foram desviados para bancar mais esse programa eleitoreiro do PT. A propósito da falta de planejamento do programa, que escolheu candidatos sem o domínio da língua estrangeira, frisava editorial do jornal O Estado de S. Paulo: “Lançado em 2011 pela presidente Dilma Rousseff como uma das mais importantes iniciativas de sua gestão no campo da educação, o programa Ciência sem Fronteiras - que prevê a concessão de 101 mil bolsas a estudantes interessados em fazer iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior - está enfrentando duas grandes dificuldades. A primeira dificuldade diz respeito ao perfil dos estudantes beneficiados pelo programa. Muitos não atendiam ao requisito de fluência em inglês quando foram escolhidos para estudar na Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália. Por esse motivo, não conseguiram acompanhar os cursos nos quais se matricularam. Como as bolsas estão chegando ao fim, correm o risco de voltar sem ter aprendido inglês e sem ter se qualificado academicamente. Também há alunos que, por terem perdido muito tempo aprendendo inglês, não se prepararam suficientemente e não foram aprovados no processo seletivo das universidades que escolheram (...). A segunda dificuldade do programa está no modo como foi concebido. A meta era mandar 101 mil estudantes brasileiros para o exterior no período de quatro anos, mas o governo dispunha de recursos para bancar apenas 75 mil bolsas. Pediu, portanto, a instituições financeiras, conglomerados industriais e entidades empresariais que financiassem as outras 26 mil bolsas. Desse total, até o momento (2014) a iniciativa privada teria financiado apenas 3,4 mil bolsas de estudo - cerca de 13% do prometido, segundo a CAPES. Esse número é questionado pelas empresas privadas, que alegam já ter concedido 5,3 mil bolsas - ou seja, 20% do previsto” [O Estado de São Paulo, Editorial: 3A].
Enviar alunos ao exterior sem o domínio da língua é um tremendo desperdício de dinheiro e só serve para incrementar o “turismo acadêmico”. Não era à toa que, nas redes sociais, apareciam muitos desses “estudantes” passeando ou fazendo alegres baladas, nos Estados Unidos e em outros países do primeiro mundo. O descaso oficial neste ponto me faz lembrar as famosas “Bolsas Grão Marechal de Ayacucho” que, nos anos 60 e 70 do século passado, o governo venezuelano distribuía generosamente entre amigos e apaniguados dos políticos de plantão, sem se preocupar um mínimo com o aproveitamento acadêmico dos escolhidos. Resultado: as casas de massagem e os Nigth Clubes dos Estados Unidos agradeceram penhorados. Mas os contribuintes venezuelanos não se beneficiaram com a dinheirama dos cofres públicos gasta nessa aventura. Algo semelhante aconteceu com o programa “Ciência sem Fronteiras”. É lógico que, quando o governo pede à iniciativa privada que participe financiando essas bolsas, os investidores queiram ter participação na seleção de candidatos, como manifestaram, na época, alguns empresários. Afinal de contas, quem gasta sem perguntar como o dinheiro foi gasto é apenas o governo. Na iniciativa privada o papo é outro.
No que tange aos preconceitos do PT em face das instituições privadas de ensino, não podemos deixar de mencionar o descredenciamento de duas conceituadas Universidades particulares do Rio de Janeiro, a Gama Filho e a UniverCidade, controladas pelo grupo Galileo. Não é de hoje, nem de ontem, que os governos de esquerda, no Brasil, tiveram sérios preconceitos com a iniciativa privada em matéria educacional. Essa tendência cresceu nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso e, com o PT, aumentou mais ainda. A idéia é que a iniciativa privada não pode ter, em suas mãos, o sistema educacional, pois não sabe educar, em decorrência do fato de que presta um serviço pago. (Como se o ensino público não fosse também pago, só que pela Nação, mediante os impostos, e não pelos usuários, como seria justo).
É falacioso dizer que as Universidades privadas não educam a contento. Educam e ensinam com eficiência, atendendo, no nosso país, 80% dos alunos que buscam curso superior. No entanto, a diferença de critérios é gritante, quando o MEC, no ciclo lulopetista, avaliava cursos de pós-graduação e de graduação oferecidos por instituições públicas ou privadas. Com estas últimas, os avaliadores colocavam em funcionamento todos os critérios, da maneira mais rígida possível: bibliotecas, salas de estudo individuais para docentes e pós-graduandos, instalações sanitárias, lanchonetes, etc. Com as públicas, pelo fato de sê-lo, os avaliadores não olhavam para coisas fundamentais, bibliotecas por exemplo. As notas dos avaliadores eram em geral altas para as públicas, baixas para as privadas. Imagino que todo esse preconceito venha na trilha do difuso socialismo à brasileira, que a tradição cientificista espalhou, como um vírus, entre docentes e avaliadores.
A Universidade Gama Filho foi um centro de alto nível de pós-graduação e de graduação, tendo sido a maior universidade privada brasileira nas décadas de 70 e 80 do século passado, com mais de 25 mil estudantes. O curso de pós-graduação stricto sensu em Filosofia, com área de concentração em Pensamento Luso-brasileiro, o primeiro a ser oferecido numa universidade de fala portuguesa no mundo, fundado em 1978 e clausurado por ordem da Capes em 1998, gozava de uma infraestrutura invejável: corpo docente de doutores de primeira linha, duas bibliotecas magníficas, a Ivã Monteiro de Barros Lins (um dos melhores acervos da cidade na área de filosofia moderna, com mais de 150 mil livros) e a Marcelo Caetano (o maior acervo conhecido, na América Latina, sobre cultura jurídica e política portuguesa, constituído pela biblioteca que o finado ex primeiro ministro português doou à Universidade, com mais de 200 mil volumes). A produção acadêmica situava o curso da Gama Filho entre os mais destacados do Brasil, tendo sido o primeiro curso de doutorado em Filosofia a ser reconhecido no país pelo Conselho Federal de Educação, em 1982.
A Gama Filho caracterizou-se por ter acolhido entre os seus docentes e pesquisadores, intelectuais de renome perseguidos pelas suas idéias políticas, não importando que fossem de esquerda ou de direita. Ali foram se refugiar intelectuais portugueses cassados pelo regime comunista de Vasco Gonçalves, como foi o caso de Eduardo Abranches de Soveral (1921-2003) e de Marcelo Caetano (1906-1980). Também foram acolhidos pela Universidade Gama Filho professores esquerdistas que tinham sido perseguidos pelo regime militar brasileiro, bem como pesquisadores pioneiros da área de Pensamento Brasileiro censurados pela esquerda acadêmica na PUC do Rio (como Antônio Paim, Francisco Martins de Sousa, Anna Maria Moog Rodrigues e Ubiratan Borges de Macedo), ou docentes de outras disciplinas, como a psicologia social. Foi marcante o exemplo do professor Aroldo Rodrigues (1933-), o mais importante pesquisador brasileiro da área, que foi docente da University of California (Fresno), cuja obra foi proibida pelos seus pares nas Universidades públicas brasileiras pelo “delito” de não ser esquerdista e ter estruturado na Gama Filho o melhor programa existente no país nessa especialidade. O saudoso Luís Gama Filho (1906-1978), fundador da Universidade, fazia questão de destacar a independência da instituição em face dos políticos, tendo aberto mão, em várias oportunidades, dos subsídios oferecidos pelo governo, a fim de manter a independência em relação ao poder.
A Faculdade da Cidade nasceu em 1982, com a fusão da Faculdade Brasileiro de Almeida, pertencente à família do Maestro e Compositor Tom Jobim (1927-1994), e o Centro Unificado Profissional. Sete anos mais tarde, foi incorporada à instituição a Faculdade São Paulo Apóstolo, sediada no Méier e pertencente ao professor Carlos Potsch. Em 1990, foi anexada à Faculdade da Cidade, a Faculdade da Lagoa. Em 1995 foram incorporadas à instituição as Faculdades Reunidas Professor Nuno Lisbôa, que funcionavam nas zonas norte e oeste da cidade. Um ano após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Darcy Ribeiro, 1996), a direção da então Faculdade da Cidade submeteu ao Ministério da Educação e ao Conselho Nacional de Educação um projeto visando a transformação da instituição em Centro Universitário. Por decreto presidencial de 30 de setembro de 1998 a nova instituição foi credenciada, passando a se chamar Centro Universitário da Cidade, conhecida popularmente como UniverCidade.
Além de atender a população mais pobre das zonas norte e oeste da cidade, o Centro Universitário da Cidade caracterizou-se, ao longo dos anos 80 e 90, por ter albergado entre os seus pesquisadores eminentes figuras do pensamento conservador, como Paulo Mercadante (1921-2013) e Olavo de Carvalho (1947-2022). A instituição passou a desenvolver amplo trabalho editorial, tendo sido publicados títulos de autores liberais como José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017) ou clássicos do pensamento liberal-conservador como Alexis de Tocqueville (1805-1859), abrindo, assim, em espaço de livre debate em face do pensamento marxista preponderante nas Universidades públicas.
O PT tem memória de elefante e não deixou passar em branco o fato de a Gama Filho e a UniverCidade terem optado, em décadas passadas, por defender idéias liberais e conservadoras e por terem enveredado pelo estudo crítico do pensamento luso-brasileiro. Não perdoa, tampouco, que ambas as instituições tivessem demonstrado independência em face do marxismo que grassava nas Universidades públicas. Diante das dificuldades pelas que passava, na época, o Grupo Galileo, que era o gestor das duas instituições, o ministro Aloízio Mercadante não pestanejou em punir as duas Universidades com o descredenciamento total. Ora, se passar por dificuldades financeiras era motivo para essa punição, o bravo ministro deveria ter fechado, também, as 14 Universidades criadas por Lula, todas elas com graves problemas financeiros causados pelo mau planejamento dos burocratas incompetentes. Houve, evidentemente, o plano de desmoralizar a iniciativa privada, de um lado e, de outro, de punir aqueles que, mesmo no passado, ousaram peitar, com pluralismo, as opções marxistas hoje tão em voga.
Um detalhe sórdido de toda essa política fascistoide: antes de punir com o fechamento total as duas instituições atrás mencionadas, os petistas “roeram o osso” até o final, aproveitando para se saciarem, como hienas, com os restos mortais das duas Universidades que receberiam, logo depois, dos petistas, o tiro de misericórdia. A Revista Veja, em 22 de Janeiro de 2014, noticiava o seguinte: “Marcio André Mendes Costa, de 42 anos, é um advogado bem relacionado. Até o fim de 2012, ele era oficialmente o dono do grupo Galileo e controlador das Universidades Gama Filho e UniverCidade (...) entre as maiores instituições privadas do Rio de Janeiro. Nessa condição, contratou como professores dois amigos, os ministros do Supremo Tribunal Federal José Antônio Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Eles iam de Brasília ao Rio às sextas-feiras para dar aulas, algumas vezes de jatinho pago pelo grupo. A amizade era tanta que Costa chegou a fazer outro contrato de 1 milhão de reais com os ministros para montar um curso a distância que nunca foi oferecido. Enquanto os ministros recebiam tratamento vip, as duas instituições se afundavam em dívidas e a qualidade dos cursos piorava. Sindicalistas ligados à Gama Filho chegaram até ir a Brasília entregar ao ministro de Educação, Aloízio Mercadante, um dossiê contra Costa. Mas o ministro mandou só um recado para que voltassem outro dia. Nunca os recebeu (...)” [ RITTO, Cecília, 2014: 71].
Estivéssemos num país civilizado, em lugar de o MEC punir centos de alunos e funcionários com o fechamento total, os funcionários prejudicados poderiam ter acionado o Ministério Público e o Congresso para que tomassem as devidas providências legais, em face dos fatos que acabam de ser mencionados.
Conclusão
As reformas ensejadas no terreno da educação pelos vários governos, a partir de 1964 até os dias de hoje, percorreram um via-crúcis de políticas incompletas que não responderam adequadamente aos anseios da sociedade e que, de outro lado, nos aspectos positivos não tiveram continuidade. Daí a imagem presente no título deste trabalho, como se se tratasse de um voo de galinha.
Em lugar de uma intervenção tecnocrática do Estado que melhorasse o seu desempenho num prazo amplo, tais reformas constituíram, no seu conjunto, do ângulo técnico, um esforço limitado. A mais consistente série de providências legais foi, sem dúvida, a ensejada pelos governos militares, a despeito do seu caráter autoritário. Isso justamente em decorrência do fato de que os generais no comando da nau do Estado tinham um norte estratégico claramente traçado, os objetivos nacionais permanentes, cujo dístico (que acompanhava o slogan positivista de ordem e progresso, se traduzia nas palavras da doutrina esguiana: democracia e desenvolvimento). Tratava-se, certamente, de uma democracia e de um desenvolvimento de cunho dirigista, inseridos no contexto do denominado “autoritarismo instrumental” presente no pensamento de Oliveira Viana.
De outro lado, os militares conseguiram dar coesão e continuidade ao processo de formação profissional do elemento humano a serviço das Forças Armadas, tanto na reforma efetivada no currículo da AMAN, nos anos 80, quanto nas modificações que se introduziram nas Escolas de formação da Aeronáutica e da Marinha. Ainda se observa, como consequência benfazeja desse clima, o respeito de que gozam os Colégios Militares pelo país afora.
Contudo, ao se fazer um rápido balanço do intervencionismo do Estado patrimonial brasileiro desde o século XIX até a contemporaneidade, observa-se que a intervenção do Império em matéria modernizadora, nas reformas equacionadas no terreno educacional entre 1840 e 1889, se bem ancoraram no cientificismo pombalino, no entanto estabeleceram com essa tendência um equilíbrio em que o elemento que se contrapôs ao despotismo ilustrado consistiu em ter levado em consideração os interesses dos cidadãos, representados no Parlamento. A tecnocracia republicana, certamente, não estava preocupada com isso.
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