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O PENSAMENTO LIBERAL DE JACQUES NECKER E MADAME DE STAËL

O PENSAMENTO LIBERAL DE JACQUES NECKER E MADAME DE STAËL

MADAME DE STAËL EM 1812 - TELA DO PINTOR RUSO VLADIMIR BOROVINOVSKY

Jacques Necker (1732-1804), o pai, e Germaine Necker de Staël-Holstein (1766-1817), conhecida como Madame de Staël, a filha, são dois liberais de peso que, na França, foram, junto com Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), os precursores dos Liberais Doutrinários que, no sentir de José Ortega y Gasset (1883-1955), constituíram “o que de mais interessante houve na Europa no século XIX”. As suas concepções da Economia e da Política partem para uma crítica radical ao absolutismo napoleônico. O cerne do arrazoado dos dois pensadores é claro: o Absolutismo é essencialmente um atentado contra o ideal da Justiça.

Desenvolverei, nesta exposição, os seguintes itens: I - Concepção liberal da Política, do Estado e da Economia, segundo Necker. II - A crítica de Madame de Staël ao absolutismo napoleônico. III - A perfectibilidade humana segundo Madame de Staël.

 I - Concepção liberal da Política, do Estado e da Economia, segundo Necker.

Madame de Staël recebeu, sem dúvida, uma definitiva influência liberal de seu pai. Essa influência revestiu-se, principalmente, de um exemplo de patriotismo. Para Jacques Necker, o princípio fundamental que pautava a sua ação política consistia em merecer a confiança da Nação. Diante desse imperativo, tudo deveria ser posto em segundo plano: riqueza, honras, ambições. A propósito deste ponto, escrevia Madame de Staël em Considérations sur la Révolution Française: "Depois dos seus deveres religiosos, a opinião pública era o que mais o preocupava. Ele sacrificava a fortuna, as honras, tudo o que os ambiciosos buscam, à estima da nação. E esta voz do povo (...) tinha para ele alguma coisa de divino. A menor mancha sobre a sua reputação constituía para ele o maior sofrimento que poderia ter na vida. A finalidade mundana de suas ações, o vento de terra que o fazia navegar, era o amor à reputação. Um ministro do rei da França não tinha, aliás, como os ministros ingleses, uma força independente da corte. Ele não podia manifestar em público, na câmara dos comuns, nem o seu caráter, nem a sua conduta. E inexistindo liberdade de imprensa, os panfletos clandestinos tornavam-se mais perigosos ainda" [Staël, 2000: 104].

Mas essa influência liberal de Necker sobre Madame de Staël deitava raízes numa admiração exaltada, numa verdadeira paixão da filha pelo pai, com as evidentes contradições que isso acarreta. Testemunho direto dessa situação deixou-nos Madame de Staël, em palavras (dignas de uma sessão psicanalítica) escritas por ela em 1785, no seu Journal de Jeunesse: "(...) Algumas vezes lhe encontro defeitos de caráter que amarguram a doçura interior da vida. É que ele gostaria que eu o amasse como um amante e ele me fala, no entanto, como um pai. Eu gostaria que ele me amasse como um amante e que eu agisse, no entanto, como uma filha. O que me torna infeliz é essa luta interior entre a minha paixão por ele e as tendências da minha idade, que ele gostaria de ver sacrificadas totalmente. É esse mesmo combate cuja duração o torna um espectador impaciente. Nós não nos amamos sempre até o excesso e, no entanto, a intensidade do nosso amor é tão próxima disso, que não posso suportar tudo aquilo que nos lembra que ainda não chegamos a esse limite. De todos os homens da terra é ele que eu teria desejado como amante. É necessário que ele seja um notável para que, sem amor, eu o encontre digno de amor" [apud Balayé, 1979: 18].

Após a morte de Necker, a figura contraditória do amante/pai converteu-se em mito sobre o qual ela passou a alicerçar todas as suas convicções, buscando, nesse rochedo, a permanência que contrastava com a futilidade dos amores e a precariedade das circunstâncias políticas. Eis um texto de 1816, já no final de sua vida, que resume muito bem essa luta pelo amor imorredouro: "Tudo quanto me falou Monsieur Necker é firme em mim como a rocha. Tudo quanto conquistei por mim mesma pode desaparecer. A identidade do meu ser ancora na fidelidade que guardo à sua memória. Amei ele como nunca jamais amei ninguém. Apreciei ele como nunca mais apreciei ninguém. A vaga da vida tudo levou consigo, exceto essa grande sombra que está lá, no cume da montanha e que me indica a vida que virá" [apud Balayé, 1979: 18].

Não estranha, assim, a profunda influência que as ideias liberais do pai exerceram sobre o pensamento de Germaine. A figura dele simplesmente fez desaparecer a da mãe, com quem a nossa autora nunca teve uma relação tranquila. Simone Balayé (1925-2002), a mais importante estudiosa da obra de Madame de Staël, sintetizou muito bem o simbolismo que exerceu a figura de Necker na imaginação da filha, destacando nessa representação a personalidade do estadista: "O entusiasmo de Germaine Necker não pode ser satisfeito por uma mãe enferma, triste e ciumenta, mas por esse pai cuja popularidade crescente alarga até as dimensões da França a admiração que a sua filha lhe dedica. Ele simboliza tudo quanto ela conhece de verdadeiramente grande. (...) Ela vive sob a sombra gloriosa desse pai uma espécie de amor perfeito, pleno, sem esforço. Ela cresce sob a admiração de todos, mas ela somente admira um só que será, para sempre, aos seus olhos, o homem de Estado capaz de meditar em silêncio sobre as opiniões religiosas, como sobre as finanças da França, mas também acerca do ideal do homem comum. Ela sentirá sempre necessidade dessa exaltação: Eu tinha nascido sob os raios da glória do meu pai e descobri que fazia frio na sombra" [Balayé, 1979: 19].

 É fundamental, por isso, para entender as ideias de Madame de Staël, compreender o pensamento político e econômico de Jacques Necker. Em primeiro lugar, no que tange ao que poderíamos definir como a sua teoria do conhecimento, parece que ele tivesse presente o pensamento de Aristóteles de que, em matéria de política, não valem os juízos apodíticos, mas apenas os dialéticos, que expressam uma opinião alicerçada na experiência. O pai de Germaine acreditava no princípio, que será caraterístico dos doutrinários, de que em política não vale o pensamento especulativo sozinho, sem referi-lo ao processo histórico apreendido vivencialmente. Esse processo, mais as tradições que dele emergem, precisam ser levados em consideração por quem quiser compreender as realidades ligadas ao exercício do poder, ou por quem pretender modificar as instituições políticas de um país.

Discutindo a conveniência de na França se estabelecer a representação política, Necker escrevia, por exemplo, na obra intitulada: Dernières vues de politique et de finance: "Essas não são reflexões vãs, embora um pouco subtis pela sua natureza; pois o interesse ou a indiferença pelas assembleias políticas é determinado por circunstâncias que escapam à demonstração. É necessário julgá-las, como todas as coisas morais, por meio de simples apreensões. E se os homens atribuem um grande valor à experiência, é ela que dá consistência às idéias complexas ou fugidias, é ela que ensina as verdades que o raciocínio não poderia apreender anteriormente com suficiente força” [Necker, 1802: 14-15].

A política exige uma reflexão projetada sobre o processo histórico. De nada adiantaria discutir, em teoria, se para a França seria melhor a República ou a Monarquia. Necker considerava que, no início do século XIX, seria necessário aos estudiosos levar em consideração as circunstâncias concretas do país e o homem com que os franceses contavam à frente do governo: Napoleão Bonaparte (1769-1821). Somente partindo desse ponto seria possível achar um caminho para encontrar o rumo da liberdade e da democracia. O resto seria elucubração vazia. A respeito, escrevia: "Creio que, para comparar de boa-fé a Monarquia com a República, é necessário estudar previamente o grau de perfeição que se poderia dar, na França, a esses dos gêneros de governo. E essa obrigação é tanto mais essencial, tanto mais rigorosa, quanto que não basta hoje um julgamento especulativo. É necessário examinar o que pode ter sucesso em meio a tantas opiniões encontradas, tantos hábitos já tornados fortes e tantas paixões ainda prestes a renascerem. É necessário estudar o que se pode fazer com o homem necessário e nós damos esse nome a Bonaparte" [Necker, 1802: VIII-IX]. Não se trataria, evidentemente, de sagrar os anseios imperiais do Primeiro Cônsul. Mas de conhecer as suas pretensões, bem como os hábitos decantados na mente das pessoas, como ponto de partida para a meditação sobre os ideais políticos a serem implementados.

Do ângulo puramente teórico, Necker não escondia a sua preferência pela monarquia moderada. Tal sistema de governo traria, em tese, maior estabilidade a um país de amplas dimensões. A propósito, escrevia: "É a minha opinião que, num vasto país, no seio de uma Nação viva e ardente, no interior de uma Nação mutável nos seus princípios, volúvel nas suas opiniões, uma Monarquia temperada deve ser preferida a uma República unitária e indivisível" [Necker, 1802: II, 304].

Mas, se a consideração especulativa aconselhava a adoção da monarquia temperada e embora as caraterísticas destacadas por Necker no texto anterior se aplicassem à França, eclodida a Revolução de 1789, derrubada a monarquia absoluta do jeito que aconteceu com Luís XVI (1754-1793), já era tarde demais, em 1802, para pretender instaurar na França essa modalidade de governo inspirada na monarquia britânica. O nosso autor tinha um ponto de vista de realismo político. No texto a seguir aparece essa nota de realismo, que não pretende brigar com os fatos. Frisava Necker: "Sem dúvida que, após ter mostrado as vantagens da Monarquia temperada, estaríamos de acordo com a sua essência, e estaríamos também em feliz harmonia com a impressão que pretendíamos produzir, se viéssemos em seguida indicar o meio, e o meio fácil para introduzir na França um tal Governo. Mas a natureza das coisas não se acomoda aos nossos sistemas. São os sistemas, ao contrário, que devem se acomodar a ela. Houve muitos momentos favoráveis, na França, para que fosse estabelecida uma Monarquia temperada; mas eles passaram" [Necker, 1802: II, 325-326].

A impossibilidade de instauração da monarquia temperada na França posterior à Revolução de 1789, prendia-se ao fato de que todos os segmentos sociais passaram a desenvolver um movimento centrípeto de cooptação das instituições, em função dos seus interesses corporativos. Nesse terrível contexto de perda do sentido do que é bem comum, o desfecho napoleônico foi um mal inevitável. Eis o clima de ausência de espírito público que terminou vingando na França após a terrível saga revolucionária, no sentir de Necker: "Essa disposição (de instaurar uma Monarquia temperada) se enfraqueceu. Ou, pelo menos, deixou de ser universal, quando foi prometida a convocação dos Estados Gerais. As diferentes ordens do Estado, os diversos corpos políticos somente cuidaram das prerrogativas de que então careciam. E todos se jactavam de que, numa tão grande assembléia e no meio ao descontentamento geral, a Corte precisaria do apoio de todos eles; e que cada um, segundo o seu ponto de vista, melhoraria a sua situação" [Necker, 1802: II, 327-328].

Em épocas de transformação histórica como as que vivia a França logo após a Revolução de 1789, os intelectuais tinham um dever adicional ao de simplesmente pensarem no seu país: era necessário que com a sua ação buscassem aperfeiçoar as instituições. Mas, para isso, precisavam estar atentos à realidade concreta e conhecê-la completamente. Essa realidade estava composta pelo "movimento dos homens, o curso das suas opiniões, o nascimento e o crescimento dos seus preconceitos" [Necker, 1802: VI-VII]. O pai de Germaine propunha uma ciência da sociedade, ao estilo da "Geografia Moral" de que falavam os filósofos escoceses.

Necker analisou detalhadamente a Constituição de 22 Frimário, ano VIII (1800), que sagrou um modelo de República autoritária, presidida pelos três Cônsules, sendo Bonaparte o que de fato exercia o poder [cf. Chevallier, 1977: 105-108]. O pai de Germaine considerava que, não tendo sido estabelecida nessa Constituição uma verdadeira representação dos interesses populares no Parlamento, a eleição não tinha nenhum sentido e as instituições republicanas careciam de autenticidade. A propósito, escrevia Necker: "A primeira circunstância que chama a atenção ao examinar esta Constituição é que, num Governo denominado de Republicano, nenhuma porção dos poderes políticos, nenhuma, realmente, foi confiada à Nação. No entanto, não apenas nas Repúblicas mistas ou puramente democráticas, mas também nas Monarquias moderadas, o povo concorre à nomeação do Corpo Legislativo, à nomeação das autoridades que determinam os seus sacrifícios. Vemos na Inglaterra os Membros da Câmara dos Comuns eleitos pela Nação. Vemos na Suécia uma ordem de Burgueses, uma ordem dos Camponeses comporem o Poder Legislativo; e sob a Monarquia Francesa o Terceiro Estado nomeava Deputados às Assembleias Nacionais. Uma tal prerrogativa, a mais importante de todas, foi substituída por uma ficção no novo código político da França. Concede-se ao Povo um direito de indicação que não significa nada para ele e que aborrecerá ao Governo se esse direito for respeitado" [Necker, 1802: I, 1-2].

Ora, nenhuma estabilidade institucional poderia advir de um tal regime. Tratava-se de uma República de faz-de-conta, modelo da que, no final do século XIX, os Castilhistas instaurariam no Rio Grande do Sul. Tudo girava ao redor do único poder verdadeiramente forte: o general Bonaparte. A feição dessa pseudo República foi resumida perfeitamente por Jean-Jacques Chevallier (1900-1983), com as seguintes palavras: "Uma fachada de sufrágio universal (simples direito de apresentação). Uma fachada de assembleias: o Senado, o Tribunato, o Corpo Legislativo. No governo uma fachada de três cônsules, sendo que o poder repousava realmente no Primeiro Cônsul. Na tarde em que o texto constitucional foi solenemente promulgado nas ruas de Paris, as pessoas perguntavam: O que há na Constituição? E a resposta era a seguinte: Há Bonaparte. O referendum sobre um texto constitucional tinha fatalmente virado um plebiscito sobre um homem" [Chevallier, 1977: 107]. A propósito dessa enorme encenação, escreveu Necker: "Mostraremos agora que toda essa organização é, ao mesmo tempo, motivo de irritação para a massa geral dos Cidadãos, bem como um atentado aos seus direitos, um estorvo para o Governo e um constrangimento prejudicial para o bem do Estado" [Necker, 1802: I, 4-5].

O modelo de representação previsto pela Constituição bonapartista do ano VIII era apenas uma caricatura da prática do verdadeiro parlamentarismo. Os cidadãos habilitados para votar segundo as normas oficiais (cinco milhões, calculava Necker, sobre uma população de mais de vinte milhões de Franceses), nos seus respectivos cantões indicariam as pessoas que, segundo o seu critério, pudessem desempenhar cargos públicos. Daí sairia uma massa de cinco mil homens aptos para receberem do Senado Conservador, formado à revelia da Nação, a responsabilidade de administrar a máquina do Estado. Seria uma representação às avessas, que personificaria os interesses de Bonaparte e da sua burocracia, deixando de lado os reais interesses dos cidadãos. "Essas listas de elegibilidade - frisava Necker [1802: I, 10-11] - teriam pouca credibilidade, ao reduzir cinco milhões de homens a cinco mil, sem nenhuma das precauções que garantem ao menos um sentimento de interesse, um grau formal de atenção a essa grande ação política".

O resultado de tudo isso não poderia ser outro: o crescente descontentamento popular, a instabilidade da República e a porta aberta para novas revoluções. A própria mãe de Bonaparte, Letízia Ramolino (1749-1836), tinha dito a respeito das novas instituições emergentes da Constituição do Ano VIII (1800) que colocou o seu filho na cúpula do poder, fazendo dele um ditador: "Isso não durará! Isso não pode durar" [apud Chevallier, 1977: 109]. Necker previa a mesma catástrofe: "Nós veremos ainda o resultado, no momento em que o espírito republicano se reanimar. A exclusão de tão grande número de Cidadãos das listas de elegibilidade, essa exclusão duradoura e eficaz será recebida como uma grande ofensa, como um justo motivo de irritação. As pessoas sentir-se-ão postas de lado por um pequeno número de felizardos, tornados os únicos elegíveis por escrutínios praticados com indiferença. E ninguém estará disposto a aturar pacientemente uma barreira colocada diante de si, logo nos primeiros passos da carreira política".

O próprio Estado tornar-se-ia ingovernável, pois o centralismo desvairado, aliado à exclusão dos Cidadãos, impediria que os governantes conseguissem nomear os mais aptos para os cargos públicos. Assim enxergava Necker mais essa contradição da Carta do Ano VIII: "Consideremos agora, de um novo ângulo, a disposição constitucional relativa aos elegíveis. Resultará daí, para o Governo, para a República inteira, um entrave bizarro cuja experiência servirá de lição. É a partir de um número de cinco mil Cidadãos ativos que será necessário, de agora em diante, escolher os principais Funcionários públicos, os Cônsules, os Tribunos, os Legisladores, os Ministros e os Conselheiros de Estado, os Juizes de cassação, os Comissários de contas. Ora, como todos esses cargos exigem qualidades diferentes, não é seguro que os grandes Eleitores, o Governo e o Senado, encontrem uma quantidade suficiente de homens para escolher, com segurança, a partir de um número de cinco mil Cidadãos, indicados uns por amizade, outros por intriga e os melhores por uma reputação genérica de honestidade" [Necker, 1802: I, 26-27].

Destacando a impossibilidade de pôr em prática as disposições de tão maluca Constituição, o pai de Germaine concluía com uma ponta de ironia: "Enfim e por cima de todas as outras dificuldades, são os Cônsules também os que será necessário escolher entre os elegíveis. Convenhamos que é muita modéstia de Bonaparte ter considerado que o seu equivalente poderia ser encontrado entre cinco mil pessoas" [Necker, 1800: I, 28].

A instituição do Senado Conservador constituía mais do que uma instância de representação da Nação, uma roda solta do sistema, absolutamente ignorante das necessidades da administração e que ainda por cima tinha a alta responsabilidade de nomear o Chefe do Estado. A respeito, escrevia Necker: "Um corpo político, absolutamente separado do movimento da Administração e que não participa da confecção das leis, uma espécie de solitário na ordem social, não poderia conservar o direito de nomear o Chefe do Estado, mesmo se ele se equivocasse uma única vez. Seria necessário que vivendo nas sombras e no silêncio, como os oráculos, tivesse a ciência e a infalibilidade destes” [Necker, 1800: I, 32].

Quanto ao Poder Legislativo instaurado pela Carta do Ano VIII, Necker considerava que se tratava de uma instância vazia, pois a iniciativa de propor as leis corresponderia exclusivamente ao Governo, sendo que as duas Assembleias Políticas (Tribunado e Corpo Legislativo), somente poderiam votar os projetos de lei sem discussão alguma. A propósito, escrevia: "Este Poder é atribuído, pela Constituição, a duas assembléia políticas, uma designada com o nome de Tribunado e a outra com o de Corpo Legislativo. A primeira é integrada por cem pessoas, com idade mínima de vinte e cinco anos; a segunda por 300 pessoas com idade mínima de trinta anos. O Governo deve propor todas as leis, o Tribunado as examina, as aceita ou as rejeita. O Corpo Legislativo se pronuncia unicamente por escrutínios, sem nenhuma discussão pública, nem secreta, sem jamais pedir um esclarecimento, sem pronunciar palavra. Uma interdição tão especial e da qual não há um modelo existente, manterá o desejo contínuo de se ver atado por um vergonhoso laço. E a Nação, que ama ouvir falar dos seus negócios e que tem direito a isso numa República, apoiaria o voto dos Legisladores desde que as circunstâncias o permitissem. O seu silêncio, o seu absoluto silêncio, mesmo que ordenado pela Constituição, prenuncia, mais do que qualquer outro indício, a presença de um dono do poder" [Necker, 1802: I, 50-51].

Essa absoluta passividade do Corpo Legislativo, considerava Necker, era sobremaneira nociva especialmente no que tange à tributação. A Carta do Ano VIII estabelecia, nessa matéria, uma verdadeira orgia orçamentívora, toda vez que ninguém poderia objetar a generosidade do gasto público. Em matéria tributária, frisava, “depois de um certo tempo, geralmente, temos amiúde uma opinião diferente, bem por causa das lições da experiência, bem por causa das mudanças que ocorrem nas necessidades do Estado" [Necker, 1802: I, 56].

Inoperante a representação política, a Nação ficou sem instrumentos para exigir dos membros do Governo a mínima responsabilidade. Os Cônsules e os seus Ministros viraram espécies de semideuses, irresponsáveis perante a sociedade e inatingíveis. A França caminhava na contramão da história dos países onde houve um amadurecimento da representação, como a Inglaterra. A respeito, Necker escrevia: "A responsabilidade dos Ministros na Inglaterra é algo real e bem concreto. Mas tudo é diferente na França. Hoje, tudo caminha em sentido contrário. Nada de Câmara dos Pares, que se imponha pelo seu caráter hereditário. Nada de assembléia política representativa da Nação. Nada de Parlamento, enfim, enraizado no espírito e no coração do povo. E além do mais, nenhuma liberdade para escrever, para opinar sem pautas e sem tutores. Como, com uma tal distribuição política, com uma desproporção tão marcante entre a autoridade Executiva e todas as outras autoridades, ousaria alguém acusar um Ministro! Essa seria uma empresa tão vã quanto perigosa" [Necker, 1802: I, 84].

No meio dessa falta de controles sobre o poder, a burocracia miúda tornou-se todo-poderosa, à sombra do Primeiro Cônsul e dos seus Ministros. A respeito frisava Necker [1802: I, 92]: "A autoridade no seu imenso círculo de influência pode ter agentes ordinários e agentes extraordinários. A carta de um Ministro, de um Prefeito de um Subtenente da Polícia é suficiente para transformar alguém em agente. E se no exercício de suas funções estão todos fora do alcance da Justiça, a menos que haja uma especial permissão do Príncipe, o Governo terá na sua mão homens que tal privilégio tornará suficientemente audaciosos como para não temer a desonra, graças ao seu acoitamento pela autoridade suprema. Que instrumentos para optar pela tirania!".

O efeito de tudo isso será a morte da liberdade e o fortalecimento do absolutismo. Todos terão medo, menos o tirano. Todos ficarão reféns do seu poder sem freio. Eis o sombrio quadro traçado por Necker: "Que acontecerá com a liberdade no meio de todos esses dispositivos políticos? O que o Cônsul quiser. O Tribunado poderá lhe dirigir a palavra. Mas está previsto que não é obrigado nem a escutá-lo, nem a responder-lhe. O Senado Conservador está investido do direito de anular os atos inconstitucionais. Mas ousará tal coisa? (...). E todo mundo, em determinado momento, terá medo, exceto o Cônsul" [Necker, 1802: I, 85].

Da crítica de Necker ao regime instaurado pela Carta do Ano VIII depreende-se uma conclusão: a França estava longe de constituir uma verdadeira República. Esta, à sombra da experiência americana, é fundamentalmente o reino da liberdade da Nação, da representação de seus interesses, da salvaguarda dos seus direitos fundamentais à vida, à liberdade, às posses. O pai de Germaine preocupava-se por dar à palavra povo um sentido diferente do que terminou sendo usado pelo democratismo revolucionário e pelo bonapartismo. Povo deveria ser entendido como conjunto de Cidadãos que se distinguem da minoria que exerce o poder.

Eis a forma em que o nosso autor entendia essas noções, bem como o espírito de uma Constituição autenticamente republicana: "Apuremos de entrada o sentido da palavra povo, com a qual se faz o que se quer na língua francesa. Esse termo converte-se em algo terrível quando o utilizamos para designar as últimas classes da sociedade, os homens despidos de educação e entregues, sem limitações, à impetuosidade do seu caráter. A palavra retoma a sua dignidade quando, sinônimo do termo Nação, serve para lembrar a universalidade dos Cidadãos, e algumas vezes para distingui-los do pequeno número de homens que compõem o Governo. O espírito de uma Constituição republicana é indubitavelmente o de atribuir ao povo, assim definido, todos os direitos políticos que pode exercer ordeiramente. E se for verdade que este não existe dessa forma, se for verdade que na França a extensão do país ou o caráter dos habitantes se opusessem a isso, a boa-fé exigiria que se chegasse a um acordo sobre o particular, exigiria que deixássemos de dar o nome de República a uma forma de governo na qual o povo não seria nada, nada mais do que uma ficção. Esse povo pode ser feliz sob o abrigo exclusivo das leis civis. Pode sê-lo sem direito político. Pode sê-lo, ainda, segundo os seus mestres, sob um Monarca absoluto, sob um Ditador, sob uma aristocracia hereditária, sob uma aristocracia burguesa mais ou menos dissimulada. Mas as honras do nome republicano não mais lhe pertenceriam" [Necker, 1802: I, 8-9].

Está enunciado, aqui, um Leitmotiv que encontraremos em Constant de Rebecque (1769-1830), nos doutrinários, em Tocqueville (1805-1859) e em Raymond Aron (1905-1983): o povo francês, preso ao seu bem-estar e trancafiado na sua vida privada, poderá em muitos momentos abrir mão da liberdade e da luta na defesa da sua dignidade como Nação. Mas, nesses instantes, se afastará do ideal republicano. O alerta vale, segundo Tocqueville, inclusive para o povo americano, tão sensível à conquista do bem-estar material. Uma tentação que se desenhará sempre no horizonte da democracia americana é a de renunciar à luta pela liberdade, em prol da manutenção do conforto.

A República, como lembraria mais tarde Tocqueville, é o reino tranquilo do povo sobre si mesmo, o estreito laço que existe entre a Nação e as instituições. Já Necker tinha se antecipado a essa concepção, quando frisava que a vantagem da representação na vida republicana é o estreitamento de laços entre os cidadãos ativos e os seus Governantes. A propósito, o pai de Germaine escrevia: "Temo-lo já dito, a intervenção do povo na escolha dos homens públicos não é essencialmente necessária à bondade dessa escolha, nem é uma garantia disso. E pode ser possível que se chegasse ao mesmo objetivo de forma igualmente segura, sem colocar em movimento cinco milhões de Cidadãos ativos. A primeira utilidade da participação do povo na nomeação dos seus Magistrados, dos seus Legisladores, consiste em estabelecer uma ligação contínua, um vínculo mais ou menos estreito entre os Chefes do Estado e a massa inteira dos Cidadãos. Destruamos essa ligação, sequestremos ao povo o único direito político que pode exercer, troquemos esse direito por algo semelhante, adotando uma simples ficção, e não haverá mais República, ou ela só existirá no papel" [Necker, 1802: I, 16-17].

Necker considerava que a Constituição do Ano VIII pretendeu imitar a praxe inglesa de liberar de toda responsabilidade o Chefe do Estado. Essa providência, que faria sentido numa Monarquia Constitucional, seria de todas maneiras inconveniente numa República, onde o Chefe do Estado foi eleito, como no caso da França. Ora, o Poder Supremo sendo eleito e gozando de imunidade, os seus Ministros passarão a se sentir imunes também. Constant de Rebecque aprendeu esta lição de Necker, pois encontraremos arrazoado semelhante nos Principes de Politique (1810).

A propósito do equilíbrio de poderes existente na Inglaterra, eis o que afirmava Necker, destacando - como Constant fará também - o papel importantíssimo da imprensa como veiculadora do quarto poder, o da opinião: "Há, na Inglaterra, um tal equilíbrio entre os três poderes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, que eles se respeitam mutuamente. E um quarto poder, não menos imponente, vigia sobre a sua união, sobre os seus mútuos direitos. Quero falar do poder da opinião pública, poder enraizado, estimulado, tornado quase imperativo pela liberdade de imprensa" [Necker, 1802: I, 82]. Este é, como veremos, outro ponto em que Constant recebeu influência definitiva de Necker.

Mas voltemos às considerações que Necker fazia em torno à monarquia temperada. Não há dúvida, como frisei atrás, de que esta era, em tese, o modelo preferido pelo pai de Germaine. A monarquia temperada e bicameral, à maneira inglesa, constituía o regime mais apropriado para garantir a estabilidade política, sem cair no risco do absolutismo. Se algum dia a opinião pública francesa decidisse instaurar novamente a monarquia, considerava Necker, esse deveria ser o modelo a ser realizado. O pai de Germaine deixava, pois, em aberto essa possibilidade que, como veremos, Constant de Rebecque retomou em Princípios de Política. O modelo sugerido por Necker seria o de uma monarquia bicameral em que se reforçasse o papel moderador do monarca mediante a nomeação, por ele, para a Câmara Alta (ou dos Pares), de 50 representantes escolhidos entre pessoas de prol da Nação, não necessariamente pertencentes à antiga aristocracia, mas expoentes dos valores morais que garantiriam a unidade nacional, algo assim como os homens de mil, identificados por Oliveira Vianna (1883-1951) como a base de que se valeu dom Pedro II, no Império brasileiro, para a estruturação do Estado [cf. Necker, 1802: II, 287-288; 291-292; 298-299; Vélez, 1997: 161 ss.].

A monarquia temperada, assim constituída, garantiria, de um lado, a diferença e a separação dos poderes públicos, preservando, mediante a autoridade do monarca aliada à representação dos interesses permanentes da Nação na Câmara Alta, os limites de cada um deles, bem como a harmonia no seu funcionamento. A propósito dessa função moderadora da monarquia, frisava Necker: "Creio, pois, que a Monarquia temperada possui não somente todos os meios de estabilidade, como também o Príncipe mesmo e as autoridades secundárias, os corpos intermediários, não são tentados, por nenhum interesse, a saírem do círculo que serve de limite ao seu poder" [Necker, 1802: II, 316]. Constant, neste ponto também fiel seguidor do seu mestre Necker, ampliará a feição moderadora da monarquia constitucional, elaborando a teoria do “poder neutro”.

Na sua ampla visão de mundo, Necker apostava na possibilidade de uma República em que os ideais de igualdade e liberdade ficassem equilibrados. O nosso autor ainda não tinha uma visão clara do que seria a República americana. Esse quadro somente ficaria bem definido após o primeiro volume de De la démocratie en Amérique de Tocqueville, ter sido publicado em 1835. De outro lado, Necker parece valorizar o que poderia ser uma experiência liberal da República na França, tentando auscultar, no fundo dos corações dos seus concidadãos, um ancestral patriotismo aliado à paixão pela liberdade e à ação benfazeja das luzes. Mas os acontecimentos revolucionários e o ciclo posterior de terror e absolutismo deixavam tudo incerto. Seja como for, Necker não excluía a idéia de uma República de inspiração liberal, cujos contornos desenhava de forma entusiástica, tentando cativar os espíritos republicanos na França, a fim de que mitigassem a busca da igualdade com a defesa da liberdade. Esses ideais permaneceriam numa espécie de hibernação, e começariam a frutificar já no ciclo da restauração, ao ensejo das reflexões de Madame de Staël em relação á perfectibilidade humana numa ideal República das Letras. Seriam retomados, no entanto, com força cada vez maior, quando da queda da monarquia de Luís Filipe (1773-1850), após os acontecimentos revolucionários de 1848, quando alguns espíritos liberais, como Tocqueville, passaram a acalentar a ideia de uma República respeitadora dos ideais de liberdade e igualdade. O ideal kantiano de uma República das Luzes (no contexto do ideal de uma sociedade civil universal ou cosmopolita) estaria presente, talvez, no horizonte conceitual de Necker [cf. Kant, 1991: 290-291; Kant, 2004: 31-35].

Eis o que a respeito da perspectiva republicana escrevia Necker: "Emprestemos, contudo, aos Republicanos ideias maiores e mais próprias para contrapor aos arrazoados que temos empregado em favor da Monarquia temperada. Eles não têm nenhuma vantagem sobre os partidários deste último sistema político, quando se limitam a falar da liberdade. Eles possuem, no entanto, uma vantagem, quando falam em igualdade, mas aí é a imaginação que possui a maior força. Nós os escutamos com interesse, mesmo com uma sorte de respeito, quando exaltam a idéia de uma vasta sociedade que marcha, com uma vontade comum, em direção a um mesmo objetivo. Uma República que se movimenta com ordem, não obstante a sua extensão e a sua numerosa população, animada possivelmente por um sentimento antigo de patriotismo e de liberdade e que recebe, gradualmente, do progresso da ilustração, essa temperança que aperfeiçoa todas as instituições políticas: esta perspectiva é bela! É um quadro capaz de seduzir os espíritos elevados e as grandes personalidades. Mas essas são apenas especulações ainda não referendadas com o selo da experiência e, enquanto isso não ocorrer, toda confiança é incerta, toda experiência é confusa" [Necker, 1802: II, 323].

Terminemos este item destacando um aspecto bastante original das idéias de Necker: a particular versão do seu liberalismo econômico. O nosso autor traçou as linhas do que seria uma concepção de liberalismo social, da qual certamente emergiria posteriormente a visão de Tocqueville, alicerçada no ideal de “interesse bem compreendido”. A síntese da concepção econômica de Necker seria a seguinte: do ponto de vista teórico, é perfeitamente válida a concepção de Adam Smith (1723-1790) em defesa da livre iniciativa e do mercado como formas de garantir a produção das riquezas. Mas o funcionamento do sistema produtivo precisa de uma base institucional não redutível ao mercado. Sem instituições políticas, se tornariam impossíveis a empresa e a circulação das riquezas. Ora, esta parte das instituições políticas e do seu funcionamento não é algo puramente teórico, mas é fruto dos ideais e da tentativa de pô-los em funcionamento. Aí entra a desempenhar um papel importante o intelectual comprometido com o processo histórico. A simples ideia de mercado não torna a realidade mais favorável à liberdade, se a empresa econômica não for acompanhada de uma organização política que salvaguarde os direitos individuais.

São vários os textos que poderiam ser trazidos à colação aqui para ilustrar esses aspectos originais da concepção econômico-política de Necker. Eis um deles, por exemplo, que põe de relevo as duas variáveis, econômica e política, na experiência inglesa, uma irredutível à outra e ambas precisando de mútua complementação: "Os Ingleses tiveram, entre os seus compatriotas, um dos mais ilustres escritores em economia política (Adam Smith). No entanto, o Legislador não obedeceu à sua doutrina acerca dos impostos, os grãos, a balança comercial, etc. E creio que ele teve razão. É bom ter, num país, homens que militam no campo da teoria, para fazer surgir idéias novas e amiúde verdades úteis. Mas é necessário, também, que as suas verdades compareçam perante o tribunal dos Filósofos práticos, que enxergam as questões no seu conjunto. E este tribunal não pode deixar de ser integrado por pessoas chamadas, pelo seu dever e as suas funções, a se ocuparem dos negócios do Estado. Eles se atêm, cada dia, às dificuldades das coisas e alguns princípios não lhes bastam. Eles precisam de uma dupla guia, das luzes expandidas nos livros e dos fatos inscritos nos anais da experiência" [Necker, 1802: II, 456-457].

Livre mercado entre as Nações e não ao protecionismo? Sem dúvida que são belos ideais. Mas na marcha dos povos, na luta encarniçada no terreno do comércio internacional, é necessário levar em consideração outros fatores, além desse. E esses outros fatores dizem relação à conveniência de um tal tipo de intercâmbio num determinado momento. Ser liberal em comércio exterior quando todo mundo quer tirar proveito dos outros, é um suicídio. Eis o que Necker escrevia a respeito do comércio internacional da sua época: "A França, dotada de tantos favores e rica em produtos privilegiados, rica em obras de arte, em produtos industrializados, deveria desejar que fosse estabelecida entre as Nações a liberdade de comércio mais ilimitada, ela lucraria com isso, sem dúvida. Mas, quando todos se negam a comprar dela e gostariam de guardar o seu dinheiro; quando todos chegam a esse extremo ou mediante regulamentos internos o através de convenções políticas, ou tratados de balanço e compensação, seria ruim para a França empreender outro caminho. E a mesma reserva lhe é imposta. Não há dúvida quanto a tudo isso, não obstante as proposições gerais formuladas pela teoria. Mas o modo de execução, a sabedoria dos meios, os cuidados necessários para atender aos princípios liberais sem ser vítima da política de outras Nações, eis o que exige habilidade de parte dos Governantes [Necker, 1802: II, 454-455].

Igual prudência deve pairar nas decisões econômicas no interior do próprio país. O princípio do livre mercado é em si bom. Mas há momentos em que os produtos de primeira necessidade não podem ser considerados apenas como mercadorias submetidos à dinâmica da oferta e da procura (diríamos hoje, há produtos que não podem ser considerados, em determinadas circunstâncias, apenas como commodities). Grandes turbulências aconteceriam se o trigo, por exemplo, fosse comercializado livremente num momento de penúria e fome generalizadas. O livre comércio desse produto faria a alegria dos especuladores, às custas da infelicidade coletiva. Foi o que aconteceu na França pouco antes de 1789, quando Necker deitou por terra as políticas liberais de Anne Robert Jacques Turgot (1727-1781), que ameaçavam matar de fome grandes setores da população, ao favorecer unilateralmente a exportação de grãos, sem levar em consideração a fome que grassava no interior do país.

A respeito desse ponto, escrevia Necker: "(O Governo) pode, nos dias de abundância, considerar os grãos como uma simples mercadoria, semelhantes a todas aquelas cuja circulação é entregue sem restrições às especulações dos cultivadores e dos comerciantes. Mas quando a insuficiência das colheitas no interior e o excesso de demanda nos países estrangeiros aumentam a inquietude; quando o Governo, pelas suas informações, considera que o alarme tem fundamento, os grãos não são mais uma simples mercadoria semelhante a todas as outras. A metamorfose é absoluta, pois eles convertem-se então em objetos de vigilância, um objeto de polícia e o mais delicado e o mais sério de todos" [Necker, 1802: II, 461].

O pai de Germaine defendia, portanto, a intervenção do Estado na economia quando fosse necessário garantir a distribuição de gêneros de primeira necessidade. Não se trataria de negar a liberdade econômica, mas de torná-la compatível com o interesse público. Somente se poderia entender esse tipo de arrazoado, levando em consideração não apenas os ideais, mas também a realidade concreta. Poderíamos dizer que o liberalismo de Necker supera o laissez-fairismo e se abre a um intervencionismo moderado do Estado, com vistas a restabelecer o equilíbrio no jogo econômico, algo que a doutrina liberal somente iria conhecer com a contribuição de John Maynard Keynes (1883-1946), na primeira metade do século XX. Talvez se encontre essa herança na tentativa de formular políticas econômicas que visam a superar o problema da pobreza, mediante o estímulo à poupança dos trabalhadores, na linha pretendida por Hervé de Tocqueville (1772-1856) e os seus filhos Hyppolite e Alexis (na conhecida experiência do Banco dos Pobres).

As censuras levantadas contra a política proposta por Necker muitas vezes somente enxergavam os aspectos teóricos da questão, frisava o nosso autor, não o conjunto da teoria e das necessidades concretas. A propósito, escrevia: "Creio (...) que um pequeno número de críticos tem acusado de inutilidade todas essas precauções. Eles dizem: o Governo, não intervindo em nada, teria remediado mais facilmente a crise extremada em que más colheitas teriam eliminado a maior parte da França. Ora, é fácil se transportar em imaginação ao reino dos resultados hipotéticos da liberdade perfeita, quando jamais se está disposto a ser desalojado, pela experiência, dessa torre de marfim. Que Governo, pergunto, poderia se mostrar indiferente ao clamor popular? Que governo estaria disposto a cochilar em face da escassez, da penúria de um gênero de primeira necessidade e repassar a batata quente às combinações do interesse pessoal, às possibilidades desconhecidas da liberdade?" [Necker, 1802: II, 465-466].

O Governo tem uma importante responsabilidade em face dos gêneros de primeira necessidade. Ele deve fazer estoques reguladores a fim de impedir a ação dos especuladores. Deve formular políticas que estabeleçam bases justas e seguras para a comercialização dos gêneros alimentícios. A vigilância diuturna do Estado, no que tange ao abastecimento dos gêneros de primeira necessidade, esse é um assunto estratégico, como a vigilância das fronteiras, a prevenção da criminalidade, a ágil administração de justiça e a manutenção das instituições do governo representativo. Necker elevava as questões da política econômica ao nível de assuntos de Estado. Traço verdadeiramente atual do estadista francês.

A propósito da indelegável responsabilidade do Estado no terreno da economia, Necker escrevia: "Assim, quanto mais refletimos, mais nos persuadimos de que, no seio da França, o olhar vigilante do Governo é de uma necessidade absoluta em face do assunto delicado dos gêneros de primeira necessidade e mais nos persuadimos de que Legislação nenhuma pode substituir essa responsabilidade. O Governo possui as qualidades que o tornam apto para desempenhar uma função tão importante. Somente ele possui os meios para se guiar de acordo às circunstâncias. Ele permite, depois de ter proibido; ele proíbe depois de ter permitido; ele pode fixar limites instantâneos e prescrever limitações passageiras; somente ele pode, enfim, ser o regulador de uma coisa móvel e variável" [Necker, 1802: II, 471-472].

II - A crítica de Madame de Staël ao absolutismo napoleônico.

A variável política, para Madame de Staël, era suscetível de duas abordagens: intuitiva e racional. O ponto de partida seria o primeiro. A nossa autora acreditava numa espécie de "lógica emocional" que lhe possibilitaria pressentir o rumo dos acontecimentos. Seria uma espécie de inteligência sentiente, à maneira zubiriana. A nossa autora vinculava essa modalidade de conhecimento ao senso comum da filosofia escocesa. Eis o que afirmava em Dix années d'exil (obra escrita por Madame de Staël entre 1803 e 1813), quando se aproximava a guinada napoleônica rumo ao absolutismo imperial: "Eu estava na casa do meu pai em Coppet, quando soube que o general Bonaparte tinha passado em Lyon regressando do Egito, e que tinha sido acolhido com entusiasmo. Experimentei nessa notícia uma impressão de dor que me faria crer nesse instinto do futuro, nessa segunda via de que falam os Escoceses, e que não pode ser mais do que a luz do sentimento, independente daquela do raciocínio" [Staël, 1996a: 67].

Esse sentimento, que crescia com o passar do tempo, era o de uma tirania à espreita, que se aproximava passo a passo, galgando progressivamente o poder e ameaçando a liberdade e a dignidade moral. A respeito, escrevia a nossa autora: "Como jamais consegui pensar em nenhum interesse político desvinculado do amor à liberdade, cada dia eu estava mais aflita com a revolução de 18 Brumário, cada dia eu apreendia mais um traço de arrogância ou de astúcia naquele que se apossava gradualmente do poder. Pensava comigo mesma para tentar combater, na medida do possível, o sentimento que me dominava, mas ele renascia sempre, apesar de mim. Eu via se aproximar a tirania ora a passos de lobo, ora com a cabeça erguida, mas parecia-me que de uma hora para outra estaríamos mais oprimidos e que bem cedo toda a vida moral estaria encadeada" [Staël, 1996a: 75].

Incomodava particularmente a Madame de Staël a retórica bonapartista, composta por um discurso populista alicerçado na ameaça das armas. A Revolução de 1789 tinha nivelado a Nação francesa, quebrando os elos entre as antigas ordens, e era mais fácil agora ao futuro amo da Europa tomar posse daquela. Em relação a esse ponto, a nossa autora escrevia: "A Revolução tinha feito tabula rasa em face de Bonaparte e ele só tinha raciocínios para combater, espécie de arma com a qual ele se sentia muito à vontade e à qual ele opunha, quando lhe convinha, uma espécie de imbróglio veemente, que parecia muito lúcido com o auxílio das baionetas, nas quais ele poderia se apoiar" [Staël, 1996a: 76].

Não deixava de destacar Madame de Staël a responsabilidade dos teóricos liberais tradicionais, como o abade Emmanuel Sieyès (1748-1836), autor do famoso panfleto que fez deslanchar o movimento revolucionário de 1789, intitulado: Qu'est-ce que le Tiers État? (O que é o Terceiro Estado?) [cf. Sieyès, 1973]. Ora, eles seriam os diretos responsáveis pela ascensão napoleônica, tendo lhe servido pronto o arrazoado de que o general e futuro Primeiro Cônsul necessitava para se firmar no poder absoluto. Em relação a este ponto, escrevia a nossa autora: "O general Bonaparte tomou bem rápido do sistema de Sieyès aquilo de que ele precisava, ou seja, a anulação da eleição de deputados pela nação. Sieyès tinha imaginado listas de elegíveis, nas quais o Senado poderia escolher os representantes do povo, sob o nome de tribunos e legisladores. Sem dúvida, Sieyès não tinha pensado nessas instituições para estabelecer a tirania na França. Ele tinha oposto contrapesos que poderiam talvez fazê-la balançar, mas Bonaparte, sem se incomodar com os contrapesos, apoderou-se da palavra decisiva: nada de eleição. A metafísica de Sieyès servia de véu, ou melhor de cortina de fumaça para ocultar a força positiva que Bonaparte queria adquirir. Sieyès tinha dito: nada de eleição. Não era, pois, o militar, mas o filósofo mesmo que condenava esse direito, o único com ajuda do qual podemos fazer entrar a opinião pública no governo. São as águas novas que vivificam este, enquanto os corpos permanentes se assemelham aos estanques cujas águas estagnadas podem mais facilmente serem corrompidas. É preciso numa monarquia e talvez numa república também, que haja magistrados hereditários, sábios vitalícios, toda uma aristocracia conservadora, mas uma parte do governo, aquela que aprova os impostos, deve emanar diretamente da nação" [Staël, 1996a: 76-77].

François-René de Chateaubriand (1768-1848) sintetizou as críticas que um intelectual independente poderia endereçar ao regime de Napoleão: ele governava para a sua glória, não para o seu povo. A sua administração só se preocupava com números, não com pessoas. Bonaparte teria sido, talvez, a primeira encarnação do tecnocrata frio, misturado ao guerreiro implacável. A propósito, frisava Chateaubriand: "A administração de Bonaparte tem sido elogiada: se a administração consiste em números, se para bem governar é suficiente saber quanto trigo, quanto vinho, quanto azeite produz uma província, qual é o último cêntimo que pode ser roubado, o último homem que pode ser preso, certamente Bonaparte era um excelente administrador. É impossível organizar melhor o mal, colocar mais ordem na desordem. Mas se a melhor administração é a que deixa o povo em paz, que alimenta nele sentimentos de justiça e de compaixão, que é zelosa em preservar o sangue dos homens, que respeita os direitos dos cidadãos, as propriedades e as famílias, certamente o governo de Bonaparte era o pior de todos os governos" [Chateaubriand, 1966: 76].

De forma semelhante a Chateaubriand, Madame de Staël reconhecia um único ponto positivo na administração napoleônica: aumentou as riquezas da França. Mas a finalidade é que era ruim: para melhor se apossar do que era de todos! A respeito, escrevia a nossa autora: "O que havia de evidente era, de longe, a melhora das finanças e a ordem restabelecida em muitas áreas da administração. Napoleão era obrigado a passar pelo bem da nação para chegar à desgraça dela. Era preciso que ele juntasse as forças da nação a fim de melhor se servir delas para a sua ambição pessoal" [Staël, 1996a: 101].

De positivo o déspota só tinha a aparência. Se buscava acrescer a riqueza da França era para melhor roubar os cidadãos mediante o confisco e os impostos esmagadores. A sua norma de comportamento era a negação da moral e se pautava unicamente pela vontade de poder esmagando a dignidade das pessoas. "O seu grande talento consiste – frisava Madame de Staël - em amedrontar os fracos e tirar proveito dos homens imorais. Quando ele encontra a honestidade em algum lugar, poder-se-ia dizer que os seus artifícios sofrem um grande desconcerto, como quando o diabo é derrotado nas suas maquinações mediante o signo da cruz" [Staël, 1996a: 99].

A estratégia bonapartista para a conquista total do poder seguiu esse imperativo de utilizar a fraqueza ou a falta de caráter dos outros. Isso se manifestou na forma em que Bonaparte dominou, durante o Consulado, os dois colegas que junto com ele exerciam o poder, os Cônsules Régis de Cambacérès (1753-1824) e Charles F. Lebrun (1739-1824). A propósito da forma em que cooptou o primeiro, escrevia Madame de Staël, salientando, outrossim, a engenhosidade do déspota, que conseguia pôr a seu serviço a inteligência alheia: "Ele escolheu com sagacidade notável os dois cônsules que lhe tinham sido dados de presente para mascarar a sua unidade despótica. Um, Cambacérès, tinha aprendido a se submeter durante a Convenção. Jurisconsulto de notável erudição, tinha redigido os decretos arbitrários dos facciosos de forma tão metódica, como se ele tivesse a pretensão de consolidar a código mais justo e amadurecido. Ele me disse um dia, conversando comigo: Quando foi proposto na Convenção o estabelecimento do Tribunal revolucionário, vi em seguida os males que daí decorreriam e, no entanto, o decreto foi aprovado por unanimidade. Ele era então membro da Convenção e contribuiu com o seu sufrágio para essa mesma unanimidade (...). Bonaparte o identificou em seguida como o seu colega de trapaças e como o seu instrumento apropriado. Tudo quanto ele buscava e não cessou de buscar nos homens, é o talento e a ausência de caráter" [Staël, 1996a: 77-78].

Uma vez submetidos os mais diretos colaboradores na cúpula do poder, só restava ao déspota escravizar o resto da Nação. Como? De forma semelhante a como Max Weber (1864-1921) considerava que se reforça o poder do governante nos Estados patrimoniais: destruindo sistematicamente todo sentimento de dignidade presente na sociedade. A respeito, escrevia Madame de Staël: "O exército político de Bonaparte compunha-se de trânsfugas dos dois partidos. Uns lhe sacrificavam as suas obrigações para com a família dos Bourbons e os outros o seu amor à liberdade. Em todos os casos, não deveria estar presente em seu reinado uma forma independente de pensar, pois ele podia ser o rei dos interesses, mas jamais o das opiniões e, pela sua situação assim como pelo seu caráter, sufocava ao mesmo tempo tudo que houvesse de nobre na realeza e na república, pois aviltava, ao mesmo tempo, nobres e cidadãos. Quando todo o seu estabelecimento constitucional foi completado, um grande homem pronunciou acerca dessa ordem de coisas uma dessas palavras que ecoam pelos séculos afora: É uma monarquia - frisou M. Pitt - à qual só faltam a legitimidade e os limites. Ele poderia adicionar que não havia monarquia verdadeiramente legítima senão aquela que tem limites" [Staël, 1996a: 78-79].

Madame de Staël considerava que Napoleão desenvolveu uma estratégia verdadeiramente moderna - forma mais agressiva de maquiavelismo - tendo dado ensejo a um processo que contava com cinco variáveis: 1- cênica ou estetizante (em que o despotismo montava o seu próprio palco, que realçava as figuras que aceitassem aparecer como atores a serviço do tirano), 2 - cultural (que tinha como finalidade o controle sobre a opinião pública, mediante o amordaçamento da imprensa e a censura sobre as publicações), 3 -política (mediante o terror policial que esmagava qualquer resistência civil), 4 - religiosa (mediante a submissão da estrutura da Igreja aos seus anseios absolutistas) e 5 - imperial (através da submissão imposta às nações estrangeiras, mediante as guerras de conquista). Essas cinco variáveis foram estudadas por Madame de Staël na sua obra Dix années d'exil. A nossa autora ergue-se assim, como precursora da obra de Alexis de Tocqueville, na parte que corresponde à análise crítica do absolutismo (que o autor de De la démocratie en Amérique desenvolveu na sua última obra L'Ancien Régime et la Révolution). Destaquemos apenas alguns exemplos de cada uma das variáveis apontadas.

1) Variável cênica ou estetizante.

A nossa autora considerava que o despotismo napoleônico inseriu-se no complexo cultural estetizante que já existia no imaginário francês, tornando os atores políticos comediantes que desempenhavam uma função no palco. O segredo da teatralidade bonapartista consistiu em democratizar as expectativas de ter intimidade com o poder, no sentido de que cada cidadão poder-se-ia considerar apto a ser confidente do déspota. A respeito dessa manobra midiática, escrevia Madame de Staël: “Eram distribuídos folhetos nos quais se dizia que Bonaparte não queria ser nem Monk, nem Cromwell, nem sequer César, porque esses eram, afirmava-se, papéis já representados, como se os acontecimentos deste mundo pudessem ser considerados assuntos de tragédia que não é preciso imitar dos antepassados. Mas o que interessava não era persuadir realmente, mas sugerir àqueles que queriam ser enganados uma frase que pudessem repetir a qualquer um. A doutrina de Maquiavel (1469-1527) fez tais progressos na França depois de um certo tempo, que toda a vaidade francesa se transporta ao terreno da habilidade política. Pode-se colocar a nação toda inteira, por assim dizer, no segredo da comédia: ela sentir-se-á orgulhosa de se sentir confidente. Um cabeleireiro dizia, quando Bonaparte tratava com o Papa: Eu não acredito em nada, mas é necessária a religião para o povo. Cada indivíduo goza ao se considerar parte do embuste que é feito a todos” [Staël, 1996a: 80].

2) Variável cultural.

Bonaparte pôs em execução uma sistemática política de censura à imprensa e às obras literárias. O peso da repressão desabava, impiedoso, sobre todo aquele que ousasse transgredir, ou seja, esboçar uma crítica ao déspota e aos seus representantes. Madame de Staël sofreu em carne própria essa repressão, ao publicar o seu livro De L’Allemagne. O ditador sabia que a obra da nossa autora não se limitava ao estudo especulativo do pensamento alemão. O significado desta era muito mais profundo. Se a alma das nações é a sua cultura, uma obra acerca da cultura alemã significava que o déspota, ao invadir os principados ao norte do Reno, não tinha conseguido submeter o espírito altivo desse povo. Daí a sanha com que a polícia do Imperador destruiu, em 1810, a mencionada obra de Madame de Staël. Em relação à censura imposta à imprensa, escrevia a nossa autora: “O grande número de jornais que existia na França [contavam-se, no final do século XVIII, mais de trezentos] foi reduzido, de um momento a outro, a quatorze por uma simples portaria do Conselho de Estado e, a partir de então, estabeleceu-se esse poder terrível das folhas periódicas que repetiam todas a mesma coisa cada dia e que não sofriam a mais mínima sombra de crítica de nenhum gênero. A descoberta da imprensa passava como a salvaguarda da liberdade, posto que até então jamais tinha sido vista a serviço da autoridade de um déspota. Mas, assim como as tropas regulares têm sido bem menos favoráveis que as milícias à independência européia, seria necessário lamentar a descoberta da imprensa, se daí se seguissem a subserviência dos jornais e a vigência do princípio de que os jornalistas deveriam ser empregados e pagos pelo governo” [Staël, 1996a: 82]. O Imperador antecipou-se, aliás, aos grandes comunicadores do século XX, ao encarar a nação como massa que poderia ser formatada de acordo com as informações (certas ou erradas, pouco importava), que lhe fossem repetidas dia e noite. Certamente Bonaparte ficaria ao lado de Goebbels nessa empresa, como o precursor deste. A respeito deste ponto escreveu a nossa autora: “O sistema de Bonaparte era avançar mês a mês, passo a passo, na carreira do poder. Ele fazia espalhar com estardalhaço decisões que gostaria de tomar, a fim de sondar e ir preparando desse modo a opinião. De ordinário, preferia que se carregasse as tintas nas decisões que pretendia tomar, a fim de que, quando estas se tornassem concretas, aparecessem como mais brandas ao público do que se temia” [Staël, 1996a: 100].

3) Variável política.

O terror policial foi a grande arma de que Bonaparte fez uso para quebrar os laços de solidariedade na França e assim governar absolutamente, sem nenhuma oposição. A nobreza recebeu um recado quando o Imperador mandou fuzilar, na prisão de Vincennes, sem prévio aviso, o duque Luís Antônio de Enghien (1772-1804), brilhante militar e um dos mais tradicionais representantes da aristocracia. O longo exílio a que foi submetida nossa autora foi, de outro lado, uma advertência aos intelectuais provenientes da burguesia. Se a filha de um ministro que foi adorado pelo povo podia ser banida, ninguém no meio intelectual estaria seguro! A respeito do despotismo sem limites que se abateu sobre os franceses no período napoleônico, escreveu Madame de Staël: “Os mais pobres como os mais ricos, os mais desconhecidos como os mais célebres, as mulheres, as crianças, os velhos, os sacerdotes, os conscritos tinham alguma coisa a pedir ao novo governo e essa alguma coisa era a vida, pois não se tratava de dizer: Eu renunciarei em favor de um déspota. Mas era necessário se resolver a jamais rever a pátria, a não achar a menor parte das suas posses, se alguém caísse na desgraça do governo, que tinha se reservado o direito de traçar a sorte de cada um, ou de quase todos os habitantes da França. Essa situação escusa muito a nação, parece-me, mas ela coloca a nu o torpe comportamento desses magistrados que, para conservar o seu cargo, entregaram o destino de todos os seus concidadãos ao Primeiro Cônsul” [Staël, 1996a: 81].

4) Variável religiosa.

 Neste terreno, como aliás no concernente à vida política, a estratégia napoleônica consistiu em ir lentamente colocando a religião na órbita do poder temporal. Ao ensejo da negociação da Concordata que se seguiu à Constituição de 1800, o Primeiro Cônsul simplesmente iniciou um processo de cooptação da religião católica, que passou a girar ao redor dele como mais um sustentáculo do seu poder absoluto. Se dizendo católico, fez, no entanto, com que a religião passasse a lhe servir. Já no ato de coroação do Primeiro Cônsul como Imperador dos Franceses, em 1804, ficou clara essa dimensão de cooptação do elemento religioso, quando na basílica, na cerimônia religiosa que o sagraria, tirou a coroa das mãos do Papa e a colocou na própria testa.

A propósito dessa cooptação, escreveu a nossa autora: “A religião tinha ficado na França numa grande anarquia depois da Revolução. O partido revolucionário a considerava como destruída. O partido aristocrático a adotava como bandeira e, o que era mais importante, um grande número de pessoas esclarecidas e golpeadas pelas desgraças da Revolução buscavam reacender os raios da fé nos seus corações. O Primeiro Cônsul, que jamais deixou de considerar nenhuma coisa deste mundo senão em relação a ele, examinou a religião do ponto de vista da autoridade que ela poderia lhe dar e, sobretudo, do obstáculo que ela poderia oferecer, se ele não se impusesse para sufocar qualquer entusiasmo que ela pudesse fazer nascer. Ele começou, pois, a negociação dessa Concordata que deveria socavar lentamente toda religião sincera entre os homens. Ele percorria, neste terreno, o mesmo caminho que seguiu em relação aos reinos que ele quis arruinar. Não os destruiu como poderia fazê-lo, mas deixou cravado o machado na árvore, a fim de fazê-los morrer com o passar do tempo. Exatamente isso aconteceu com a religião, da forma como ela foi restabelecida pela Concordata. Era lembrada a ordem nas práticas religiosas como se se tratasse de um negócio mal administrado. Mas o princípio da religião, ou seja a sua independência em face do poder temporal, era atacado radicalmente” [Staël, 1996a: 334-335].

5) Variável imperial.

O projeto napoleônico foi o de unificar toda a Europa ao seu redor, exercendo sobre os vários países submetidos uma autoridade de ferro, que impedia a expressão das liberdades ou a manifestação das culturas nacionais. Daí a agressividade do Primeiro Cônsul e logo do Imperador, em relação a uma mulher escritora que ousava desafiá-lo no seu poder tirânico, escarafunchando nas fontes da cultura elementos que poderiam fazer pensar na vitalidade das várias tradições europeias, a partir das quais poder-se-ia acender o fogo do Volkgeist, do espírito dos povos. O imperador mudou realmente a geografia da Europa, ao ponto de que, como confessava Madame de Staël, para escapar da sua polícia, era necessário ir até os confins do Continente, nos limites da Ásia. Eis o testemunho que dava a nossa autora, em relação à viagem que se viu obrigada a empreender para fugir da perseguição napoleônica, indo até os confins da Rússia: “A geografia da Europa napoleônica só se aprende de forma adequada na desgraça. As voltas que era necessário dar para evitar o seu poder eram já de quase duas mil léguas e agora, passando pela mesma Viena, era necessário ganhar o território asiático para escapar por ali” [Staël, 1996a: 242-243].

Em relação aos países dominados, frisava a nossa escritora: “Napoleão possui a arte de tornar a situação dos países que se consideram a si próprios em paz de tal forma infeliz, que toda mudança lhes é agradável e que, uma vez forçados a dar homens e dinheiro à França, não sentem quase o inconveniente de serem reunidos ao redor dela. Eles se dão mal, no entanto, pois nada há pior do que perder o nome de nação e, como os males da Europa são causados por um só homem, é necessário conservar com cuidado aquilo que pode renascer quando ele já não mais exista” [Staël, 1996: 236]. A nossa autora era consciente do preço que os seus concidadãos tiveram de pagar para erguer o monumento ao despotismo napoleônico. A propósito, contava a seguinte anedota: “Alguém me falou certa vez: Eis tudo restabelecido como antes da Revolução. – Sim, respondi-lhe, tudo exceto dois milhões de homens que morreram pela liberdade. Essas palavras impressionaram um general que as repetiu como se fossem dele. O Primeiro Cônsul me reconheceu nessa expressão e em algumas outras que foram repetidas pelo mesmo general, que conversava frequentemente comigo. Deixando escapar expressões as mais violentas, ele disse com a sua delicadeza ordinária para com as mulheres, que ele me faria cortar os cabelos e me trancaria num convento” [Staël, 1996a: 335-336].

III - A perfectibilidade humana segundo Madame de Staël.

Madame de Staël partiu para uma crítica ao utilitarismo enquanto filosofia que anulava a criatividade humana. Esta se deveria inserir num contexto de valorização do espírito e das livres criações da cultura. O conceito de “perfectibilidade” revela, justamente, esse viés de inspiração escocesa (tributário da Filosofia do Senso Comum, fortemente espiritualista). Seguindo a moda introduzida por d'Alembert (1717-1783), Madame de Staël utilizou o subtítulo de "Discours Préliminaire" na parte inicial da sua obra De la Littérature, para ressaltar o plano da mesma e as circunstâncias que deram ensejo à sua escrita. Destaquemos, inicialmente, estas últimas. A nossa autora considerava que a obra em apreço constituiu, para ela, um reencontro com o prazer de conversar no seu salão. O diálogo mundano com os grandes da França, essa seria uma espécie de Sitz im Leben que serviu como pano de fundo para este escrito.

A respeito, frisava em Dix années d'exil: "Por volta da primavera de 1800 publiquei a minha obra acerca da literatura e o seu sucesso me colocou totalmente em sintonia com a sociedade; o meu salão voltou a ficar cheio e reencontrei esse prazer de conversar, e de conversar em Paris que, creio, tem sido para mim o prazer mais estimulante de todos. No meu livro não havia uma só palavra sobre Bonaparte e os sentimentos mais liberais estavam ali expressos, creio eu, com força" [apud Staël, 1998: 14].

Em relação ao plano da obra, Madame de Staël escrevia no mencionado "Discours Préliminaire": "Tenho-me proposto examinar qual é a influência da religião, dos costumes e das leis sobre a literatura, e qual é a influência da literatura sobre a religião, os costumes e as leis. Existem, na língua francesa, sobre a arte de escrever e sobre os princípios do gosto, tratados que não deixam nada a desejar. Mas, parece-me que não se tem analisado, suficientemente, as causas morais e políticas que modificam o espírito da literatura. Parece-me que não se tem considerado ainda, como as faculdades humanas se têm desenvolvido gradualmente, graças às obras ilustres de todos os gêneros, que têm sido escritas desde Homero até os nossos dias" [Staël, 1998: 15].

A nossa autora explicitava, a seguir, o objetivo da sua obra, colocando-a em relação com o contexto histórico da França que acabava de sair do ciclo revolucionário de 1789: "Tenho tentado dar conta da marcha lenta, mas contínua, do espírito humano na filosofia, e dos seus progressos rápidos, mas interrompidos, nas artes. As obras antigas e modernas que tratam dos temas da moral, da política ou da ciência, provam, evidentemente, os progressos sucessivos do pensamento, depois que a sua história se torna por nós conhecida. Não acontece a mesma coisa com as belezas poéticas, que pertencem unicamente à imaginação. Ao observar as diferenças características que se encontram entre os escritos dos Italianos, dos Ingleses, dos Alemães e dos Franceses, creio poder demonstrar que as instituições políticas e religiosas eram responsáveis, em grande parte, por essas diversidades constantes. Enfim, ao contemplar não só as ruínas, mas também as esperanças que a Revolução Francesa, por assim dizer, fundiu no seu bojo, tenho pensado que importa conhecer qual era o poder que essa revolução exerceu sobre as luzes e quais os efeitos que um dia poderiam resultar, se fossem sabia e politicamente combinadas a ordem e a liberdade, a moral e a independência republicana" [Staël, 1998: 15-16].

O grupo que se formou ao redor de Madame de Staël, em Coppet, tentou desenvolver o entusiasmo liberal, que valorizava as culturas nacionais como a alma a partir da qual poderiam tomar vida as novas sociedades emergentes das lutas em prol da sua libertação. Apelo contra o imperialismo napoleônico, certamente, mas também formulação da tese romântica do Volkgeist. Paule Petitier sintetizou assim essa feição do grupo chefiado pela nossa autora: "Estes românticos estão impregnados da filosofia das Luzes e de um espírito cosmopolita que apregoa a descoberta e a utilização das diversidades culturais nacionais. Como os historiadores liberais da mesma época, o seu pensamento está organizado ao redor da ideia de nação e buscam uma literatura que exprima a nação, a sua história, o estado de sociedade no qual ela se encontra. A sua reflexão orienta-se ao teatro, gênero literário que, pelo seu modo de representação, é o que mais diretamente se inscreve nas relações sociais. Stendhal (1783-1842) pensa que ele corresponde aos anseios do público: A nação tem sede da sua tragédia histórica (Racine e Shakespeare). Benjamin Constant interessou-se suficientemente por ele como para traduzir o Wallenstein de Schiller (1759-1805) e publicar as Réflexions sur la tragédie (1829), nas quais sugere que as molas da ordem social contemporânea podem substituir nas peças modernas a fatalidade dos antigos. O romantismo liberal se exprime no Le Globe, on no Le Mercure du XIXe. siècle, que gostaria de insuflar na literatura nova o entusiasmo liberal, essa energia renovada nascida da Revolução" [Petitier, 1996: 54].

Para Madame de Staël, "os contemporâneos de uma revolução perdem amiúde todo interesse pela busca da verdade". Não de outra forma aconteceu na França, com aqueles que viveram as sanguinolentas jornadas de 1789 e da década do terror jacobino. As revoluções alimentam-se das baixas paixões humanas. A respeito, frisa nossa autora: "Tantos acontecimentos decididos pela força, tantos crimes absolvidos pelo sucesso, tantas virtudes acintosamente desdenhadas pelo cinismo, tantas desgraças injuriadas pelo poder, tantos sentimentos generosos convertidos em motivo de burla; tantos vis cálculos hipocritamente tramados; tudo tira a esperança aos homens mais fiéis ao culto da razão" [Staël, 1998: 17].

Mas eis que, iluminista incorrigível, a nossa autora conclama todos os espíritos elevados para que descubram, mesmo nas ruínas da mais sangrenta revolução, os traços subtis que marcam a marcha ascensional do espírito humano: "Ah, se eu pudesse lembrar a todos os espíritos esclarecidos o gozo das meditações filosóficas (...). Eles devem, apesar de tudo, se reanimar ao observar, na história do espírito humano, que jamais existiu nem um pensamento útil, nem uma verdade profunda que não tenha encontrado o seu século e os seus admiradores!" [Staël, 1998: 17].

Esse esforço iluminista age, também, como bálsamo que sara as nossas feridas intelectuais. Fala aqui a mulher desiludida com um casamento de fachada e que encontra na vida do espírito o motivo para viver, mesmo renunciando às alegrias domésticas. Há no seguinte texto de Madame de Staël um tom um tanto estoico: "Enfim, levantemo-nos sobre o peso da existência, não concedamos aos nossos injustos inimigos, aos nossos amigos ingratos, o triunfo de terem conseguido abater as nossas faculdades intelectuais. Aqueles que se contentam com as afecções, renunciam a buscar a glória: ora, pois, devemos conquistá-la. As tentativas ambiciosas não levarão remédio à penas da alma, mas enchem a vida de honra. Consagrar a própria existência à esperança sempre frustrada da felicidade, é torná-la ainda mais infeliz. Vale mais reunirmos todos os nossos esforços para descer, com alguma nobreza, com alguma reputação, pelo caminho que conduz da juventude à morte" [Staël, 1998: 17-18].

Projeto platônico de descoberta de uma dimensão transcendente à própria finitude da cotidianeidade, a partir do qual se deitam as bases para uma perspectiva eterna, no universo da cultura, identificado pela nossa autora como a glória. Dimensão metafísica que constitui a mais radical paixão que pode movimentar ao ser humano, como frisava ela em De l'influence des passions [Madame de Staël apud Kristeva, 2002: 175]: "De todas as paixões às quais é suscetível o coração humano, nenhuma tem caráter tão dominante quanto o amor da glória: pode-se encontrar o rastro de seus movimentos na natureza primitiva do homem, mas é somente no meio da sociedade que esse sentimento adquire sua verdadeira força. Para merecer o nome de paixão, é preciso que ele absorva todas as outras afeições da alma, e tanto seus prazeres como suas penas pertencem ao completo desenvolvimento de sua potência". Essa paixão pela eternidade produz no ser humano, segundo Madame de Staël, o sentimento de um "prazer inebriante", que consiste em "preencher o universo com seu nome, de existir a tal ponto além de si, de ser possível iludir-se tanto sobre o espaço quanto sobre a duração da vida, e de se crer possuidor de alguns dos atributos metafísicos do infinito".

Não pode haver glória legítima, no sentir da nossa autora, que não seja legitimada pela moral. A propósito, frisava: "A moral fornece os fundamentos sobre os quais a glória pode se levantar e a literatura, independentemente da sua aliança com a moral, contribui ainda, de maneira mais direta, à existência dessa glória, nobre estímulo de todas as virtudes públicas" [Staël, 1998: 25]. Encontramos aqui a essência da posição romântica: o valor da literatura consiste no seu poder de elevar a moral de um país.

Diríamos que Madame de Staël propunha o caminho da virtude (da glória) como a mais elevada forma para atingirmos a verdadeira felicidade. A finalidade da obra de arte literária consiste em mostrar esse caminho à sociedade. A propósito, escreveu: "A crítica literária é amiúde um tratado de moral. Os escritores importantes, ao se entregarem exclusivamente ao impulso de seu talento, descobrirão o que há de mais heroico no devotamento, de mais tocante no sacrifício. Estudar a arte de emocionar os homens, é aprofundar nos segredos da virtude. As obras-chave da literatura, independentemente dos exemplos que apresentem, produzem um tipo de sacudida moral e física, uma perturbadora admiração que nos dispõe às ações generosas (...). A virtude converte-se, então, em um impulso involuntário, um movimento que percorre o sangue e que nos encadeia irresistivelmente, como as paixões mais imperiosas" [Staël, 1998: 19]. Eis aí definido o marco conceitual da crítica literária romântica, que valoriza a arte (à la Platão) como paideia moralizadora. A nossa autora arrematava a sua idéia afirmando: "No estado atual da Europa, os progressos da literatura devem servir ao desenvolvimento de todas as ideias generosas" [Staël, 1998: 23].

No prefácio à segunda edição de De la Littérature, a autora deixou claro que não pretendia escrever uma obra de crítica literária ou de poética. Outros já o teriam feito no seio da tradição francesa, como Voltaire (1694-1778), Marmontel (1723-1799) ou La Harpe (1736-1803). Madame de Staël destacava da seguinte forma o objeto da obra: "Eu queria mostrar a relação que existia entre a literatura e as instituições sociais de cada século e de cada país; e esse trabalho ainda não tinha sido feito em nenhum livro existente" [Staël, 1998: 2]. A autora explicitava logo qual seria o caminho a seguir, na busca do seu objetivo: "Eu queria provar, também, que a razão e a filosofia têm sempre adquirido novas forças através das desgraças sem número da espécie humana". É como se ela definisse o objeto material da sua pesquisa (sendo tal objeto a matéria sobre a qual versa o seu estudo), como a análise das relações entre a literatura e as instituições sociais de cada século e de cada país, e definisse o objeto formal da mesma pesquisa (o aspecto específico sob o qual ela vai estudar o seu objeto formal), como a perfectibilidade da razão e da filosofia, na superação das desgraças sem número da espécie humana.

Em face dos objetos material e formal propostos, o critério do gosto na análise das obras literárias ficava curto: "O meu gosto em poesia é pouca coisa ao lado desses grandes resultados". Poderia acontecer, inclusive, frisava Madame de Staël, que alguém discordasse em matéria de gosto, mas, ao mesmo tempo, colocado no contexto dos objetivos traçados, concordasse com ela. A respeito, escrevia a autora: "Mas essa forma de ser afetada [o critério do gosto], não possui mais do que relações muito indiretas diante do plano da minha obra; e aquele que tivesse opiniões totalmente contrárias às minhas acerca dos prazeres da imaginação, poderia ainda estar inteiramente de acordo comigo, no que tange às aproximações que tenho feito entre o estado político dos povos e a sua literatura; poderia estar inteiramente de acordo comigo acerca das observações filosóficas e o encadeamento das idéias que nos têm servido, para traçar a história dos progressos do pensamento desde Homero até os nossos dias" [Staël, 1998: 2-3].

Madame de Staël tratava de realizar algo semelhante ao que tenta, hodiernamente, Vidiadhar S. Naipaul (1932-2018), nas suas obras: Entre os fiéis, Além da fé e The Loss of El Dorado [cf. Naipaul, 1999, 2001a, 2001b], ao estudar as sociedades islâmicas do ponto de vista das relações entre instituições religiosas e políticas. (Para flagrar, neste caso, as idéias de intolerância em face dos infiéis e de manutenção de uma sociedade de corte patriarcal, quando se trata de organizar as estruturas sociais. O elemento inspirador seria, aqui, a tradição corânica).

A nossa autora considerava que forma parte da perfectibilidade do espírito humano a criação de novos estilos literários. Mas condicionava a validade destes a dois fatores: em primeiro lugar, que não caíssem na vulgaridade (caracterizada como pouca elegância nas imagens e falta de delicadeza na expressão); em segundo lugar, que respeitassem o talento (que é definido como "saber preservar os verdadeiros mandamentos do gosto"). Para que se realizassem essas condições, deveria ser introduzido na literatura nacional "tudo que há de belo, de sublime, de tocante na natureza sombria que os escritores do Norte têm sabido pintar" [Staël, 1998: 6].

Ora, Madame de Staël achava que somente poderia criar um novo estilo aquele que conhecesse "perfeitamente as obras clássicas do século de Luís XIV". Não se trataria, contudo, de matar a criatividade, erguendo esse século como paradigma a ser imitado. "Renunciaríamos a possuir doravante na França grandes homens na carreira da literatura, se desprezássemos de entrada tudo quanto pode conduzir a um novo gênero, a abrir uma rota nova ao espírito humano, a oferecer enfim um futuro ao pensamento. Este perderia de entrada toda emulação, se lhe apresentássemos sempre o século de Luís XIV como um modelo de perfeição, além do qual escritor eloquente nenhum ou pensador nenhum se pudesse levantar" [Staël, 1998: 6].

A perfectibilidade do espírito humano, no entanto, parece que se manifesta clara, segundo Madame de Staël, na evolução do pensamento filosófico. Esse aperfeiçoamento, porém, não seria apreciável nas artes da imaginação. Ao passo que os gregos nos legaram "a maior parte das invenções poéticas", isso, contudo, não aconteceu no terreno do pensamento. A respeito dessa manifestação filosófica da perfectibilidade humana, frisa Madame de Staël: "O sistema da perfectibilidade da espécie humana tem sido o de todos os filósofos esclarecidos nos últimos cinqüenta anos; eles o têm defendido sob todas as formas de governo possível. Os professores escoceses, Adam Fergusson (1723-1816) em particular, têm desenvolvido esse sistema sob a monarquia livre da Grã-Bretanha. Kant (1724-1804) o defende sob o regime ainda feudal da Alemanha. Anne Robert Turgot (1727-1781) o tem professado sob o governo arbitrário, mas moderado, do último reinado; e Condorcet (1743-1794), na proscrição em que tinha sido jogado pela sanguinária tirania que o deveria fazer desesperar da república, Condorcet, no cúmulo do infortúnio, escreveu ainda em favor da perfectibilidade da espécie humana. Tanto os espíritos pensantes têm dado (tal) importância a este sistema, que promete aos homens neste mundo alguns dos benefícios de uma vida imortal, um porvir sem sombras, uma continuidade sem interrupção!" [Staël, 1998: 8-9].

O sistema da perfectibilidade do espírito humano abarca o progresso das ciências, da razão humana, da moral e da política das nações. "Ao descobrir a bússola, frisava nossa autora, foi descoberto o Novo Mundo e a Europa moral e política tem, depois disso, experimentado mudanças notáveis. A imprensa é uma descoberta das ciências. Se dominássemos algum dia a navegação aérea, como seriam diferentes as relações da sociedade!" [Staël, 1998: 10-11]

A idéia de progresso, segundo Madame de Staël, deve abarcar todo o âmbito das realidades humanas: no terreno científico, no moral e no político. E o grande inimigo da Humanidade é a superstição. Ela é, a longo prazo, "irreconciliável com os progressos das ciências positivas. Os erros de todo tipo se retificam sucessivamente pelo espírito de cálculo. Enfim, como se pode imaginar que coloquemos as ciências de tal forma fora do pensamento, que a razão humana não sinta os efeitos dos imensos progressos que se conseguem cada dia, na arte de observar e de dirigir a natureza física? As luzes da experiência e da observação não existem também na ordem moral e não dão elas também útil ajuda aos desenvolvimentos sucessivos de todos os gêneros de reflexões? Diria mais: que os progressos das ciências tornam necessários os progressos da moral. Pois, aumentando o poder do homem, é preciso fortalecer o freio que lhe impede de abusar daquele. Os progressos das ciências tornam necessários os progressos da política. Precisamos de um governo mais esclarecido, que respeite previamente a opinião pública, no meio das nações onde as luzes se estendem cada dia . E embora possamos sempre opor os desastres de alguns anos aos arrazoados que se alicerçam nos séculos, não é menos verdadeiro que país nenhum da Europa suportaria, hoje, a longa sucessão de tiranias baixas e ferozes que têm castigado aos Romanos. É necessário, além do mais, distinguir entre a perfectibilidade da espécie humana e a do espírito humano. Uma se manifesta mais claramente do que a outra. Toda vez que uma nação nova, como a América, a Rússia, etc., faz progressos em direção à civilização, a espécie humana se aperfeiçoa; cada vez que uma classe inferior sai da escravidão ou do aviltamento, a espécie humana ainda se aperfeiçoa. As luzes ganham evidentemente em extensão, mesmo quando se trata ainda de questionar que elas cresçam em elevação e profundidade" [Staël, 1998: 11-12].

A fim de ver garantido num determinado país, como a França, o triunfo do progresso, a nossa autora considerava ser necessário que os espíritos ilustrados se unissem, de forma semelhante a como os maus elementos da sociedade se apoiam mutuamente nos seus negócios escusos. Se viva fosse nos dias atuais, a ensaísta francesa conclamaria a sociedade civil a se associar contra o crime organizado. Madame de Staël pensava, sem dúvida, na experiência suscitada e dirigida por ela no castelo de Coppet, onde ocorreu o primeiro grande encontro intercultural da Europa, que possibilitou a explicitação do conceito de nação como unidade espiritual, sobre um pano de fundo de intercâmbio cultural e de tolerância religiosa, alheio ao projeto absolutista de unificação unidimensional dos espíritos sob a batuta napoleônica. Como frisa com propriedade Michel Delon (1947-), na introdução da coletânea organizada por ele e Françoise Mélonio (1951-) acerca dos colóquios de agregação na Universidade de Paris-Sorbonne sobre a nossa autora, "Madame de Staël e os seus amigos liberais buscam lutar, com os seus meios limitados, contra uma unificação cultural do continente e contra a negação autoritária da herança parlamentar da Revolução" [Delon, 2000: 6].

A propósito dessa empresa de cultura que constituía uma República das Letras, frisava a nossa autora: "Por que os espíritos distinguidos, qualquer que seja a carreira que sigam, não juntam os seus esforços para defenderem todas as idéias que, neles, possuem grandeza e elevação? Não vêm eles, por acaso, que por todos os lados os sentimentos mais vis, a avidez mais rastejante se apodera cada dia de mais um caráter, e degradam cada dia alguns homens sobre os quais eles tinham feito repousar a sua estima? Que restará ainda aos que se preocupam pelos progressos do pensamento? (...). A filosofia é atacada; bem cedo sentirão falta dela; bem cedo reconhecerão que, degradando o espírito, afrouxam a mola da alma que faz amar a poesia, que faz partilhar o seu generoso entusiasmo. Se todos os vícios se coadunam, todos os talentos dever-se-iam aproximar. Se estes se reunissem, fariam triunfar o mérito pessoal. Pelo contrário, se eles se atacam entre si, os arrivistas, felizes, ocuparão os primeiros lugares e tornarão piada todos os sentimentos desinteressados, o amor à verdade, a ambição da glória, a sadia emulação que inspira a esperança de ser útil aos homens e de aperfeiçoar a sua razão" [Staël, 1998: 12-13].

O amor à pátria, sendo uma questão social, precisa ser construído e a literatura, bem como a imprensa, seriam, no sentir da nossa autora, os instrumentos ideais para conseguir esse resultado. a respeito, frisava Madame de Staël: "O amor da pátria é uma afeção puramente social. O homem, criado pela natureza para as relações domésticas, não leva a sua ambição além desse limite, senão graças à irresistível atração da estima geral; e é sobre essa estima, formada pela opinião, que o talento de escrever tem a maior influência. Em Atenas, em Roma, nas cidades dominadoras do mundo civilizado, falando na praça pública, podia se dispor das vontades de um povo e da sorte de todos; nos nossos dias, é pela leitura que os acontecimentos se preparam e os juízos se esclarecem" [Staël, 1998: 24-25].

Julia Kristeva (1941-) enxerga nessa idéia da nossa autora um traço marcante de contemporaneidade. A propósito, escreve: "Lembremos que nossa democrata não conhece o totalitarismo nem a força da mídia. Estamos ainda longe de Hannah Arendt (1906-1975), e, no entanto, já está lançado sobre os séculos um elo entre as duas filósofas. Paralelamente ao Terror, Madame de Staël observa aquilo que de fato deve ser chamado de novas mídias da época: ela é sensível, após a invenção da arte tipográfica, à liberdade de imprensa e à multiplicidade dos jornais. Fontes de liberdade e de informação necessária e indispensável, esses fenômenos que a cada dia tornam público o pensamento da véspera também fazem com que seja quase impossível existir num tal país o que se chama de glória. Não mais mestres do pensar, já então!" [Kristeva, 2002: 177].

Estão lançadas, aqui, as bases do liberalismo doutrinário, que une, numa síntese indissociável, meditação diuturna sobre o homem e a sociedade, criação literária e compromisso moral com a defesa da liberdade e da democracia, mediante a divulgação das verdades hauridas, no universo da cultura, através da imprensa e da tribuna parlamentar. Síntese que aparece no pensamento de outro precursor do liberalismo doutrinário, Benjamin Constant (1767-1830), diretamente influenciado, aliás, por Madame de Staël. Síntese de que serão portadores homens como Guizot (1787-1874), e de que se tornarão herdeiros, para além do limite dos doutrinários propriamente tais, Tocqueville e Raymond Aron (1905-1983).

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STAËL Holstein, Germaine Necker Madame de - SOUZA Holstein, dom Pedro de (conde de Palmella) [1979]. Correspondance. (Prefácio, Introdução, Comentários e Notas a cargo de Béatrix d'Andlau). Paris: Gallimard.

STAËL Holstein, Germaine Necker de [1981]. Delphine. (Introdução e notas de Claudine Hermann). Paris: Éditions des Femmes, 2 volumes.

STAËL Holstein, Germaine Necker de [1985]. Corinne ou l'Italie. (Edição preparada, prefaciada e anotada por Simone Balayé). Paris: Gallimard.

STAËL Holstein, Germaine Necker Madame de [1996a]. Dix années d'exil. (Edição crítica organizada por Simone Balayé e Mariella Vianello Bonifacio). Paris: Fayard.

STAËL Holstein, Germaine Necker Madame de [1996b]. Réflexions sur le procès de la reine par une femme. (Prefácio de Chantal Thomas). Paris: Mercure de France.

STAËL Holstein, Germaine Necker Madame de [1997]. Oeuvres de Jeunesse. (Apresentação de Simone Balayé. Texto organizado por John Isbell. Notas de Simone Balayé). Paria: Éditions Desjonquères.

STAËL Holstein, Germaine Necker Madame de [1998]. De la Littérature considérée dans ses rapports avec les institutions sociales. (Nova edição crítica estabelecida, apresentada e anotada por Axel Blaeschke). Paris: Garnier.

STAËL Holstein, Germaine Necker Madame de [2000]. Considérations sur la Révolution Française. 2ª edição. (Introdução, bibliografia, cronologia e notas de Jacques Godechot). Paris: Tallandier.

STAËL Holstein, Germaine Necker Madame de [2016]. Da Alemanha. (Tradução e Apresentação de E. Míssio). 1ª edição. São Paulo: UNESP.

THOMAS, Chantal [1996]. "La cause d'une femme". In: Madame de Staël, Réflexions sur le procès de la reine. (Prefácio de Chantal Thomas). Paris: Mercure de France, pg. 7-14.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1997]. Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro. (Apresentação de Antônio Paim). Londrina: Editora da UEL.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [2001]. “Germaine Necker de Staël e as origens do Liberalismo Doutrinário”. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro. Vol. 47, nº 554, maio 2001: pp. 47-64.

Nas seguintes questões, escolha a opção válida:

1 – Em política, Jacques Necker acreditava no seguinte princípio de inspiração aristotélica:

a) Não vale o pensamento especulativo sozinho, sem referência ao processo histórico apreendido vivencialmente.

b) Não vale o conhecimento vivencial do processo histórico, porque este só se revela numa apreensão geral dos fatos.

c) Não vale o pensamento especulativo, pois a história não é ciência, consistindo apenas num conjunto de tradições.

2 – Segundo Jacques Necker, a vantagem da representação na vida republicana consiste:

a) No estreitamento de laços entre os cidadãos ativos e os seus governantes.

b) Na liberdade dos governantes para agirem independentemente do povo.

c) Na liberdade dos cidadãos para não terem de se preocupar com os assuntos públicos.

3 – Para Madame de Staël o talento de Napoleão Bonaparte consistia em:

a) Amedrontar os fracos e tirar proveito dos homens imorais.

b) Amedrontar os homens imorais e tirar proveito dos fracos.

c) Amedrontar os inimigos e tirar proveito dos amigos.

Gabarito: 1a; 2a; 3a.