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O INSTITUTO LIBERAL NA COMEMORAÇÃO DOS SEUS 40 ANOS

Num país em que o Liberalismo é rejeitado de entrada pelo stablishment, falar de uma instituição liberal que chegou aos quarenta anos de idade é coisa miraculosa. Porque se fosse pelo “consórcio” da grande imprensa, pelo governo, pelas associações acadêmicas ou pelas altas esferas da Magistratura, a idéia liberal estaria natimorta. O Liberalismo é bicho raro. E a opção liberal, em política, é coisa perigosa.

Em tempos em que “duvidar” de uma vacina pode dar cadeia, é necessária uma boa dose de coragem para se intitular Liberal: ou seja, Livre-pensador e Defensor das Liberdades, a começar pela Liberdade de Imprensa e de Expressão. São termos que podem levar você, cidadão comum, ao xilindró. Mas, enfim, vamos sorteando as ciladas que a História nos tende nesta confusa quadra, e falemos de uma grande comemoração: os quarenta anos do Instituto Liberal do Rio de Janeiro!

Cheguei ao Rio em 1983. Antes, trabalhava, como professor concursado do Departamento de História e Filosofia da Universidade Estadual de Londrina, no belo campus do “Perobal” planejado e organizado, com carinho, pelo seu reitor, o saudoso professor José Carlos Pinotti. Como fruto do meu trabalho nessa Universidade, criei o primeiro programa de pós-graduação a ser oferecido pelo Instituto de Ciências Humanas, do qual fui diretor em exercício. Tratava-se de um Curso de pós-graduação lato sensu sobre História da formação do Estado brasileiro, aprofundando nas raízes liberais da Constituição Imperial de 1824. No final de 1982, recebi convite da Universidade Gama Filho para integrar o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em “Pensamento Luso-Brasileiro”. Desliguei-me, então, da UEL e fui morar no Rio.

No mês de julho de 1983, já instalado na “Cidade Maravilhosa”, fui procurar, no Centro, o Instituto Liberal, que tinha iniciado as suas atividades nesse ano. Atendeu-me, na sede do Instituto, Alexandre Guasti, Secretário Executivo, que era estudioso do economista Frédéric Bastiat (1801/1850). Guasti explicou-me a finalidade do Instituto e me pôs a par das atividades que estavam programadas. Tive oportunidade, então, de conhecer pessoalmente os fundadores do IL no Rio, o empresário Donald Stewart (1931/1999) e o professor Og Leme (1922/2004). Impressionaram-me a cordialidade e abertura intelectual dos dois fundadores do Instituto, com o conhecimento que tinham da filosofia liberal de Friedrich Hayek (1899/1992) e de Ludwig von Mises (1881/1973), da Escola Austríaca, bem como do ícone da primeira onda do “Liberalismo whig”, John Locke (1632/1704), e da obra dos Patriarcas da Independência americana. Ofereci, então, a minha colaboração como estudioso dos temas relacionados com o Liberalismo, no que tange às suas raízes históricas e filosóficas.

Foi assim como me converti em palestrante do Instituto, tendo dado, nesse mesmo ano, uma aula sobre as origens do Liberalismo na Inglaterra e a síntese do pensamento de John Locke. Ulteriormente dei palestras sobre outros aspectos do pensamento liberal: Júlio de Castilhos (1860/1903) e o seu modelo de “ditadura científica” com as críticas dos liberais gaúchos Gaspar da Silveira Martins (1835/1901) e Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857/1938) e a sua heróica luta contra os castilhistas. Também proferi palestra sobre o pensamento dos Liberais Doutrinários na França, bem como sobre Alexis de Tocqueville (1805/1859) comentando o livro que publiquei, intitulado: A democracia liberal segundo Alexis de Tocqueville (São Paulo: Mandarim, 1998).

Nos últimos anos, tenho acompanhado as várias atividades programadas pelo Instituto. Tive a alegria de conhecer a nova geração de jovens interessados no estudo do Liberalismo. Descobri que, em que pese o fato de o marxismo ter tomado conta das Universidades, especialmente das públicas, começava a se formar, no meio universitário, uma nova geração de jovens lutadores pela Liberdade, dentre os quais destaco as figuras de Rodrigo Constantino, Alex Catharino, Lucas Berlanza e da jornalista Lígia Filgueiras, que conferiram vida nova às atividades do IL. Encontrei, no Instituto, professores universitários afinados com os ideais liberais, como Alberto Oliva e Mário Guerreiro. Passei a colaborar nos vários programas de extensão realizados pelo Instituto, ao ensejo do seu convênio com o Liberty Fund, sob a coordenação de Roberto Fendt (1944). Com apoio do IL foi publicado, pela editora Documenta Histórica do Rio, em 2008, o meu livro intitulado: A análise do Patrimonialismo através da Literatura Latino-Americana (prefácio de Arno Wehling, 263 pp.).

Hoje, o Instituto Liberal, sob o acertado comando de Salim Mattar e com a eficiente colaboração de Lucas Berlanza e demais membros do Conselho Superior, trilha caminhos novos, neste nebuloso panorama em que o tradicional estatismo volta a fazer reluzir as suas garras e a semear dúvidas e incertezas em torno ao nosso futuro como Nação. Muito sucesso ao nosso Instituto nestes novos e desafiadores tempos!

Donald Stewart, seguiu a trilha aberta pelo empresário inglês Antony Fisher (1915-1988) que criou o Institute for Economic Affairs (IEA, 1955), para formar intelectuais liberais à luz do princípio de Hayek de que “a sociedade só mudará de rumo se houver mudança no campo das ideias. Primeiro você tem que se dirigir aos intelectuais, professores e escritores, com uma argumentação bem fundamentada. Será a influência deles sobre a sociedade que prevalecerá e os políticos seguirão atrás”.

A pergunta que paira no ar nestes tempos de aceleração de mudanças, carência de análise fria de conjunturas e busca de soluções pé no chão é se a única forma de influir nos fatos políticos, do ângulo liberal, será a apresentada tradicionalmente por Hayek, Anthony Fisher e Donald Stewart, ou se haveria outra forma de os intelectuais se inserirem no processo de mudanças históricas que busquem garantir política e institucionalmente a defesa da liberdade para todos.

Ora, a essa pergunta, os fatos respondem que há outra forma, aquela que Raymond Aron (1905/1983) denominava de “o intelectual engajado”, forma da qual ele próprio foi a concretização na França de meados do século XX e que se inspira na saga de Alexis de Tocqueville e dos seus mestres os Doutrinários, Guizot (1787/1874), Constant de Rebecque (1767/1830), Madame de Staël (1766/1817), etc. e que no Brasil foi encarnada, no Século XIX, por intelectuais e homens de ação como Silvestre Pinheiro Ferreira (1769/1846), José Bonifácio de Andrada e Silva (1763/1838), Hipólito da Costa (1774/1823), o padre Feijó (1784/1843), Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795/1850), Paulino Soares de Souza, visconde de Uruguai (1807/1866), Rui Barbosa (1849/1923), Assis Brasil (1857/1938) e outros.

No século XX, continuando a tradição que vem do século XIX, são vários os intelectuais “engajados”, com um pé na política, na administração pública, na diplomacia e outro na teoria política e na filosofia liberal: Miguel Reale (1910/2006), Antônio Paim (1927/2021), José Osvaldo de Meira Penna (1917/2017), Roberto Campos (1917/2001) e José Guilherme Merquior (1941/1991), por exemplo. Participar da luta política não é desdouro nenhum para realizar, também, a reflexão sobre ela, conquanto os intelectuais “engajados” observem os dois princípios formais que assinalou Max Weber (1864-1920): os imperativos da ética de convicção e da ética de responsabilidade.

O intelectual tem o dever de buscar a verdade dos fatos em que se alicerça a ciência “sine ira ac studio” (sem paixão e com dedicação disciplinada), mas ele, também, tem um dever de responsabilidade para com os seus semelhantes: ele deve, em bem da comunidade em que está inserido, divulgar as verdades que auferiu da sua pesquisa. O “intelectual engajado” junta em si os dois imperativos weberianos: o da ética de convicção (preservando, portanto, a busca da verdade, custe o que custar) e o da ética de responsabilidade (divulgando os seus achados entre os concidadãos e contribuindo, com eles, no ajuste das Instituições em bem da justiça e da liberdade). Paradoxal condição em que, na contemporaneidade, navegam os homens de ação, aqueles que buscam transformar as Repúblicas, a fim de aperfeiçoá-las para a busca do bem comum.

O saudoso amigo Antônio Paim sintetizou, na apresentação que escreveu para o meu livro intitulado: O Liberalismo francês: A tradição doutrinária e a sua influência no Brasil (no prelo) o seguinte trecho da minha obra (p. 163) em que escrevo: “Tanto no que se refere à forma de pensar, fugindo aos dogmatismos que pretendem dizer a última palavra, quanto na maneira como se relacionam com o mundo dos fatos históricos, Tocqueville e Aron reproduzem as características marcantes dos doutrinários franceses. Poderíamos dizer que o ponto marcante desse estilo de pensamento consiste no engajamento. Não se trata de pensar a política como categoria abstrata. Também não é aceito o mergulho total na corrente da história, como se ela já estivesse pré-definida pela roda cega do destino. Tocqueville e Aron encarnam a história como soma de acontecimentos que, em parte, escapa à nossa ação, como tendência que não podemos ignorar e que herdamos dos séculos passados, mas que, de outro lado, pode ser abordada à luz da razão para identificar os traços marcantes e influir no rumo dos mesmos, com o intuito de preservar a liberdade. Devemos tentar compreender a história. Mas é nosso dever, também, influir nela através da nossa participação consciente e sistemática nos fatos mutáveis, para tornar as instituições mais acordes com o ideal da dignidade humana”.