
CAPA DA OBRA DE OCTAVIO PAZ INTITULADA - EL OGRO FILANTRÓPICO - BARCELONA - SEIX BARRAL - 1983
"Como toda a América Espanhola, o México estava condenado a ser livre e a ser moderno, mas a sua tradição tinha negado sempre a liberdade e a modernidade” (Octavio Paz, El Ogro Filantrópico, p. 62).
O México representa, junto com a Guatemala, o Peru e a Bolívia, um dos quatro núcleos que preservaram, nas Américas, a secular tradição do “despotismo hidráulico” ensejado pelos grandes Impérios Inca e Asteca. Antes da descoberta do Novo Mundo por Cristóvão Colombo (1451-1506) na segunda metade do século XV, já tinham florescido, nestas terras, fortes Impérios que desenvolveram modalidades de “poder total”, ao ensejo da dominação inconteste de elites guerreiras fortemente unificadas ao redor de Soberanos inapeláveis. É uma longa tradição secular cujas origens se perdem no nevoeiro dos tempos, se levarmos em consideração que a primeira ocupação das Américas por homens provenientes da Ásia, através do Estreito de Behring, ocorreu há cinquenta mil anos atrás, aproximadamente [1]. Tradição secular que, no México e na Guatemala, percorreu etapas identificadas com civilizações que foram sendo vencidas por outras novas manifestações político-culturais: Olmecas, Maias e Astecas. Na América do Sul ocorreu fenômeno semelhante: três grandes civilizações agro diretoriais foram aparecendo antes da chegada dos Espanhóis: Tihuanacos, Paracas e Incas. Isso para não mencionar grupos menores, sediados à sombra dos dominadores principais, como era o caso dos Chibchas, no norte do Continente Sul-Americano. A marca de todas essas organizações era o centralismo despótico, fato que levou a um estudioso da talha de Karl Wittfogel (1896-1888) a arrolá-las como manifestações do “patrimonialismo hidráulico”, alicerçado na prática do “poder total” e condicionado pela necessidade de controlar a água em regiões caracterizadas pelo predomínio de chuvas irregulares [2].
A conquista espanhola, feita a partir do pressuposto da “guerra santa” contra o infiel, terminaria reforçando essa tendência despótica, em decorrência da política de “terra arrasada” que os ibéricos puseram em funcionamento, à maneira como os conquistadores árabes ocuparam o Sind, no sul da Ásia, entre 634 e 644, durante o reinado do segundo Califa ou sucessor do Profeta [3]. Os espanhóis, como os portugueses, aprenderam, aliás, os procedimentos de “poder total” com os muçulmanos, que dominaram a Península Ibérica durante oito séculos, a partir da invasão desta pelos generais do Califa de Damasco, Al Walid, em 710. Os mouros foram vencidos, como sabemos, em 1490. Mas os procedimentos agro diretoriais terminaram sendo assimilados pelos cristãos vencedores, dando ensejo ao que Wittfogel denomina de “absolutismo ibérico pós-feudal” [4].
A pesquisa desenvolvida por Octavio Paz acerca da formação social da Nova Espanha (e das modalidades assumidas pelo Estado mexicano nos séculos posteriores) destaca os traços patrimoniais daquele, tendo sido muito bem chamado de “ogro filantrópico”, Ogro que, como acabo de frisar, alimentou-se de uma dupla tradição despótica: a pré-colombiana e a ibérica. Seguirei, nesta exposição, de forma prioritária, a obra do Prêmio Nobel de Literatura que leva o mesmo título da caracterização que acabo de mencionar: El ogro filantrópico. Percorrerei duas etapas: I – O papel do escritor, segundo Octavio Paz; II – O Estado patrimonial mexicano como “Ogro Filantrópico”.
I – O papel do escritor, segundo Octavio Paz.
Para o Nobel mexicano, o primeiro conceito a ser discutido quando se trata de identificar a missão do escritor, é o de compromisso ou engajamento. Em que consiste ser um escritor comprometido? Certamente, essa expressão corre o risco de ser genérica demais, pois, afinal de contas, todos estamos situados e, portanto, comprometidos. O que Paz desejava evitar era que se entendesse, sob essa expressão, a ideia de escritor militante, que abre mão do senso crítico para se entregar nas mãos de uma seita, religião ou partido. A respeito, escreve:
“Acho que o termo compromisso, de origem sartriana, é equívoco. Não sabemos muito bem o que quer dizer um compromisso. Se entendermos por compromisso a relação de um escritor com a sua realidade e com a sociedade em que vive, todos somos escritores comprometidos. O que me parece inaceitável é que um escritor ou um intelectual se submeta a um partido ou a uma igreja. No século XX temos visto muitos e grandes escritores cederem diante das exigências dos partidos e das igrejas. Penso em Paul Claudel (1888-1955) e nas suas odes a Franco e Pétain; penso nos hinos de Louis Aragon (1897-1982) a Neruda e Stalin. O nosso século, dizia o poeta francês Benjamin Péret (1899-1959), foi o da ‘desonra dos poetas’. Também foi o da sua honra: do poeta russo Osip Mandelstam (1891-1938) contra Stalin, que lhe custou a vida, ou o sacrifício de Federico García Lorca (1898-1936)...” [5].
Dois itens serão desenvolvidos nesta parte: em primeiro lugar, um breve escorço biográfico acerca do nosso autor; em segundo lugar, a caracterização de como ele entende a função do escritor na sociedade.
1 – Breve escorço biográfico de Octavio Paz.
O nosso pensador nasceu na Cidade do México, em 1914 e ali faleceu em 1998. Duas figuras familiares exerceram forte influência: o seu avô paterno, Irineo Paz, escritor e intelectual, que participou ativamente da revolução positivista ensejada pelo general Porfírio Díaz (1830-1915), na segunda metade do século XIX. De outro lado, seu pai, Octavio Irineo Paz, que foi militante da revolução liberal com que Emiliano Zapata (1879-1919) tentou transformar as velhas estruturas mexicanas, nas primeiras décadas do século XX. O nosso jovem experimentou de perto, portanto, os dois grandes movimentos revolucionários que os mexicanos sofreram no final do século XIX e no início do século seguinte: o positivista e o liberal.
Morto o líder revolucionário Emiliano Zapata, a família de Octavio Irineo Paz [6] teve de se exilar nos Estados Unidos, onde o nosso autor fez o aprendizado das primeiras letras. Já estava presente, na vida do escritor, a vocação marginal do intelectual latino-americano, fadado a não se arrolar incondicionalmente nas fileiras de nenhum revolucionário, a fim de manter viva a sua capacidade crítica. De outro lado, restava uma lição para o jovem Octavio: uma revolução no comando do país não resolve nada, se não ancorar numa mudança de crenças e valores. Vocação de escritor claramente definida, já com 17 anos o nosso autor fundou a sua primeira revista literária. Tendo realizado os seus estudos superiores na Faculdade de Direito da Universidade Nacional Autónoma do México, o nosso escritor, no entanto, não exerceu a advocacia, tendo preferido se dedicar à docência endereçada aos jovens pobres.
Poeta de grande criatividade, Octavio Paz efetivou uma significativa renovação da poesia mexicana, ainda atrelada aos velhos parâmetros parnasianos. Entre 1943 e 1945 cursou estudos literários na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, tendo imediatamente ingressado no serviço diplomático do seu país, nele permanecendo até 1968, quando, após a violenta repressão do governo do México contra os estudantes, o nosso autor demitiu-se sumariamente do corpo diplomático. Entre 1946 e 1962, com motivo da sua permanência em Paris, como diplomata, o nosso autor conheceu André Breton (1896-1966), tendo recebido dele forte influência, que se manifestou basicamente na mudança de parâmetros do estilo literário do jovem escritor, adotando a concepção surrealista da poesia como extensão da vida.
Octavio Paz exerceu as funções diplomáticas como representante do seu país nos Estados Unidos, França, Suíça, Índia e Japão, no período compreendido entre 1943 e 1968. Ativista político – como não podia deixar de ser o filho e neto de intelectuais engajados – e simpatizante comunista, participou em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola, do Congresso de Escritores Antifascistas realizado em Valencia. No entanto, a sua simpatia pelo comunismo logo recebeu um duro golpe, quando da assinatura do Pacto entre Hitler e Stalin, em 1939, que facilitou, junto com a excessiva transigência dos líderes franceses e ingleses, a aventura bélica alemã, que deu início à Segunda Guerra Mundial. Nesse ano, Paz rompeu decididamente com o comunismo, fato que não lhe seria perdoado pelos intelectuais marxistas.
O nosso autor casou, em primeiras núpcias, em 1937, com a dramaturga mexicana Elena Garro, com quem teve uma filha, Helena, conhecida escritora. O seu segundo casamento foi com a francesa Marie José Paz, que passou a cuidar da Fundação Octavio Paz, após o falecimento do escritor. Octavio Paz fundou e colaborou efetivamente em várias revistas mexicanas que exerceram grande influência no mundo hispano-americano, tais como: Plural, Vuelta, Taller e El Hijo Pródigo. A sua obra ensaística, muito fecunda e influenciada por José Ortega y Gasset (1883-1955), foi inicialmente publicada nessas revistas.
Octavio Paz foi o que se pode chamar de um “humanista”. A sua obra ensaística é oceânica, dada a quantidade de temas abordados e a profundidade com que consegue desenvolver o seu pensamento. Mencionemos os principais ensaios político-literários: El laberinto de la soledad (1950), El arco y la lira (1956), Las peras del olmo (1957), Los signos en rotación (1965), Puertas del campo, (1966), Corriente alterna (1967), Claude Lévi-Strauss o el nuevo festín de Esopo (1967), Marcel Duchamp o el Castillo de la pureza (1968), Conjunciones y disyunciones (1969), México: la última década (1969), Postdata (1969), El mono gramático (1971), Las cosas en su sitio: sobre la literatura española en el siglo XX (1971, com a colaboração de Juan Marechal), Los signos de rotación y otros ensayos (1971), Traducción, literatura y literalidad (1971), Solo a dos voces (1973, com a colaboração de Julián Ríos), El signo y el garabato (1973), Los hijos del limo (1974), Teatro de signos (1974), La búsqueda del comienzo (1974), Javier Villaurrutia en persona y en obra (1978), El ogro filantrópico: historia y política (1979), In-Mediaciones (1979), Sor Juana Inés de la Cruz o las trampas de la fe (1982), Tiempo Nublado (1983), Sombras y obras (1983), Hombres en su siglo (1984), Pasión crítica (1985), México en la obra de Octavio Paz (1987, com a colaboração de Mário Schneider, como editor), Poesía, mito, revolución (1989, Prêmio Alexis de Tocqueville), Pequeña crónica de grandes días (1990), Convergencias (1991), Al paso (1992), La llama doble (1992), Itinerario (1994) e Vislumbres de la India (1995). As Obras Completas de Octavio Paz estão sendo publicadas pela Editora Fondo de Cultura Económica do México, sendo que até o presente já foram postos em circulação os primeiros 12 volumes (de um total de 14), entre 1994 e 1999.
No ano de 1990 o nosso autor foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, “pela sua obra apaixonada e com amplos horizontes, caracterizada por uma inteligência sensual dotada de integridade humanística”, como rezava o lacônico comunicado da Comissão da Academia de Ciências da Suécia. Octavio Paz recebeu a influência de Sigmund Freud (1856-1939), cujo pensamento projetou numa análise sociológica que buscava a “cura das civilizações”, pela via da identificação dos caminhos históricos seguidos pelos povos. Também recebeu a influência do pensamento de Karl Marx (1818-1883), que polarizou na identificação das contradições latentes nas sociedades capitalistas. Foi influenciado, outrossim, por estudiosos das culturas como Roger Caillois (1913-1978), Georges Bataille (1897-1962) e Marcel Mauss (1872-1950). Conheceu os filósofos alemães através da leitura das obras de Ortega y Gasset (1883-1955). Recebeu a influência de historiadores como Wilhelm Dilthey (1833-1911) e Georg Simmel (1858-1918). A respeito de todas essas heranças culturais, escreveu o ensaísta mexicano:
“O estudo sobre o monoteísmo judaico impressionou-me muito. Falei antes em moral; agora devo adicionar outra palavra: terapêutica. A crítica moral é autorrevelação daquilo que escondemos e, como ensinava Freud, cura.... relativa. Nesse sentido, o meu livro [El laberinto de la soledad] quis ser um ensaio de crítica moral: descrição de uma realidade oculta e que faz mal. A palavra crítica, na época atual, é inseparável do marxismo e eu sofri a influência do marxismo. Por esses anos li os ensaios de Caillois e, um pouco mais tarde, os de Bataille e do mestre de ambos, Mauss, sobre a festa, o sacrifício, a doação, o tempo sagrado e o tempo profano. Encontrei imediatamente certas analogias entre aquelas descrições e as minhas experiências cotidianas como mexicano. Também ensinaram-me muito os filósofos alemães que uns poucos anos antes tinha dado a conhecer na nossa língua Ortega y Gasset: a fenomenologia, a filosofia da cultura, e a obra de historiadores e ensaístas como Dilthey e Simmel [7].
2 – A Missão do Escritor no Mundo Atual.
O trabalho do escritor era pensado por Octavio Paz na trilha da conquista da liberdade, que constitui, fundamentalmente, uma escolha que brota do fundo do espírito humano e que se torna realidade concreta no exercício da própria identidade, na prática da memória histórica. Lembrando Karl Jaspers (1883-1969), poderíamos afirmar: “se saíssemos da história, tombaríamos no nada” [8]. Não ter consciência da própria história é não existir. Mas, para encontrar o caminho da própria história, a condição sine qua non é a opção pela liberdade. Verdadeira profissão de fé liberal, que tornou Octavio Paz um escritor definitivamente incômodo para os dogmáticos de todos os matizes, notadamente para os marxistas. Eis as belas palavras dessa profissão de fé:
“A liberdade não é um conceito nem uma crença. A liberdade não se define: se exerce. É uma aposta. A prova da liberdade não é filosófica, mas existencial: há liberdade toda vez que encontramos um homem livre, toda vez que o homem atreve-se a dizer não ao poder. Não nascemos livres: a liberdade é uma conquista e, ainda mais: uma invenção. Lembrarei duas linhas de Ifigênia cruel, o poema dramático do esquecido e negado Alonzo Reyes (1889-1959). Arrebatada por Artemisa e transportada a Táuride, onde oficia ritos sangrentos como sacerdotisa da deusa, Ifigênia perde a memória e torna-se um ser sem história. Um dia, ao se encontrar com o seu irmão Orestes, lembra; ao lembrar, recupera a sua história, o seu destino. Mas, justamente, nesse momento rebela-se e nega-se a seguir o seu irmão, que lhe impõe a vontade do sangue. Ifigênia escolhe-se a si mesma, inventa a sua liberdade, e diz: leva nas tuas mãos, colhidas pelo teu gênio / estas duas conchas ocas de palavras: não quero” [9].
O exercício da liberdade traduz-se, no terreno da cultura, na posição crítica do escritor em face dos sistemas políticos. O nosso pensador não abria mão de ter uma posição de grande independência em face dos atores da política internacional, embora reconhecesse as qualidades do sistema americano. No entanto, não deixava de assinalar a perda de valores ensejada, nessa sociedade, pela monetarização da vida humana. Os princípios da vida e da morte estão presentes em todas as sociedades e, nos momentos de crise, essa tensão manifesta-se numa circunstância de contradição. Eis as suas palavras a respeito:
“Todas as sociedades levam, nas suas entranhas, um princípio de vida que é, também, um princípio de morte. Esse princípio é, necessariamente, dual e, nos momentos de crise, assume a forma de uma contradição. Trata-se de questões de vida ou morte como foram para as polis gregas as guerras e as rivalidades entre as cidades, ou como foi, para os imperadores romanos dos séculos III e IV, encontrar uma política em face do cristianismo e as seitas gnósticas. A contradição dos Estados Unidos – que lhes deu a vida e pode lhes causar a morte – resume-se num par de frases: ao mesmo tempo são uma democracia plutocrática e uma república imperial. A primeira contradição afeta às duas noções que foram o eixo do pensamento político dos pais fundadores. A plutocracia provoca e agrava a desigualdade; por sua vez, a desigualdade converte em quimeras as liberdades políticas e os direitos individuais. Nesse ponto, a crítica de Marx acertou no alvo. Certamente, a plutocracia americana, diferentemente da romana, é criadora de abundância e, assim, pode diminuir e aliviar as injustas diferenças entre os indivíduos e as classes. Mas fez isso transladando as desigualdades mais escandalosas do âmbito nacional ao internacional: os países subdesenvolvidos. Alguns pensam que essa desigualdade internacional também poderia, se bem não ser eliminada totalmente, pelo menos ser reduzida ao mínimo. A história recente desmente essa hipótese. Mas, inclusive se se revelasse certa, esquece-se algo essencial: o dinheiro não só oprime como também corrompe. E corrompe igualmente a pobres e a ricos. Sobre isso, os moralistas da Antiguidade, especialmente os estóicos e os epicuristas, sabiam mais do que nós. A democracia norte-americana foi corrompida pelo dinheiro. A segunda contradição, estreitamente vinculada à primeira, desenvolve-se entre o que são interiormente os Estados Unidos, e o que são na sua ação externa: um império. Liberdade e opressão são as caras opostas e complementares do seu ser nacional (...). As necessidades do império criam uma burocracia especializada na espionagem e outros métodos de luta internacional; por sua vez, essa burocracia ameaça a democracia nacional” [10].
A crítica que Octavio Paz dirigia à política internacional praticada pelos Estados Unidos era endereçada, também, às demais potências. O escritor mexicano achava que a Humanidade vivia, nesse final de século XX, uma etapa sombria, justamente porque se perdeu de vista a perspectiva do homem, num contexto de cinismo e falsidade. Eis a forma, igualmente crítica, em que o Nobel mexicano enquadrava as demais potências, dando destaque aos governos autoritários latino-americanos e chegando à conclusão da inviabilidade da democracia socialista:
“A quartelada do exército chileno e a morte violenta de Salvador Allende (1908-1973) foram acontecimentos que, mais uma vez, tenderam sombras sobre as nossas terras. Ontem, apenas, Brasil, Bolívia, Uruguai; agora, Chile. O ar do continente torna-se irrespirável. Sombras sobre sombras, sangue sobre sangue, cadáveres sobre cadáveres: a América Latina converte-se num enorme e bárbaro monumento feito das ruínas das ideias e dos ossos das vítimas. Espetáculo grotesco e feroz: no cume do monumento, um tribunal de pigmeus uniformizados e condecorados gesticula, delibera, excomunga e fuzila os incrédulos. Enquanto Nixon lava as mãos sujas de Watergate na bacia ensanguentada que lhe oferece Kissinger, enquanto Brejnev inaugura novos hospitais psiquiátricos para dissidentes incuráveis, enquanto Chou-en-Lai faz agrados a Pompidou e alerta aos europeus ocidentais sobre o perigo russo, os generaizinhos latino-americanos fazem mais uma das suas trapaças. A paz que constroem as superpotências edifica-se sobre a humilhação dos povos, o sacrifício dos dissidentes e os restos das democracias destruídas: Grécia, Tchecoslováquia, Uruguai, Chile. Em Praga os tanques russos e, em Santiago, os generais treinados e armados pelo Pentágono, uns em nome do marxismo e outros à sombra do anti-marxismo, conseguiram completar a mesma demonstração: a democracia e o socialismo são incompatíveis” [11].
O escritor mexicano centralizou a sua crítica à desumanização da política no século XX ao redor do Estado, dando ênfase ao que aconteceu no seu país de origem. Essa concepção aparecerá no segundo item que desenvolverei, em relação à apreciação feita por Paz acerca do patrimonialismo mexicano. De momento, valha destacar um aspecto que será definitivo na análise crítica do nosso autor. No México – como nos restantes países da América Latina também – a crítica às instituições desumanas foi precedida pelo alerta dos poetas e dos artistas em geral, tornando realidade o que Martin Heidegger (1889-1976) afirmava acerca da fundação da linguagem na poiesis [12]. A respeito desse fenômeno, o escritor mexicano frisava:
“Certamente, gostaria de dizer, aqui, algo que se esquece com freqüência: a crítica da sociedade contemporânea – uma crítica que abarca tanto as suas formas de vida, quanto as suas crenças, as suas paixões tanto quanto a sua linguagem - foi primordialmente obra dos poetas, escritores e artistas mexicanos, mais do que dos teóricos da política revolucionária e dos ideólogos marxistas. Inclusive, pode-se dizer que contrasta a debilidade teórica dos ideólogos radicais (sem excluir muitos dirigentes estudantis) com o brilho, a paixão e a verdade de algumas das obras da literatura, bem como de algumas manifestações da arte contemporânea do México. Naturalmente, a crítica dos escritores e dos artistas não é ideológica: é uma crítica que penetra em estratos da consciência mais profundos que a simples ideologia” [13].
Condição necessária para o escritor preservar a liberdade de espírito em face das estruturas políticas era, no sentir de Octavio Paz, a atitude que ele denominava de marginalidade no sentido da capacidade de o homem de letras se colocar à parte da busca do poder e dos holofotes. Tratar-se-ia, em outras palavras, do restabelecimento daquilo que Max Weber (1864-1920) denominava de “ética dos intelectuais” [14], contraposta àquela dos políticos, que buscam unicamente os resultados da ação, enquanto os primeiros deveriam se pautar pela fidelidade aos princípios. Exemplo dessa ética intelectual foi dado, no sentir de Paz, pelo grande pensador e publicista mexicano Daniel Cosío Villegas (1898-1976) a quem Octavio Paz rende calorosa homenagem nos seus escritos. A respeito desse ideal dos intelectuais, escrevia:
“Os comentários jornalísticos possuem um duplo valor, além de serem documentos de uma época que, em ocasiões, como em 1968, foi dramática: a claridade e a coragem. Claridade no sentido físico, intelectual e moral: capacidade para distinguir entre o justo e o injusto o útil e o prejudicial, o bom e o ruim. Coragem: os seus outros nomes são integridade de caráter, correspondência entre as ideias e os atos. Por fatalidade de temperamento e por opção moral Cosío Villegas escolheu a solidão – não o isolamento. A sua foi solidão no centro da vida pública. Muito cedo percebeu que o destino dos escritores, tanto no México quanto no resto do mundo, é a marginalidade e ele aceitou com decisão ser um homem marginal. Por isso, pelo fato de não ter temido ficar sozinho, é agora uma figura central. Em Plural [revista mexicana de história e crítica das ideias] apareceram os seus últimos artigos. Nós procuraremos permanecer fiéis à sua memória sendo fiéis ao seu exemplo: defenderemos sempre a liberdade e a independência dos escritores. A lucidez e a ironia - as duas qualidades de sua prosa e, também, de sua atividade vital – não o abandonaram nunca. Foi leal aos demais porque foi leal consigo mesmo. Entre os seus mestres e colegas de geração não todos tiveram a sua integridade e a sua rectidão. Algum deles, no final da vida, abraçou o obscurantismo religioso e, em política, a violência fascista; outros contagiaram-se com a lepra stalinista, doença incurável; outros praticaram a arte do sorriso agradável e do compromisso com o poder arbitrário; os restantes, trancaram-se nos seus gabinetes de estúdio e nos seus laboratórios... Cosío Villegas atravessou sorrindo o fúnebre baile de fantasias que é a nossa vida pública e saiu limpo, indemne. Cosío Villegas foi um liberal de 1867 que teria lido Marx e Keynes, Freud e Bertrand Russell. Foi inteligente e íntegro, irônico e incorruptível. Como a maior parte dos intelectuais do nosso século, perdeu as ilusões; como muito poucos dentre eles, guardou sempre fidelidade às suas convicções” [15].
A marginalidade não é apenas o esforço do escritor para se manter livre da concupiscência pelo poder e pelos holofotes. Essa é uma das suas condições fundantes. Mas existe outra: o exercício crítico da razão. Este é, justamente, o aspecto que faltou na Espanha e em Ibero-America, ao passo que se encontra em outros países como a França e a Inglaterra, que souberam submeter os princípios que alimentaram o convívio social ao crivo purificador da crítica. O escritor como franco-atirador: à luz dessa imagem, Octavio Paz simbolizava a função desestabilizadora do pensador e do escritor. A respeito, escrevia o nosso autor:
“A crítica é, para mim, uma forma livre de compromisso. O escritor deve ser um franco-atirador, deve suportar a solidão, se sentir um marginal. Que os escritores sejamos marginais é uma condena que é uma bênção. Ser marginais pode conferir validez à nossa escrita. E devo dizer algo mais sobre a crítica: para mim, a crítica é criadora. A grande diferença entre França e Inglaterra, de um lado, e Espanha e Ibero-America, de outro, é que nós não tivemos século XVIII. Não tivemos nenhum Kant, Voltaire, Diderot, Hume [16].
Marginais têm sido, na sociedade moderna, notadamente os poetas, os amantes e os artistas. Somos marginais quando nos erguemos por sobre o cálculo egoísta, a fim de descobrirmos o homem. Octavio Paz professava uma espécie de quixotismo kantiano, que o levava a valorizar o herói que faz da prática da liberdade o grande imperativo que movimenta a sua vida, deixando para trás o cálculo e a preocupação com o dinheiro. A respeito, escrevia:
“Creio que há uma oposição fundamental entre o que eu denomino de a realidade e a outra realidade. Há uma frase de Marx (está no Manifesto Comunista) que Luis Buñuel (1900-1983) pensou em utilizar como subtítulo do seu filme La Edad de Oro. (...) O tema desse filme é a sorte do amor no mundo moderno. A frase de Marx é, em espanhol, um alexandrino perfeito: En las aguas heladas del cálculo egoísta. Isso é a sociedade. Por isso o amor e a poesia são marginais” [17].
O grande carrasco dos escritores livres no século XX foi, sem dúvida, o Estado, nas suas versões autoritária e totalitária. Ele é o grande Leviatã, em cujo altar não poucos artistas e intelectuais depuseram a sua criatividade, em aras do “politicamente correto”. Ora, essa atitude de criminal complacência com o poder que tudo açambarca, tem-se dado tanto à direita quanto à esquerda. Artistas e escritores vítimas do complexo de palco somente se preocuparam por demonstrar alguma coisa para os poderosos de plantão, enquanto os verdadeiros criadores da cultura simplesmente mostraram uma realidade que outros pretendiam ocultar. A literatura denominada de comprometida infelizmente naufragou nas águas do dogmatismo clerical e confessional. A respeito, Paz escrevia:
“A literatura comprometida tem sido doutrinária, confessional e clerical. Não tem servido para liberar, mas para difundir um novo conformismo que encheu o planeta com monumentos à revolução e de campos de trabalho forçado. Movidos por um impulso generoso, muitos escritores e artistas têm pretendido ser os evangelistas da paixão revolucionária e os cantores de sua Igreja militante (o Partido). Quase todos, cedo ou tarde, ao descobrir que se tornaram propagandistas e apologistas de sinuosas práticas políticas, terminaram por abjurar. Contudo, uns quantos, decididos a ir até o fim, acabaram sentados no palco da tribuna onde os tiranos e os algozes contemplam os desfiles e procissões do ritual revolucionário. Devemos dize-lo uma e outra vez: o Estado burocrático totalitário tem perseguido, castigado e assassinado os escritores, os poetas e os artistas com um rigor e uma sanha que teria escandalizado aos próprios inquisidores. Entre as vítimas das tiranias do século XX, tanto à direita quanto à esquerda, encontram-se muitos escritores e artistas mas, salvo conhecidas exceções, a maioria não pertence ao campo dos comprometidos, mas ao domínio dos sem partido e sem ideologia. A arte rebelde do século XX não foi a arte oficialmente revolucionária, mas a arte livre e marginal daqueles que não quiseram demonstrar, mas mostrar” [18].
Octavio Paz alertava para o fato de, no Ocidente desenvolvido e na América Latina, via de regra, os escritores terem sido vítimas do compromisso políticamente correto para com o leninismo, decorrente, em boa medida da agressiva política cultural soviética e cubana, que se especializou na arte de guindar às alturas do jet-set internacional aqueles que se submetessem à propaganda comunista e de ostracizar todos quantos se recusassem a render tributo ao pior dos estatismos, o leninismo. Sem meias-palavras, o nosso autor fez corajosa denúncia desse fenômeno, sem se excluir a si próprio do meio dos que, na juventude, tinham caído nesse erro. Eis as suas palavras a respeito:
“Quase todos os escritores do Ocidente e da América Latina, num momento ou noutro das nossas vidas, às vezes por generoso impulso embora ignorante, outras por debilidade em face da pressão do meio intelectual e outras simplesmente por estar de moda, temos sofrido a sedução do leninismo. Quando penso em Aragon, Eluard, Neruda e outros famosos poetas e escritores estalinistas, sinto o calafrio que me produz a leitura de certas passagens do Inferno [da Divina Comédia de Dante Alighieri]. Começaram de boa-fé, sem dúvida. Como fechar os olhos diante dos horrores do capitalismo e perante os desastres do imperialismo na Ásia, na Africa e na nossa América? Experimentaram um impulso generoso de indignação diante do mal e de solidariedade para com as vítimas. Mas, insensivelmente, de compromisso em compromisso, viram-se envolvidos numa malha de mentiras, falsidades, enganos e perjuros até que perderam a alma (...). Direi mais, que as nossas opiniões nessa matéria não foram simples erros ou falhas da nossa faculdade de julgar. Foram um pecado, no antigo sentido religioso do termo: algo que afeta ao ser por inteiro (...). Esse pecado manchou-nos (...). Digo isso com tristeza e com humildade” [19].
Nessa espécie de preguiça mental causada pela comodidade do politicamente correto, os intelectuais latino-americanos de esquerda tardaram muito tempo em reconhecer o fracasso do comunismo soviético, atribuindo a um “acidente histórico” a realidade do Gulag, sem que isso comprometesse o edifício do socialismo marxista. Esses intelectuais passaram a integrar uma confraria de adoradores fanáticos da ideologia totalitária. Em relação a esse aspecto, escrevia:
“A data desta nota (1951) revela a lentidão com que os intelectuais de esquerda aceitaram, por fim, a existência de um sistema de campos de trabalho forçado na União Soviética e nos países sob a sua dominação. Vinte e cinco anos para admitir a realidade do Gulag e o que significa: a irrealidade do socialismo soviético! Mas faço mal em dizer que foi aceita a significação do Gulag: ainda há muitos intelectuais latino-americanos para os quais esse sistema de opressão não é um traço inerente e essencial do socialismo totalitário, mas apenas um acidente, que não afeta à sua natureza profunda. Um acidente e um incidente que já duram mais de meio século... a resistência a ver a realidade real da União soviética – e a deduzir a consequência necessária: esse regime é a negação do socialismo – é um sintoma a mais da degeneração do marxismo, na sua origem pensamento crítico e hoje superstição pseudo-religiosa. A contribuição de Marx (falo do filósofo, o historiador e o economista, não do autor de profecias que a realidade converteu em cacos) foi imensa, mas a sua sorte foi semelhante à de Aristóteles com a escolástica tardia: o rebanho dos sectários e dos fanáticos fez da sua obra - viva, aberta e felizmente incompleta – um sistema fechado e autossuficiente, um pensamento morto e que mata” [20].
Para identificar a categoria a que pertenciam os seus escritos, o nosso autor preferia se situar na espécie dos que cultuavam o gênero da “literatura política”. Modalidade literária deveras ampla, fruto do exercício da liberdade de pensamento e na qual Octavio Paz arrolava os seus ensaios. Situava nesse gênero, de forma particular, a sua obra El ogro filantrópico. Eis as suas palavras a respeito:
“A literatura política é o contrário da literatura a serviço de uma causa. Brota quase sempre do livre exame das realidades políticas de uma sociedade e de uma época: o poder e os seus mecanismos de dominação, as classes e os interesses, os grupos e os chefes, as idéias e as crenças. Às vezes, a literatura política limita-se à crítica do presente; outras, oferece-nos um projeto de futuro. Vai do panfleto ao tratado, do cahier de dóleances ao manifesto, da apologia ao libelo, da República ao Français encore en effort si vous-voulez être républicains, de la Città del Sole ao 18 Brumário de Luís Napoleão Bonaparte. A literatura mexicana, desde Frei Servando Teresa de Mier a Lorenzo de Zavala e Daniel Cosío Villegas, tem sido particularmente rica em textos de crítica política. A essa tradição mexicana pertence El ogro filantrópico. É composto por uma seleção de artigos e ensaios que escrevi durante os últimos anos quase todos eles publicados em Plural (1971-1976) e em Vuelta. O título provém de um ensaio sobre a peculiar fisionomia do Estado mexicano” [21].
O nosso escritor achava que escrevia literatura política. Situava este gênero literário no contexto da historiografia: quando pretendemos conhecer a estrutura das nossas sociedades, frisava Paz, remontamo-nos às nossas origens, ou seja, fazemos história. Não existe, a bem da verdade, para o escritor mexicano, a sociologia, como ciência autônoma. Ela é uma variante da história. Assim como no século XIX os pensadores sociais – como era o caso de Marx – relacionavam a sociologia com a ciência de moda nesses tempos, a biologia, no século XX Octavio Paz buscava des-positivizar a sociologia tornando-a uma variante da história. O escritor fazia suas as seguintes palavras do historiador francês Paul Veyne (1930-2022): “A fórmula de Newton explica o movimento dos planetas, a patologia microbiana explica a raiva e o aumento de impostos explica a impopularidade de Luís XVI”. As categorias sociológicas, pensava Paz, emergiam dos processos históricos atentamente estudados pelos cientistas sociais. Ora, os sistemas sociológicos não seriam mais do que conjuntos de tipologias justificadas pela história. Estaríamos, aqui, em face de uma proposta bem semelhante à desenvolvida pelos doutrinários na França, notadamente por François Guizot (1787-1874), que pretendia resgatar as características marcantes da sociedade francesa, mediante o rigoroso estudo historiográfico das origens desse país no contexto europeu. A propósito, escrevia Octavio Paz:
“Se quisermos saber algo de física ou de biologia, acudimos a certos princípios e leis que formam um corpo de doutrina mais ou menos invariante; se quisermos saber algo de sociologia, não temos mais remédio que estudar os sucessivos sistemas sociológicos: Émile Durkheim (1858-1917) não exclui a Tocqueville (1805-1859) nem Max Weber (1864-1920) a Vilfredo Pareto (1848-1923). Como estes dois grandes mestres, os jovens mexicanos dos anos 20 interessavam-se pelo problemas sociais e políticos do México, e acreditavam que faziam estudos sociológicos, mas o que praticavam realmente era a história” [22].
Mais do que se definir como sociólogo, historiador ou cientista social, Octavio Paz preferia caracterizar o seu trabalho como o afazer de quem escreve um testemunho humano. Seria a obra de alguém que, consciente da sua radical insatisfação ontológica como pensante e ser livre, pretende legar para a posteridade um registro pessoal do que significou a sua caminhada no seio da sociedade convulsionada do século XX. Diríamos – contraditando, nisto as palavras do próprio Paz – que se trata de obra legítima de historiador, porquanto este é, fundamentalmente, quem se debruça sobre o homem numa determinada época, para reconstruir o que foi o drama do destino humano, alicerçado em testemunhos. Ele é um escritor que constitui prova documental do que é a condição humana. Independentemente de fidelidade a ideologias ou religiões. A sua única fidelidade é para com o homem que duvida e que luta para sobreviver. A propósito dessa dimensão profundamente humanística da sua obra, escrevia Paz:
“Não sou historiador. Minha paixão é a poesia, e minha ocupação, a literatura; nem uma nem outra me dão autoridade para opinar sobre as convulsões e agitações de nossa época. Não sou indiferente, naturalmente, ao que se passa – quem pode sê-lo? – e escrevi artigos e ensaios sobre a atualidade, embora sempre de um ponto de vista que não sei se devo chamar de excêntrico ou simplesmente marginal. Em todo caso, nunca a partir das certezas de uma ideologia com pretensões enciclopédicas, como o marxismo, ou a partir das verdades imutáveis de religiões como a cristã e a islâmica. Tampouco a partir do centro, real ou suposto da história: Nova Iorque, Moscou ou Pequim. Não sei se estes comentários contêm interpretações válidas ou hipóteses razoáveis; sei que expressam reações e sentimentos de um escritor independente da América Latina diante do mundo moderno. Se não é uma teoria, é um testemunho” [23].
O grande problema a ser enfrentado pelo escritor na América Latina e particularmente no México, era a questão da modernização. Octavio Paz destacava que as soluções mirabolantes, alicerçadas na pseudociência, já causaram suficientes estragos nos países latino-americanos. Era chegado o momento em que os escritores auscultassem a alma popular e, a partir das energias dela, elaborassem um projeto humanístico e realista, uma autêntica utopia, não situada nos estreitos limites da linha progressista do tempo linear, mas pensada no contexto do espaço atemporal da tradição mítica. A propósito, escrevia:
“A nossa pobreza é a nossa única riqueza: as pessoas. Essa população desempregada, passiva, ignorante, que parece-nos uma pedra atada no pescoço, pode-se converter em braços que trabalham e inteligências que pensam. Se o armazém de projetos históricos que foi o Ocidente ficou vazio, por que não nos dedicarmos a pensar por conta própria, por que não inventarmos soluções? Alguns, pouco valorizados, começaram a fazê-lo. Por exemplo, Gabriel Zaid (nascido em 1934) nessa série de artigos que publicou em Plural sob o título de Cinta de Moebio. Outros, também, temos pedido para que sejam desenhados novos modelos de desenvolvimento. Por que não discutir esses problemas num âmbito nacional? No fundo, o grande debate da história moderna do México, desde o século XVIII, é o da modernização. Dos jesuítas da Nova Espanha aos liberais de Juárez, dos positivistas porfirianos aos revolucionários do século XX, sem excluir os marxistas e os capitalistas, todos, com diferentes métodos, propuseram uma mesma ideia: a modernização. O progresso foi e é, para todos eles, sinônimo de modernização. Bem poucos intelectuais fizeram a crítica da modernização. A crítica foi feita pelo tradicionalismo do povo mexicano, por alguns poetas (...) e, às vezes, como na época de Zapata, pelo povo pobre em armas. A sua utopia não vinha dos livros. Não era uma utopia progressista mas atemporal, com raízes na tradição oral e não na livresca. Não sugiro voltar a Zapata, nem à ideia autossuficiente, nem ao Neolítico. Penso que nesse sonho dos nossos camponeses há uma semente de verdade: por que não colocar entre parêntese os projetos ruinosos que nos conduziram à desolação que é o mundo moderno e desenhar um outro projeto, mais humilde porém mais humano e mais justo?” [24].
Não se trataria, certamente, de os mexicanos e os latino-americanos em geral reviverem tout-court as tradições míticas dos seus ancestrais ameríndios. Tratar-se-ia sim, de a partir desse chão de valores e representações, a razão elaborar uma proposta referida às particulares condições históricas dos homens desta parte do mundo, de forma a responder aos seus anseios de modernização, mas sem ficarem atrelados ao passado. Incorporar as perspectivas incertas do futuro. Incorporar, também, as experiências dos outros povos, mediante o uso da razão crítica. Incorporar as riquezas da reflexão filosófica ocidental. Mas não parar aí. Com essa bagagem, ter a audácia de pensar, como diria Immanuel Kant (1724-1804): “Sapere aude!” [25]. Esse seria o repto. E, para responder a ele, seria necessário reconstruir o passado à luz da crítica racional, a fim de elaborar propostas viáveis, não simplesmente cópias do que se pensou alhures. Tarefa semelhante à enfrentada, segundo o meu ponto de vista, no seu tempo, pelos filósofos doutrinários na França, sob o firme comando de François Guizot. Pena que o nosso pensador não conhecesse a contento a obra dos Doutrinários. Muitas coisas encontraria, nela, que sintonizariam com os seus anseios. Paz apelava para não copiar mais soluções já feitas por outros povos. Essa atitude copista é a que ele denominava de “moral patrimonialista cortesã”. Eis as suas palavras a respeito:
“A presença da moral patrimonialista cortesã no interior do Estado mexicano é um outro exemplo da nossa incompleta modernidade. Tanto nos estratos mais baixos – a sociedade camponesa e as suas crenças religiosas e morais - quanto na classe média e na alta burocracia, tropeçamos com a mistura desconcertante de traços modernos e arcaicos. A modernização do México, iniciada em fins do século XVIII pelos vice-reis de Carlos III da Espanha (1716-1788), continua sendo um projeto realizado pela metade e que unicamente afeta a superfície das consciências. A maior parte das nossas atitudes profundas em face do amor, a morte, a amizade, a cozinha, a festa, não são modernas. Também não o são a nossa moralidade pública, a nossa vida familiar, o culto à Virgem, a nossa imagem do Presidente...Por quê? (...) Desde a grande ruptura hispânica – a crise do final do século XVIII e a sua consequência: a Independência – os mexicanos temos adotado vários projetos de modernização. Todos eles não só revelam-se imprestáveis, mas desfiguraram-nos. Máscaras de Robespierre e Bonaparte, Jefferson e Lincoln, Comte e Marx, Lenine e Mao: se a história é teatro, o do nosso país tem sido uma mascarada interrompida uma e outra vez pela explosão do motim e da revolta. Não estou a pregar o regresso a um passado imaginário como todos os passados, nem pretendo voltar ao fechamento de uma tradição que nos afogava. Acredito que, como os outros países da América Latina, o México deve encontrar a sua própria modernidade. Em certo sentido deve inventá-la. Mas inventá-la a partir das formas de viver e morrer, produzir e gastar, trabalhar e desfrutar que o nosso povo criou. É uma tarefa que exige, além de circunstâncias históricas e sociais favoráveis, um extraordinário realismo e uma imaginação não menos extraordinária. Não preciso lembrar que o renascimento da imaginação, tanto no domínio da arte quanto no da política, sempre foi preparado e precedido pela análise e pela crítica. Acredito que à nossa geração e à que vem a seguir tocou-lhes esta tarefa. Mas antes de empreender a crítica das nossas sociedades, de sua história e do seu presente, os escritores hispano-americanos devemos começar pela crítica de nós mesmos. O primeiro passo é curarmo-nos da intoxicação das ideologias simplistas e simplificadoras” [26].
II – O Estado Patrimonial Mexicano como “Ogro Filantrópico”.
Desenvolverei os seguintes itens nesta segunda parte: 1 – Ambigüidade da sociedade mexicana em face da modernidade. 2 – Patriarcalismo e Caudilhismo. 3 – Patrimonialismo Estamental. 4 – Estatismo e hipertrofia do Executivo. 5 – Saindo do Patrimonialismo no México: o caminho da reforma política.
1 – Ambiguidade da sociedade mexicana perante a Modernidade.
Octavio Paz considerava que a essência do Patrimonialismo do seu país decorria da ambigüidade em face da modernização. Pelo fato de ter-se expandido à sombra do Império Espanhol (e, a fortiori, sob a proteção do Catolicismo de cruzada peninsular), os mexicanos nunca acordaram para o uso sistemático da razão. A Ilustração ficou a meio caminho. Não houve a formulação de uma ética laica, como aquela que passou, em determinado momento, a inspirar às Nações evangelizadas pelo Protestantismo. O princípio do livre exame foi afogado pela ortodoxia da Segunda Escolástica e pela Contra-Reforma. Ambigüidade: essa é a característica fundamental da cultura mexicana, em face do ideal da modernização. Mas, em decorrência do peso da tradição contra-reformista, jamais foi focalizada completamente essa opção, a começar pela livre crítica da razão da qual emergiriam o Individualismo e a Ilustração. Assim, quando pensam a modernização do seu país, os mexicanos oscilam entre o fascínio perante o progresso da República Americana e a rejeição da modernidade, que eles carregam no seu DNA ameríndio e peninsular. Dolorosa divisão. A respeito dessa complexa realidade, escrevia o Nobel mexicano:
“A expulsão dos Jesuítas precipitou a crise intelectual dos crioulos: não só ficaram sem mestres, como também sem um sistema filosófico que justificasse a sua existência. Muitos deles voltaram então os olhos em direção a uma outra tradição inimiga da tradição que tinha fundado a Nova Espanha. Nesse momento, tornou-se visível e palpável a radical diferença entre as duas Américas. Uma, a de língua inglesa, é filha da tradição que fundou o mundo moderno: a Reforma, com as suas consequências sociais e políticas, a democracia e o capitalismo; outra, a nossa, a de fala portuguesa e castelhana, é filha da monarquia universal católica e da Contra-Reforma. Os crioulos mexicanos não podiam embasar o seu projeto de abertura à modernidade na sua tradição política e religiosa: adotaram, embora sem adaptá-las, as ideias da outra tradição (...). Os Estados Unidos aparecem na nossa história durante esse segundo momento. Aparecem não como um poder estranho que deve ser combatido, mas como um modelo que deve ser imitado. Foi o princípio de uma fascinação que, se bem mudou de forma ao longo dos últimos cento e cinquenta anos, não decresceu, contudo, em intensidade. A história dessa fascinação confunde-se com a dos grupos de intelectuais que, desde a Independência, elaboraram todos esses programas de reforma social e política, com os que intentaram transformar o país numa nação moderna. Por cima das suas diferenças, há uma ideia comum que inspira aos liberais, aos positivistas e aos socialistas: o projeto de modernizar o México. A partir dos primeiros anos do século XIX, esse projeto define-se perante - a favor ou contra – os Estados Unidos. A paixão dos nossos intelectuais pela civilização norte-americana vai do amor ao rancor e da adoração ao horror. Formas contraditórias mais coincidentes da ignorância: num extremo, o liberal Lorenzo de Zavala (1788-1836), que não vacilou em tomar o partido dos texanos na sua guerra contra o México; no outro, os marxistas-leninistas contemporâneos e os seus aliados, os teólogos da libertação, que fizeram da dialética materialista uma encarnação do Espírito Santo, e do imperialismo norte-americano a prefiguração do Anticristo” [27].
A ambigüidade com que a imaginação mexicana representou o relacionamento com os Estados Unidos, no sentir de Paz, estruturou-se ao redor de uma versão do mito do gigante bobão mas poderoso, que pode nos esmagar e cujo castelo misterioso nos enche de sonhos. Disneyworld é o pano de fundo dos nossos sonhos (os dos mexicanos e, em geral, os de todos nós, latino-americanos). Perigo e atração, ódio e amor, identidade e estranheza, ambiguidade representada no terreno das ideias com a crítica ferrenha contra tudo que é americano, mas que se encontra também espelhada nos nossos planos de modernização que, invariavelmente, olham para o gigante do norte. No terreno mais subtil da imaginação e do subconsciente, é a dialética entre o Mundo dos Sonhos e a Casa do Gigante.
A respeito desse ponto, o Nobel mexicano escrevia: “Antes de serem uma realidade, os Estados Unidos foram para mim uma imagem. Não é estranho: desde crianças os mexicanos vemos esse país como o outro. Um outro que é inseparável de nós e que, ao mesmo tempo, é radical e essencialmente estranho. No norte do México a expressão o outro lado designa aos Estados Unidos. O outro lado é geográfico: a fronteira; cultural: uma outra civilização; lingüístico: uma outra língua; histórico: um outro tempo (os Estados Unidos correm perseguindo o futuro, enquanto nós ainda estamos amarrados ao nosso passado); metafórico: eles são a imagem de tudo quanto não somos. São a estranheza mesma. Só que estamos condenados a viver com essa estranheza: o outro lado é o lado vizinho. Os Estados Unidos estão sempre presentes entre nós, inclusive quando nos ignoram ou nos dão as costas; a sua sombra cobre todo o continente. É a sombra de um gigante. A ideia que temos desse gigante é a mesma que aparece nos contos e nas lendas. Um grandalhão generoso e um pouco simples, um ingênuo que ignora a sua força e ao qual é possível enganar, mas cuja cólera pode nos destruir. À imagem do gigante bom e bobalhão justapõe-se a do ciclope astuto e sanguinolento (...)” [28].
O escritor mexicano particularizava a ambiguidade entre passado e futuro, típica da cultura mexicana, como a representação daquilo que dura (a pedra, a tradição), em face daquilo que é passageiro (a máquina, a inovação). Mexicanos e chicanos ancoraram definitivamente num passado de tradições imutáveis e, embora o segundo grupo more nos Estados Unidos, manteve-se, sempre, fiel às suas crenças ancestrais. Dos grupos imigrantes na República Americana, os chicanos são, de longe, os que melhor se subtraíram às influências culturais norte-americanas. O nosso pensador exprimia esse ponto de vista da seguinte forma:
“A conquista do futuro é a tradição norte-americana. Por isso é a tradição da mudança, enquanto a hispânica é a tradição da resistência à mudança. Espanha e as suas obras: construções perduráveis e significados eternos, intemporais. O valioso é , para nós, sinônimo de duração. A herança pré-colombiana aumenta essa inclinação: a pirâmide é a imagem da imutabilidade. As oposições entre norte-americanos e mexicanos sintetizam-se nas nossas atitudes em face da mudança. Para nós, o segredo não consiste em chegar antes, mas em ficarmos onde estamos. É a oposição entre o vento e a rocha. Não falo de ideias e filosofias, mas de crenças e estruturas mentais inconscientes; qualquer uma que seja a nossa ideologia, mesmo se for progressista, nós referimos instintivamente o presente ao passado enquanto os norte-americanos referem-no ao futuro. Os trabalhadores mexicanos que emigram para os Estados Unidos mostraram uma notável capacidade de inadaptação à sociedade norte-americana. Essa capacidade é feita de insensibilidade diante do futuro. Nele, o passado está vivo. É o mesmo passado que preservou aos chicanos, provavelmente a minoria dos Estados Unidos que melhor conservou a sua identidade. Em México não foram os profissionais do anti-imperialismo os que melhor resistiram, mas a gente humilde que faz peregrinações ao santuário da Virgem de Guadalupe. O nosso país sobrevive graças ao seu tradicionalismo” [29].
O tradicionalismo mexicano é, no sentir de Paz, um constante se projetar em direção ao passado das tradições. Ora, como elas são várias, trata-se, portanto, de conviver com múltiplos passados. Como entre os mexicanos não se instalou definitivamente a Ilustração, jamais foi feita uma crítica a esses passados, de forma que eles continuam assombrando ao cidadão mexicano contemporâneo. Não acontece isso com o cidadão norte-americano herdeiro dos pillgrim brothers, filhos da crítica calvinista aos valores medievais. Eles já nasceram projetados para o futuro, em decorrência dessa herança crítica. Para os norte-americanos, a sua tradição é a crítica ao passado efetivada no início da modernidade; a tradição deles é o Iluminismo enquanto, para os mexicanos, as múltiplas tradições em que ancoram rejeitam a crítica iluminista. A respeito, o nosso autor escrevia acerca dessas ambiguidades, utilizando ainda a imagem do castelo do gigante:
“Viajar pelos Estados Unidos, para um mexicano, é penetrar no castelo do gigante e percorrer as suas câmaras de horrores e maravilhas. Mas há uma diferença: o Castelo do ogro nos surpreende pelo seu arcaísmo; os Estados Unidos pela sua novidade. O nosso presente está, sempre, um pouco atrás do verdadeiro presente, enquanto que o deles está um pouco mais adiante. O deles é um presente em que já está escrito o porvir; o nosso está ainda amarrado ao passado. Faço mal em usar o singular quando falo do nosso passado: são muitos, ainda estão vivos e todos pelejam continuamente no nosso interior. Astecas, maias, otomões, castelhanos, mouros, fenícios, galegos: emaranhado de raízes e ramas que nos afogam. Como conviver com eles sem ser o seu prisioneiro? Essa é a pergunta que, sem cessar, fazemos e à qual não temos conseguido dar uma resposta definitiva. Não temos sabido assumir o nosso passado, talvez, porque tampouco temos sabido fazer a sua crítica. A dificuldade dos norte-americanos é precisamente a contrária: nasceram como uma crítica cortante ao passado. Essa crítica foi uma afirmação não menos radical dos valores da modernidade, tal como tinham sido definidos primeiro pela Reforma e, depois, pela Ilustração. Não é que não tenham um passado; é um passado orientado ao futuro” [30].
A ambiguidade cultural mexicana, do ângulo ideológico, traduziu-se em algo que é também observável no Brasil: os mexicanos adotaram a retórica liberal, sem que as palavras fossem sustentadas por realidades correspondentes aos significantes [31]. Esvaziamento da linguagem numa dolorosa bifurcação entre significantes provenientes do Iluminismo e significados vinculados às tradições telúricas que negavam essa linguagem. A respeito, escrevia Paz:
“A carreira imperial da República norte-americana coincide, em sua primeira parte, durante a segunda metade do século XIX, com a implantação (no México) do regime liberal, que não tardou em se transformar em ditadura. É um fenômeno que, mutatis mutandis, repete-se em toda a América Espanhola. A revolução liberal, iniciada na Independência, não resultou na implantação de uma verdadeira democracia, nem no nascimento de um capitalismo nacional, mas numa ditadura militar e num regime econômico caracterizado pelo latifúndio e as concessões a empresas e consórcios estrangeiros, especialmente norte-americanos. O liberalismo foi infecundo e não produziu nada comparável às criações pré-colombianas ou às da Nova Espanha: nem pirâmides nem conventos, nem mitos cosmogônicos nem poemas de Soror Juana Inés de la Cruz (1651-1695). México seguiu sendo o que tinha sido, mas já sem acreditar naquilo que era. Os velhos valores caíram por terra, não as velhas realidades. Cedo foram recobertas pelos novos valores progressistas e liberais. Realidades mascaradas: começo da inautenticidade e da mentira, males endêmicos dos países latino-americanos. No início do século XX estávamos já instalados em plena pseudomodernidade: estradas de ferro e latifúndio, constituição democrática e um caudilho dentro da melhor tradição hispano-árabe, filósofos positivistas e caciques pré-colombianos, poesia simbolista e analfabetismo. A adoção do modelo norte-americano contribuiu para a dissolução dos valores tradicionais; a ação política e econômica do imperialismo norte-americano fortaleceu as arcaicas estruturas sociais e políticas. Essa contradição revelou que a ambivalência do gigante não era imaginária mas real: o país de Thoreau era também o de Roosevelt-Nabucodonosor” [32].
Vale a pena anotar, à margem desta última citação que, nas duas derradeiras linhas, o nosso pensador deixava explícita, mais uma vez, a duplicidade não apenas da representação que os mexicanos tinham de si próprios – portadores de uma pseudomodernidade – como a dos norte-americanos, que eram imaginados, ao mesmo tempo, como o gigante perverso que a todos encadeava e o país que encarnava os ideais da liberdade. No fundo da ambigüidade mexicana – e também ibero-americana – como fonte secreta daquela, esconde-se a ambigüidade de que foi vítima o Império espanhol sob a dinastia dos Áustrias. Dominavam o maior império do mundo naquele momento (final do século XVI e primeiras décadas do século XVII) mas permaneciam ancorados na escala de valores da Idade Média. Essa ambiguidade ibérica foi a responsável pelo progressivo desmonte do Império espanhol e a sua saída de cena, deixando na primeira linha da política europeia outras potências: a França e a Inglaterra. A respeito, nosso autor escrevia:
“As sociedades não morrem vítimas de suas contradições mas da sua incapacidade para resolvê-las. Quando isso ocorre, uma espécie de parálise imobiliza o corpo social, primeiro os centros pensantes e deliberativos, depois os braços executores. A parálise é uma resposta da sociedade a perguntas sobre as que a sua tradição e os pressupostos de sua história não oferecem outra saída do que o silêncio. Isso foi o que aconteceu com o Império espanhol. Todas as desgraças dos povos hispano-americanos são efeitos longínquos desse estupor feito de obstinação, orgulho e cegueira que tomou conta da monarquia austríaca em meados do século XVII” [33].
2 – Patriarcalismo e Caudilhismo.
O pensador mexicano achava que o Estado, tanto no México quanto no resto da América Latina, tinha-se consolidado, fundamentalmente, como uma instituição de tipo patrimonialista. Não ocorreu, em terras americanas, sob a inspiração ibérica, um Estado de tipo contratualista, como o que acabou sendo organizado na América Anglo-Saxã (nos Estados Unidos e no Canadá). O nosso foi um tipo de organização patrimonialista em que o poder foi organizado de forma semelhante a como o Patriarca organiza a sua família: o Estado emerge da hipertrofia de um poder patriarcal original, que alarga a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extrapatrimoniais, passando a administrá-los como propriedade familiar (patrimonial) [34]. A propósito dessa forma familística de organização do poder em Ibero-America, escrevia Octavio Paz:
“Os primeiros germes da democracia neste continente aparecem nas comunidades e seitas dissidentes da Nova Inglaterra. Certamente os espanhóis estabeleceram, nas terras conquistadas, a instituição do ajuntamento, fundado no auto-governo das vilas e cidades. Mas os ajuntamentos viveram sempre uma vida precária, estrangulados por uma extensa e complexa teia de jurisdições e privilégios burocráticos, eclesiásticos e econômicos. Nova Espanha foi, sempre, uma sociedade hierárquica, sem governo representativo e dominada pelo poder dual do Vice-Rei e do Arcebispo. Max Weber dividia os regimes pré-modernos em duas grandes categorias: o sistema feudal e o patrimonial. No primeiro, o Príncipe governa com - às vezes, contra – os seus iguais pelo nascimento e o rango: os barões; no segundo, o Príncipe rege a nação como se fosse o seu patrimônio e a sua casa; os seus ministros são os seus familiares e os seus criados. A monarquia espanhola é um exemplo de regime patrimonialista. Também o foram (e o são) as suas sucessoras, as repúblicas democráticas da América Latina, oscilantes sempre entre o Caudilho e a Demagogia, o Pai déspota e os Filhos revoltosos” [35].
Esse processo de diferenciação na organização do Estado decorre, no sentir de Paz, da presença de suas tradições religiosas: a reformista e a contra-reformista. Nos países da América em que vingou a Reforma Protestante, consolidou-se o tipo de Estado contratualista, com sociedades altamente diversificadas; já nos países em que vingou a Contra-Reforma, terminou prevalecendo o tipo de Estado patrimonial. A propósito, Paz escrevia o seguinte: “As comunidades religiosas da Nova Inglaterra firmaram ciosamente, desde o seu nascimento, a sua autonomia perante o Estado. Inspirados no exemplo das igrejas cristãs dos primeiros séculos, estes grupos foram sempre hostis à tradição autoritária e burocrática da Igreja católica. Desde Constantino, o cristianismo tinha vivido em simbiose com o poder político; durante mais de mil anos, o modelo de Igreja tinha sido o Império cesáreo-burocrático de Roma e Bizâncio. A Reforma foi o rompimento dessa tradição. Por sua vez, as comunidades religiosas da Nova Inglaterra levaram essa ruptura às últimas consequências, enfatizando os traços igualitários e a tendência ao auto-governo dos grupos protestantes dos Países Baixos. Na Nova Espanha, a Igreja foi, ante tudo, uma hierarquia e uma administração, ou seja, uma burocracia de clérigos que lembra, em alguns de seus aspectos, a instituição dos mandarins do antigo império chinês. Daí a admiração dos jesuítas, no século XVII, em face do regime de K’ang-shi, no qual viram realizada, por fim, a sua ideia do que poderia ser uma sociedade hierárquica e harmoniosa. Uma sociedade estável mas não estática, como um relógio que, embora sempre marche, dá sempre as mesmas horas. Nas colônias inglesas, a igreja não foi uma hierarquia de clérigos donos do saber, mas a livre comunidade dos fiéis. A igreja foi plural e esteve, desde o início, constituída por uma rede de associações de crentes, verdadeira prefiguração da sociedade política da democracia” [36].
Octavio Paz, como no Brasil Gilberto Freyre [37] e Oliveira Vianna [38], considerava que a base culturológica sobre a qual assentou a sociedade, ao longo dos cinco séculos de história, tinha sido a família. Esta primeira organização social, essa célula mater foi a origem de tudo e é a partir dela que deve ser entendida a teia de crenças fundamentais que alimentam o imaginário coletivo dos Mexicanos. O Patriarcalismo como fonte do Patrimonialismo. Esse foi o caminho percorrido pela sociedade. A propósito do papel essencial representado pela família, escrevia o nosso autor: “No fundo da psiquê mexicana há realidades recobertas pela história e pela vida moderna. Realidades ocultas, mas presentes. Um exemplo é a nossa imagem da autoridade política. É evidente que, nela, há elementos pré-colombianos e, também, restos de crenças hispânicas, mediterrâneas e muçulmanas. Por trás do respeito ao Senhor Presidente está a imagem tradicional do Pai. A família é uma realidade muito poderosa. É o lar, no sentido originário da palavra: centro e reunião dos vivos e dos mortos, ao mesmo tempo altar, cama onde se pratica o amor, fogão onde se cozinha, cinza que enterra os antepassados. A família mexicana atravessou quase indemne vários séculos de calamidades e somente até agora começa a se desintegrar nas cidades. A família deu aos mexicanos as suas crenças, valores, conceitos sobre a vida e a morte, o bom e o mau, o masculino e o feminino, o belo e o feio, o que se deve fazer e o indevido. No centro da família: o pai. A figura do pai bifurca-se na dualidade do patriarca e do macho. O patriarca protege, é bom, poderoso, sábio. O macho é o homem terrível, o chingón, o pai que foi embora, que abandonou mulher e filhos. A imagem da autoridade mexicana inspira-se nesses dois extremos: O Senhor Presidente e o Caudilho” [39].
Embora o nosso escritor considerasse que, no México, os Presidentes da República, no período posterior à Revolução Positivista, todos pertencessem ao PRI – Partido Revolucionário Institucional, no entanto, achava que eles não encarnavam a figura do tradicional caudilho hispano-americano, em decorrência de terem sido legitimados por uma investidura, ao passo que o caudilho tradicional sobrepõe-se a ela. Paz, a bem da verdade, caracteriza o patrimonialismo republicano mexicano como um tipo de dominação patrimonial estamental, algo semelhante ao que aconteceu no Brasil republicano sob a égide do getulismo. Mas, de qualquer forma, mesmo no México, está presente o caudilhismo, fenômeno que o nosso pensador considerava como algo típico da América Espanhola, um traço cultural possivelmente herdado do nosso passado árabe peninsular. A respeito, escrevia:
“A imagem do caudilho não é mexicana unicamente, mas espanhola e hispano-americana. Talvez seja de origem árabe. O mundo islâmico caracterizou-se pela sua incapacidade para criar sistemas estáveis de governo, quer dizer, não instituiu uma legitimidade supra pessoal. O remédio contra a instabilidade foi e são os chefes, os caudilhos. Na América Latina, continente instável, os caudilhos nascem com a Independência; nos nossos dias chamam-se Perón, Castro e, no México, Díaz, Carranza, Obregón, Calles. O caudilho é heroico, épico; é o homem que está além da lei. O Presidente é o homem da lei: o seu poder é institucional. Os presidentes mexicanos são ditadores constitucionais, não caudilhos. Têm poder enquanto são presidentes; e o seu poder é quase absoluto, quase sagrado. Mas devem o seu poder à investidura. No caso dos caudilhos hispano-americanos, o poder não lhes vem da investidura, mas eles conferem investidura ao poder” [40].
O caudilhismo, no sentir de Paz, produzia a instabilidade. Pelo fato de não ter conseguido elaborar um processo de legitimidade burocrática, a sucessão do caudilho é sempre traumática. Os processos sucessórios dos países latino-americanos, que evoluíram em direção ao patrimonialismo estamental, deram ensejo a uma certa estabilidade: tal é o caso do presidencialismo mexicano. Mas como na América Latina o caudilhismo é a regra e não a exceção, a instabilidade é, por consequência, o clima do continente. Em relação a este ponto, o nosso pensador escrevia: “O princípio da rotatividade, que é uma das características do sistema mexicano, inexiste nos seguidores caudilhescos da América Latina. Aqui aparece, ao lado do tema do pai terrível, outra vez o tema da legitimidade. O mistério ou o enigma da origem. Algo particularmente grave para a América Latina, desde a Independência. O caudilhismo, que foi e é o verdadeiro sistema de governo latino-americano, não conseguiu resolver a questão da sucessão. No regime caudilhesco, a sucessão realiza-se pelo golpe de estado, ou pela morte do caudilho. O caudilhismo, concebido como remédio heroico contra a instabilidade, é o grande produtor de instabilidade no continente. A instabilidade é consequência da ilegitimidade. Depois de aproximadamente dois séculos de independência da monarquia espanhola, os nossos povos não encontraram ainda uma forma de legitimidade. Nesse sentido, o compromisso mexicano – a combinação de presidencialismo e dominação burocrática de um partido único – foi uma solução. Mas é cada vez menos uma saída viável” [41].
A perspectiva familística explica tanto o caudilhismo mexicano como o surgimento do Patrimonialismo, na sua forma mais tradicional, herdada da Espanha. Proveio dessa herança a ideia de que o poder é administrável como bem de família, de que o Estado, que é o produto do poder, pode ser loteado entre amigos e apaniguados, de que parcelas dele podem ser comercializadas se os donos do poder acharem conveniente. A respeito, escrevia Paz: “Do ângulo da persistência do patrimonialismo é fácil de entender este fenômeno [da corrupção]. Em todas as cortes européias durante os séculos XVII e XVIII, eram vendidos os empregos públicos e havia tráfico de influências e favores. Durante a regência de Mariana de Áustria, dom Fernando Valenzuela (o Duende do Palácio), num momento de escassez do tesouro público, decidiu consultar com os teólogos se era lícito vender ao melhor pagador os altos cargos, entre eles os vice-reinados de Aragão, Nova Espanha, Peru e Nápoles. Os teólogos não encontraram nada nas leis divinas, nem nas humanas, que fosse contrário a esse recurso. A corrupção da administração pública mexicana, escândalo de próprios e estranhos, não é, no fundo, mais do que uma manifestação da persistência dessas maneiras de pensar e de sentir, que exemplifica o parecer dos teólogos espanhóis. Pessoas de irreprochável conduta privada, exemplos de moralidade na sua casa e no seu bairro, não têm escrúpulos para dispor dos bens públicos como se fossem próprios. Trata-se não tanto de uma imoralidade como da vigência inconsciente de outra moral: no regime patrimonial são mais bem vagas e flutuantes as fronteiras entre a esfera pública e a privada, entre a família e o Estado. Se cada um é o rei na sua casa, o reino é como uma casa e a nação como uma família. Se o Estado é o patrimônio do Rei, como não vai sê-lo também de seus parentes, seus amigos seus serventes e os seus favoritos? Na Espanha, o Primeiro Ministro chamava-se significativamente, Privado” [42].
Octavio Paz considerava que, no México, o Estado Patrimonial tinha percorrido três grandes etapas: Estado forte na época da Nueva Espanha, no período colonial, Estado fraco, com a privatização do poder pela Igreja e pelos Senhores Patrimoniais Locais (bispos e comunidades religiosas, de um lado e, de outro, ricos proprietários e grandes fazendeiros), no século XIX, após a Independência da Espanha; Estado Patrimonial (Estamental) Forte, com o advento da República positivista, no século XX.
Eis a forma em que o escritor ilustrava essas três etapas, seguindo, para isso, a exposição de conhecido historiador mexicano: “O historiador conservador Carlos Pereyra assinala que as convulsões políticas e o estado caótico do país até a ditadura de Díaz foram, essencialmente, uma consequência da debilidade dos governos desde a Independência. O Estado novo-hispano tinha sido uma construção de extraordinaria solidez e que foi capaz de fazer frente tanto aos revoltosos encomendeiros quanto aos bispos despóticos. Ao cair por terra, deixou uma classe rica muito poderosa e dividida em fações irreconciliáveis. A ausência de um poder central moderador, tanto quanto a inexistência de tradições democráticas explicam o fato de que as facções não demorassem em acudir à força para dirimir as suas pendências. Assim nasceu a praga do militarismo: a espada foi a resposta à debilidade do Estado e ao poder das facções. Por que era débil o Estado mexicano? A debilidade, diz Pereyra, era uma consequência da pobreza. Explico: não pobreza do país, mas do poder político. O Estado era pobre em face de uma Igreja dona da metade do país e uma classe de proprietários e fazendeiros imensamente ricos. Como submeter os bispos e como conseguir que prevalecesse a lei numa sociedade onde cada chefe de familia sentia-se um monarca? Sob a ditadura do general Díaz o Estado mexicano começou a sair da pobreza. Os governos que sucederam a Díaz, passada a etapa violenta da Revolução, impulsionaram o processo de enriquecimento e, muito cedo, com Calles, outro general, o governo mexicano iniciou a sua corrida de grande empresário. Hoje é o capitalista mais poderoso do país embora, como todos sabemos, não seja nem o mais eficiente nem o mais honesto” [43].
Numa curiosa aproximação, o nosso pensador traçava um paralelo entre o Estado Patrimonial mexicano e o russo, destacando os elementos semelhantes entre ambas realidades, mas acrescentando, também, a diferença fundamental. Ela consistiu no fato de o Estado russo ter enveredado pelo caminho do poder total, em decorrência do fato de o Partido, na Rússia, ter-se tornado o verdadeiro Estado, ao passo que, no México, o Partido não passou de um instrumento do Estado. Vale a pena transcrever os termos dessa comparação, que ressalta a inegável acuidade sociológica do nosso autor:
“Lembrei o caso da Rússia, porque, por mais longínquo que pareça, ilumina imediatamente as peculiaridades da situação mexicana. Como na Rússia de início do século (XX), o projeto histórico dos intelectuais mexicanos e, também, o dos grupos dirigentes e da burguesia ilustrada, pode-se resumir na palavra modernização (indústria, democracia, técnica, laicismo, etc.). Como na Rússia, diante da relativa debilidade da burguesia nativa, o agente central da modernização foi o Estado. Por último, como na Rússia, o nosso Estado é o herdeiro de um regime patrimonial: o vice-reinado novo-hispano. No entanto, há diferenças capitais. A primeira: entre o Estado novo-hispano e o moderno interpõe-se o breve mas marcante período democrático da República Restaurada (1867-1876). A segunda: enquanto o Estado totalitário liquidou a burguesia russa, submeteu os camponeses e os operários, exterminou os seus rivais políticos, assassinou os seus críticos e criou uma nova classe dominante, o Estado mexicano tem compartilhado o poder não só com a burguesia nacional, mas também com os quadros dirigentes dos grandes sindicatos. Já destaquei que a relação entre os governos mexicanos, os dirigentes operários e camponeses e a burguesia é ambígua, uma espécie de aliança instável não isenta de querelas, notadamente entre o setor privado e o público. Tudo isso pode-se resumir numa diferença que abarca a todas e que é capital: enquanto na Rússia o Partido é o verdadeiro Estado, no México o Estado é o elemento substancial e o Partido é o seu braço e o seu instrumento. Assim, embora México não seja realmente uma democracia, tampouco é uma ideocracia totalitária” [44].
Uma das características marcantes do Estado patrimonial mexicano – extensiva, também aos outros Estados ibero-americanos – consistia, segundo Octavio Paz, no fato de as respectivas sociedades não se terem diversificado em correntes de opinião que acompanhassem uma diversificação da representação de interesses. Como tudo, na América Latina, decorreu do fato da hipertrofia do Estado sobre a sociedade, terminou acontecendo que ela não se diferenciou em Partidos que exprimissem uma diversidade política. Não encontramos nem no México, nem nos restantes países da América Latina, Partidos Conservadores solidamente definidos [45]. De outro lado, não achamos Partidos Socialistas de índole democrática. A respeito do fenômeno apontado, escrevia o nosso autor:
“O espectador mais distraído descobre imediatamente, neste panorama, duas grandes ausências. Uma, a de um Partido Conservador como o Republicano dos Estados Unidos ou os Partidos Conservadores da Grã Bretanha, França, Alemanha e Espanha; outra, a de um autêntico Partido Socialista com influência entre os trabalhadores, os intelectuais e a classe média. Isto é verdadeiramente lamentável e revela, cruelmente, uma das carências mais graves do México e da América Latina, a inexistência de uma tradição socialista democrática” [46].
3 – Patrimonialismo Estamental.
O pensador mexicano considerava que, na América Latina, apenas o México tinha conseguido superar a modalidade de patrimonialismo caudilhista, para evoluir em direção a uma forma mais sofisticada, a do patrimonialismo estamental. O nosso pensador não conhecia, decerto, de forma suficiente, a história do republicanismo brasileiro, onde, como frisamos atrás, também vingou um modelo de patrimonialismo estamental, ao ensejo do ciclo castilhista-getuliano [47]. A particularidade mexicana, no contexto do continente latino-americano, decorre, segundo Paz, da prática dessa modalidade de dominação. O patrimonialismo estamental, centrado na figura do presidente da República legitimado pelo Partido Único, essa seria a peça-chave da dominação patrimonialista no México. Essa estrutura tem um efeito cultural importante: instaura a preponderância da variável política sobre a econômica, fato que o nosso autor considerava um traço pré-moderno da cultura mexicana. O primeiro a pôr em funcionamento essa maquinária foi o general Lázaro Cárdenas (1895-1970).
A respeito, Paz escrevia: ”O estilo de governar de Cárdenas foi também admirável. Para os presidentes do México é muito grande a tentação de se converterem em ídolos. Cárdenas resistiu a ela. Enquanto esteve no poder, tivemos a sensação, estranha entre todas, de que nos governava um homem, um ser como nós. Porém, o cardenismo não intentou a experiência democrática, mas fortaleceu o partido único. O general Cárdenas imitou os antigos chefes revolucionários que tinham fundado o Partido Nacional Revolucionário, transformado por ele em Partido da Revolução Mexicana e que hoje se chama de Partido Revolucionário Institucional. Nesses três nomes encerra-se a história da burocracia política que domina o país no último meio século. Ninguém pode entender o México se ignora o PRI. As descrições marxistas são insuficientes. Entranhado nas estruturas do Estado, como uma casta política com características próprias, grande canal da mobilidade social, pois abarca do municipio da aldeia às esferas mais altas da política nacional, o partido único é um fenômeno que não aparece no resto da América Latina (salvo em Cuba, recentemente e com traços bem diferentes). No México, certamente, o poder é mais desejado do que a riqueza. Se você for milionário, ser-lhe-á muito difícil – quase impossível – passar dos negócios à política. Pelo contrário, você pode passar da política aos negócios. O enorme prestígio do poder em face do dinheiro é um traço antimoderno do México. Outro exemplo de como os modos de pensar e sentir pré-modernos, pré-capitalistas, aparecem na nossa vida diária” [48].
Característica marcante do patrimonialismo estamental mexicano foi o fato, destacado por Paz, de os donos do poder chamarem os intelectuais para colaborar na gestão do Estado, notadamente quando se fazia necessário elaborar novos modelos de organização constitucional, ao ensejo da revolução positivista, no período que vai de 1920 a 1940. Mas essa colaboração, ressalva o nosso autor, sempre foi desenvolvida no contexto de uma rigorosa cooptação. Os intelectuais mexicanos desse período terminaram sendo enganados pelo Executivo hipertrofiado: ele os chamava para colaborar, mas não os queria escutar!
A respeito, Paz frisa: “A vocação intelectual da geração de Daniel Cossío Villegas (1898-1976) foi inseparável de sua vontade de reforma social, política e moral. Num primeiro momento, todos eles conceberam a sua atividade não defronte ou contra, mas dentro do Estado. O governo revolucionário tinha-os chamado para colaborar na tarefa de reconstrução nacional. E eles, ao aceitarem esse chamado, assumiram por inteiro a responsabilidade dessa colaboração. Inclusive a crítica ao poder se fez dentro do poder. A diferença com os intelectuais europeus ou com a situação do México contemporâneo é radical. Entre 1920 e 1940, os intelectuais do México acreditaram que a sua missão era a de serem conselheiros dos príncipes revolucionários. A realidade os desenganou cruelmente: aqueles príncipes, como quase todos os da história, ou estavam surdos ou não queriam ouvir” [49].
Quanto à estrutura sociológica do patrimonialismo estamental mexicano, o nosso autor a entendia como um jogo de dominação entre cinco grandes elementos: a Tecnocracia Administrativa, a Casta Política, o Capitalismo Privado, as Burocracias Operárias e os Estudantes e Intelectuais (que seriam os porta-vozes da classe média). Nesse conjunto de grupos sociais, prevalecem as decisões da Tecnocracia Administrativa e da Casta Política que, de um ado, não são homogêneas, havendo muitos conflitos de interesses entre uma e outra. De outro lado, Paz destacava que essas duas instâncias de dominação precisavam constantemente de estar negociando as decisões fundamentais com os outros três grupos. Tratar-se-ia, portanto, do ponto de vista da racionalidade administrativa, de um modelo tipicamente patrimonialista, do tipo que Paul Milyukov (1859-1943) identificou como “racionalidade administrativa variável”: não se estrutura, no interior do Estado, uma racionalidade plena, apenas uma racionalidade condicionada pela manutenção da estrutura do poder em mãos dos estamentos privilegiados [50].
A respeito, Paz escrevia: “O poder central, no México, não reside nem no capitalismo privado nem nas uniões sindicais, nem nos partidos políticos, mas no Estado. Trindade secular, o Estado é o Capital, o Trabalho e o Partido. No entanto, não é um Estado Totalitário nem uma ditadura (...). No México, o Estado pertence a uma dupla burocracia: a tecnocracia administrativa e a casta política. Ora, essas burocracias não são autônomas e vivem em contínua relação de rivalidade e de cumplicidade, de alianças e rompimentos com os outros dois grupos que compartem a dominação do país: o capitalismo privado e as burocracias operárias. Estes grupos, por sua vez, tampouco são homogêneos e estão divididos por querelas de interesses, de ideias e pessoas. Há também um outro setor, cada vez mais influente e independente: a classe média e os seus porta-vozes, os estudantes e os intelectuais” [51].
O constante confronto entre a Tecnocracia Administrativa e a Casta Política, terminou fazendo com que, no México contemporâneo, prevalecessem os interesses patrimonialistas sobre o esforço em prol de organizar uma gestão racional do Estado. O perfil de privatização do poder por parte dos Estamentos terminou comprometendo a eficiência e a modernização do Estado. Trata-se de uma situação contraditória. A história do México atual oscila, a cada seis anos, não entre a modernização pura e simples e o atraso, mas entre os interesses privatistas das clientelas políticas que se revezam no poder ao redor do trono do Presidente; ora, nessa luta termina sendo minimizado o esforço modernizador veiculado pela Tecnocracia Administrativa. Assim destacou Octavio Paz essa confusa realidade cujo traço fundamental é a preservação do Estado patrimonial, ou seja, a pervivência da tradição que faz com que as instituições políticas sejam sempre geridas como propriedade privada dos donos do poder:
“Falta-me mencionar outra característica notável do Estado mexicano: apesar de ter sido o agente cardinal da modernização, ele próprio não conseguiu se modernizar plenamente. Em muitos de seus aspectos, especialmente no seu relacionamento com o público e na maneira de conduzir os negócios, continua sendo patrimonialista. Num regime desse tipo, o chefe do Governo – o Príncipe ou o Presidente – consideram o Estado como seu patrimônio pessoal. Por tal motivo, o corpo de funcionários e empregados governamentais, dos ministros aos contínuos e dos magistrados e senadores aos porteiros, longe de constituir uma burocracia impessoal, forma uma grande família política ligada por vínculos de parentesco, amizade, compadrio, regionalismo e outros fatores de índole pessoal. O patrimonialismo é a vida privada incrustada na vida pública. Os ministros são os familiares e os criados do rei. Por isso, embora todos os cortesãos comunguem no mesmo altar, os regimes patrimonialistas não se petrificam em ortodoxias nem se transformam em burocracias. São o contrário de uma igreja e daí que, contrariamente ao que ocorre em corpos como a Igreja Católica ou o Partido Comunista, os vínculos entre os cortesãos não são ideológicos mas pessoais. Nas burocracias políticas e eclesiásticas, a ordem hierárquica é sagrada e está regida por regras objetivas e princípios imutáveis tais como a iniciação, o noviciado e a aprendizagem, a antigüidade no serviço, a competência, a diligência, a obediência aos superiores, etc. No regime patrimonial o que conta, em última instância, é a vontade do Príncipe e de seus colaboradores mais próximos” [52].
Esse convívio diuturno entre cortesãos movidos por interesses patrimonialistas e tecnocratas inspirados por metas de modernização, faz com que o trabalho destes últimos se torne infrutífero e que as velhas estruturas do Estado continuem agarradas ao passado de clientelismos e privilégios. Em suma, a estrutura patrimonial das instituições políticas termina comprometendo o processo de modernização da sociedade e do próprio Estado. O resultado é o atraso do país. Eis a forma em que o nosso autor explicava essa doença do sangue patrimonialista num corpo com algumas feições de modernidade:
“No interior do Estado mexicano há uma contradição enorme que ninguém conseguiu ou intentou sequer resolver: o corpo de tecnocratas e administradores, a burocracia profissional compartilha os privilégios e os riscos da administração pública com os amigos, os familiares e os favoritos do Presidente de plantão e com os amigos, os familiares e os favoritos de seus Ministros. A burocracia mexicana é moderna, propõe-se a modernizar o país e os seus valores são valores modernos. Diante dela, às vezes como rival e outras como associada, levanta-se uma massa de amigos, parentes e favoritos unidos por laços de ordem pessoal. Esta sociedade cortesã renova-se parcialmente a cada seis anos, ou seja, cada vez que ascende ao poder um novo Presidente. Tanto pela sua situação quanto pela ideologia implícita e o seu modo de recrutamento, esses corpos cortesãos não são modernos: são uma supervivência do patrimonialismo. A contradição entre a sociedade cortesã e a burocracia tecnocrata não paralisa o Estado mas torna difícil e sinuosa a sua marcha. Não há duas políticas dentro do Estado: há duas maneiras de entender a política, dois tipos de sensibilidade e de moral” [53].
Nesse contexto de dominação patrimonialista, o Partido a serviço das clientelas políticas arrebanhadas pelo Presidente da República é o grande canal de ascensão social e a esperança das novas gerações. Não se trata, no caso mexicano, de um Partido terrorista, que pretenda mudar a essência humana a ferro e fogo. O Partido Revolucionário Institucional é uma agremiação de conveniência da burocracia estatal e das clientelas políticas, é um instrumento patrimonialista que serve aos interesses de cooptação dos donos do poder e que, ao mesmo tempo, responde às necessidades dos novos segmentos sociais que buscam lugar ao sol.
Octavio Paz caracteriza, nestes termos, a função mediadora do PRI: “A natureza peculiar do Estado mexicano revela-se pela presença, no seu interior, de três ordens ou formações diferentes (mas em contínua comunicação e osmose): a burocracia governamental propriamente dita, mais ou menos estável, composta por técnicos e administradores, feita à imagem e semelhança das burocracias das sociedades democráticas do Ocidente; o conglomerado heterogêneo de amigos, favoritos, familiares, serviçais e protegidos, herança da sociedade cortesã dos séculos XVII e XVIII; a burocracia política do PRI, formada por profissionais da política, associação não tanto ideológica quanto de interesses de grupelhos e individuais, grande canal da mobilidade social e grande fraternidade aberta aos jovens ambiciosos, geralmente sem fortuna, recém saídos das universidades e dos colégios de educação superior. A burocracia do PRI está a meio caminho entre o partido político tradicional e as burocracias que militam sob uma ortodoxia e que agem como milícias de Deus ou da História. O PRI não é terrorista, não quer mudar os homens nem salvar o mundo: quer se salvar a si mesmo. Por isso quer se reformar. Mas sabe que a sua reforma é inseparável da do país. A questão que a História colocou ao México desde 1968 não consiste unicamente em saber se o Estado poderá governar sem o PRI, mas se os mexicanos deixar-nos-emos governar sem um PRI” [54].
Octavio Paz entendia que a organização patrimonialista do Estado mexicano não deixou nenhum segmento social de fora, tendo-se caracterizado por uma ampla labor de cooptação. A fim de aproximar e tornar dependente dele todo o setor produtivo, o Estado, após a Revolução Porfirista, passou a controlar rigorosamente operários e capitalistas, mediante as organizações sindicais inseridas como peças da engrenagem da burocracia estatal, sendo as únicas entidades capazes de negociar com o governo. É curioso como, no texto a seguir, o escritor mexicano identifique os estamentos da Tecnocracia Administrativa e da Casta Política com “burocracias paralelas”, quando, de fato, como acabamos de ver, o processo de dominação é exercido diretamente através deles. A realidade talvez fosse inversa: o poder patrimonial modernizador e tradicional desses estamentos, teria sido complementado mediante a organização sindical do setor produtivo.
Seja como for, eis as palavras do nosso pensador: “O Estado revolucionário fez algo mais do que crescer e se enriquecer. Como o Japão durante o período Meiji, através de uma legislação adequada e de uma política de privilégios, estímulos e créditos, impulsionou e protegeu o desenvolvimento da classe capitalista. O capitalismo mexicano nasceu muito antes que a Revolução, mas amadureceu e se estendeu até chegar a ser o que é, graças à ação e à proteção dos governos revolucionários. Ao mesmo tempo, o Estado estimulou e favoreceu as organizações operárias e camponesas. Esses grupos viveram e vivem à sua sombra, já que são parte do PRI. No entanto, seria inexato e simplista reduzir a sua relação com o poder público a um tipo de relação súdito-senhor. A relação é bastante mais complexa: de um lado, num regime de partido único como é o do México, as organizações sindicais e populares são a fonte quase exclusiva de legitimação do poder estatal; de outro lado, as uniões populares, notadamente as operárias, possuem certa liberdade de manobra. O governo precisa dos sindicatos, tanto quanto os sindicatos do governo. Na realidade, as duas únicas forças capazes de negociar com o governo são os capitalistas e os dirigentes operários. Por último, não contente com impulsionar e, em certa medida, modelar à sua imagem o setor capitalista e operário, o Estado pós-revolucionário completou a sua evolução com a criação de duas burocracias paralelas. A primeira é composta por administradores e tecnocratas; constitui o pessoal governamental e é a herança histórica da burocracia novo-hispana e da Porfirista. É a mente e o braço da modernização. A segunda é formada por profissionais da política e é a que dirige, em seus diversos níveis e degraus, o PRI. As duas burocracias vivem em contínua osmose e passam, incessantemente, do Partido ao Governo e vice-versa” [55].
4 – Estatismo e Hipertrofia do Executivo.
Octavio Paz considerava que o poder no México foi se centralizando cada vez mais, ao longo da história plurissecular do país. No início, na era colonial, prevalecia uma espécie de desconcentração de poderes no seio da sociedade, herança sem dúvida das tradições medievais ibéricas, mas que terminou dando ensejo, com o correr dos séculos, a uma modalidade de poder concentrado, sendo que a melhor expressão dessa hipertrofia era o moderno presidencialismo. A propósito dessa evolução, escrevia o nosso pensador:
“Desde a segunda metade do século XVI até finais do XVII, Nova Espanha foi uma sociedade estável, pacífica e próspera. Houve epidemias, ataques de Piratas, escassez de milho, tumultos populares, sublevações de nômades no norte, mas houve, também, abundância, paz e, com frequência, bom governo. Não porque todos os vice-reis fossem bons, embora houve alguns excelentes, mas porque o sistema constituía, de fato, um regime de equilíbrio de poderes. A autoridade do Estado estava limitada pela da Igreja. Por sua vez, o poder do Vice-rei enfrentava-se ao da Audiência e o do Arcebispo ao das Ordens Religiosas. Embora nesse sistema hierárquico os grupos populares não podiam ter senão uma influência indireta, a divisão de poderes e a pluralidade de jurisdições obrigavam o Governo a buscar uma espécie de consenso público. Nesse sentido, o sistema da Nova Espanha era mais flexível que o atual sistema presidencialista. Sob a máscara da democracia, os nossos presidentes são, à maneira romana, ditadores constitucionais. Só que a ditadura romana durava seis meses e a nossa seis anos” [56].
Para o Nobel mexicano era claro que o poder exercido, no seu país, de forma patrimonial, terminou reforçando o Executivo e o predomínio do Estado sobre a sociedade. Ao ensejo do predomínio dos interesses da elite governante sobre o resto dos cidadãos, houve uma mimetização daqueles por trás de uma aparência revolucionaria, que curiosamente produziu o abandono das ideologias liberal e conservadora e a manutenção da retórica revolucionária, sob cujo manto passaram a se resguardar as tradicionais elites patrimonialistas. Traços notadamente reacionários da estrutura do poder no México, que Paz desenhava com as seguintes pinceladas:
“México é um país centralista, o poder legislativo e o judiciário são apêndices obedientes do poder executivo; Porfírio Díaz nomeava os deputados e senadores e, depois, cada Presidente revolucionário fez o mesmo. Nesse aspecto, a única diferença com o Porfiriato é a existência do PRI (Partido Revolucionário Institucional). O resultado dessa palpável contradição entre a verdade legal e a verdade verdadeira, tem sido a aclimatação da mentira na nossa vida pública. Não menos grave do que a naturalização da mentira tem sido o eclipse das idéias conservadoras: ninguém as professa nem ninguém as defende, nem sequer os banqueiros. Explico-me: desapareceu o Partido Conservador e a sua filosofia política, não os interesses conservadores. O que aconteceu é que esses interesses aparecem mascarados, primeiro com a máscara liberal e agora com a revolucionária” [57].
O fortalecimento exagerado do Estado, no entanto, não era privilégio do México do século XX. O estatismo foi, com certeza, o grande mal da política mundial nesse período da História da Humanidade. Octavio Paz pensava que faltou um instrumento conceitual de análise adequado, a fim de desmascarar esse terrível problema. Embora conhecedor da obra de Max Weber, o nosso autor parece esquecer, aqui, que a grande contribuição do sociólogo alemão consistiu justamente em ter chamado a atenção para a realidade do Estado, tendo feito da variável política uma área que mereceu toda a sua atenção, notadamente no que tange a explicitar os valores em que se alicerçava a ação humana. Eis a forma em que Paz destacava a magnitude do problema do estatismo no século XX:
“A pergunta sobre a natureza do Estado é a pergunta central da nossa época. Infelizmente, até há pouco renasceu entre os estudiosos o interesse por esse tema. Para piorar as coisas, nenhuma das duas ideologias dominantes – a liberal e a marxista - contém elementos suficientes que permitam articular uma resposta coerente. A tradição anarquista é um precedente valioso, mas é preciso renová-la e alargar as suas análises: o Estado que conheceram Proudhon (1809-1865) e Bakunin (1814-1876) não é o Estado totalitário de Hitler (1889-1945), Stalin (1878-1953) e Mao (1893-1976). Assim, a pergunta acerca da natureza do Estado do século XX continua sem resposta. Autor dos prodígios, crimes, maravilhas e calamidades dos últimos 70 anos, o Estado – não o proletariado nem a burguesia – tem sido e é o personagem do nosso século. É-lo em tal medida que parece irreal: está em todas partes e não tem rosto. Não sabemos o que é nem como é. Como os budistas dos primeiros séculos, que somente podiam representar o Iluminado pelos seus atributos, nós conhecemos o Estado só pela imensidão das suas devastações. É o Desencarnado: não uma presença mas uma dominação. É a impessoa” [58].
O caráter impessoal do Estado: esta é a faceta da política contemporânea que mais impressionava ao nosso pensador. Realidade tipicamente moderna. O Estado, mais do que um mal – no sentido metafísico do termo que indica carência ontológica – é positividade, constitui uma verdadeira máquina que se perpetua nas sociedades pelo mundo afora. A propósito, Paz escrevia, perplexo: ”O Estado do século XX revelou-se como uma forma mais poderosa que a dos antigos impérios e como um senhor mais terrível que os velhos tiranos e déspota. Um senhor sem rosto, desalmado e que age não como um demônio mas como uma máquina. Os teólogos e os moralistas tinham concebido o mal como uma exceção e uma transgressão, uma mancha na universalidade e transparência do ser. Para a tradição filosófica do Ocidente, salvo para as correntes maniquéias, o mal carecia de substância e somente podia ser definido como uma falta, ou seja, como carência de ser. Em sentido estrito não havia mal, mas existiam os maus: exceções, casos particulares. O Estado do século XX inverte a proposição: o mal conquista finalmente a universalidade e apresenta-se com a máscara do ser. Só que na medida em que cresce o mal, tornam-se pequenos os malvados. Já não são seres excepcionais, mas espelhos da normalidade. Um Hitler (1889-1945) ou um Stalin (1878-1953), Um Himmler (1900-1945) ou um Yézhov (1895-1940), assombram-nos não só pelos seus crimes, mas pela sua mediocridade. A sua insignificância intelectual confirma a afirmação de Hannah Arendt (1906-1975) sobre a banalidade do mal. O Estado moderno é uma máquina, mas uma máquina que se reproduz sem cessar” [59].
O Estado moderno, máquina que se reproduz. E, nesse processo diabólico, o instrumento passa a ser o partido único, que impede a diversificação de interesses na sociedade – interesses que deveriam se representar numa pluralidade político-partidária – para dar lugar a uma cinzenta massa amorfa dominada pelo partido. A política contemporânea converte-se, nos países dominados pelo partido único, em exercício de unanimidade, com banimento de qualquer dissenso. Estava assim materializado o ideal pensado por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), no 8º capítulo do seu Contrato Social [60]. É claro que o fenômeno não se deu no México com toda a carga de terror e de fanatismo que vingaram em outros lugares, ao ensejo de ideologias radicais como o nazismo ou o comunismo russo. O Estado patrimonial mexicano revelou-se, nesse aspecto, mais brando do que outros regimes de partido único. Mas nem por isso o Estado no México deixou de ser autoritário. Um autoritarismo maquiado, que justificaria o título da obra em apreço: o Estado como “ogro filantrópico”. Paz explicava da seguinte forma esse fato:
“Trata-se de um fenômeno universal: os partidos únicos apareceram tanto em países fascistas (Itália e Alemanha), quanto em países com revoluções no poder, como a União Soviética ou o México. E agora o fenômeno, longe de se dissipar, estende-se por todo o Terceiro Mundo. Um fato concomitante foi a aparição dos dogmatismos ideológicos. A ortodoxia é o complemento natural das burocracias políticas e eclesiásticas. Diante das modernas ortodoxias e os seus bispos, sinto a mesma repulsa que tomava conta do pagão Celso, em face dos cristãos primitivos e da sua crença numa verdade única. Felizmente o partido mexicano não é um partido ideológico; como o Partido do Congresso da Índia, é uma coalizão de interesses. Isso explica o fato de que no México nunca houve terror, no sentido moderno da palavra. Houve, sim, violência estatal e violência popular, mas nada parecido com o terrorismo ideológico do nazismo ou do bolchevismo” [61].
O Nobel mexicano destacava a necessidade imperiosa de se fazer, na América Latina, uma crítica ao estatismo, a começar pelo regime que se estruturou em Cuba, modelo mais acabado do vício estatizante entre os herdeiros da colonização ibérica. Sem meias palavras, Octavio Paz partia para uma crítica aprofundada do que ele denominava de “peste autoritária”. Eis as suas palavras: “Tudo isso seria unicamente grotesco se não constituísse um sintoma a mais do fato de que, em Cuba, já está em marcha o fatal processo que converte o partido revolucionário em casta burocrática e o dirigente em César. Um processo universal e que nos faz ver com outros olhos a história do século XX. O nosso tempo é o da peste autoritária: se Marx fez a crítica do capitalismo, corresponde a nós fazermos a do Estado e a das grandes burocracias contemporâneas, tanto as do Leste quando as do Ocidente. Uma crítica que os latino-americanos deveríamos completar com outra, de ordem histórica e política: a crítica ao governo de exceção centrado no homem excepcional, ou seja, a crítica ao caudilho, essa herança hispano-árabe” [62].
Os mexicanos sempre conheceram, ao longo de sua secular história, a realidade de um Estado mais forte do que a sociedade, em que pese os esforços feitos pelos liberais na segunda metade do século XIX, no sentido de colocar o Estado a serviço da sociedade, como instrumento dela. O que terminou prevalecendo foi, com certeza, a indiferenciação social, catalisada pela cooptação de um centro de poder sobre todos os estamentos e grupos sociais. Não houve, no sentir de Paz, propriamente, na história mexicana, um surto continuado de diferenciação da sociedade em classes, que se organizassem ao redor da defesa de determinados interesses. O Estado tomou conta de tudo. No decorrer do século XX, esse fenômeno se tornou mais forte, mediante a incorporação, pelo poder central, da técnica como elemento modernizador do próprio Estado e da sociedade. É o fenômeno que sociólogos brasileiros como Simon Schwartzman [63] e Antônio Paim [64] denominaram de neopatrimonialismo ou patrimonialismo modernizador.
A respeito desse complexo fenômeno de consolidação do Patrimonialismo com tintes modernizadores no México, escrevia o nosso autor: “ O Estado criado pela Revolução Mexicana é mais forte do que o do século XIX. Nisso, como em tantas outras coisas, os revolucionários não só mostraram uma decidida inclinação tradicionalista, como também foram fiéis àqueles que reconheciam como os seus antecessores: os liberais de 1857. Salvo durante os interregnos de anarquia e guerra civil, os mexicanos temos vivido à sombra de governos alternativamente despóticos ou paternais, mas sempre fortes: o rei-sacerdote asteca, o vice-rei, o ditador, o senhor presidente. A exceção é o curto período que Cosío Villegas (1898-1976) chama de ‘A República Restaurada’ e durante o qual os liberais trataram de desgastar as garras do Estado herdado da Nova Espanha. Essas garras chamava-se (chamam-se): burocracia e exército. Os liberais queriam uma sociedade forte e um Estado fraco. Tentativa exemplar que cedo fracassou: Porfirio Díaz (1830-1915) inverteu os termos e fez do México uma sociedade fraca dominada por um Estado forte. Os liberais pensavam que a modernização seria obra - como em outras partes do mundo: Inglaterra, França, Estados Unidos – da burguesia e da classe média. Não foi assim e com Díaz o Estado começa a se converter em agente da modernização. Certamente a ação econômica do regime apoiou-se nas empresas privadas e no capitalismo estrangeiro. Mas a fundação de empresas industriais e a construção de fábricas e estradas de ferro não foram tanto a expressão do dinamismo de uma classe burguesa, como o resultado de uma deliberada política governamental de estímulos e incentivos. Além disso, o decisivo não foi a ação econômica, mas o fortalecimento do Estado. Para que um organismo seja capaz de completar tarefas históricas como a modernização de um país, o primeiro requisito é que seja forte. Com Porfírio Díaz, o Estado mexicano recuperou o poder que tinha perdido durante os conflitos e guerras que sucederam à Independência” [65].
A realidade de um Estado mais forte do que a Sociedade conheceu, no México e em outros países latino-americanos, a sua justificativa teórica, numa forma de positivismo heterodoxo, que mudou a ordem conceitual vigente no originário comtismo, que era uma doutrina pedagógica visando a garantir a ordem social e política. Os positivistas deste lado do mundo – mexicanos, colombianos, chilenos e brasileiros – inverteram acintosamente a filosofia de Comte (1798-1857), tornando-a uma doutrina da ditadura caudilhista tout-court, a serviço de uma ordem alicerçada na preservação do latifúndio. Castilhismo, Porfirismo, Regeneração à la Rafael Núñez, foram versões heterodoxas do comtismo. O nosso autor identificava a forma em que se processou, no México, esse estranho fenômeno, em decorrência da estrutura patrimonialista do poder político, que levava a que se gerisse o bem público como a empresa privada do latifundiário.
A respeito, frisa Octavio Paz: “Da mesma forma na Europa do que entre nós, o positivismo foi uma filosofia destinada a justificar a ordem social imperante. Mas – e nisto reside a minha crítica – ao atravessar o oceano, o positivismo mudou de natureza. Lá a ordem social era a da sociedade burguesa: democracia, livre discussão, técnica, ciência, indústria, progresso. No México, com os mesmos esquemas verbais e intelectuais, em realidade foi a máscara de uma ordem alicerçada no poder latifundiário. O positivismo mexicano introduziu certo tipo de má-fé em relação às ideias. Equívoco não só entre a realidade social – neo-latifundismo, caciquismo, servidão, dependência econômica do imperialismo – e as ideias que pretendiam justifica-la, mas também aparição de um tipo de má-fé particular, pois introduzia-se na consciência mesma dos positivistas mexicanos. Produziu-se uma cisão psíquica: aqueles senhores que juravam por Comte e por Spencer não eram uns burgueses ilustrados e democratas, mas os ideólogos de uma oligarquia de latifundiários” [66].
Do predomínio do Estado mais forte do que a sociedade não escapou, na América Latina, nem a Igreja. Fiel à tendência da tradição patrimonialista no sentido de cooptar a religião dominante, o Estado, em Ibero-America, converteu a instância religiosa em instrumento de dominação. A religião, que na Europa Ocidental constituiu inspiração para os movimentos libertários, na América Latina foi cooptada pelo Estado presidido pelas oligarquias liberal-conservadoras no século XIX, ou pelos que acenavam com uma proposta político-libertadora radical, os ativistas de inspiração marxista-leninista que, no século XX, formularam a Teologia da Libertação.
Eis a forma em que o escritor mexicano entendia a cooptação da religião pelos tradicionais dominadores na América Latina, no século XIX: “Do mesmo modo que na tragédia grega a liberdade dos heróis é uma dimensão do Destino, na teologia calvinista a liberdade está ligada à predestinação. Assim, a revolução religiosa da Reforma antecipou a revolução política da democracia. Na América Latina ocorreu precisamente o contrário: o Estado lutou contra a Igreja não para fortalecer os indivíduos, mas para substituir o clero no controle das consciências e das vontades. Na nossa América não houve revolução religiosa que preparasse a revolução política; tampouco houve, como na França do século XVIII, um movimento filosófico que fizesse a crítica da religião e da Igreja. A revolução política na América Latina – refiro-me à Independência e às lutas entre liberais e conservadores que ensanguentaram o nosso século XIX – não foi senão uma manifestação, mais uma, do patrimonialismo hispano-árabe: combateu a Igreja como a um rival que deveria tirar de cena; fortaleceu o Estado autoritário e os caudilhos liberais não foram mais tolerantes que os conservadores; agravou o centralismo, embora com a máscara do federalismo; em fim, tornou endêmico o regime de exceção que impera nas nossas terras desde a Independência: o caudilhismo” [67].
Em que pese o poder centrípeto e a supremacia do Estado mexicano sobre a sociedade, Octavio Paz chamava a atenção para o fato de a dominação patrimonialista deixar interstícios de liberdade à sociedade; não se tratava, evidentemente, de uma sociedade contratualista, na qual os indivíduos e os grupos podiam pactuar com o Estado o teor do seu relacionamento com ele. Mas, de outro lado, também não era uma relação de poder total, em que nenhum espaço restasse aos indivíduos. Era uma dominação com característica de termo-meio, na qual o Estado procura a cooptação, mas sem conseguir polarizar ao redor de si todas as instâncias sociais. Comparava o escritor mexicano esse tipo de relação “benévola”, com os espaços de liberdade permitidos a um país dependente como México, no jogo internacional, pelo imperialismo norte-americano, em face da maneira declaradamente despótica em que outras potências, as do mundo comunista, por exemplo, dominavam aos seus satélites. A respeito desse ponto de vista, Paz escrevia:
“A observação que fiz em face da relação ambígua que prevalece entre os sindicatos e o Estado mexicano, pode-se aplicar à que nos une com Washington; quero dizer: é uma relação de dominação que não pode ser reduzida, pura e simplesmente, ao conceito de dependência e que permite certa liberdade de negociação e de movimentos. Há uma margem para a ação. Por mais estreita que nos pareça essa margem, é de qualquer forma consideravelmente mais ampla que a da Polônia, Hungria, Tchecoslováquia ou Cuba em face da União Soviética. Evidentemente, em momentos de crise política, a influência do embaixador dos Estados Unidos no México pode ser – e, de fato, tem sido - tão importante e decisiva como a do Sátrapa do Grande Rei durante a Guerra do Peloponeso” [68].
É justamente pelo fato de o Estado mexicano deixar esses interstícios de liberdade – como, no plano internacional, a grande potência ocidental, os Estados Unidos, deixa margem de manobra aos países alinhados com ela – que o nosso pensador insistia na necessidade de os mexicanos partirem para um estudo aprofundado – e uma crítica – ao fenômeno do estatismo, no contexto ibero-americano. Somente conhecendo em profundidade tal fenômeno, seria possível ao México de finais do século XX se preparar para que as novas riquezas petrolíferas recém descobertas passassem a beneficiar realmente à sociedade, não apenas a uma meia dúzia de tecnocratas bêbados de estatísticas. O faraonismo é a consequência direta da falta de iniciativa de uma sociedade tradicionalmente insolidária, num país como México, herdeiro da tradição patrimonialista e do despotismo hidráulico pré-colombiano. Paz conclamava os cientistas sociais para esse hercúleo trabalho de crítica histórica, reconhecendo que seu papel como escritor era o de um simples ensaísta não sistemático. Em relação a este ponto, escrevia:
“As minhas reflexões sobre o Estado não são sistemáticas e devem ser vistas, melhor, como um convite aos especialistas para que estudem o tema. Esse estudo é urgente. De um lado, o Estado mexicano é um caso, uma variedade de um fenômeno universal e ameaçador: o câncer do estatismo; de outro lado, será o administrador de nossa iminente riqueza petrolífera: está preparado para isso? Os seus antecedentes são negativos: o Estado mexicano padece, como doenças crônicas, da rapacidade e da venalidade dos funcionários. O mal data do século XVI e é de origem hispânica. Na Espanha, o dinheiro da corrupção e dos subornos era chamado ‘ungüento de México’. Contudo, o mais perigoso não é a corrupção mas as tentações faraônicas da alta burocracia, contaminada pela máfia planificadora do nosso século. O perigo é maior graças à inexistência desse sistema de controles e balanças que permite à opinião pública, em outros países, fiscalizar a ação do Estado. No México, desde o século XVI, os funcionários contemplaram com menosprezo aos particulares e foram insensíveis tanto às suas críticas quanto às suas necessidades. Como poderemos os mexicanos supervisionar e vigiar um Estado cada vez mais forte e rico? Como evitaremos a proliferação de projetos gigantescos e ruinosos, filhos da megalomania de tecnocratas bêbados de números e estatísticas? O caprichos dos antigos príncipes arruinavam as nações mas, pelo menos, deixavam palácios e jardins: o que nos deixou a triste fantasia da nova tecnocracia? Nos últimos cinquenta anos, assistimos com raiva impotente à destruição da nossa cidade e de nada nos serviram nem as críticas nem as queixas. Teremos mais sorte com o nosso petróleo do que com as nossas avenidas e monumentos” [69].
5 – Saindo do Patrimonialismo no México: o caminho da Reforma política.
O nosso autor achava que o caminho para superar o vício do Patrimonialismo consistia, justamente, em percorrer a via recusada pelo Estado mexicano. Ora, essa via caracterizar-se-ia por três coisas, no sentir do nosso autor: em primeiro lugar, deveria ser um caminho reformista, não de revoluções. Em segundo lugar, a reforma a ser feita seria a política. Em terceiro lugar, o cerne dessa reforma deveria consistir na descentralização e na construção de uma autêntica representação de interesses na sociedade. Tarefa difícil, mas não impossível. Paz não acreditava nas soluções miraculosas, tipo revoluções mirabolantes, que, de um momento para outro, cortassem com o passado para inaugurar um novo tempo. Essa seria uma via messiânica que já fracassou. Como exemplo disso, o pensador mexicano colocava a Revolução Cubana. Hoje, certamente, o nosso escritor apresentaria, como caminho errado, a mais nova versão revolucionária encarnada no messianismo político da Revolução Bolivariana do Presidente Hugo Chávez (1954-2013), na Venezuela. Octavio Paz revelava, nesse ponto, a sua nítida inspiração liberal. A respeito da sua proposta, escrevia:
“Esclareço: não condeno prematura e precipitadamente a Reforma Política. Ela é benéfica, inclusive dentro de suas limitações. Creio que deve ser aprofundada e, por assim dizer, democratizada: descer do nível dos partidos, que é o plano da ideologia, ao dos interesses e sentimentos concretos e particulares dos povos, dos bairros e dos grupos. No caso da Reforma Política, a expressão voltar às origens quer dizer: tratar de inseri-la nas práticas democráticas tradicionais do nosso povo. Essas práticas e essas tradições – sufocadas por muitos anos de opressão e recobertas por umas estruturas legais formalmente democráticas, mas que são, em realidade, abstrações deformantes – estão vivas ainda. Vivas em muitas reformas de convívio social e, sobretudo, vivas na memoria coletiva. Penso, por exemplo, no autogoverno dos grupos indígenas, no município novohispano e em outras formas políticas tradicionais. Aí está, acredito, a raíz de uma possível democracia mexicana. Somente que, para que a Reforma Política chegasse ao povo real, o Estado teria de começar pela sua própria reforma. Se democracia é pluralismo, o primeiro a ser feito é descentralizar. A outra tradição histórica mexicana é o centralismo. No México, a realidade de realidades chama-se, desde Izcóatl (1380-1440), Poder Central. Contra essa realidade bateram de frente os liberais e federalistas do século passado (XIX). De outro lado, burocracia é sinônimo de centralismo e o Estado mexicano, como todos os do século XX, inexoravelmente tem a se converter num Estado burocrático” [70].
Para que se concretizasse a Reforma Política, seria necessário que os intelectuais passassem a dar maior importância ao estudo do Estado. Ora, tradicionalmente – não só no México, mas também na América Latina, em geral - eles ficaram atrelados ao estudo dos temas do subdesenvolvimento e da dependência, deitando uma cortina de fumaça sobre a realidade do Estado Patrimonial. Talvez o obstáculo para que acontecesse o estudo deste decorria, no sentir do nosso autor, da sua complexidade, sendo que o Estado encontra-se, na realidade ibero-americana, com um pé na tradição contrarreformista ibérica e com outro na Modernidade. A respeito, escrevia:
“Apesar da onipresença e onipotência do Estado do século XX (...), só até faz pouco tempo renasceu a crítica do poder e do Estado. Penso sobretudo na França, na Alemanha e nos Estados Unidos. Na América Latina, o interesse pelo Estado é muito menor. Os nossos estudiosos continuam obsessionados com o tema da dependência e o subdesenvolvimento. Certamente, a nossa situação é diferente. As sociedades latino-americanas são a imagem mesma da estranheza: nelas justapõem-se a contrarreforma e o liberalismo, o latifúndio e a indústria, o analfabeto e o literato cosmopolita, o cacique e o banqueiro. Mas a estranheza das nossas sociedades não deve ser um obstáculo para estudar o Estado latino-americano que é, precisamente, uma das nossas peculiaridades maiores. De um lado, é o herdeiro do regime patrimonial espanhol; de outro, é a alavanca da modernização. A sua realidade é ambígua, contraditória e, de certa forma, fascinante” [71].
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Notas de Rodapé
[1] LAVIANA Cuetos, María Luisa. La América española, 1492-1898. Madrid: Temas de Hoy, 1996, p. 6.
[2] WITTFOGEL , Karl. Le Despotisme Oriental. (Tradução francesa de M. Puteau). Paris: Minuit, 1977.
[3] Cf. NAIPAUL, V. S. Entre os fiéis – Irã, Paquistão, Malásia, Indonésia, 1981. (Tradução brasileira de C. Knipel Moreira). 2ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. A propósito da relação entre colonizador e colonizado no mundo muçulmano, este autor a caracteriza da seguinte forma: “Substituir isso tudo. O Islã significava a raiva – raiva na fé, raiva política: uma podia ser como a outra” (p. 484).
[4] Cf. WITTFOGEL, Ob. Cit. NAIPAUL, V. S. The Loss of El Dorado. London: Picador, 2001.
[5] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, Barcelona: Seix Barral, 1983, p. 34.
[6] Octavio Irineo Paz era casado com a andaluza Josefina Lozano, de quem o filho Octavio muito provavelmente herdou essa sensual apreensão da realidade que caracterizava ao Prêmio Nobel mexicano.
[7] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”. In: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 20.
[8] JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. (Tradução de Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota). 17ª edição, São Paulo: Cultrix, 2006, p. 34.
[9] PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 13-14.
[10] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 67-68.
[11] PAZ, Octavio. “Eros Job”, in: El ogro filantrópico, ob. Cit., p. 271.
[12] Cf. HEIDEGGER, Martin. “Sobre o Humanismo – Carta a Jean Beauffret”. In: Conferências e Escritos Filosóficos. (Tradução e notas de Ernildo Stein). 1ª Edição. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 348.
[13] PAZ, Octavio. “Hechos y dichos”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 104.
[14] Cf. WEBER, Max. Ciência e política – Duas vocações. (Tradução de Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota). 3ª edição. São Paulo: Cultrix, 1981.
[15] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 83-84.
[16] PAZ, Octavio. ”El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 34-35.
[17] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 37.
[18] PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 8.
[19] PAZ, Octavio. “Eros Job”, in: El ogro filantrópico, ob. Cit., pp. 260-261.
[20] PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 13.
[21] PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 8-9.
[22] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 72.
[23] PAZ, Octavio. Tempo nublado. (Tradução de Sônia Regis). Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986, pp. 7-8.
[24] PAZ, Octavio. “La letra y el cetro”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 338.
[25] KANT, Immanuel. “Respuesta a la pregunta: Qué es la Ilustración?”, in: ERHARD, KANT et alii. Qué es Ilustración? (Estudo introdutório de Agapito Mestre; tradução de Agapito Mestre e José Romagosa). 3ª Edição. Madri: Tecnos, 1993, p. 17.
[26] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 99.
[27] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”. In: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 55-56.
[28] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p 53.
[29] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 66.
[30] PAZ, Octavio. “El pasado y sus presentes”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 65-66.
[31] No caso brasileiro, os ideólogos da República, Rui Barbosa à testa, adotaram os princípios liberais consagrados na Carta de 24 de Fevereiro de 1891 – quase uma cópia da Carta Norte-Americana de 1786, mas à luz daquela praticaram uma autêntica ditadura de oligarquias, a denominada “Política dos Governadores”. No Rio Grande do Sul, os Castilhistas, no mesmo período, adotaram a retórica liberal, se mantendo, no entanto, encastelados na visão privatista do poder. A retórica liberal serviu para angariar votos, quando necessário, mas não implicou em verdadeira liberalização do regime. Essa síndrome da duplicidade perpetuou-se até a Revolução de 1930, comandada por Getúlio ao amparo de uma retórica que defendia eleições livres e anistia, ideais abruptamente negados quando os revolucionários chegaram ao poder. Há verdadeiramente uma brecha significativa entre os ideais da campanha da Aliança Liberal, apregoados em 1929 e o regime que se instaurou em 1930. Cf., a respeito, o documento intitulado: Aliança Liberal – Documentos da campanha presidencial, 2ª edição coordenada por mim. Brasília: Câmara dos Deputados, 1983. Um reação à duplicidade existente no início da República. Com relação à política dos governadores, cf., da minha autoria: A propaganda republicana, 1ª edição, Brasília: Universidade de Brasília, Decanato de Extensão, 1982, no contexto do “Curso de Introdução ao Pensamento Político Brasileiro”.
[32] PAZ, Octavio, “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 63-64.
[33] PAZ, Octavio, “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 68-69.
[34] O ensaista mexicano, com certeza, tinha lido a obra de Max Weber, Economía y Sociedad, (tradução ao espanhol de José Medina Echavarría, et Alii), primeira edição em espanhol, México: Fondo de Cultura Económica, 1944, IV volume, pp. 139-140.
[35] PAZ, Octavio, “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 58.
[36] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 88-89.
[37] Cf. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala – Formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. 25ª edição, Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.
[38] Cf. VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações Meridionais do Brasil e Instituições Políticas Brasileiras, 1ª edição num único volume. (Introdução de Antônio Paim). Brasília: Câmara dos Deputados, 1982.
[39] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 23.
[40] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., ibid.
[41] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 24.
[42] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 98-99.
[43] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 87-88.
[44] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 91.
[45] A exceção, no caso concreto dos Partidos Conservadores, talvez seria a Colômbia. Cf. a respeito, o meu livro: Liberalismo y Conservatismo en América Latina, 1ª edição, Bogotá: Tercer Mundo, 1978.
[46] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”. In: PAZ, Octavio, El ogro filantrópico, ob. cit., p. 97.
[47] Cf. A minha obra: Castilhismo, uma filosofia da República. 2ª edição, corrigida e acrescida. (Apresentação de Antônio Paim). Brasília: Senado Federal, 2000.
[48] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 30.
[49] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 73.
[50] Cf. WITTFOGEL, Karl. Le despotisme oriental, ob. cit., p. 69.
[51]. PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 88-89.
[52] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 91-92.
[53] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 92.
[54] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 93-94.
[55] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 88.
[56] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 48.
[57] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 82.
[58] PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 10.
[59] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 85.
[60] ROUSSEAU, JEAN-JACQUES. Du Contrat Social. Paris: Garnier Flammarion, 1966.
[61] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 18.
[62] PAZ, Octavio. “Eros Job”, in: El ogro filantrópico, ob. Cit., pp. 239-240.
[63] SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. 1ª edição, Rio de Janeiro: Campus, 1982.
[64] PAIM, Antônio. A querela do estatismo. 1ª edição, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.
[65] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., pp. 86-87.
[66] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 19.
[67] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 60.
[68] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 90.
[69] PAZ, Octavio. “Propósito”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 9.
[70] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 98.
[71] PAZ, Octavio. “El presente y sus pasados”, in: El ogro filantrópico, ob. cit., p. 86.
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