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"O ESPLÊNDIDO E O VIL - UMA SAGA SOBRE CHURCHILL, FAMÍLIA E RESISTÊNCIA" DE ERIK LARSON

O ESCRITOR AMERICANO ERIK LARSON, AUTOR DO ENSAIO INTITULADO: "O ESPLÊNDIDO E O VIL -UMA SAGA SOBRE CHURCHILL, FAMÍLIA E RESISTÊNCIA" (TRADUÇÃO BRASILEIRA DE ROGERIO W GALINDO E ROSIANE CORREIA DE FREITAS). RIO DE JANEIRO: EDITORA INTRÍNSECA, 2020, 623 PÁGINAS.



Faço minhas as palavras de Winston Churchill (1874-1965), pronunciadas em 12 de novembro de 1940 no Elogio Póstumo para Neville Chamberlain (1869-1940), que encabeçam a obra de Erik Larson: “Aos seres humanos não é permitido – para sua felicidade, pois de outra forma a vida seria intolerável – antever ou prever, em qualquer medida, o desenrolar dos acontecimentos”. 

Em face dos reptos que se apresentavam ao sucessor de Neville Chamberlain, que se defrontava com a novidade da Segunda Guerra Mundial, deflagrada com mão de ferro pelo ímpeto totalitário de Adolf Hitler (1889-1945), havia um grande enigma no ar. Qual seria o caminho que percorreria a Inglaterra? Quais os riscos com que se defrontaria o país? O que fazer no palco da liderança em que os fatos históricos colocaram o novo primeiro Ministro? 

Churchill não havia formulado uma resposta definida. Mas, contrariando as palavras que tinha pronunciado quando da morte de Chamberlain, sabia que era necessária uma atitude clara dele, como Chefe de Governo e como cabeça de família. E essa atitude concreta consistia em ser solidário com a sua Nação e com os seus familiares. Ora, essa dupla solidariedade caracterizou, invariavelmente, as atitudes tomadas por Churchill. O grande líder britânico não tinha uma ideia clara do que o futuro lhe reservava. Mas estava convencido de que deveria ter uma atitude de responsabilidade em face do futuro, fazendo o que estivesse à sua mão para garantir o bem-estar dos que ficaram sob o seu comando: os compatriotas e a sua família. Uma atitude de solidariedade em face de todos eles, esse seria o ponto de partida, embora o futuro dos fatos concretos ficasse velado pela névoa da incerteza. No fundo do coração do grande estadista que era Churchill, latejava um sentimento de indignação em face da falta de respeito com que Hitler se referia aos Ingleses e à Inglaterra em geral, como se se tratasse de seres humanos de segunda categoria, que habitavam um espaço geográfico a ser apagado do mapa.

Erik Larson tomou a decisão de escrever a sua obra O esplêndido e o vil quando se mudou para Nova Iorque, indo residir em Manhattan, após os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 que derrubaram as Torres Gémeas. O autor imaginou o tamanho do trauma sofrido pelas pessoas que vivenciaram esses ataques. Alargou o seu raciocínio para se aproximar da vivência que os habitantes de Londres tiveram dos bombardeios que os alemães realizaram sobre a cidade em 1940-41. A respeito, frisa: “ (...) imaginei como alguém conseguiu suportar aquilo: 57 noites consecutivas de bombardeio, seguidas por uma série cada vez mais intensa de ataques noturnos, durante os seis meses seguintes” [p. 9, “Uma nota para os leitores”].

A respeito da vivência que os londrinos tiveram do terror das bombas, Larson escreve: “Decidi investigar e rapidamente percebi que uma coisa é dizer ‘Siga em frente com a sua vida’, outra é fazer isso de fato. Eu me concentrei no primeiro ano de Churchill como primeiro-ministro, de 10 de maio de 1940 a 10 de maio de 1941, período que coincidiu com a campanha aérea alemã, que desdobrou-se em ataques esporádicos e aparentemente sem alvos definidos para uma invasão total da cidade de Londres. O ano acabou com um fim de semana de violência vonnegutiana, quando o cotidiano e o fantástico convergiram para marcar o que se provou ser a primeira grande vitória da guerra” [p. 9, “Uma nota para os leitores”]. 

A expressão “violência vonnegutiana” faz alusão aos escritos pacifistas do escritor norte-americano de origem alemã Kurt Vonnegut Jr. (1922-2007), fortemente golpeado pela crise econômica de 29, que o levou a optar pelo ingresso no exército americano, tendo sofrido a irracionalidade da Segunda Guerra Mundial como prisioneiro dos alemães em Dresden e sobrevivido à destruição da cidade pelos bombardeios dos aliados em 13 de fevereiro de 1945, graças ao fato de ter-se escondido no subsolo de um frigorífico, com sentimentos contraditórios entre a alegria de se sentir vivo, mas, ao mesmo tempo, condenado a uma condição de fome e penúria extremas, vivências que o levaram a desenvolver, nos seus escritos, um sentimento pacifista e descrente das soluções miraculosas.

Larson não pretendeu reescrever a história da Segunda Guerra na Inglaterra, mas apenas registrar de que forma Churchill conseguiu sobreviver, junto com a sua família, aos ataques da força aérea alemã, sem perspectivas de uma resolução do conflito num prazo curto e tentando sobreviver aos bombardeios com um espírito de resistência e combate diário, incentivando a coragem dos seus concidadãos e familiares para lutar no dia a dia pela sobrevivência, não deixando morrer a convicção de que os ingleses conseguiriam se soerguer e dar o combate definitivo aos odiados inimigos, sobrepondo-se aos perigos mortais. Tudo isso, se mantendo conectado vivencialmente com os seus semelhantes, visitando os bairros e as cidades destruídos pelas bombas, arengando os sobreviventes, confortando os feridos nas ruas e nos hospitais, conversando com as donas de casa, os transeuntes, os soldados, os enfermeiros e transmitindo a todos uma mensagem de sobrevivência e força, com gestos de amizade e solidariedade cotidiana. 

A retórica de Churchill era uma torrente de palavras, pensamentos, gestos e emoções, transmitida em linguagem coloquial, mas firme. O primeiro-ministro notabilizou-se pela coragem de percorrer as áreas devastadas nas noites de luar escolhidas para os bombardeios, se expondo mais do que o necessário, sempre com a preocupação de se inserir de forma decisiva no meio da insegurança e da soçobra, transmitindo uma mensagem de calor humano e de esperança em dias melhores. A presença do primeiro-ministro, com a sua tradicional bengala, o chapéu coco e o indefectível charuto no canto da boca, era retribuída pelos cidadãos londrinenses e das demais cidades atingidas, com aplausos entusiásticos, quando aparecia entre os escombros, coberto de fuligem e desafiando os riscos e a escuridão. Essa presença corajosa, sincera, solidária e constante, foi o elo de ligação entre o líder e os seus comandados. Nos piores momentos, quando o mandatário emergia dos destroços fumegantes brandindo a sua bengala ou colocando o chapéu na ponta dela, despertava esperançosas reações entre os sobreviventes, que eram acompanhadas pelo primeiro-ministro com um “Bravo! Venceremos”! 

Nestes tempos de trágica insensatez de magistrados corruptos, de políticos populistas em busca de ibope e de exercício brutal de uma ditadura absurda, reler o texto de Larson traz conforto e esperança. Como seria bom se a mensagem de solidariedade e liderança do Churchill de outrora fosse multiplicada cada vez mais pelas nossas lideranças liberais e conservadoras, que amargam a perseguição dos totalitários de hoje, covardemente especializados em perseguir, agredir, humilhar e matar cidadãos indefesos! Tudo do alto de um tribunal erguido como cadafalso do trágico e sanguinolento espetáculo.

Larson alerta para o fato de que, embora às vezes o seu relato pareça obra de ficção, pretende realizar o contrário: escrever uma obra de não ficção, ancorada em fatos concretos, comprováveis por documentos. E alerta: “Todo trecho entre aspas vem de algum tipo de documento histórico, como um diário, carta, memórias ou outro artefato; qualquer referência a um gesto, olhar, sorriso ou outra reação facial vem de um relato de alguém que o testemunhou. Se algo daqui em diante desafiar algumas crenças sobre Churchill e sua época, posso apenas dizer que a história é um lugar animado, cheio de surpresas” [p. 10].

Solidamente alicerçado na inabalável solidariedade com o seu povo, Churchill conseguiu movimentar a magnífica máquina de guerra do Império Britânico, para pôr fim à estupidez do totalitarismo nazista. A sua decisiva e heróica saga foi a teia que uniu os que duvidavam e estimulou os que acreditavam na defesa da liberdade em face das bombas e dos gases mortíferos do totalitarismo em ascensão. Os Estados Unidos responderam ao chamado de Churchill e, com o seu ingresso na contenda ao lado dos britânicos, terminaram fazendo pender a balança da história para o lado da defesa da liberdade e da civilização ocidental. Seria difícil aqui pretender resumir os fatos narrados lucidamente por Larson nas mais de 600 páginas do seu belo ensaio histórico. Centrarei a atenção, nestas linhas, em dois ângulos da narrativa de O esplêndido e o vil: em primeiro lugar, “Churchill e a guerra no seio da família”; em segundo lugar, “Churchill e a luta pela Liberdade”.

Churchill e a guerra no seio da família. 

O Churchill que emergia coberto de fuligem dos prédios e casas destruídos e em chamas no centro de Londres e de outras cidades britânicas, como Liverpool, despertava o entusiasmo entre as pessoas aterrorizadas. Os bombardeios alemães mataram, entre 1940 e 1941, 40 mil pessoas em Londres e 4 mil em Liverpool. 

Os cidadãos britânicos caracterizavam Churchill como um homem de classe média, gorducho e com uma aparência bonachona, um cidadão que tinha assumido o papel de Primeiro Ministro. Todos se identificavam simpaticamente com a sua liderança e com a coragem que dele emanava, porque viam, nele, uma pessoa semelhante que sofria os ataques do inimigo e que liderava os seus concidadãos numa reação justa. Antes que como Primeiro-Ministro, enxergavam nele uma liderança solidária nas desventuras do seu povo e um lutador incansável. 

A verdade é que o Primeiro-Ministro era uma pessoa de classe média, com uma família semelhante a muitas outras. Ele e a sua esposa, a bela Clementine Churchill (1885-1977), tinham em 1940 cinco filhos, sendo a mais velha, Diana, com 30 anos, casada e mãe de três filhos. A segunda filha, Sarah, atriz, de 29 anos, encarnava a teimosia em pessoa de tal forma que, nas horas de discussão, era chamada pelos seus familiares de “mula”. O terceiro filho, de 28 anos, Randolph, oficial do exército, era um jovem esquentado e chegado ao jogo e à bebida, casado com a bela Angela Digby. O gosto pelo álcool e pelo jogo terminou, com o correr dos anos, pondo fim ao seu casamento. A quarta filha, Mary Churchill, de 17 anos, era, como diziam vizinhos e familiares, “linda, alegre e espirituosa, ‘muito efervescente’ e enfrentava o mundo com o entusiasmo desavergonhado de um cordeiro na primavera”. Era chamada familiarmente de “ratinho”. Tendo entrado numa divisão da Real Força Aérea encarregada de operar as barulhentas e mortíferas baterias antiaéreas, era observada com orgulho pelo seu pai, nas noites de bombardeio, defendendo a residência do Primeiro-Ministro com a sua mortal engenhoca. A quinta filha, Marigold, chamada de “Duckadilly” tinha falecido anos atrás de septicemia. 

Fixemos a atenção, por um momento, em Clementine. A propósito do apoio irrestrito dado por ela ao seu marido durante a guerra, frisa Larson: “(...) Desde a indicação de Churchill como Primeiro-Ministro, ela havia se tornado sua aliada sempre presente, organizando almoços e jantares e respondendo a inúmeras cartas do público. Costumava usar um lenço na cabeça, envolto em estilo turbante, estampado com pequenas cópias de pôsteres de guerra e slogans exortando: ‘Emprestar para defender’, ‘Vá em Frente’ e frases do gênero. Ela estava com 55 anos e estava casada havia 32 com Churchill. Na época do noivado, a grande amiga de Churchill, Violet Bonham Carter (1887-1969), expressara sérias dúvidas em relação às qualidades de Clementine, prevendo que ela ‘seria apenas um aparador ornamental, como já disse muitas vezes, e não é inteligente o suficiente para se incomodar em não ser mais do que isso’. No entanto, Clementine mostrou-se ser muito mais do que um ‘aparador’. Alta, magra e com uma ‘beleza perfeita e sem falhas’, como Bonham Carter admitiu, ela tinha personalidade forte e era independente, a ponto de tirar férias sozinha com frequência, ausentando-se da família por longos períodos. Em 1935, Clementine viajou sozinha numa excursão para o Extremo Oriente que durou mais de quatro meses. Ela e Churchill mantinham quartos separados; o sexo acontecia apenas com convite explícito dela. Foi para Bonham Carter que Clementine, logo após o casamento, revelou o gosto peculiar de Churchill para roupa íntima: seda rosa-clara. Clementine não se intimidava com discussões, por mais imponente que fosse seu oponente, e era considerada a única pessoa que conseguia confrontar Churchill” [O esplêndido e o vil, p. 47].

Poderíamos adicionar uma nota folclórica: entre os líderes mundiais de então, Churchill era o segundo mais baixinho (1,68), perdendo apenas para o feroz Josef Stalin (1,63) e ganhando, com vantagem, de Roosevelt (1,88), Chamberlain (1,88) e Hitler (1,75). Resumindo: pai gorducho e bonachão, esposa bela, independente e enérgica, e um quadro familiar corriqueiro, com os problemas e as virtudes de outras familias. A liderança heroica do Primeiro-Ministro vinha emoldurada, portanto, num quadro simpático ao cidadão comum, que contrastava com a rígida disciplina do guerreiro e do estadista.

Churchill e a luta pela Liberdade. 

Diante dos ataques da Força Aérea alemã sobre Londres e outras cidades britânicas ao longo dos anos 1940 e 1941, (embora tivessem os raides da Luftwaffe se prolongado até 1945), Churchill considerava que era necessário passar aos seus compatriotas uma mensagem de firmeza e de resposta altiva e rápida. A respeito, escreve Larsen: “O que Churchill mais queria dar para as pessoas era ação, como deixou claro desde o início - ação em todas as esferas, do escritório ao campo de batalha. O que ele queria, em especial, era que a Grã Bretanha assumisse a ofensiva na guerra, para fazer algo, qualquer coisa, para levar a guerra diretamente “àquele homem ruim”, sua expressão preferida para Adolf Hitler. Como Churchill disse em ocasiões frequentes, ele queria que os alemães “‘sangrassem e queimassem”. 

Dois dias depois de assumir o cargo, 37 bombardeiros da Real Força Aérea atacaram a cidade alemã de München-Gladbach, no distrito alemão altamente industrializado do Ruhr. O ataque matou quatro pessoas, uma das quais, curiosamente, era uma inglesa. “Mas o objetivo não era criar caos – frisa Larson -. Essa missão e outros ataques que se seguiram deviam sinalizar para o público britânico, para Hitler e especialmente para os Estados Unidos, que a Inglaterra tinha intenção de lutar – a mesma mensagem que Churchill procurou transmitir na segunda-feira, 13 de maio de 1940, quando fez seu primeiro discurso perante a Câmara dos Comuns. Ele falou com confiança, prometendo conquistar a vitória, mas também como um realista que entendia o território sombrio no qual o Reino Unido se encontrava agora. Uma frase se destacou com clareza peculiar: ‘Não tenho nada a oferecer senão sangue, trabalho, lágrimas e suor’” [Larson, O esplêndido e o vil, pp. 43-44].

Analisemos os aspectos fundamentais da forma em que Churchill trabalhava gerindo a máquina de guerra a partir da sua residência provisória, situada na Casa do Almirantado, no centro de Londres, enquanto o anterior Primeiro-Ministro, Chamberlain, não deixava a residência oficial no número 10 da Downing Street. Foi montada na sede provisória, uma estrutura adequada para o contato diário do Primeiro-Ministro com os chefes das três Forças Armadas. 

A noção de Churchill do que seria um escritório era ampla. “Com frequência – escreve Larson – generais, ministros e membros da equipe encontravam-se com Churchill enquanto estava na banheira, um dos seus lugares favoritos para trabalhar. Ele também gostava de trabalhar na cama, onde passava horas toda manhã estudando despachos e relatórios, com um datilógrafo sentado por perto. Sempre presente estava a Caixa, uma caixa preta de despachos que continha relatórios, correspondência e minutas de outros oficiais que precisassem da sua atenção, reabastecida diariamente por seus secretários particulares” [Larson, O esplêndido e o vil, p. 42].

Quanto à rotina de trabalho nesse ambiente pouquíssimo formal, frisa Larson: “Quase toda manhã, um visitante específico ia ao quarto de Churchill, o major-general Hastings Ismay (1887-1965), recém-nomeado chefe do Estado-Maior do Exército, conhecido carinhosa e universalmente como ‘Pug’ por sua semelhança com essa raça de cachorro. Era trabalho de Ismay atuar como intermediário entre Churchill e os chefes das três forças armadas, ajudando-os a entendê-lo e ajudando Churchill a entendê-los. Ismay fazia isso com tato e graça diplomática. Imediatamente tornou-se um dos membros centrais daquilo que Churchill chamava de ‘Circulo Secreto’. Ismay ia ao quarto de Churchill para discutir assuntos que iriam ser tratados mais tarde, na reunião matinal dos chefes de estado-maior. Em outros momentos, ele simplesmente sentava com Churchill, caso fosse solicitado - uma presença calorosa e calmante. Pug era um dos preferidos das datilógrafas e dos secretários particulares. ‘Os olhos, o pequeno nariz, a boca e o formato de sua cabeça produzia um efeito canino totalmente agradável’, escreveu John Colville (um dos secretários particulares de Churchill). ‘Quando ele sorria, seu rosto se iluminava e dava a impressão de estar abanando um rabo fácil de imaginar’” [Larson, O esplêndido e o vil, p. 43].

A respeito do fascínio que causava a figura de Churchill no meio popular, escreve Larson: “Ismay estava impressionado com a necessidade que o público parecia sentir desse novo primeiro-ministro. Enquanto andava com ele do nº 10 da Downing Street até a Casa do Almirantado, Ismay se maravilhava com os cumprimentos entusiasmados de homens e mulheres que passavam por eles. Um grupo de pessoas esperando na entrada privada do nº 10 deu os parabéns e um incentivo, com gritos de ‘Boa sorte, Winnie. Deus te abençoe’. Ismay percebeu que Churchill ficou profundamente emocionado. Depois de entrar no prédio, Churchill, que nunca tinha receio de expressar suas emoções, começou a chorar. ‘Pobres pessoas, pobres pessoas’, disse. ‘Eles confiam em mim, e por um bom tempo o que eu posso oferecer a elas é desastre’” [Larson, O esplêndido e o vil, p. 43].

Quando o exército francês se rendeu aos alemães em 22 de junho de 1940, Churchill chegou à conclusão de que deveria, por enquanto, lutar sozinho contra a Alemanha. Em que pese o fato de as forças francesas parecerem inexpugnáveis na chamada Linha Maginot, a verdade foi a notícia dada pelo primeiro-ministro da França, Paul Reynaud (1878-1966), ao seu colega britânico: “Fomos derrotados!”. Tornava-se imperiosa, para Churchill, a ajuda americana. Com os Estados Unidos alheios ao conflito numa atitude de falso pacifismo, o Primeiro-Ministro Britânico teve de desenvolver um trabalho hercúleo para convencer o Presidente Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), de que a ajuda americana era essencial, se os Estados Unidos quisessem que a Alemanha Nazista não ficasse como dona da Europa. A respeito, escreve Larson: “Churchill percebeu que havia chegado a hora de fazer um apelo direto por ajuda americana. Num telegrama secreto para o presidente Roosevelt enviado naquele dia, disse ao presidente que esperava que a Inglaterra fosse atacada em breve, e que se preparava para um ataque devastador. ‘Se necessário, vamos a continuar a guerra sozinhos, não temos medo’, escreveu. ‘Mas confio que entenda, sr. Presidente, que a voz e a força dos Estados Unidos podem não ter valor nenhum se contidas por tempo demais. Poderemos ter uma Europa Nazista completamente subjugada, estabelecida com rapidez impressionante, e o peso será maior do que podemos suportar’. Ele queria ajuda material, e pediu a Roosevelt especificamente que considerasse o envio de até cinquenta contratorpedeiros antigos, que a Marinha Real poderia usar até que seu programa naval começasse a entregar novos navios. Também pediu aeronaves – ‘várias centenas dos últimos modelos’ - , armas antiaéreas e munição, ‘das quais teremos novas e em quantidade suficiente ano que vem, se sobrevivermos para ver (...)’. ‘Continuaremos pagando em dólares (...) mas gostaria de ter uma certeza razoável de que quando não pudermos mais pagar, você nos fornecerá da mesma forma’” [Larson, O esplêndido e o vil, p. 45].

Qual era o quadro apresentado pelos estrategistas? Larson o caracteriza da seguinte forma: “Os estrategistas britânicos acreditavam que a Luftwaffe tinha quatro vezes o número de aeronaves da Real Força Aérea. Os três principais bombardeiros da Alemanha – o Junker Ju 88, o Dornier Do 17 e o Heinkel He III – carregavam um total de bombas de novecentos a quatro mil quilos, mais do que se poderia imaginar na primeira guerra. Uma aeronave em especial era assustadora, o Stuka, cujo nome era uma contração da palavra alemã para bombardeiro de mergulho: Sturzkampfflugzeug. O avião parecia um inseto gigante de asas dobradas e era equipado com um aparato, a Jericho-Trompete (“Trombeta de Jericó”) que o fazia emitir um ruído aterrador quando mergulhava. Ele podia despejar bombas – até cinco de cada vez – com muito mais precisão do que uma aeronave padrão, e aterrorizara as tropas aliadas durante os ataques-relâmpago alemães” [Larson, O esplêndido e o vil, pp. 54-55].

Do ângulo das ações estratégicas, o quadro era o seguinte, segundo Larson: “Na visão dos planejadores britânicos, a Alemanha tinha capacidade de bombardear a Inglaterra a ponto de ela não ter outra opção a não ser se render, um resultado contemplado havia muito tempo pelos teóricos da guerra aérea que viam ‘bombardeios estratégicos’ ou ‘bombardeios aterrorizantes’, como um meio de submeter o inimigo. O bombardeio da Alemanha contra Rotterdam parecia validar esse pensamento. No dia seguinte ao do ataque da Luftwaffe, os holandeses se renderam, por medo de que outras cidades fossem destruídas. A possibilidade da Inglaterra de se defender desse tipo de campanha dependia completamente da capacidade das indústrias nacionais de produzir aeronaves de guerra – Hurricanes e Spitfires – numa velocidade suficientemente alta, não apenas para compensar as perdas crescentes, mas também para aumentar o número total de aviões disponíveis para combate. Somente os caças não iriam vencer a guerra, embora Churchill acreditasse que, com aeronaves suficientes, a Inglaterra poderia ser capaz de manter Hitler sob o controle e adiar a invasão por tempo suficiente, até os Estados Unidos entrarem na guerra” [Larson, O esplêndido e o vil, p. 55].

A realidade, no entanto, estava bastante distante de ser ideal, no que tangia à fabricação de aviões. “As fábricas de aeronaves da Inglaterra, - frisa Larson [O esplêndido e o vil, p. 55] - operavam num cronograma pré-guerra que não levava em consideração a nova realidade de ter uma força hostil do outro lado do canal. A produção, embora crescente, era retardada por práticas antiquadas de burocracia de tempos de paz, só agora despertando para a realidade de uma guerra maior. A falta de peças e materiais parava a produção. Aeronaves danificadas se acumulavam, aguardando conserto. Muitos aviões quase completos estavam sem motor ou instrumentos. Partes vitais eram armazenadas em locais distantes, guardados com zelo por funcionários de feudos, que os reservavam para as suas próprias necessidades futuras”.

O Primeiro-Ministro viu-se, pois, compelido pelos fatos e pela necessidade, a tornar realidade o binômio “o vil e o esplêndido” mediante uma solução radical: criar um novo Ministério de Produção de Aeronaves, com poderes para obrigar outras repartições ministeriais a atenderem às suas exigências, no tocante à fabricação de peças para aviões de guerra. Convidou para presidir o novo Ministério a um amigo das suas noitadas de aventuras, o lorde de origem canadense Max Aitken Beaverbrook (1879-1964), um arrojado empresário de jornais e revistas, que metia medo nos seus concorrentes com métodos de ação audaciosos. O próprio Churchill o arrolava entre os seus amigos “non Sancti”, como diria hoje um vaticanista calejado. Nas palavras de Larson, “Churchill não conseguiu e, francamente, não poderia conseguir lidar com a pressão massacrante de dirigir a guerra sozinho. Ele dependia muito de outros, mesmo que algumas vezes esses outros servissem apenas como público com quem ele poderia testar seus pensamentos e planos” [O esplêndido e o vil, p. 56]. 

Churchill via a sua amizade com lorde Max Beaverbrook em termos práticos: “Alguns usam drogas. Eu tomo Max”. Até a sua esposa, Clementine, alimentava grande desconfiança em relação ao novo amigo. “Meu querido, escreveu ela a Churchill, tente se livrar desse micróbio que algumas pessoas temem estar no seu sangue – exorcize essa criança levada e veja se o ar não fica mais claro e puro” [O esplêndido e o vil, p. 57]. A sua aparência esquisita de elfo ajudava a reforçar o preconceito com uma personalidade fora do comum e que tendia ao comportamento pouco convencional e até escandaloso.

O certo é que Beaverbrook colocou em primeira linha a industria aeronáutica inglesa. Com uma frota de aviões de combate bastante fortalecida, a Real Força Aérea, em questão de meses, tomou a iniciativa dos grandes bombardeios às cidades e fábricas alemãs, que possibilitaram aos britânicos, numa primeira etapa, completar a repatriação, com um número de baixas menos desastroso do que o imaginado, do exército de terra que tinha ido à Europa reforçar as defesas da França. Eram aproximadamente 300 mil homens, que precisavam urgentemente cruzar o canal para se protegerem em terras inglesas. Sem a atuação de uma Força Aérea eficiente teria sido impossível essa etapa importante da guerra. E a resposta inglesa aos agressivos raides alemães com os seus bombardeiros pesados, não teria sido culminada a tempo. 

O resultado do trabalho árduo de Lorde Beaverbrook à frente do Ministério de Produção de Aeronaves era amplamente positivo. A Força Aérea Britânica passou a contar, em agosto de 1940, com 2.300 aeronaves prontas, das quais 949 bombardeiros e 1.002 aviões de caça Hurricanes e Spitfires. Uma força que enfrentou a poderosa Luftwaffe, tendo começado a lhe infringir pesadas derrotas, a começar pela batalha do 15 de Setembro desse ano, na qual as forças alemãs foram pesadamente derrotadas pela Real Força Aérea: “Derrubamos 183 aeronaves e perdemos menos de 40”, foi a lacônica notícia do observador britânico. O entusiasmo na equipe de Churchill foi grande. “Os números eram tão extraordinários que – frisa Larson – em todo o império, o dia 15 de setembro de 1940 passou a ser conhecido como Dia da Batalha da Grã-Bretanha” [O esplêndido e o vil, p. 261].

Poucos meses tinham-se passado desde o dia em que Churchill prometia derrotar Hitler na guerra aérea, quando escreveu numa minuta para lorde Beaverbrook: “Mas há algo que trará Hitler de volta e o derrubará e é um ataque absolutamente devastador e exterminador efetuado por bombardeiros pesados deste país sobre a nação nazista. Precisamos ser capazes de superá-los dessa maneira, pois não vejo outra maneira de vencê-los”. Do próprio punho, Churchill tinha acrescentado nessa oportunidade: “Não podemos aceitar qualquer objetivo menor do que o domínio do espaço aéreo. Quando isso será conquistado?”

A equipe de Churchill, no que concernia à modernização da Força Aérea, contava com outro colaborador de peso: o físico Adolph Friedrich Frederick Lindemann (1886-1957) o qual, embora de origem alemã, era cidadão britânico e trabalhava no Royal Aircraft Establishment da Universidade de Oxford. Lindemann, chamado corriqueiramente de “O Professor”, passou a integrar a equipe de trabalho de Churchill como Conselheiro Pessoal do Primeiro-Ministro para Questões Científicas e estava à frente do Departamento Estatístico. Mas, como pode-se supor, o seu raio de ação era muito maior. Sua ação na equipe ministerial tratava, fundamentalmente, da modernização da Força Aérea Britânica e se concentrou na implantação de novos sistemas de navegação, que ajudassem a driblar e neutralizar o poderio alemão nesse terreno. As vitórias que a Força Aérea Britânica começou a conquistar sobre a Luftwaffe no segundo semestre de 1940 deveram-se, em grande parte, às novidades tecnológicas implantadas por Lindemann nas aeronaves de guerra.

A respeito do que significava a presença do Professor na equipe de trabalho de Churchill, frisa Larson: “Avaliar o mundo com objetividade científica era a tarefa do Professor. Aos 54 anos, um físico de Oxford, ele foi um dos primeiros homens que Churchill levou para o seu ministério, por conta da crença do primeiro-ministro de que, nessa nova guerra, os avanços tecnológicos iriam ter papel importante. Isso já havia sido demonstrado no caso do radar, um subproduto feliz de uma pesquisa muito menos bem-sucedida sobre a possibilidade de se criar um ‘raio da morte’ capaz de destruir uma aeronave. Da mesma forma, os britânicos estavam se tornando eficazes em interceptar e decifrar comunicações da Luftwaffe, que eram processadas no Bletchey Park, a casa ultrassecreta da Escola de Criptografia e Código Governamental, na qual os decifradores de códigos haviam descoberto os segredos da máquina de encriptação alemã ‘Enigma’” [Larson, O esplêndido e o vil, p. 83].

Embora Churchill passasse aos seus patrícios a esperança de uma vitória aérea sobre a Alemanha, as estatísticas, até o início de maio de 1941, eram pouco esperançosas. A respeito desses dados, frisa Larson: “No final, Londres resistiu, apesar dos graves estragos. Entre 7 de setembro de 1940, quando ocorreu o primeiro ataque de grande escala sobre a área central de Londres, e a manhã de domingo, 11 de maio de 1941, quando a Blitz acabou, cerca de 29 mil cidadãos foram assassinados e 28.556 tiveram ferimentos graves. Nenhuma outra cidade britânica enfrentou tantas perdas, mas, em todo o Reino Unido, o total de mortes de civis em 1940 e 1941, também incluídas as de Londres, chegou a 44.652, com outros 52.370 feridos. Dos mortos, 5.626 eram crianças” [O esplêndido e o vil, p. 527].

Londres, de fato, resistiu aos bombardeios alemães, assim como a própria Monarquia. O Palácio de Buckingham foi atingido, efetivamente, pelo bombardeio deflagrado em 12 de setembro de 1940. O casal real escapou por pouco de morrer sob os escombros. A respeito, frisa Larson: “O Rei observou que ele e sua esposa passaram a sentir uma ligação mais próxima com as massas. A Rainha resumiu suscintamente: “Estou feliz que nos bombardearam. Fez com que eu possa olhar os moradores de East End nos olhos” [Larson, O esplêndido e o vil, p. 254].

O bombardeio sobre Dresden, uma cidade com 600 mil habitantes, capital do estado da Saxônia, no leste da Alemanha, em 13 de fevereiro de 1945, no qual britânicos e americanos despejaram quase quatro mil toneladas de bombas sobre uma bela urbe que possuía uma grande riqueza cultural e artística, impactou fortemente a opinião pública mundial. O ataque deixou um triste resultado de 25 mil habitantes mortos. O Reino Unido perdeu, na ofensiva, apenas 6 bombardeiros, sendo metade por acidente e os Estados Unidos perderam apenas um avião. 

Os britânicos estavam dando o troco aos alemães pela destruição da bela cidade de Coventry no bombardeio de 11 horas seguidas em 14 de novembro de 1940, em que paradoxalmente somente morreram 568 habitantes e 850 ficaram feridos, tendo sido destruída, no entanto, toda a infraestrutura econômica da cidade, que era importante pólo da indústria automotiva, aeronáutica e militar. A palavra “Coventry” passou a ser usada como sinônimo de “unidade urbana de destruição massiva”. Até os alemães fizeram uso do termo “coventrificação” para exaltar o caráter destrutivo de um bombardeio aéreo. 

O diretor da agência de Observação de Massas do Reino Unido, o jovem locutor Tom Harrisson, fez uma vívida descrição do cenário de horror e de vazio humano que passou a ser vivenciado com Coventry. “A visão mais estranha de todas – disse Harrisson no seu programa – foi a catedral. Em cada um dos lados, as grandes janelas nuas ainda mantêm uma espécie de beleza sem seus vidros; porém, entre elas, há um inacreditável caos de tijolos, pilares, vigas, placas memoriais”. Larson frisa a respeito que Harrisson “falou sobre o absoluto silêncio na cidade na noite de sexta-feira, enquanto andava de carro, desviando das crateras das bombas e dos montes de vidro quebrado. Ele dormiu no carro aquela noite. ‘Acho que essa é uma das experiências mais esquisitas da minha vida’, disse ele, ‘dirigir em meio a uma desolação solitária e silenciosa, debaixo de uma garoa, naquela grande cidade industrial’” [Larson, O esplêndido e o vil, p. 328].

Embora a descrição da destruição de Coventry pela mídia tivesse sido criticada por alguns como algo que ia além dos limites da comunicação em tempo de guerra, no entanto Churchill considerou que essa divulgação foi positiva do ângulo da sensibilização das autoridades norte-americanas, em face das necessidades prementes que estava sofrendo a Grã Bretanha para sobreviver ao conflito. “Churchill, porém, argumentou – frisa Larson – que o programa não tinha causado grandes danos, e talvez até tivesse feito certo bem ao chamar a atenção dos ouvintes dos Estados Unidos para o ataque. Isso se revelou ser verdade em Nova York, onde o Herald Tribune descreveu o bombardeio como uma barbárie ‘insana’ e proclamou: ‘Nenhum meio de defesa que os Estados Unidos possam repassar às mãos britânicas deve ser negado’” [O esplêndido e o vil, p. 328].

O pedido de ajuda britânica aos Estados Unidos foi negociado ao longo dos meses que transcorreram entre início de 1940 e começo de 1941 e tinha sido centrado, por Churchill e pelos enviados de Washington, entre os que se destacava Harry Hopkins (1890-1946) representante pessoal de Roosevelt, em duas coisas: empréstimo significativo de armamento (aviões e navios de guerra) e pagamento dos americanos pelo aluguel das ilhas britânicas, situadas ao longo do Canal da Mancha e nas suas imediações. Tal programa de auxílio recebeu o nome de Lend-Lease e foi definitivamente aprovado pelo Congresso americano em 8 de março de 1941, nove meses antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra. O programa favorecia também à União Soviética e à China, para que defendessem os interesses americanos no conflito.

Na negociação do Lend-Lease pesou muito o empenho pessoal do negociador americano, Harry Hopkins. A sua clara posição pro Grã Bretanha foi definitiva. Em carta endereçada ao Presidente americano, o representante presidencial escrevia: “As pessoas aqui são incríveis, começando por Churchill. E se a coragem bastasse para vencer, o resultado seria inevitável. Mas eles precisam desesperadamente de nossa ajuda e tenho certeza de que você não deixará que nada o impeça. Churchill domina todo o governo britânico e entende todos os aspectos da guerra. Não tenho como enfatizar o suficiente o fato de que ele é a única pessoa aqui com quem você precisa chegar a um acordo pleno. Esta ilha precisa de nossa ajuda agora, Sr. Presidente, com tudo que pudermos dar a eles” [Cit. por Larson, O esplêndido e o vil, p. 388].

Winston Churchill, de fato, encarnou os ideais de Liberdade e Democracia, que animaram sempre a alma inglesa e dos quais os Estados Unidos se tornaram herdeiros. Nós, brasileiros, que cerramos fileiras ao redor dos defensores da Liberdade na Segunda Guerra Mundial, devemos recordar com agradecimento e admiração a bela lição de caráter e de patriotismo do Primeiro Ministro Britânico. Acerca da forma em que o líder britânico entendia a Liberdade, vale a pena citar o discurso informal que pronunciou na homenagem que a sua família e amigos fizeram ao representante do Presidente americano, o emissário Harry Hopkins, na localidade rural de Ditchley, em Oxfordshire, sul da Inglaterra. 

A respeito desse discurso, Larson escreve: “(...) Churchill respirou fundo e embarcou num monólogo em que recontou a saga de vida e morte da guerra até aquele momento, enquanto a luz das velas brilhava nos olhos úmidos de embriaguez de seus convidados. Depois de um longo tempo, ele passou para os objetivos de guerra do Reino Unido e sobre o mundo do futuro. Churchill apresentou sua visão dos Estados Unidos da Europa, tendo os britânicos como seus arquitetos. Era como se ele estivesse falando perante a Câmara dos Comuns, e não para um pequeno grupo de homens em meio à fumaça de charuto e ao álcool numa tranquila casa de campo. ‘Não estamos atrás de nenhum tesouro’, disse Churchill, ‘não estamos atrás de novos territórios, buscamos apenas o direito do homem de ser livre; procuramos seu direito de adorar seu Deus, de viver a vida à sua maneira, livre de perseguição. Quando o humilde trabalhador volta para a casa no fim do dia e vê a fumaça subindo de sua chaminé para o céu sereno da noite, queremos que ele saiba que a polícia secreta não vai bater na sua porta’ - aqui Churchill bateu forte na mesa -, ‘para perturbar seu lazer ou interromper seu descanso’. Ele disse que o Reino Unido queria somente o governo pelo consenso popular, liberdade para se dizer o que quiser e igualdade de todas as pessoas aos olhos da lei. ‘Mas objetivos bélicos além destes não temos’. Churchill parou. Ele olhou para Hopkins. ‘O que o presidente dirá de tudo isso?’ Hopkins pensou antes de responder (...). Enfim, Hopkins falou. ‘Senhor primeiro-ministro’, começou ele, numa pronúncia americana exagerada. ‘Acho que o presidente não dá a mínima para nada disso’. O conselheiro particular Oliver Littelton sentiu uma pontada de ansiedade, conforme anotou em seu diário. ‘Será que Churchill errou o cálculo?’ ‘Meu Deus do céu’, pensou ele, ‘deu tudo errado...’ ; Hopkins fez uma pausa prolongada. ‘Veja bem’, falou devagar, ‘a gente só quer ver aquele filho da puta do Hitler levar um couro’. Risadas altas amplificadas pelo alívio sacudiram a mesa” [Larson, O esplêndido e o vil, 386-387].

Terminemos estas linhas lembrando o belo e emocionado discurso proferido por Churchill quando o pedido de auxílio do seu governo foi aprovado pelo Congresso americano:

“Aqui está a resposta que darei ao presidente Roosevelt: confie em nós. Dê-nos sua fé e sua bênção e, com a ajuda da Providência, tudo ficará bem. Não iremos falhar nem vacilar; não iremos fraquejar nem cansar. Nem o choque repentino da batalha nem as longas provações exigidas pela vigilância e pelo esforço irão nos derrubar. Dê-nos as ferramentas, e nós terminaremos o trabalho”.

Larson conclui: “Naquele fim de semana, o rei George chegou a uma nova conclusão. Em seu diário, ele escreveu: ‘Eu não poderia ter um primeiro-ministro melhor’” [Larson, O esplêndido e o vil, p. 406].