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O ESPLÊNDIDO E O VIL, SEGUNDO DONALD TRUMP

O ESPLÊNDIDO E O VIL, SEGUNDO DONALD TRUMP

TRUMP PRONUNCIA O SEU DISCURSO DE POSSE: "UMA NOVA ERA"

Estou lendo o ensaio intitulado: O Esplêndido e o Vil de autoria do jornalista e escritor norte-americano Erik Larson, que conta a história de como se passou, na Grã Bretanha, no seio da família Churchill, o álgido momento de entrada da Inglaterra na Segunda Guerra Mundial. Recebi esse ensaio de presente do meu amigo James L. Davis, quando da maravilhosa temporada que passei, com a minha família, na sua casa em Atlanta, nos Estados Unidos, em janeiro. Conversamos muito sobre o novo governo de Trump e as novidades que ele traria para a atual quadra da história dos Estados Unidos e do mundo, em geral.

Para iniciar este comentário, tomei carona no título da obra mencionada, a fim de destacar que, na atualidade, vivemos um momento parecido, que oscila entre “O Esplêndido” e o “Vil”. É claro que, quando terminar a leitura do belo ensaio histórico de Larson, escreverei detalhadamente sobre ele. De momento, tomo carona no título da obra, para caracterizar a singular etapa histórica que estamos vivendo, ao ensejo do discurso pronunciado por Trump quando da sua posse, no dia 21 de janeiro passado.

A entrada da Inglaterra na II Guerra, ocorreu depois do vil ataque sofrido pelos países europeus, a partir do expansionismo totalitário de Hitler, que invadiu primeiro os Países Baixos e Escandinavos, bem como a França. A heroica reação britânica aos criminosos atos de barbárie de Hitler, consolidou a resposta do Ocidente face a esse atentado contra os valores da Civilização Cristã Ocidental, que se materializou na “guerra relâmpago” dos nazistas contra os europeus em geral, contando, também, com a aniquilação das “raças inferiores”. Mas essa reação foi construída dramaticamente pelos britânicos, sob a liderança de Wiston Churchill, que teve de lidar com as paixões humanas para dinamizar a resposta armada da sociedade inglesa, fazendo frente a egoísmos intempestivos, a burocráticas acomodações e a fundados temores que se contrapunham a uma resposta comum, sem cair na tentação do poder total.

Onde estaria o aspecto “vil”, na conjuntura que o Mundo vive nos dias atuais? Esse aspecto de vileza e baixaria correria por conta das tentativas de padronizar o comportamento das nações ocidentais ao redor do “politicamente correto”, ditado esdruxulamente pela esquerda europeia e americana, com a finalidade de consolidar um marasmo que garantisse as “conquistas” da civilização. Tudo em nome do progresso e do “politicamente correto”, apregoado em alto e bom som pelas lideranças da esquerda internacional.

Ora, a elite que se situa à frente das conquistas ensejadas pelo progresso econômico na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, ostenta uma falha comum: se alinha como a administradora farisaica do grande boom de riqueza produzida pelo capitalismo, ao longo da segunda metade do século vinte e das décadas que já se passaram do segundo milênio. Lê-se na imprensa internacional, corriqueiramente, o dado de que o modelito esquerdizante do políticamente correto conseguiu que emergissem da pobreza, pelo mundo afora, com os dólares e os euros do desenvolvimento capitalista, mais de 1,7 bilhão de seres humanos. O compromisso de hoje consistiria, da parte dos administradores da magna empresa de desenvolvimento, em garantir a perpetuação e o alargamento a todos os seres humanos, desse modelo salvífico. O preço a ser pago consistiria em ajustar os comportamentos das pessoas de forma tal que se inserissem de maneira mais eficaz na máquina produtiva, começando com um férreo controle da natalidade.

O primeiro princípio dessa tarefa consistiria em garantir o comportamento políticamente correto de todos os seres humanos. Para isso, seria imperativa a implantação desse padrão de comportamento, à luz do princípio apregoado pelas esquerdas no mundo civilizado, no sentido de que “é indecente qualquer diversidade”. Não à diversificação em nome da tradição! Não à tradicional família monogâmica! O que se espera é que as famílias sejam planejadas a partir da “ideologia de gênero”, que coloca o núcleo existencial da raça humana em comunidades racionalmente planejadas não a partir da dialética ontológica homem-mulher, mas como efeito de novas categorias culturais no mundo “queer”, em que a questão de sexo não seria definida pela natureza mas por um frio planejamento estatal, que levaria em consideração as necessidades de um rígido controle populacional, a fim de tornar possível garantir as benesses coletivas da riqueza produzida, entre todos os membros da mega sociedade planetária. Note-se que, nesta receita salvífica, perecem duas realidades: a liberdade dos indivíduos e as tradições em que se inseriram as suas existências, a começar pela diferença entre homens e mulheres. O sexo é definido pelas lideranças políticas, não pela natureza.

Como diria hoje Huntington, estamos numa guerra civilizacional contra os que negam a nossa identidade matando a liberdade e as nossas tradições. O grande perigo que nos ronda é um modelo de civilização em que o indivíduo desaparece (como no confucionismo chinês) e em que a liberdade individual é negada sumariamente em nome de valores alheios à nossa tradição humanista (como na opção alimentada pelo radicalismo islâmico).

A esquerda americana, desde os tempos de John F. Kennedy (1917-1963), inseriu-se no contexto desse esforço global de criação e distribuição de riqueza. A “Aliança para o Progresso” , desenvolvida pelo presidente Kennedy em 1961, foi o nome dado ao novo empreendimento, para o qual foi criada uma grande agência governamental, a USAID, que se encarregou de garantir o financiamento de políticas públicas que conduzissem os menos favorecidos ao pleno desenvolvimento econômico, tendo dado ensejo à maior organização governamental de ajuda internacional. A USAID encarregou-se de financiar 90% dos contratos de ajuda americana em todo o mundo. Segundo a “Lei de Assistência Estrangeira” , a USAID converteu-se no maior doador individual em nível planetário.

No contexto do assistencialismo da “Aliança para o Progresso” de Kennedy, foi dado início a agressivos projetos de reforma do ensino universitário, como o protagonizado por Rudolf Atcon, nos Estados Unidos, que inspirou o reformismo da educação superior na América Latina e em outros continentes. Uma das finalidades fundamentais do mencionado projeto era materializar, nos países beneficiados, rígidas políticas oficiais de controle da natalidade. Jovem professor universitário de esquerda, na Colômbia, testemunhei a formulação dessas políticas e o desenvolvimento de projetos de ajuda financeira por parte da Aliança para o Progresso, canalizada para “modernizar” a antiga estrutura universitária, adotando modelos de gestão que se afinassem mais com as agências internacionais. Participei de muitas assembleias universitárias e passeatas de protesto contra a mencionada política, com a queima sistemática, em Medellín, em frente ao Consulado americano, da bandeira dos Estados Unidos. Os yankees eram sistematicamente acusados, pelos jovens manifestantes, da violência, de pretenderem monopolizar as iniciativas de mudança, desconhecendo as lideranças nacionais e sendo os diretos responsáveis pela violência política no terceiro mundo.

O radicalismo da esquerda americana, sabemos, foi controlado pelos conservadores, nos períodos em que foram eleitos presidentes republicanos como Reagan e os Bush. Mas nas gestões comandadas pelos democratas (Carter, Clinton, Obama, Biden) o radicalismo de outrora se reforçou. Para Trump, é chegado o momento de a política americana controlar novamente os excessos dos democratas, que terminaram comprometendo a saúde econômica dos Estados Unidos com políticas sociais que saíram caras aos cofres americanos, gerando problemas estratégicos sérios para os Estados Unidos.

Donald Trump, no seu discurso de posse, frisou que essa saga é longa e se remonta, no século XX, à política da “Aliança para o Progresso” ensejada pelo presidente John F. Kennedy. A denúncia feita pelo presidente Trump no seu discurso de posse faz pleno sentido. Houve uma armação prévia entre as esquerdas americanas e as do resto do mundo para garantir uma política de apoio às políticas sociais nos Estados Unidos e pelo mundo afora, favoráveis ao discurso populista. Essa ação salvífica, segundo Trump, está realmente em andamento, sendo financiada com dinheiro desviado da economia americana e europeia por inúmeros canais, dentre os quais sobressaem ongs transnacionais e empresas multinacionais, mantidas com dinheiro pago pelos contribuintes americanos e europeus às organizações e agências internacionais, comandadas pela esquerda nas Nações Unidas nas suas várias agências, em sintonia com organizações não governamentais como a mantida por George Soros, para financiar a prática da ideologia de gênero por parte das novas sociedades em desenvolvimento.

O Presidente Trump, no seu discurso de posse, ilustrou de que forma essa política de assistência dos Estados Unidos na América Latina e pelo mundo afora, contribuiu decisivamente para o gasto desenfreado do dinheiro pago pelos contribuintes americanos e europeus, com políticas sociais que só beneficiavam o populismo e a ineficiente e corrupta burocracia, através das doações da USAID e financiando mediante contribuições regulares as agências da ONU. Ficou clara a decisão do presidente americano de pôr fim a esse gasto que onera os bolsos dos contribuintes americanos, com o fechamento da USAID, a qual transformou os Estados Unidos no maior doador individual do Mundo. Em 2024, recordava Trump, a USAID forneceu 42% de toda a ajuda humanitária.

Essa política “humanitária” terminou alargando perigosamente a burocracia controlada pela esquerda internacional, chegando a interferir em países estrangeiros para colocar de lado regimes conservadores considerados perigosos para os ativistas e burocratas, como aconteceu com as pressões do governo Biden em prol de obstaculizar a chegada de novos conservadores ao poder, acusados pelas lideranças da esquerda americana e europeia de “populistas” e ligadas a uma linha de pensamento de ultradireita, como foram os casos das eleições presidenciais da Romênia, em 2024 (que foram anuladas pelo respectivo Tribunal Constitucional) e do Brasil (país no qual, o governo Biden apoiou a política esquerdista de desmonte da Operação Lava-Jato, bem como a intervenção do STF na libertação do presidiário Lula, para que participasse da eleição presidencial de 2022, a fim brecar o caminho para a reeleição de Bolsonaro no pleito desse ano). Hoje são conhecidas as pressões nada dissimuladas do governo Biden para que não houvesse uma oposição dos militares às medidas adotadas pelo TSE-STF.

A nova chegada ao poder de Trump em 2024 mexeu com a vilania dessas acomodações populistas da esquerda internacional. A melhor atitude diante desses fatos consiste, a meu modo de ver, em apoiar as mudanças em andamento, no sentido de colocar fim às messiânicas iniciativas da esquerda internacional, apoiando firmemente no Brasil a volta ao funcionamento pleno das instituições republicanas, pondo um controle definitivo da sociedade às aventuras ditatoriais e messiânicas da magistratura. O remédio? Voltarmos a ser, como propunha Popper, uma sociedade aberta, em que o dissenso não é banido. A propósito, frisava recentemente o joven cientista político gaúcho, Fernando Schüler: “os males da nossa civilização provêm exatamente da traição aos valores das sociedades abertas, e não o contrário. (....) O que aconteceu, nas últimas duas décadas, foi o lento processo de captura do Estado por um novo tipo de ideologia. Quando uma Corte Constitucional diz que esse ou aquele grupo não é legítimo para ganhar uma eleição [como aconteceu recentemente na Romênia], que certos tipos de opinião são inaceitáveis no debate público, o sinal é claro: a premissa da neutralidade das instituições foi tirada pela janela. Quando a educação pública se subordina a premissas dadas pelos movimentos identitários, temos o mesmo fenômeno. E, por óbvio, quando chegamos ao ponto de o sujeito ser preso por rezar em silêncio [como aconteceu semanas atrás no Reino Unido], há muito se cruzou uma fronteira. (...) O que nenhum desses agrupamentos está autorizado a fazer é converter sua moralidade privada em régua ética para a sociedade. É esse o ensinamento singelo de Popper” [Fernando Schüler, “Nossa herança comum”, Veja, edição 2932, 21/02/2025].