
ESCUDO DE ARMAS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES, ESCULPIDO NO CASTELO DE ESTREMOZ
O Brasil tornou-se livre da sua matriz portuguesa em 1822, preservando a instituição monárquica e consolidando o único Império que teve sucesso nas Américas. Os projetos imperiais hispano-americanos fracassaram: o do México, com o fuzilamento de Maximiliano de Habsburgo (em 1867) e o do Paraguai, com a morte em combate de Solano López (1870), ambos “protegidos” pelo aventureiro Napoleão III da França (1808-1873).
Portugal guardou, no seu DNA, a memória do país pequeno rodeado de nações fortes, em face das quais teve de garantir a sua sobrevivência. É um exemplo de teimosia e estratégia.
Essa memória de país pequeno que deve garantir a sua existência entre Estados mais fortes, fez com que, desde 1580, se pensasse na decisão estratégica de transferir a capital do Reino para uma das Colônias, em caso de invasão estrangeira. Foi o que aconteceu em 1807.
A integridade continental da antiga Colônia brasileira foi sendo construída, entre os séculos XV e XVIII, por um ousado plano, que começou com a assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494). Como quem garantia os limites entre os dois Impérios, o Português e o Espanhol, era o Papa, os estrategistas de Lisboa praticaram a falsificação dos mapas que eram apresentados, regularmente, ao Pontífice em Roma.
Com o passar dos séculos, entre 1494 e 1750, a linha divisória dos Impérios Espanhol e Português já lambia as estribações dos Andes. Os novos limites, garantidos pela autoridade papal, foram sendo marcados, pelos portugueses, com Fortes, destacando-se o Forte do Príncipe da Beira (1775), na fronteira com a Bolívia. A Colônia Brasileira converteu-se em um imenso Continente que abarcava a maior parte da América do Sul, desde o Rio Amazonas até o Rio da Prata.
Quem redigiu a última versão do Tratado foi um brasileiro, Alexandre de Gusmão (1695-1753), que como Secretário Particular do Rei de Portugal, dom João V (1730-1750), introduziu o conceito romano do "Uti Possidetis" no documento final, assinado em 1750 com o nome de Tratado de Madri.
Com a criação do Reino de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822), tendo como capital o Rio de Janeiro, Dom João VI (1767-1826), sucessor da rainha dona Maria, com o auxílio do seu Ministro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), começa a deitar as bases para a transformação da Monarquia Absoluta em Constitucional.
Pinheiro Ferreira estruturou o Governo Representativo no projeto da Constituição Imperial que seria aprovada e outorgada em 1824, adotando o Modelo Parlamentarista (que garantia a representação dos interesses mutáveis dos cidadãos), mitigando-o com a instituição do Poder Moderador, encarnado na figura do Imperador (que garantia a representação dos interesses permanentes da Nação).
Na Declaração de Independência em 1822 pesaram as razões expostas nas missivas enviadas a Dom Pedro pela consorte do príncipe regente, a Princesa Dona Leopoldina da Austria (1797-1826): “Pedro – frisava Dona Leopoldina - o Brasil está como um vulcão. (...). O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio, ele fará a sua separação”.
A independência e as instituições do Governo Representativo e do Poder Moderador garantiram ao Império brasileiro uma estabilidade invejável, que começou com a Constituição de 1824 e se firmou após as reformas conservadoras de 1841.
A estabilidade e a paz só se viram quebradas pelo golpe militar de 1889, que derrubou o Império e impôs a República. Antes da derrubada do Império, ao ensejo da “questão militar” (1883-1887), o marechal Deodoro da Fonseca, Ministro da Guerra, tinha dito a famosa frase: “A honra do Exército está acima da lei”. Nessa mesma linha de um poder militar sobranceiro às Instituições, o vice-presidente Marechal Floriano Peixoto (1839-1895), que tinha assumido o poder como vice de Deodoro em abril de 1892, quando da renúncia do Marechal à Presidência da República, decretou estado de sítio após manifestações de opositores e divulgação de manifestos na Capital Federal. Prendeu os manifestantes e desterrou outros para a Amazônia. Quando Rui Barbosa ingressou com pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em favor dos detidos, Floriano ameaçou os ministros da Suprema Corte: "Se os juízes concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão". O STF negou o habeas corpus por dez votos a um.
A instabilidade republicana tentou ser controlada pelas “intervenções salvadoras” do Exército na República Velha, nas quais os militares intervinham quando o pacto político entrava em crise, dando ensejo a um novo momento autoritário. Juarez Távora (1898-1975), um dos aguerridos Tenentes, definiu essas intervenções da seguinte forma: “Nós, Militares, observamos a política como se fosse um banquete; quando o banquete vira rega-bofe, entramos com a espada moralizadora”.
A sina da instabilidade política tentou ser consertada pela adoção do modelo do “autoritarismo instrumental”, segundo o qual as Forças Armadas restabelecem o equilíbrio entre os poderes públicos, intervindo militarmente, mas por um prazo curto, até ser restabelecida a ordem.
Após o ciclo de 64 (e os vinte anos de uma intervenção que deveria ser passageira mas se tornou duradoura), o general Golbery do Couto e Silva (1911-1987) considerava que o Poder Executivo, controlado pelos militares, restabeleceria a ordem, isolando os elementos totalitários que pusessem em risco o sistema e permitindo a tranquila rotatividade no poder por parte dos dois partidos institucionais: a Arena (de cunho conservador) e o MDB (de feição liberal).
O Pacote de Abril de 1977, do general Ernesto Geisel (1909-1996) fixou os parâmetros dentro dos quais funcionaria a representação, que privilegiava aqueles Estados que mais dependiam dos favores da União, em detrimento dos Estados mais ricos, que ficariam menos representados. A União saiu fortalecida, outrossim, com a instituição dos “Senadores Biônicos”.
Na Nova República, após 1985, formou-se o que passou a ser denominado de “presidencialismo de coalizão”, controlado pelos Estados menos desenvolvidos, como se dá até hoje. O “Centrão” é expressão, como diria Oliveira Vianna (1883-1951), da “política alimentar”, se movimentando conforme as vantagens orçamentárias garantidas pelo Presidente de plantão.
Assim, a estabilidade institucional na Nova República ficou precária, com surtos mais ou menos autoritários, ao ensejo da tentativa de pôr em prática o modelo do “autoritarismo instrumental” que o ciclo militar já tinha posto em funcionamento. A disritmia autoritária que hoje se vive, ao ensejo da politização do Supremo Tribunal Federal, é claramente favorável ao grupo que questiona a legitimidade da Operação Lava Jato, com miras a favorecer a oposição de esquerda, comandada pelo ex-presidiário e ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Somente se conseguirá superar a atual situação, mediante o fortalecimento das instituições do governo representativo, concretamente, mediante a valorização do Senado Federal que é a instituição legitimamente capaz de “chamar às falas” o STF, quando ultrapassar os seus limites – como infelizmente ocorre hoje.