
SEGUNDO O MINERALOGISTA E HISTORIADOR RUSSO DO MARXISMO, GUEORGUI PLEKHANOV (1850-1932), KARL MARX TIROU AS SUAS CATEGORIAS SOCIOLÓGICAS BÁSICAS DE UM SOCIÓLOGO LIBERAL FRANCÊS, FRANÇOIS GUIZOT (1787-1874).
Comemorou-se, em 5 de maio, o 205º aniversário de Karl Marx, que nasceu em Tréveris, capital da província alemã do Reno, em 5 de maio de 1818 e faleceu em Londres, em 1883. Com motivo dessa data, houve comemorações em muitas partes, inclusive no Brasil. Como não podia deixar de ser, no nosso país a esquerda aproveitou para enaltecer a imagem do seu patrono, apresentando-o como um génio e como o autêntico redentor das classes oprimidas. Vale a pena, portanto, lembrar alguns dados da vida de Marx, a fim de restabelecer uma avaliação mais equilibrada do pensador e líder revolucionário.
Na cidade natal, Marx teve oportunidade de sentir duas influências contrárias: o democratismo, herdeiro do jacobinismo francês e, de outro lado, a reação conservadora capitaneada pela Prússia, defensora do Antigo Regime. Ora, o pensamento de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) pesou muito na formação de Marx. Ao longo da sua vida, o pensador destacou-se como partidário de soluções radicais e messiânicas, na missão de libertar o operariado mundial da exploração capitalista. Ora, essa era, justamente, e saída apresentada como ideal por Rousseau. Era necessário apresentar uma solução revolucionária que mudasse o curso da história. Qual seria o caminho? Para Rousseau, era obvio que a redenção do homem passaria por uma etapa de purificação radical do vício do egoísmo. “O homem é bom, mas a sociedade o perverte”, pensava. A forma de purificá-lo consistia numa espécie de “banho em ácido sulfúrico” que o limpasse da defesa dos interesses pessoais egoístas e o capacitasse para lutar, unicamente, em defesa do interesse público, geral, que redimiria a todos os homens.
A felicidade, segundo Rousseau, no seu Contrato Social (1762), consistiria na unanimidade de todos ao redor do Legislador, superando as dissidências egoístas, origem do mal social. Para conseguir o bem da unanimidade, era necessário um instrumento que obrigasse a todos na tarefa purificadora. Os “puros”, aqueles que, na sociedade, se identificassem com o interesse público, estariam chamados a ajudar o líder messiânico nessa missão. Levando em consideração que da unanimidade dependeria a felicidade social, era válido, portanto, utilizar qualquer método para aniquilar os interesses privados. Ora, tratava-se, pontificava Rousseau no seu livrinho O Contrato Social (capítulo 8º), de utilizar o terrorismo de Estado, mediante a polícia política, para aniquilar os interesses privados. Os “puros” (aqueles movidos unicamente pelo interesse público) eram os chamados a instaurar esse estado de terror policial. Uma vez extirpado o interesse privado, mediante a eliminação física dos dissidentes, reinaria, tranquilo, o interesse público querido por todos e instaurar-se-ia, portanto, o estado de beatitude ou felicidade social. Essa foi a característica comportamental básica defendida por Marx na sua pregação revolucionária.
O pai de Karl, Hirschel Marx (1777-1838) era advogado, tendo abandonado o judaísmo em 1824, batizando-se na Igreja Luterana com o nome de Heinrich. Os estudiosos consideram que nessa conversão mediaram motivos de índole econômica, pois na Renânia, onde residia a família Marx, os cargos públicos estavam vedados aos judeus. A mãe do nosso autor, Enriqueta Pressburg (1787-1863), era descendente de rabinos.
Completados os estudos secundários em Tréveris, Marx ingressou na Universidade de Bonn, a fim de estudar Direito. Em 1836, o jovem estudante transferiu-se para a Universidade Friedrich Wilhelms de Berlim para continuar os estudos, na área da Filosofia. Em Berlim, se filiou à denominada corrente da “Esquerda Hegeliana” capitaneada por Ludwig Feuerbach (1804-1872), que repudiava a exaltação que Hegel (1770-1831) tinha feito do Estado Prussiano.
Em Berlim, Marx ingressou no Doktor Club, que era liderado por Bruno Bauer (1809-1882). Em 1841, obteve o título de doutor em Filosofia com a tese intitulada: Diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro, na qual aderia a uma concepção materialista acerca do homem. Não tendo conseguido empreender a carreira acadêmica em decorrência das suas idéias radicais, tornou-se, em 1842, redator do jornal Gazeta Renana, editado em Colônia, onde conheceu aquele que seria o seu mais fiel amigo, o jovem Friedrich Engels (1820-1895), filho de um industrial de Barmen (Alemanha). Em 1843, tendo sido fechada a Gazeta Renana pelo governo prussiano, Marx partiu para Paris, onde assumiu a direção da revista Anais Franco-Alemães, tendo-se casado, pouco antes, com a bela Jenny von Westphalen (1814-1881), filha do barão prussiano Ludwig von Westphalen (1770-1842), professor universitário em Berlim. Graças à herança recebida pela sua jovem esposa após o falecimento de Ludwig em 1842, o revolucionário conseguiu pagar os seus primeiros anos de pregação radical. Acabados os fundos, embora a dedicada esposa Jenny o ajudasse transcrevendo os seus manuscritos, o jovem ativista passou a viver à sombra da ajuda econômica recebida de amigos, dentre os quais se destacou Friedrich Engels (1820-1895), filho de um rico industrial prussiano, proprietário de fábricas de tecidos na Alemanha e na Inglaterra.
Na capital francesa, ciceroneado pelo poeta romântico Heinrich Heine (1797-1856), o jovem Marx participou de vários círculos de estudos e sociedades secretas, dentre os quais cabe mencionar a Igreja Saint-Simoniana, fundada pelo conde Henri Claude de Saint-Simon (1760-1825) defensor do messianismo político e do “novo cristianismo”, que propunha a redenção política e econômica dos excluídos (os proletários), mediante a ação de um líder messiânico que os libertasse da miséria, papel que Marx considerava que lhe cabia. Marx, como destacou o mineralogista e historiador russo do marxismo, Gueorgui Plekhanov (1856-1918), foi influenciado pelo sociólogo liberal François Guizot (1787-1874), o poderoso primeiro-ministro do rei Luis Filipe (1773-1850), que propunha libertar a Franca da anarquia revolucionária, mediante a implantação do governo representativo sob a liderança da burguesia. Guizot defendia, de maneira conservadora, os ideais liberais expostos pelo pensador inglês John Locke (1632-1704), com a sua proposta da Monarquia Constitucional obediente ao Parlamento, no qual se representariam os interesses das várias classes, sob o comando da burguesia. Guizot influiu em Marx com categorias sociológicas básicas (“política como luta de classes”, “luta de classes a partir da representação de interesses materiais”, “classe social apta para chefiar a representação de interesses e o governo”). Impressionaram a Marx os slogans pregados por Guizot: “burgueses da França uni-vos” e “enriquecei-vos”. Inspirados neles, Marx e Engels criaram a expressão: “proletários do mundo uni-vos”, presente no "Manifesto Comunista" (que seria escrito em 1848).
Ainda em Paris, em 1843, Marx escreveu a Crítica da filosofia do direito de Hegel e A questão judaica. No ano seguinte, teve contato com a Liga dos Justos (que mais tarde seria conhecida como Liga dos Comunistas) e escreveu os Manuscritos econômico-filosóficos, bem como o famoso artigo acerca de uma greve ocorrida na Silésia, que lhe causaria a expulsão da França, em 1845, a pedido do governo prussiano.
Tendo-se mudado para Bruxelas, Marx escreveu, ainda em 1845, as Teses sobre Feuerbach e, junto com Engels, A sagrada família. Em 1846, em parceria com Engels, escreveu A Ideologia Alemã, que só seria publicada anos mais tarde. Ajudado pelo amigo, organizou, na capital belga, o Comitê de Correspondência da Liga dos Justos que, como já foi frisado, passou a ser chamada de Liga dos Comunistas. Em 1847, Marx viajou para Londres, onde publicou a Miséria da Filosofia. De volta para a Bélgica, terminou expulso pelo governo desse país em 1848 e, junto com Engels, mudou-se para Colônia, onde fundou a Nova Gazeta Renana. Nesse ano foi publicado, em Londres, o Manifesto Comunista, de autoria de Marx e Engels; inspirados no slogan de Guizot: “burgueses da França, uni-vos e enriquecei-vos”, a dupla radical terminou o seu Manifesto com o chamado revolucionário: “Proletários do mundo, uni-vos!”.
Expulso de Colônia em 1849, Marx enfrentou sérias dificuldades financeiras, das quais saiu graças à ajuda do pensador e líder socialista alemão Ferdinand de Lasalle (1825-1864), que depois seria atacado pelo próprio Marx. Nesse ano, o nosso autor escreveu Trabalho assalariado e capital. Em Londres, Marx dedicou-se aos estudos econômicos na biblioteca do Museu Britânico. Para subsistir, trabalhou como redator no New York Daily Tribune. Em 1852, publicou O 18 brumário de Luís Bonaparte, dedicado à análise dos eventos ocorridos ao ensejo do golpe de estado perpetrado por Louis Napoleão Bonaparte (1808-1873) sobrinho do falecido Imperador Napoleão I (1769-1821).
Dedicado integralmente ao estudo na capital inglesa, em que pese inúmeros e sérios distúrbios de saúde e crescentes dificuldades econômicas para sustentar a numerosa família (a esposa, já doente, e sete filhos), Marx publicou, em 1857, a obra intitulada: Esboço de uma crítica da economia política. Em 1859 apareceu, em Berlim, a obra intitulada: Para uma crítica da economia política, ao ensejo da qual o incansável ativista frisou com ironia: “Com certeza é a primeira vez que alguém escreve sobre o dinheiro com tanta falta dele”.
Em 1864, Marx propôs a criação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), denominada popularmente de Primeira Internacional. Em 1865, publicou Salário, preço e lucro, além da Biografia de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), com quem manteve séria polêmica, em decorrência do fato de discordar do modelo de socialismo democrático proposto por Proudhon. Em 1867 apareceu publicado, em Hamburgo, o Primeiro Volume de O Capital. Em 1869, o nosso autor deu continuidade à escrita do Segundo Volume desta obra, que tinha interrompido devido ao seu precário estado de saúde, agravado pela crise financeira familiar.
Ao ensejo da revolta conhecida como Comuna de Paris, Marx publicou, em 1871, A guerra civil na França. Em 1873, encaminhou o seu primeiro volume de O Capital a duas personalidades da intelectualidade britânica: Charles Darwin (1809-1882) e Herbert Spencer (1820-1903). Em que pese o fato de o médico ter-lhe proibido qualquer tipo de esforço, em decorrência do agravamento da saúde, Marx continuou trabalhando incessantemente na redação de O Capital, e fez inúmeras leituras acerca de temas diferentes como Matemática, Geologia, Física e a situação social e política da Rússia. Em 1875, publicou Crítica do programa de Gotha. Sob os cuidados de Engels foram publicadas, postumamente, as edições do Segundo Volume (1885) e do Terceiro Volume (1894) de O Capital.
O ideal do Comunismo implantado por métodos violentos e a destruição do Estado burguês foi proposto na obra de Marx, se contrapondo aos esforços dos socialistas franceses, ingleses e alemães, em prol da construção de uma nova sociedade mediante reformas democráticas, com a chegada do proletariado ao poder através de eleições (como terminou, de fato, acontecendo, ao longo dos séculos XIX e XX). Marx considerava ser ele o líder único da revolução violenta apregoada. A verdade claudicou diante da militância política. Marx foi desmoralizando, um a um, todos os pensadores e líderes socialistas moderados que tinham aderido a um socialismo democrático, que estaria presente no modelo apregoado anos depois, na Alemanha, por Eduard Bernstein (1850-1932), sob a denominação de social-democracia, diferente do modelo totalitário abraçado por Marx. O pensador brigou com os seus antigos amigos: na Alemanha, com Ferdinand Lasalle (1825-1864) e, na França, com Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865).
Antônio Paim (1927-2021) deixou claro que houve uma influência muito grande do regime apregoado por Marx sobre o adotado, na Rússia, após a Revolução de 1917, por Lenine (1870-1924). Para ambos (Marx e Lenine), somente valia o comunismo imposto pelo líder, com absoluto banimento da dissidência e com a implantação de um regime de poder total. Na Rússia, o regime bolchevique foi o novo capítulo do “despotismo oriental” czarista [cf. Paim, Marxismo e descendência, 1ª edição, Campinas: Vide Editorial, 2009; Wittfogel, Le despotisme oriental, Paris: Minuit, 1977 com tradução, do inglês, de Micheline Pouteau] e do radicalismo de Jean-Jacques Rousseau, que, como vimos, apregoava a destruição dos interesses individuais, com o predomínio, pelo terror, do interesse público.
Ao longo do século XX perviveu a herança sanguinolenta do socialismo totalitário pregado por Marx, para implantar o comunismo: os mais de 100 milhões de mortos ensejados pelas revoluções comunistas, constituem a prova mais forte do caráter totalitário e violento do comunismo, que oportunamente foi definido por Lenine como "um poder não limitado por leis". A instabilidade que hoje é vivida na América Latina ao ensejo do predomínio das ditaduras de inspiração comunista, confirma historicamente essa desgraça, que ocorre no contexto das previsões do "Foro de São Paulo", criado por Lula e Fidel Castro, em 1990, para garantir a sobrevivência do comunismo, que entrou em colapso na Europa com a queda do Muro de Berlim, em 1989.