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NO INÍCIO ERA O VERBO

NO INÍCIO ERA O VERBO

SÃO JOÃO EVANGELISTA ESCREVE O APOCALIPSE NA ILHA DE PATMOS (QUADRO DO MESTRE DA LOURINHÃ, 1510)

Assim começa o Evangelho de João: “En te arjé en o Lógos, kai o Lógos en prós ton Theón”: “no início era o Verbo e o Verbo estava em Deus”. Em toda essa discussão midiática acerca das redes e as tentativas de domínio público sobre elas, em boa hora as coisas vão se decantando e sobre aguam as ideias fundamentais. Por que tanta celeuma em face dessa discussão motivada pelo “inquérito do fim do mundo”, que pretende acabar com um universo e dar ensejo a outro? Por uma razão singela: porque fomos criados pela Palavra e somos palavra viva que se inscreve no seio da história, com uma identidade espiritual e radicalmente individual, irredutível à entidade anônima da coletividade.

Como a Palavra, na tradição judaico-cristã, é sagrada e dá origem às pessoas, elas também são sagradas, ou seja, não podem ser dessacralizadas no uso apenas instrumental. As pessoas são, fundamentalmente, mistério. Ou seja, são irredutíveis essencialmente às sombras feitas de temporalidade. Ainda seguindo a tradição bíblica, como as pessoas foram feitas à imagem e semelhança de Deus, que se revela, em Cristo, como Palavra Primordial, fomos também feitos à imagem e semelhança da Palavra que nos criou e temos, portanto, algo de sagrado. E como o diabo, na sua essência maléfica, é negação da Palavra e na sua identidade infernal é Mentira, enseja a substituição daquela por uma representação falsa, a fim de varrer Deus do universo humano. O mercado da mídia digital oferece-nos, sem parar, ícones nebulosos de nós mesmos e produz, como as drogas, a dependência e a morte, se consumido sem limites e agredindo a dignidade das pessoas.

Portanto, Ela, a Palavra, gera o conflito desde o início, a partir da falsa promessa feita pela serpente aos incautos que ouvem a sua voz: “sereis como deuses”. É o pecado original da arrogância que nega a origem sacra da Palavra primordial e que tenta substituí-la por uma criação feita à imagem e semelhança do homem que negou Deus, a fim de se extasiar nas suas representações finitas, no universo de uma “cultura” da morte e de projetos de poder que ensejam a destruição do humano, nessa debacle interminável de niilismos e totalitarismos em que a “morte de Deus” transformou a cultura e, sobretudo, a representação desconstrutiva do humano, na decadente arte contemporânea e nas filosofias da "morte de Deus".