
FRANÇOIS GUIZOT (1787-1874), O ESCRITOR, SOCIÓLOGO E ESTADISTA FRANCÊS CUJOS CONCEITOS SOCIOLÓGICOS INFLUIRAM NA OBRA DE ALEXIS DE TOCQUEVILLE (1805-1859) E KARL MARX (1818-1883)
Em 2007, o prefeito do Rio, César Maia, convidou-me para falar ao seu secretariado, no Planetário do Gavea. Fiquei honrado com o convite, vindo de um líder de teor liberal-social como César Maia. Ele militou originariamente no PDT de Leonel Brizola. Mas evoluiu em direção ao liberalismo social, tendo-se elegido Prefeito do Rio em três oportunidades (1993, 2000 e 2005), pelo PFL. Achei no mínimo original o tema que me foi proposto: falar sobre François Guizot (1787-1874) o estadista, historiador e sociólogo francês, que se destacou por ter sido primeiro-ministro da monarquia liberal de Luíz Filipe, entre 1830 e 1848.
Perguntei ao prefeito qual seria o motivo do seu convite para que eu falasse sobre Guizot numa plateia de Secretários da Prefeitura. Respondeu-me que ele achava essencial, para quem desempenha funções públicas ao abrigo de uma plataforma político-partidária, que conheça a identidade programática de sua agremiação, a fim de que permaneça fiel a ela. Disse-me que o protestante Guizot se caracterizou justamente por essa fidelidade aos princípios programáticos da sua agremiação política, que foi conhecida popularmente como Os Doutrinários, na França da Restauração, sendo que, como frisava o filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955), Os Doutrinários foram o que de mais interessante houve na política europeia no século XIX e, talvez por inveja motivada pela incompetência da esquerda tradicional, tenham sido ridicularizados injustamente.
Num Brasil tomado hoje de assalto por políticos sem definição programática e doutrinária, mas apenas arregimentados pelos caciques partidários em siglas que têm como preocupação fundamental garantir o gozo haurido a partir do Fundo Partidário, falar de François Guizot e do seu partido Os Doutrinários, certamente seria uma novidade digna de ser conhecida. Falta, sem dúvida, identidade doutrinária aos nossos Partidos Políticos. Essa era a preocupação pedagógico-política do prefeito César Maia.
François Guizot, como Primeiro-Ministro e Ministro da Instrução, estruturou o Sistema Representativo no Parlamento Francês, garantindo à burguesia o controle sobre a política, a fim de dar embasamento liberal-conservador às instituições. Garantiu, de outro lado, a estabilidade da França na Europa, com uma moderada política exterior dirigida à busca da paz com as demais potências. Foi de sua autoria o famoso imperativo dirigido às classes médias para que integrassem uma burguesia com consciência das suas responsabilidades de classe dirigente: “enriquecei-vos com vosso trabalho”, dizia Guizot aos que pretendiam se qualificar como agentes políticos. Enriquecer honestamente, esse era o meio para poder se habilitar a participar da burguesia governante. Em outros termos, como diria Max Weber (1864-1920), tratava-se de aderir à ética do trabalho, única forma válida de formatar uma sociedade coesa ao redor do ideal do progresso.
François Guizot propôs as categorias fundamentais da sociologia moderna, para compreender o agitado ambiente revolucionário do seu pais, ao ensejo da Revolução Francesa, das crises do Terror Jacobino e do Bonapartismo e das dificuldades para estabelecer a Monarquia Constitucional, sorteando os riscos do regresso ao Absolutismo e da queda no Socialismo radical de índole revolucionária. Foram da lavra de Guizot conceitos sociológicos como “consciência de classe”, “classe apta para o exercício do poder”, a “massa” como protagonista da história política, a “luta de classes” como elemento definidor da política no meio europeu ocidental. O seu famoso Curso de História da França, ministrado na Sorbonne, teve alunos de qualidade como Alexis de Tocqueville (1805-1859) e influiu indiretamente em autores que frequentaram a complexa atmosfera intelectual herdada do Ciclo Bonapartista, da Restauração, e da Revolução Liberal de 1830, como o poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856) e o seu jovem amigo e discípulo Karl Marx (1818-1883). Heine colocou Marx em contato com o grupo de discípulos de Henri-Claude de Saint-Simon (1760-1825), abrindo assim uma porta para que Marx utilizasse os conceitos-chave do messianismo político saint-simoniano.
Segundo um dos principais estudiosos da formação do marxismo, Gueorgui Plekhanov (1856-1918), Marx recebeu a influência sociológica de François Guizot, destacando o paradoxo de ter sido justamente um sociólogo de tendência conservadora quem influiu diretamente na sociologia marxista. Foram os conceitos sociológicos propostos por Guizot (“consciência de classe”, “classe apta para o exercício do poder”, a “massa” como protagonista da história política e a “luta de classes”) que o jovem Marx utilizou como fundamento para a sua teoria da revolução proletária. Esses conceitos aparecem já na época da redação, por Marx e Engels, do Manifesto Comunista de 1848. A burguesia da teoria sociológica de Guizot, foi simplesmente substituída pelo proletariado, como a classe que estava destinada a puxar o fio revolucionário da História, segundo o jovem Marx.