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LULA, TAUMATURGO DE EMPREENDIMENTOS FALIDOS

Luíz Inácio Lula da Silva é um personagem de múltiplas facetas. Pai dos pobres, herói dos miseráveis, irmão dos desprotegidos, messias dos sem esperança, tudo isso e algo mais pretende ser o nosso personagem. Mas, dentre todos esses títulos de cunho religioso e populista, temos um que se ajusta perfeitamente ao seu modo de agir: taumaturgo de empreendimentos falidos. Porque, sob o comando de Lula, prósperas empresas públicas viram pó, enquanto enriquecem loucamente aos seus amigos. Não estou fantasiando, simplesmente tratando de explicar os fenômenos que, sob os governos de Lula, ocorreram e continuam a ocorrer, invariavelmente, na cola da nossa mais próspera empresa pública: a Petrobrás.

No início do seu primeiro governo, lá pelos idos de 2003, o sortudo sindicalista encontrou uma empresa pública especialmente bem dotada de recursos e saneada financeiramente, como aquela residência que o Salvador desenhou na parábola do Evangelho, uma casa limpa e bem arrumada, que é ocupada pelos sete demônios e mergulha na fumaça sulfúrica do quinto dos infernos. Ora, com a nossa jóia da coroa das empresas estatais brasileiras aconteceu exatamente isso: os seus bens foram celeremente dilapidados em dois empreendimentos sem fundo, que garantiriam a perpetuação no poder ao PT e aos seus sequazes: o Mensalão e o Petrolão.

Com o primeiro desses milagres às avessas, Lula garantiu o apoio irrestrito dos Congressistas para a aprovação célere dos seus projetos de lei, que poriam todos os atores políticos sob o comando do Partido dos Trabalhadores, no primeiro governo petista. Com o segundo milagre, o do Petrolão, o esqueminha de dominação total para proveito partidário estendeu-se para o plano internacional, através da poderosa empresa de engenharia que virou sinônimo de corrupção: a Odebrecht, que até 2015 tinha empreendimentos bilionários em vários cantos do Planeta, incluindo os Estados Unidos da América, segundo consta do estudo feito pela Revista Exame [CF. Aluísio Alves, "Odebrecht amplia operações nos Estados Unidos apesar da Lava-Jato", Exame, 10-09-2015], citando a pesquisa elaborada pela "Brivery Division" ("Divisão de Propina") do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos). Sabe-se que a Odebrecht realizou obras com pagamentos de propina à empreiteira pelas autoridades dos seguintes países: Angola, Argentina, Colômbia, Equador, Guatemala, Panamá, Peru, República Dominicana, Venezuela, Cuba, México e Moçambique. 

Nesse segundo milagre, Lula almejava consolidar a sua liderança mundial, através dos generosos investimentos pagos com dinheiro do Tesouro, via BNDES. Assim, com grossos empréstimos pagos aos clientes e intermediários internacionais, através de um miraculoso processo de desvio de dinheiros públicos, foi garantida a emergência de Lula como grande financiador de projetos pelo mundo afora, concretizados em diversas obras como o Porto de Mariel, em Cuba, estradas em vários países, hidroelétricas,  financiamento de grandes refinarias, como a Abreu e Lima em Pernambuco, a ser entregue em curto prazo pelo ditador bolivariano Chávez, coisa que, aliás, nunca aconteceu: o dinheiro foi emprestado pelo Tesouro brasileiro aos venezuelanos, que nunca honraram a dívida. Eram negócios especiais financiados de forma também especial, digna dos relatos do realismo mágico de García Márquez, como as garantias dos generosos empréstimos a Cuba para a construção do Porto de Mariel, a serem pagos com os mágicos charutos de Havana, caso falhassem as garantias bancárias usuais. Um realismo econômico mágico! Haja fumaça!

Tudo andou muito bem até que a Magistratura brasileira decidiu criar unidades especiais de investigação de crimes financeiros internacionais, a fim de colocar a nossa Justiça no nível daquela que funciona nos países que, no Mundo Desenvolvido, combate os crimes transnacionais e o lavado de dinheiro do crime organizado. A respeito, frisa o ex-juiz federal Sérgio Moro, na sua obra intitulada: Contra o sistema de corrupção [1ª edição, Rio de Janeiro: Primeira Pessoa, 2021, pp. 26-27]: ”Ainda que falho, nosso Judiciário avançou bastante nas últimas décadas, em paralelo à modernização das relações sociais no Brasil. A partir dos anos 1990, houve uma mudança significativa na pauta da Justiça Federal criminal. Se até então os juízes federais julgavam sobretudo crimes de moeda falsa, contrabando e descaminho, passaram a se concentrar em delitos mais complexos, como tráfico internacional de drogas, até começarem a cuidar de grandes casos de corrupção e lavagem de dinheiro. Naquela época, em 2002, um estudo do Conselho da Justiça Federal constatou falhas na aplicação da lei que criminaliza a lavagem de dinheiro no Brasil. A avaliação era de que seria uma lei ‘no papel’, com poucas investigações e casos sendo levados a julgamento na Justiça. Como remédio, o Conselho recomendou a todos os tribunais regionais federais que transformassem uma vara em cada unidade da federação em especializada em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, decidiu especializar, para todo o Estado do Paraná, a 2ª Vara Criminal de Curitiba, justamente a minha. Existiam três varas federais criminais em Curitiba e não houve uma razão específica para a escolha. Foi puro acaso”.

A Operação Lava Jato foi fruto dessa reforma da nossa Justiça criminal, desenvolvida pelo mais alto Organismo, o Conselho da Justiça Federal, que controla a atividade dos Juízes e dos Tribunais no combate aos crimes transnacionais e ao lavado de dinheiro do crime organizado. Não foi obra de uma pessoa, mas do nosso Sistema de Justiça, devidamente planejada e com a divulgação que se fazia necessária.

O que ocorreu foi que a Operação Lava-Jato colocou a nu a enorme estrutura que tinha sido construída pelo crime organizado no roubo continuado do dinheiro público, no que se refere ao lavado do enorme cabedal que beneficiou aos criminosos, colocando em sério risco a saúde econômica da nossa maior empresa pública, a Petrobrás. Todo mundo sabe dos esforços da 2ª Vara Criminal de Curitiba, para investigar os acusados pelo Ministério Público, a fim de indiciá-los após as investigações de rigor, para enquadrá-los criminalmente e para reaver o montante bilionário desviado. Sabemos como foram denunciados, investigados, julgados e condenados tanto funcionários públicos corruptos que possibilitaram toda essa bandalheira, além dos empresários à margem da lei que se prestaram a esses escusos negócios, e, por último, os funcionários públicos de alta graduação que integravam a cadeia continuada dos desvios do dinheiro público. Sabemos das complexas gestões junto à Justiça de vários países, desenvolvidas pelos nossos juízes e diplomatas, para reaver os dinheiros desviados pelos meliantes. De outro lado, a investigação, o indiciamento, a acusação, o julgamento e a condenação do ex-Presidente Lula, não foi fruto de uma novela policial, mas se tratou de um processo real, que observou toda a liturgia jurídica necessária, inclusive com o exercício do contraditório e as mais amplas garantias para defesa do réu. A invenção de que se tratou de uma narrativa arquitetada pelos que, no governo passado, pretendiam dar um golpe contra as instituições republicanas, foi obra dos que queriam, desde o início, desqualificar a Operação Lava-Jato e desmontá-la, como de fato estão conseguindo.

Essa reação de desmonte obedeceu à criação de uma narrativa fantasiosa, em que embarcaram duas importantes instâncias da nossa Magistratura, o STF e o STE, com a finalidade explícita de fazer naufragar a Operação Lava-Jato e libertar da cadeia o condenado ex-presidente, a fim de habilitá-lo para que pudesse participar da passada eleição presidencial. Ora, esse intento constituiu uma reviravolta ontológica em que o imaginário se impôs sobre o que de fato aconteceu. Ora, todas as justificativas para essa enorme operação de apagar os fatos e substituí-los pelas narrativas chamadas oficiais, constituem a pedra no sapato das autoridades, que se mostraram incapazes de elaborar uma versão crível, permanecendo a opinião pública do país refém de uma espera interminável pelo conhecimento do que de fato aconteceu. Não se pode brigar com os fatos, tanto na escrita da história quanto no julgamento de atos criminosos.

Era necessário, primeiro, reconstituir os fatos e não acelerar a imaginação das narrativas. E nisso, as atuais instâncias oficiais, cuja imaginação tem muito a dever aos arrazoados orgânicos do marxismo gramsciano, também têm muito a declarar. Enquanto isso, mais de mil presos políticos com julgamentos dúbios e provas irrisórias vão sendo condenados, aos poucos, a incríveis 17 anos de cadeia, como se fossem réus de terrorismo. O que de fato tem acontecido é que já estão falecendo, também aos poucos, os réus presos nesse esquema fantasioso, na Papuda e outras unidades prisionais. O primeiro foi Clériston Pereira da Cunha (1977-2023). Virão outros, infelizmente, a continuar prevalecendo a “linha dura” contra os indefesos acusados, com os quais nem os seus próprios advogados podem conversar. A opinião pública e os observadores internacionais da cena brasileira esperam que se investiguem seriamente os fatos e que deixem de ser divulgadas as versões incríveis das narrativas ideológicas, que convêm aos atuais donos do poder.

As nossas instituições republicanas são mais fortes do que uma crise conjuntural. Ela, com certeza, é grave, mas será superada dentro dos marcos constitucionais e do arcabouço legal. Papel importante desse processo de saneamento corresponde, hoje, ao Congresso brasileiro, cujas funções legislativas tentaram ser desconhecidas pelos arquitetos do caos. Não tenho dúvida, porém, de que o sol da justiça voltará a brilhar nos céus de Brasília.