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LIBERALISMO E CONSERVADORISMO NO BRASIL

LIBERALISMO E CONSERVADORISMO NO BRASIL

CAPA DA 6ª EDIÇÃO DA "HISTÓRIA DAS IDEIAS FILOSÓFICAS NO BRASIL" DE ANTÔNIO PAIM (EDITOR: ANTÔNIO ROBERTO BATISTA. CAMPINAS: TÁVOLA EDITORIAL, 659 PG.).

Neste texto serão desenvolvidos dois itens: 1 – A tradição liberal brasileira e 2 – A tradição conservadora brasileira.

1 - A tradição liberal brasileira. (ANTÔNIO PAIM).

(Este texto, de autoria de Antônio Paim, foi apresentado na VIII edição dos Colóquios Antero de Quental, realizada em São João del Rei - Minas Gerais, em Setembro de 2009).

Entendo que a doutrina liberal diz respeito, basicamente, ao governo representativo. Nesse particular, subdividiu-se, historicamente, no que se convencionou denominar de conservadorismo liberal e liberalismo social. Este último, especialmente na Europa, depois que o tradicional Partido Liberal Inglês aderiu à social-democracia, encontra-se muito combalido.

Vou ater-me a esse aspecto - à organização do governo representativo -, embora não desconheça a relevância de que se reveste, em especial diante da atual crise financeira mundial, o liberalismo econômico, bem como a educação liberal.

Embora o Partido Social Democrata português possa ser qualificado como agremiação liberal conservadora, essa denominação é recusada por sua liderança, embora pertença à IDC-Internacional Democrata de Centro. No plano estritamente político, por certo pode-se afirmar que o liberalismo (como antes o definimos), não sobreviveu em Portugal.

No Brasil, temos uma situação paradoxal. Existe uma agremiação política assumidamente liberal, atual Democratas (no período anterior e desde a abertura política de 1985, com o nome de Partido da Frente Liberal – PFL). Contudo, no que respeita ao essencial - a organização do sistema eleitoral -, não tem sido capaz de promover a necessária adequação de nosso equivocadamente denominado “sistema proporcional”. No sistema proporcional consolidado, o eleitor vota numa lista pré-ordenada, enquanto no Brasil, embora exista uma lista partidária, pode escolher qualquer nome.

Pela primeira vez, nos 16 anos nos quais o tema esteve na ordem do dia do Congresso Nacional, conseguiu-se relativo consenso em torno dessa questão, na atual Legislatura (2006/2009). Inclinando-se a maioria pela adoção do financiamento público das campanhas eleitorais, a única forma de fazê-lo seria mediante a introdução da lista pré-ordenada. Entretanto, submetida a votos no ano passado, a providência foi rejeitada.

O governo reencaminhou ao Congresso os mencionados projetos (lista preordenada e financiamento público), a par de outras providências que permitiriam acabar com a permissividade eleitoral existente no país. Temos em vista a eliminação da representação dos partidos que não obtenham percentuais mínimos de votação e a proibição de coligações em eleições proporcionais (praxe que assegura a sobrevivência de partidos de aluguel). O país tem hoje em torno de trinta partidos políticos sendo que 18 com representação na Câmara dos Deputados. Nas últimas eleições parlamentares, o partido do governo (PT) alcançou apenas 17% das cadeiras na Câmara. No quadro atual, a base parlamentar do governo será sempre um saco de gatos.

Em que pese a iniciativa indicada e o peso dos que apoiariam a adoção da lista pré-ordenada, dada a preferência pelo financiamento público, não há maior probabilidade de sua aprovação dada a composição da base parlamentar do governo.

O sistema eleitoral permissivo existente no país, completa-se pela maneira como tem sido expandido o corpo eleitoral. Presentemente cerca de 70% da população têm direito a voto, sem qualquer exigência em matéria de escolaridade. Dentre os 126 milhões de eleitores, cerca de 60% são declarada ou virtualmente analfabetos. Os analfabetos são 7% do total; os que apenas leem e escrevem, 17%, mais 35% que sequer completaram as primeiras quatro séries do primeiro grau.

Mais grave é o que nos revela a pesquisa resumida, por Alberto Carlos Almeida, no livro A cabeça do brasileiro (Record, 2007). Com base nos resultados conclui que grande parte da população brasileira é patrimonialista, não tem espírito público, sendo a favor da intervenção do Estado na economia, é tolerante com a corrupção e acha natural que o ocupante de cargo público o use em benefício próprio. Dada a limitação de tempo, apresento em anexo uma indicação mais circunstanciada desse documento.

Como a incidência de tais opiniões reduz-se nas camadas com maior escolaridade, o autor nutre certo otimismo quanto ao futuro de nosso sistema político. Obviamente, deixou de levar em conta a realidade da maioria das nossas escolas de nível superior, notadamente no âmbito das ciências sociais, onde ainda viceja a vulgata pseudomarxista (na verdade uma cozinha mal digerida da tradição política autoritária, vigente na República, estruturada com base no comtismo).

É fora de dúvida que a população brasileira tem proporcionado inequívocas demonstrações de repúdio aos governos ditatoriais. Tivemos nos anos oitenta, o empolgante movimento denominado de “diretas já”. Ao longo desses vinte e tantos anos de abertura, as eleições constituem uma verdadeira festa cívica. Mas isto é muito pouco para sustentar qualquer otimismo, dada a manifesta fragilidade das instituições que tipificam o sistema democrático representativo.

A meu ver, não há maiores indícios de que possa sobreviver uma democracia sem partidos políticos. As duas experiências históricas patrocinadas pela República –a República Velha e o interregno democrático 1945/64 – louvavam-se precisamente dessa suposição e acabaram como se sabe.

2 - A tradição conservadora brasileira. (RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ)

(Texto de autoria de Ricardo Vélez Rodríguez, publicado na Revista Nabuco, nº 3, abril de 2015. Apresenta-se, aqui, uma versão resumida).

Delimitarei o marco cronológico da minha análise do conservadorismo brasileiro à época contemporânea: entre 1970 e 2014. É o período em que de perto conheci a realidade brasileira, primeiro como estudante de pós-graduação na PUC do Rio de Janeiro e, depois, como professor universitário.

Agruparei os pensadores influenciados pela mentalidade conservadora em dois grandes núcleos: A - conservadores e tradicionalistas, B – católicos.

Todos eles são guiados por uma ideia comum: não haverá verdadeira transformação senão preservando determinadas tradições que se formataram na nossa história. Pode haver mudanças, sim. Mas ancoradas fortemente em tradições que consigam se opor às deformações impingidas na história republicana pelo cientificismo positivista.

A - Pensadores conservadores e tradicionalistas.

Quatro autores sobressaem, no período contemporâneo, como estudiosos e divulgadores do pensamento conservador, num contexto hermenêutico: Vicente Ferreira da Silva (1816-1963), Adolpho Crippa (1929-2000), Paulo Mercadante (1923-2013) e Olavo de Carvalho (1947-).

Os fatos que constituem a cotidianidade da política, bem como as doutrinas em que ela se inspira, não explicam, por si sós, o evoluir das Nações ao redor do poder e das instituições em que este se exerce e se legitima. É necessário conhecer, antes de tudo, o pano de fundo de crenças fundamentais em que se apoiam a imaginação e o lógos das respectivas sociedades.

Ora, tal pano de fundo não é apenas um passado que ficou para trás, nas névoas do tempo. É um passado primordial sempre presente. A caracterização desse back-ground difere para estes autores, desde os mitos fundadores da Civilização Ocidental emergentes da religiosidade órfica, que ensejou a presença do fascinator entre os gregos (para Ferreira da Silva), ou dos mitos ancestrais presentes na simbiose entre cristianismo e helenismo (para Adolpho Crippa), passando por uma tradição barroca de mitos luso-brasileiros resgatáveis com o auxílio de uma espécie de cabala, em que a matemática entra como linguagem simbólica (em Paulo Mercadante) ou a partir de uma plataforma de mitos primordiais presentes nas antigas tradições espirituais – taoísmo, judaísmo, cristianismo, islamismo – (em Olavo de Carvalho).

Discípulo de Eric Voegelin (1901-1985) quando dos seus estudos de pós-graduação na Luisiana State University, nos Estados Unidos, sobressai como conservador, no campo da sociologia, José Arthur Rios (1921-2017), que tem desenvolvido, no seio do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, no Rio de Janeiro, importantes trabalhos no terreno da problemática urbana, bem como na abordagem da questão agrária e das lutas sociais, notadamente no que tange à violência.

No contexto do pensamento tradicionalista, destaca-se a obra de Alexandre Correia (1890-1984), importante representante do pensamento católico junto ao Centro Dom Vital. Traduziu, para o português, integralmente, a Suma Teológica de São Tomás de Aquino (em 11 volumes), empreendimento ao qual dedicou dez anos de labuta. A sua maior contribuição ao pensamento político é constituída pela sua obra intitulada: Ensaios políticos e filosóficos. Em que pese a influência recebida do tomismo, no entanto, do ângulo político distanciou-se do mesmo, mantendo uma posição contrária à democratização do Estado nos moldes moderados adotados por tomistas brasileiros como Leonardo Van Acker (1896-1986). Outro pensador que se insere na corrente tradicionalista é José Pedro Galvão de Sousa (1912-1992).

Entre os tradicionalistas deve ser mencionado Plínio Corrêa de Oliveira (1909-1995), fundador, em São Paulo, do movimento “Tradição, Família e Propriedade”, que no ano 2000 contava com 20 mil adeptos no Brasil e simpatizantes em 14 países. A respeito da obra deste pensador, frisa Antônio Paim no Dicionário biobibliográfico de autores brasileiros (Brasília: Senado Federal, 1999): “(…) por entender que a Igreja Católica relegava a segundo plano o combate ao comunismo, além das muitas concessões à modernidade, inclusive no plano litúrgico, fundou a Sociedade Brasileira Tradição, Família e Propriedade, conhecida como TFP. Manteve-se fiel ao bispo suíço Lefèvre, mesmo depois que este foi excomungado pelo Papa”.

B - Pensadores católicos.

No seio do pensamento católico houve, no período estudado, contribuições que se situam no contexto da Doutrina Social da Igreja, superando a radicalização da Teologia da Libertação.

Na trilha do “Humanismo Integral ” proposto por Jacques Maritain (1882-1973), o pensamento católico contemporâneo elaborou completa reflexão política, a partir de uma posição moderada que margeia os ideais da democracia cristã e que valoriza a doutrina dos Papas sobre questões sociais, sem fugir à discussão dos problemas do mundo contemporâneo.

Os principais representantes dessa vertente são: Alceu Amoroso Lima (1893-1983), Gustavo Corção (1896-1978), Leonardo Van Acker (1896-1986), Hubert Lepargneur (1925), Dom Boaventura Kloppemburg (1919-2009), Urbano Zilles (1937) e Tarcísio Meirelles Padilha (1928). De outro lado, os principais estudiosos do pensamento católico no período em apreço são: Antônio Carlos Villaça (1928-2005), Fernando Arruda Campos (1930), dom Odilão Moura (1918-2010) e Anna Maria Moog Rodrigues (1936).

Do ângulo institucional, vale a pena mencionar o trabalho desenvolvido, no Rio de Janeiro, pelo Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista, que reúne jovens intelectuais católicos.