
CARTAZ DO INSTITUTO LIBERAL ANUNCIANDO PALESTRA DE RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ SOBRE A OBRA DE MEIRA PENNA - 2020
José Osvaldo de Meira Penna nasceu no Rio de Janeiro em 1917 e faleceu em Brasília, em 2017, após completar cem anos de idade. Concluiu o Curso de Direito na Universidade do Rio de Janeiro, em 1939. Ingressou por concurso na carreira diplomática em 1938, tendo permanecido nela durante mais de quarenta anos, até sua aposentadoria, ocorrida em 1981. Cursou estudos complementares na Universidade de Columbia (New York), no Instituto Jung de Psicologia (Zurich) e na Escola Superior de Guerra (Rio de Janeiro).
Os primeiros anos de sua vida diplomática foram vividos em Calcutá, Xangai, Ankara e Nandjing. Quando da sua primeira permanência na China foi surpreendido pela guerra (1942) e assistiu posteriormente ao colapso do regime nacionalista chinês. Desempenhou funções diplomáticas também em Costa Rica, no Canadá e na Missão Brasileira junto às Nações Unidas. Regressou ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, onde chefiou a Divisão Cultural, no período compreendido entre 1956 e 1959. Foi embaixador na Nigéria, Secretário-Geral Adjunto do Ministério das Relações Exteriores para a Europa Oriental e a Ásia e embaixador em Israel, no período compreendido entre 1967 e 1970. Ocupou também o cargo de Assessor do Ministro da Educação e Cultura. Desempenhou as funções de embaixador na Noruega, no Equador e na Polônia, cargo com o qual encerrou a sua carreira diplomática. Depois de aposentado, Meira Penna ingressou no magistério, como professor vinculado ao Departamento de Relações Internacionais e Ciência Política da Universidade de Brasília. Desde fins da década de sessenta desenvolveu ampla e combativa atividade jornalística, tendo sido colaborador de importantes diários brasileiros como O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde (São Paulo), Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), e outros. Em 1986 criou, junto com alguns intelectuais de inspiração liberal, a Sociedade Tocqueville, entidade da qual foi o primeiro Presidente. Presidiu, também, o Instituto Liberal de Brasília e foi membro ativo da Sociedade Mont Pélérin.
Meira Penna foi um dos mais importantes e polêmicos ensaístas brasileiros. Os seus livros, ensaios e artigos cobriram ampla gama de assuntos. A sua produção intelectual pode ser aglutinada ao redor de três grandes centros de interesse: a história, a filosofia (notadamente a dedicada à reflexão sobre a política e a ética pública) e a sociologia. No campo da história, sobressaem as seguintes obras: Shangai, O sonho de Sarumoto e Quando mudam as capitais. No terreno da filosofia, pode-se mencionar vários títulos como, por exemplo, Elogio do burro, O Evangelho segundo Marx, Opção preferencial pela riqueza, Decência já, O espírito das Revoluções e A Ideologia do século XX. No campo sociológico, as suas obras mais representativas foram: Política externa: Segurança & Desenvolvimento, Psicologia do subdesenvolvimento, Em berço esplêndido, O Brasil na idade da razão, O Dinossauro e Utopia brasileira.
Parte significativa da obra de Meira Penna inseriu-se, como já foi apontado, no terreno da filosofia política, com a discussão do problema das relações entre epistemologia e poder. Nesse contexto situam-se obras como O Evangelho segundo Marx, A Ideologia do século XX, Opção preferencial pela riqueza e O espírito das Revoluções. O autor adotou a defesa do ponto de vista neoliberal, seguindo a tradição da escola austríaca de Friedrich Hayek (1899-1992) e Ludwig von Mises (1881-1973). Participou ativamente do debate acerca da problemática do estatismo, defendendo a tese do "estado mínimo" e da máxima liberdade para a iniciativa privada e o mercado. Com a finalidade de analisar criticamente a realidade do Estado patrimonial brasileiro do ângulo neoliberal, o autor escreveu vários artigos e ensaios em revistas especializadas, que foram compilados na sua obra intitulada O Dinossauro, que constitui uma das mais importantes contribuições à análise crítica das relações de poder na sociedade brasileira.
O cerne da obra de Meira Penna consiste na sua crítica ao Estado patrimonial. O Brasil não chegou ainda à idade da razão. O cogito ergo sum cartesiano foi substituído, na nossa sociedade presidida pelas relações afetivas, pelo coito ergo sum macunaímico. Essa seria a primeira caracterização que Meira Penna formula em relação à nossa realidade. Não se trata, evidentemente, de atitude puramente negativista em face do país. A atitude do nosso autor foi crítica, não perdoando as incoerências nem dando trégua ao bom-mocismo. Tratava-se, para Meira Penna, de elaborar uma atitude crítica construtiva em face do nosso tradicional familismo autoritário. Se quiséssemos sair do marasmo secular em que fomos confinados como eterno país do futuro, deveríamos olhar, com claridade, para dentro de nós mesmos, conhecermos a fundo as nossas potencialidades e mazelas, a fim de remediar as segundas e fazer crescer as primeiras. Era nesse contexto de ética intelectual weberiana em que se situava a crítica de Meira Penna ao Patrimonialismo.
A análise de Meira Penna acerca do Estado patrimonial inspirou-se, basicamente, na crítica de Alexis de Tocqueville (1805-1859) ao centralismo francês. Meira Penna, aliás, iniciava o seu livro O Dinossauro [1988] com a seguinte paráfrase, tirada de A Democracia na América [cit. por Meira Penna, in 1988: II]: "Sobre essa raça de homens opera um poder imenso e tutelar que se atribui a obrigação exclusiva de gratificá-los e presidir sobre seu destino. Esse poder é absoluto, minucioso, regular, providente e suave. Seria como uma autoridade de pai se, como essa autoridade, fosse seu propósito preparar os homens para a idade adulta; mas ele procura, ao contrário, mantê-los em perpétua infância: contenta-se em que o povo se divirta, contanto que não pense em outra coisa senão divertimento. Para sua felicidade tal governo trabalha com prazer, mas deseja ser o agente único e árbitro exclusivo dessa felicidade (...). Assim, cada dia torna menos útil e menos freqüente o exercício da livre capacidade do homem; circunscreve a vontade num âmbito cada vez mais estreito e gradualmente priva o homem de todos os usos que, de si mesmo, pode fazer. O princípio da igualdade preparou os homens para essas coisas, os predispôs para suportá-las e frequentemente para considerá-las como bens".
Não podia ser outra a fonte de inspiração do nosso autor na sua crítica ao patrimonialismo, levando em consideração que o seu livro O Dinossauro constituía, no sentir dele, "(...) a minha primeira contribuição para a Coleção do pensamento neoliberal ou liberal-conservador, que a Sociedade Tocqueville pretende editar" [Meira Penna, 1988: III, nota]. Lembremos que a mencionada Sociedade tinha sido criada em 1986, sob a inspiração de Meira Penna, por alguns intelectuais (entre os quais eu próprio me encontrava) do Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre e Santa Maria, com o propósito, como frisava a Carta de Princípios e Programa de Atuação [in Meira Penna, 1988: III], de "contribuir, pelo seu exemplo, no sentido de que as diversas correntes em que se divide a opinião nacional sejam levadas a explicitar corretamente os princípios em que se louvam", a fim de que fiquem claras as diferenças entre socialistas e liberais, no que se refere à construção do Estado. Este, pelos primeiros, sempre foi entendido como realidade mais forte do que a sociedade, enquanto para os segundos, deve estar a serviço dela. Segundo rezava mais adiante a Carta de Princípios da Sociedade Tocqueville, "a realidade do Estado patrimonial burocratizado configura ainda (...) o complexo de clã (Oliveira Vianna), em que predominam as funções afetivas e os critérios concretos de simpatia ou antipatia, no relacionamento pessoal privilegiado, em detrimento dos princípios abstratos de obediência à lei, de ordem, de responsabilidade e de justiça. Ainda existimos em berço esplêndido, sob a proteção do clã familiar. Quem não tem pai, padrinho ou patrono não tem vez. Só entramos parcialmente na Idade da Razão. A nossa modernização se processou a médias. O anacronismo e defasagem de nosso desenvolvimento cultural e mental é o que abre as portas à tentação totalitária".
A crítica de Meira Penna ao Estado patrimonial inseriu-se, portanto, nessa finalidade mais ampla (encampada pela Sociedade Tocqueville), de contribuir para o ingresso do Brasil na idade da razão. Segundo o nosso pensador, a sua primeira crítica ao Estado patrimonial data de 1972. A sua convicção viu-se reforçada pela débacle do estatismo na Europa e nos Estados Unidos, ao longo dos anos 80. "Universalmente, - frisava a respeito Meira Penna - o público descobriu, como uma revelação súbita, que a culpa dos nossos males atuais cabe ao Estado forte e açambarcador, ao Estado burocrático repressivo" [1988: 9].
Em que consiste a essência do Patrimonialismo? Meira Penna considerava que foi Max Weber (1864-1920) quem melhor a definiu. "Nesse sistema - frisava o nosso autor - poderes particulares e as vantagens econômicas correspondentes são apropriadas, isto é, tornam-se propriedade particular do Chefe. Weber discute com certo pormenor a maneira como se processa essa apropriação. Vemos, no caso do Brasil, que a descrição se enquadra com bastante exatidão no que ocorre em nosso regime clientelista (...)" [1988: 142].
Neste, segundo Meira Penna, consolida-se a confusão entre as esferas pública e privada. A respeito, frisava: "O coronelismo, o clientelismo, o compadrio, o empreguismo, esse emaranhado extremamente confuso de relacionamentos e obrigações personalistas, ao nível municipal, que se associam à estrutura patrimonial do país, consistem essencialmente no aproveitamento privado da coisa pública. O coronelismo representa a forma local de domínio personalista. O patrimônio privado é, ao mesmo tempo, o patrimônio público. A privatização concreta se traduz pela incapacidade de conceber o governo como oriundo de um pacto social abstrato em que, segundo Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o Estado utiliza as leis como instrumento de sua autoridade. Um antigo governador do Ceará, o ministro Parsifal Barroso (1913-1986), contou-me que, quando visitava uma aldeia do interior, a população acudia para recebê-lo, aos gritos de lá vem o governo: a pessoa do governador é confundida com o próprio governo, sem distinção entre o corpo concreto do homem e a idéia abstrata de uma instituição" [1988: 144].
Analisarei a crítica de Meira Penna ao Estado patrimonial, em seis itens: 1) Patrimonialismo, o mal latino; 2) Patrimonialismo e familismo clientelista; 3) Patrimonialismo e formalismo cartorial; 4) Patrimonialismo e estatismo burocrático; 5) Patrimonialismo e mercantilismo; 6) Patrimonialismo e corrupção. Concluirei mostrando quais são, do ponto de vista brasileiro e na perspectiva do nosso autor, as alternativas em face do Patrimonialismo.
1 - Patrimonialismo, o mal latino.
Para Meira Penna, o vício do Patrimonialismo não é apenas caraterística culturológica que acompanhou a formação do Estado no Brasil. É herança, também, dos povos latinos. Franceses, italianos, espanhóis, portugueses e latino-americanos em geral, consolidaram as suas instituições políticas de forma patrimonialista.
Em relação à França, o nosso autor alicerça-se diretamente na obra de Alexis de Tocqueville L'Ancien Régime et la Révolution (1856). Os franceses acostumaram-se a enxergar os seus chefes como tutores, após séculos de centralismo paternalista do Monarca sobre a nação.
A figura centralizadora e omnipresente de Jean-Baptiste Colbert (1619-1683), o todo-poderoso Ministro da Economia de Luís XIV (1638-1715) é, no contexto francês, o exemplo do superbarnabé que faria as delícias do cartorialismo lusitano rejuvenescido sob o Marquês de Pombal (1699-1782). A respeito desse arquétipo e dos nefastos efeitos da sua ação cartorial sobre a França, escreve Meira Penna: "(...) Colbert é uma espécie de primeiro modelo do superburocrata, (...) que tudo regulamentava, disciplinava, obstruía, ordenava, coibia com suas famosas Ordonnances. (...). A iniciativa privada era a priori suspeita”. A economia era desenhada geometricamente, à la française como os jardins, mas o resultado final é que em todos os terrenos a França começa a ficar para trás já a partir de 1800 [cf. Meira Penna, 1988: 229].
2 - Patrimonialismo e familismo clientelista.
Para Meira Penna, as sociedades estruturadas de forma patrimonialista são, antes de mais nada, organizações não puramente racionais, mas portadoras de uma racionalidade afetiva. O nosso autor alicerça em Max Weber (1864-1920) e Carl Gustav Jung (1875-1061) essa sua apreciação, destacando, de um lado, o distanciamento das organizações patrimoniais em relação ao puro modelo racional-legal weberiano, mas identificando nelas, ao mesmo tempo, uma modalidade especial de legitimação, alicerçada no sentimento [Meira Penna, 1988: 149-150]. O nosso autor define a sociedade legitimada pela racionalidade afetiva como Coisa Nossa ou Patota.
O vício do familismo clientelista é tão antigo quanto o Brasil. Estende-se por gerações e gerações, desde os tempos de Pero Vaz de Caminha (1450-1500) que pedia ao Monarca, na sua famosa carta, sinecuras para familiares. Meira Penna ilustrava essa tendência com muitos exemplos tirados da sua longa experiência no serviço público.
3 - Patrimonialismo e formalismo cartorial.
Alheia à racionalidade weberiana, a burocracia tupiniquim terminou se fossilizando num vácuo formalismo cartorial, que tudo paralisa e que inferniza a vida do cidadão comum. Se o monstro patrimonial é bonzinho com os seus, com o resto é autêntico ogre. O Estado Patrimonial, como aliás destacou acertadamente o Prêmio Nobel de Literatura, o mexicano Octavio Paz (1914-1998), é um ogre filantrópico [Paz, 1983], ou como se diz nestes tempos de máfias estatais, um ogre pilantrópico. Para Meira Penna, "O Brasil é o país das certidões, dos documentos carimbados com firma reconhecida, dos processos tão pesados e lentamente elaborados quanto o Antigo Testamento, das filas intermináveis no suplício medieval dos guichets (...)” [Meira Penna, 1988: 164-165].
4 - Patrimonialismo e estatismo burocrático.
A ausência de racionalidade fez com que a estrutura burocrática do Estado patrimonial brasileiro crescesse adiposamente, sem nenhuma preocupação de eficiência. O nosso autor ilustra de forma plástica esse mostrengo, que cresceu com o correr dos séculos como uma espécie de pirâmide inamovível, em cujo vértice repousam, inatingíveis, os nobres da nomenklatura, "duques e marqueses poderosos" servidos por um exército de intermediários, uma classe média visceral identificada com a "Maria Candelária", que vive sentada e fofoca durante o expediente e uma base ampla de ineficientes funcionários de baixo escalão, os contínuos.
Eis a fotografia de corpo inteiro do Leviatã brasileiro: "Monstro antediluviano, foi a burocracia brasileira erguida como instituição patrimonial com seus castelos, cercados de bastiões, fossos e pontes-levadiças. Neles habitam os grandes barões do Estado cartorial, a aristocracia soberba dos altos funcionários, duques e marqueses com sua enorme clientela de gordas escriturárias e magricelas serventes famintos, que suplementam o salário-mínimo com gorjetas e comissões" [Meira Penna, 1988: 188].
5 - Mercantilismo e patrimonialismo.
Como se financia o Dinossauro Patrimonialista? Certamente não mediante o empreendimento capitalista teorizado por Adam Smith (1723-1790) na sua clássica obra A Riqueza das Nações. O Patrimonialismo afina-se com uma concepção mercantilista das relações econômicas, que parte do pressuposto de que a riqueza já está feita e que o problema reside em como se apropriar dela, ou como realizar, segundo dizia Karl Marx (1818-1883), a "acumulação primitiva". A concepção macroeconômica de Adam Smith, segundo a qual a riqueza não precisa ser roubada de ninguém, porquanto pode ser produzida mediante o trabalho, arrepia o lombo do rebanho burocrático, que sente calafrios quando lhe mencionam a palavra tarefa ou produtividade. O mercantilismo, para Meira Penna, "(...) foi uma forma econômica que dominou a Europa, na fase preparatória da Revolução Industrial desencadeada pelo Capitalismo. Ele precede, portanto, o sistema de autoridade que Max Weber qualifica de racional-legal, correspondendo antes à fase final do modelo de autoridade dito tradicional patrimonialista" [Meira Penna, 1988: 140].
6 - Patrimonialismo e corrupção.
A soma dos fatores mercantilismo mais familismo produz um resultado concreto: a corrupção. Esta não é outra coisa do que a apropriação, pelos particulares, dos bens públicos, como se se tratasse de bens privados. Ora, essa é a essência do Patrimonialismo que constitui, portanto, uma fonte inesgotável de corrupção. O grande objetivo da burocracia é a privatização do orçamento em benefício próprio. É o fenômeno que Oliveira Vianna chamou de burocratismo orçamentívoro. Já frisava o professor Mário Henrique Simonsen (1935-1997), na sua obra Brasil, 2001, que o nosso país bateu todos os recordes de crescimento do setor burocrático estatal no Hemisfério Ocidental, ao longo do século passado.
7 - Alternativas ao Patrimonialismo.
Meira Penna encontra, na difusão das luzes da Razão no seio da sociedade brasileira, a solução para as contradições e irracionalidades ensejadas pela nossa tradição patrimonialista. Aquilo de que precisamos é, com dois séculos de atraso, da entrada definitiva do Brasil na Idade da Razão. É o que o nosso autor denomina de Revolução do Lógos. A respeito, escreve: "O de que precisamos, sem prejuízo da contribuição que sempre nos darão os que sentem, é uma Revolução do Lógos (do bom senso, do equilíbrio, da inteligência), coisas que são necessárias, embora difíceis de obter, pois sem elas o monstro burocrático obsoleto estará sempre crescendo desmesuradamente. É nesse ponto que se coloca uma das mais cruéis opções com que nos deparamos em nosso esforço de renovação e modernização, pois se não eliminarmos a mamãezada e substituirmos o paquiderme terciário por um organismo mais evoluído, serão vãs as nossas esperanças de desenvolvimento. A opção é essa. Só essa" [1988: 259].
A proposta de Meira Penna aponta para um processo educacional que modifique a mentalidade. Somente assim garantir-se-á uma solução de fundo ao problema do Estado Patrimonial, que repousa em hábitos administrativos sedimentados ao longo dos séculos. Trata-se de uma proposta de pedagogia social e política. “Não se trata tanto, a meu ver, de tomar esta ou aquela medida legal corretiva quanto de mudar a mentalidade. Algo que virá lentamente com a educação, com o esforço consciente do governo e com o próprio desenvolvimento. Uma sociedade liberal moralmente estruturada poderá superar o estágio da mamãezada patrimonialista. Mas não é o caso de debater os remédios. Todo mundo sabe quais são, sobretudo se pertence à própria classe(...)" [1988: 259].
Duas instituições o nosso autor enxerga para, a partir delas, deflagrar o amplo processo educativo de que o Brasil carece: uma Escola Nacional de Administração, destinada à formação da elite técnica civil de que o Estado carece e um Instituto Superior de Ciência Política, destinado à formação da nova classe política. Ambas as instituições foram inspiradas, ao nosso ver, na experiência que Meira Penna teve no Itamaraty como diplomático de carreira. O Instituto Rio Branco representa, na burocracia brasileira, o mais bem sucedido intento de escola de altos estudos para formação de pessoal técnico a serviço do Estado. Diríamos que é uma das instâncias profissionalizantes que mais se aproximam, na nossa sociedade, do ideal burocrático-racional weberiano.
BIBLIOGRAFIA
MEIRA PENNA, José Osvaldo de [1982]. O Evangelho segundo Marx. São Paulo: Convivio.
MEIRA PENNA, José Osvaldo de [1988]. O Dinossauro. Uma pesquisa sobre o Estado, o Patrimonialismo selvagem e a nova classe de intelectuais e burocratas. São Paulo; T. A. Queiroz.
MEIRA PENNA, José Osvaldo de [1991]. Opção preferencial pela riqueza. Rio de Janeiro: Instituto Liberal.
TOCQUEVILLE, Alexis de [1977]. A Democracia na América. (Tradução de Neil Ribeiro da Silva). 2a. edição. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp.
TOCQUEVILLE, Alexis de [1989]. O Antigo Regime e a Revolução. (Tradução de Y. Jean; apresentação de Z. Barbu; introdução de J. P. Mayer). 3a. edição. Brasília: Universidade de Brasília.
WEBER, Max [1944]. Economía y Sociedad. (Tradução ao espanhol a cargo de José Medina Echavarría et alii). 1ª edição em espanhol. México: Fondo de Cultura Económica, 4 volumes.