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Futuro da educação e futuros professores

Futuro da educação e futuros professores

O problema educacional de um país do tamanho do Brasil é imenso, e, em consequência, a forma de abordá-lo deve ser clara e viável. Acontece que, pela complexidade do tema e pelos vícios de abordagem, conseguimos dificultar mais as coisas em lugar de solucioná-las. Tudo, na seara da educação, foi ideologizado no Brasil ao longo dos últimos quinze anos, como se, da implantação de um vaporoso sistema político, surgissem, por arte de magia, todas as soluções. Vamos deixar arroubos ideológicos de lado. Debrucemo-nos corajosamente sobre o problema e tentemos equacioná-lo. Arregaçar as mangas: é isso que se torna impostergável. Primeiro passo: escutar a voz daqueles que estudam o problema educacional em profundidade. Felizmente, temos, no Brasil, especialistas de qualidade. Quando da minha passagem pelo MEC, fiz questão de convida-los para falar comigo. Era o primeiro passo para elaborar soluções originais e com pé no chão.

Alicerço-me, para este post, em artigo de um deles, o professor João Batista Araújo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto em Belo Horizonte. O artigo, intitulado: "O futuro da educação e os futuros professores" foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo (6 de outubro, p. A2). Nele, o professor João Batista faz uma rápida síntese do que é essencial, hoje, na problemática da formação de professores, partindo da realidade concreta que o universo educacional apresenta.  

Segundo João Batista, assistimos a uma complexa situação, cujos principais elementos são quatro: 

1 - Os dados demográficos. O problema, neste item, é apresentado assim: "Nas próximas décadas teremos redução dos nascimentos. Em 40 anos passaremos de 3 milhões para 2 milhões de crianças para cada série escolar. Vamos precisar de menos escolas, menos salas de aula, menos professores". 

2 - O universo dos professores. A questão é sintetizada da seguinte forma: "Nos próximos 12 anos cerca de 60% dos atuais professores poderão aposentar-se. Oportunidade ímpar para mudar o perfil do plantel". 

3 - O universo dos sistemas de ensino. A problemática, neste item, é assim resumida pelo professor João Batista: "Nos últimos 20 anos, os sistemas de ensino têm contratado entre 30 mil e 50 mil professores por ano. E temos 1,5 milhão de alunos em cursos de formação de professores, dos quais cerca de 240 mil se formam a cada ano. Oportunidade ímpar para reduzir e calibrar a demanda". 

4 - Os cursos de formação de professores. A realidade que não podemos negar é que, na atualidade, tais cursos não conseguem atrair alunos com preparo adequado. A situação é assim resumida pelo professor João Batista: "Nos últimos 20 anos sabemos que os alunos que procuram cursos de formação de professores obtêm, em média, 500 pontos no ENEM, que é a nota média do exame. Portanto, metade deles se encontra abaixo dessa média. Para entrar num curso competitivo de qualquer universidade pública é preciso ter 700 pontos, ou mais. Ou seja, os cursos de formação de professores não conseguem atrair alunos com preparo adequado. Não seria difícil recrutar anualmente 30 mil a 40 mil jovens com esse perfil para o magistério".  

Para responder aos reptos presentes nos quatro pontos mencionados, João Batista propõe uma saída concreta:  

Criar novas e atraentes carreiras para jovens recém-formados ou para profissionais já formados em outras áreas. Isso não passa necessariamente pela criação de mestrados ou doutorados sem nexo com o que é ensinado em sala de aula. Devemos seguir o exemplo daqueles países que deram certo em matéria de educação básica e fundamental. A realidade mostra que não há um modelo único.  

Um modelo único: essa é, justamente, a nossa principal falha, ao insistirmos na aplicação monocórdia de Diretrizes Nacionais Curriculares que são bastante vagas e que estarão presentes em mais uma "Resolução do Conselho Nacional de Educação". O professor João Batista alerta que, ao ensejo do debate da minuta a respeito das Diretrizes Curriculares Nacionais, o Conselho "vai receber sugestões, promover ruidosas e inócuas audiências públicas e baixar mais uma resolução". Os burocratas poderão lavar as mãos, dizendo que o Colegiado já deu a solução. Mas a realidade é que, pelo caminho do cartório, ficaremos patinando no mesmo lugar, sem equacionarmos coisa nenhuma. "O filme é antigo, adverte João Batista. Mas o cenário mudou e a realidade pode ser inócua". 

O professor destaca que, na maioria dos países que acertaram nas políticas de formação de mestres para o ensino básico e fundamental, as pessoas primeiro recebem formação em algum curso superior e somente, depois, vão receber treinamento específico, no caso de que queiram se dedicar ao magistério. Ora, frisa João Batista, "bons professores aprenderam a lecionar em escolas onde o ensino é bom, e eles são supervisionados por professores experientes e treinados na arte de dar feedback e de desenvolver pessoas. Em geral, parte desse treino inclui uma reflexão conceitual sobre a prática, frequentemente realizada em intercâmbios com instituições de formação. Só depois disso são efetivados, mas o rodízio é grande, pois não é fácil ser - e continuar a ser - um bom professor". 

A seguir, o professor propõe um roteiro e algumas etapas estratégicas para torná-lo realizável. 

Trata-se de um roteiro com chances de dar certo. Eis a descrição do mesmo: "O ponto de partida seria criar novas carreiras e atrair para elas pessoas com o perfil adequado. O segundo passo seria experimentar com diferentes formas de treinamento supervisionado em serviço". O autor destaca que a experimentação é essencial, porquanto "não dispomos nem de experiência nem de grande contingente de professores experientes e habilitados para essa função. Mas sabemos o que precisa ser feito. A oportunidade é ímpar: a demanda será modesta nos próximos anos. Se houver vontade de aprender e avançar aos poucos, em vez de querer regular tudo a priori, o tempo está a nosso favor". 

Para completar o roteiro, seria necessário percorrer três etapas estratégicas, a fim de implementar esse plano. Primeira: "Elevar a barreira de entrada. Os futuros professores deveriam ser recrutados entre os melhores de sua geração, entre alunos com desempenho mínimo próximo a 700 pontos no ENEM. Sem isso nunca teremos professores de qualidade, qualquer que seja o processo de formação". 

Segunda:"Estabelecer como exigência fundamental que os futuros professores conheçam a fundo os conteúdos do que vão ensinar".  

Terceira: "Exigir estágios probatórios em escolas que funcionam bem, sob supervisão adequada. Nada disso precisa de resolução formal. Nada disso deveria ser função de um Conselho Nacional de Educação. Depende apenas de regras e incentivos. Há somente um entrave, que consiste nas regras que permitiriam, aos atuais docentes, migrar para essas novas carreiras. Seria preciso alterar a legislação federal para exigir dos atuais docentes a mesma qualificação". 

O que o professor João Batista propõe não é nenhuma coisa extraterrestre. Basta a vontade política de partir para, corajosamente, inovar na formação de professores, não repetindo cacoetes do passado, mas criando algo radicalmente novo. Não será, a meu ver, uma coisa que não tenha nada a ver com a nossa história educacional. Tratar-se-ia de criar em cima da antiga tradição das Escolas Normais, que formaram gerações de docentes que deram certo. Claro que os tempos são outros. Mas convenhamos que o Brasil já teve iniciativas eficazes que infelizmente foram abandonadas. 

O professor João Batista encerra o seu artigo com uma ponta de pessimismo, ao afirmar que "(...) ao que tudo indica, teremos mais do mesmo. A minuta de resolução do Conselho Nacional de Educação segue a tradição: começa citando mais de dez leis e decretos, além de uma infinidade de resoluções. Seguem-se 13 'considerandos' e nenhum deles aborda a calamidade em que nos encontramos nem a trágica experiência que caracteriza o setor. E há as incontáveis minúcias de como deve ser feito algo que não temos boa tradição em fazer: recrutar, formar e manter bons professores. O texto define o que é docência, diz para que serve a formação, define educação, trata de princípios de formação, detalha como as instituições formadoras devem trabalhar, exige que estas articulem pesquisa, ensino e extensão, e por aí vai, num infindável rosário de exigências formais e desnecessárias". 

O professor João Batista conclui o seu brilhante artigo com as seguintes palavras: "Transformar a docência numa carreira atraente não precisa de mais uma 'Resolução' desse tipo. Precisa apenas de resolução com r minúsculo, além de compromisso e vontade de transformar a educação".