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FESTAS DE VERÃO E VOLTA AO BATENTE

FESTAS DE VERÃO E VOLTA AO BATENTE

FAMÍLIA NA PRAIA DE GUARATUBA - JANEIRO 2022

Chutei o pau da barraca e passei boa parte do mês de janeiro na praia. Deixei o computador de lado, fechei a biblioteca, as minhas duas gatas foram para a casa da cuidadora e me mandei com a família para a ensolarada praia de Guaratuba, no litoral paranaense. É uma praia bonita, bem cuidada, com serviço muito eficiente de guarda-vidas prestado pelo Corpo de Bombeiros, embora a água não seja quentinha como a do Caribe colombiano. Mas já seria pedir demais pretender juntar todas as coisas boas numa praia só. 

Adorei, sobretudo, ver a festa do meu filho Pedrinho saltando feito cabritinho para encarar as ondas, na companhia dos seus vós. Eu, a Paula e a sobrinha Sophia ficamos observando a beleza do litoral, passeando pela areia, jogando conversa fora e tomando aquele sol gostoso. Fiz questão de não ler jornais nem assistir a noticiários. As redes sociais também entraram de férias junto comigo. E, eis-me aqui, finalizado o mês de janeiro, lendo os jornais atrasados e pescando dos noticiários aquelas coisas que mais me chamaram a atenção.

Resgato dos jornais quatro textos que achei bem interessantes para ir acordando da festança: 1 - “Tempo de Festas”, do conhecido antropólogo e scholar Roberto DaMatta [Estadão, São Paulo, 29-12-2021, p. C3], 2 - “Instabilidade persiste em 2022”, da jornalista Maria Clara do Prado [Valor, Rio de Janeiro, 11-01-2022, p. A9], 3 - “Brasileiro confia pouco nas pessoas e isso freia avanços”, da jornalista Lorenna Rodrigues [Estadão, 13-01-2022] e 4 - “Por uma política para Ciência e Tecnologia”, do físico nuclear, presidente do Conselho de Administração do Centro de Pesquisas em Energias e Materiais - CNPEM e professor emérito da UNICAMP, Rogério Cezar de Cerqueira Leite ["Por uma política para ciência e tecnologia", Valor, Rio de Janeiro, 11/01/2022]. Analisarei brevemente os quatro textos escolhidos. 

1 – Tempo de Festas. 

Gosto das abordagens antropológicas do mestre Roberto DaMatta porque mandam às favas as matrizes ideológicas e se voltam para os parâmetros da vida cotidiana e das emoções, que comandam o comportamento humano. Pela sua proximidade incondicional com a vida, os textos de DaMatta são vivos e inteligentes. Dele diria o que Gilles Lipovestki, o filósofo francés de origem polonesa, dizia acerca dos clássicos da sociologia: “abandonei Marx e adotei Tocqueville”. Porque Marx é muito chato, mata a vida nas dobras da sua dialética da luta de classes e a emoção vai embora. Algo semelhante eu concluíra após ser obrigado pelo meu orientador, Antônio Paim, a ler os clássicos do Liberalismo, no Mestrado que fiz na PUC do Rio nos anos 70, quando conclui: “larguei o marxismo e aderi ao liberalismo conservador de Tocqueville”. 

Ora, DaMatta resgata nos seus textos a incansável busca da liberdade e da felicidade pelos seres humanos de carne e osso. No artigo intitulado: “Tempo de Festas”, escreve: “A maioria não tem lembrança da doação de Cristo, nascendo nesse vale de lágrimas”. Algo semelhante ao que Tocqueville confessava em A Democracia na América [Belo Horizonte: Itatiaia / São Paulo: EDUSP, 1977, 2ª ed., p. 329], ao escrever: “Todos os grandes escritores da Antiguidade faziam parte da aristocracia dos senhores, ou pelo menos viam essa aristocracia estabelecida sem contestação ante os seus olhos; o seu espírito, depois de se haver estendido por vários lados, achou-se, pois, limitado por aquela e foi preciso que Jesus Cristo viesse à terra para fazer compreender que todos os membros da espécie humana eram naturalmente semelhantes e iguais”.

Mestre DaMatta conclui no seu artigo: “Todo presentear enfeixa a grande mensagem de um Cristo-Salvador que sugere sair dos liames particularistas da tribo para a solidariedade universalista do mundo. Um mundo no qual todos somos mais irmãos do que habitantes. Nesta fraternidade estaria o tão difícil ‘amar ao próximo como a si mesmo’. Comemorar o Natal é dar o presente que nos torna presente no outro – amigo ou desconhecido -, com cuja filha nos casamos, retribuindo os afins com os netinhos que são a mais bela síntese humana: a ilusão concreta e grandiosa de que seremos salvos. De que jamais iremos morrer porque de cada um de nós haverá essa lembrança que liga o mundo dos vivos e o dos mortos: o amor que na breve lembrança trará de volta um pouco do que fomos”.

2 – Instabilidade persiste em 2022.

As análises da economia feitas por mulheres têm, geralmente, o bom senso do que é a economia na sua origem: “A Lei da Casa” (com os termos provenientes das duas raízes gregas: oikós = casa e nómos = lei). Os homens somos, via de regra, gastadores irresponsáveis e as mulheres, poupadoras ou “econômicas” (com a honrosa exceção de sempre, que confirma a regra, das “belas gastadoras”).

A jornalista Maria Clara do Prado considera que, do ângulo econômico, o novo ano caracteriza-se pela “instabilidade persistente”, que decorre dos fenômenos da pandemia e das acomodações que necessariamente realizaram as economias nacionais pelo mundo afora. Esta é uma constatação chancelada pelas fundamentadas pesquisas feitas pela empresa inglesa IHS Markit, que antecipa como será o comportamento econômico pelo mundo afora, com índices obtidos a partir de dados prestados por executivos de empresas privadas em mais de 40 países.

No seu último relatório intitulado: “Purchasing Managers Index” (PMI, ou “Índice de Compras dos Gerentes”), o setor financeiro passou à primeira posição no ranking da produção global, seguido pelos cuidados com a saúde e pelo setor de bens de consumo, ficando, em último lugar, o setor de serviços. 

Isso indica que, para uma economia como a brasileira, em que a prestação de serviços é o setor que mais emprega, as perspectivas não são muito alvissareiras em termos de diminuição do desemprego. Essa situação é acompanhada pelo “resultado negativo entre entradas e saídas de capital estrangeiro nos países periféricos”. Este fato condiciona o aumento da taxa de câmbio, e alimenta, nos Estados Unidos, “expectativas para uma inflação mais rápida” e a consequente “aceleração de aumento da taxa de juros”, conduzindo a uma situação nada boa para o Brasil, consistente no fenômeno da “depreciação da moeda nos países emergentes”. Maria Clara frisa: “As Economias Emergentes devem preparar-se para o aperto da política do Fed”.

Duas conclusões da articulista, uma boa e outra ruim. Comecemos pela segunda. “Do ponto de vista político, destaca Maria Clara, o cenário não é nada alentador para quem está a cargo da chefia dos governos, em especial em ano eleitoral. Desde o Plano Cruzado, os brasileiros aprenderam a valorar a estabilidade como um bem maior a ser preservado. O pior inimigo de Bolsonaro nas eleições deste ano será sem dúvida a inflação que, na conjuntura vigente, se junta às sandices relacionadas à pandemia”.

A conclusão positiva de Maria Clara é a seguinte: “A nível global é possível vislumbrar uma luz no fin do túnel. Boa parte dos economistas prevê que até meados deste ano as cadeias de fornecimento terão voltado ao fluxo normal. O segundo semestre de 2022 marcaria a retomada de um processo contínuo de recuperação econômica, em quadro de queda da inflação. Isso, obviamente, se nenhuma nova variante da Covid-19 aparecer para embaralhar as perspectivas”. 

3 - Brasileiro confia pouco nas pessoas e isso freia avanços.

O ambiente econômico, frisava o político e pensador francês Alain Peyreffitte, é uma “sociedade de confiança”. Segundo o artigo da jornalista Lorena Rodrigues, pesquisa realizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, divulgada pelo Estadão/Broadcast - concluiu que “o Brasil está na lanterna de nações do continente em que os cidadãos têm mais confiança nos outros”. A respeito, frisa a jornalista: “Brasileiros e latino-americanos confiam menos nas pessoas do que o restante do mundo, e isso está contribuindo para o baixo desenvolvimento econômico e social da região”. 

Esse fenômeno já tinha sido ressaltado pela Literatura (nas suas expressões do romance e da ensaística). O prêmio Nobel de literatura, o escritor mexicano Octavio Paz, por exemplo, no seu ensaio intitulado: El ogro filantrópico [1ª edição. Barcelona: Seix Barral, 1983], aponta que os mexicanos, após séculos de exploração pelas corruptas elites, só mantêm duas crenças inabaláveis: Nossa Senhora de Guadalupe e a Loteria Nacional. 

Algo semelhante poder-se-ia dizer dos brasileiros, vítimas, após séculos de espoliações pelo Estado Patrimonial, essencialmente orçamentívoro e corrupto, como concluem, por caminhos diversos, os ensaístas Francisco José de Oliveira Vianna em Instituições políticas brasileiras – O povo e o governo (1949), Raymundo Faoro em Os donos do poder – Formação do patronato político brasileiro (1958), Meira Penna em O dinossauro (1987) e Antônio Paim em A querela do estatismo (1978). O mal não seria apenas dos latino-americanos, e já estaria presente arquetipicamente na ensaística portuguesa e espanhola. O clientelismo e o patotismo foram denunciados, efetivamente, como males ancestrais dos espanhóis (pelo pensador Ortega y Gasset em España invertebrada) e dos portugueses (pelo escritor lisboeta Fidelino de Figueiredo na sua obra: As duas Espanhas).

Como superar essa situação cultural em que uns desconfiam dos outros? Segundo o estudo mencionado, seria necessário que se formulassem políticas públicas que garantissem uma autêntica educação para a cidadania, a fim de que os cidadãos descobrissem a importância dos elos de solidariedade e confiança. É necessário – frisa a conclusão do estudo – que os governos invistam em órgãos reguladores de alta qualidade, além de educar melhor os cidadãos para lhes fornecer condições necessárias que permitam detectar e evitar “comportamentos não confiáveis”. “Os governos – continúa a conclusão do BID – também precisam reduzir as assimetrias de poder, aumentando a prestação de contas e fortalecendo instituições de controle externas, para que os cidadãos e empresas sintam que podem confiar nessas instituições quando forem desrespeitados por governos, empresas ou outros cidadãos”. Entre as sugestões aparecem, ainda, estas recomendações: maior transparência no orçamento público e na regulação, fortalecer os partidos políticos, as eleições e a participação da sociedade civil.

As três conclusões que a jornalista Lorenna Rodrigues tira, brilhantemente, no final do seu artigo, são, no entanto, bastante negativas. Menciono-as: 1 – “O descrédito na América Latina não é maior apenas nas outras pessoas, mas também em governos e instituições. O estudo do BID mostra que somente 29% dos latino-americanos têm confiança no governo, ante 44% no mundo todo e 38% nos países ricos. Os dados segmentados não foram detalhados por país”. 2 – “A região tem, também, menor segurança em instituições, como o sistema judicial e nos militares e nas eleições”. 3 – “A fé no estado de direito é tida por 44,8% dos latino-americanos, ante 50,8% no mundo todo e 86,12% na OCDE”. 3- “O estudo mostra ainda que a menor confiança está relacionada a democracias mais frágeis, menos inovação e disposição a riscos. Além disso nos países com maior descrédito há mais informalidade no mercado de trabalho, maior ineficiência nos mercados financeiros, políticas anticrime menos eficazes. Também há menos demandas por bens e investimentos públicos”.

O caso brasileiro – e este é o meu ponto de vista – é, hoje, grave, com a mais alta corte da justiça anulando os processos judiciais que transitaram de acordo a todas as disposições legais, e colocando na rua as duas figuras mais importantes da organização criminosa que saqueou o país e quase faz quebrar a Petrobrás, nas operações mafiosas conhecidas como “Mensalão” e “Petrolão”. A sociedade está perplexa com os rumos tomados pelo Supremo Tribunal Federal, ao desmontar a Operação Lava-Jato, que contava com o apoio tanto da opinião pública e da imprensa, como da própria Magistratura, que nos Tribunais Superiores não somente confirmou mas agravou a sentença proferida pelo Juiz competente contra o principal dos acusados. Destaque-se que a Operação Lava-Jato foi altamente elogiada no mundo inteiro pela imprensa, pelas organizações sociais e em foros internacionais como as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos.

4 - Por uma política para Ciência e Tecnologia.

As Universidades públicas brasileiras são obsoletas e improdutivas. Quem afirma isso não é uma pessoa que desconheça o mundo universitário, muito menos um inimigo das nossas Universidades. O físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite é professor emérito da UNICAMP e presidente do Conselho de Administração do Centro de Pesquisas em Energias e Materiais – CNEPEM. Cerqueira Leite critica não somente o corporativismo das Universidades públicas, como também a estabilidade de docentes, não meritocrática mas apenas corporativista. 

A respeito, afirma: “O Brasil insiste em recusar os exemplos bem sucedidos de outros países. Em nenhum país desenvolvido reitores e diretores de universidades são escolhidos pela corporação interna por sufrágio universal. Não conheço exemplo de universidade de sucesso que tenha Conselho Universitário tão volumoso e constituído, exclusivamente ou quase, por membros da corporação interna. As universidades brasileiras teriam muito a ganhar com a estabilidade somente adquirida para professores titulares. O atual sistema de progresso na carreira por concursos é obsoleto. Não é preciso dizer que essas mudanças encontrarão grande resistência. E que, portanto, deverão ser feitas com apoio de membros da academia, e paulatinamente”.

As Universidades públicas existem, frisa o professor Cerqueira Leite, porque a sociedade vê a necessidade das mesmas, a fim de preparar os seus cientistas e professores, “para a sua própria sobrevivência”. Ora, o arrazoado dos populistas que tomaram conta das Universidades decorre de uma deformação do raciocínio, expressa da seguinte forma: “como os governantes no Brasil não estão amadurecidos para tomar decisões sobre a gestão da universidade, propõe-se (a) autonomia absoluta das universidades públicas”. Isso, frisa o professor e cientista, é uma “usurpação dos direitos do povo”, alicerçada numa figura retórica, impedindo uma “relação saudável entre governo e universidade”.

Qual seria a solução para esse descalabro? Esta é a proposta do ilustre pesquisador: “Uma solução razoável para esse dilema foi encontrada pelas Organizações Sociais. Um terço dos representantes do conselho máximo dessas instituições é escolhido pelo governo, um terço pela sociedade civil através das suas instituições representativas e o último terço pelo próprio conselho”. Para Cerqueira Leite, os Conselhos universitários “à semelhança do Congresso brasileiro, legislam em causa própria”. Mas a crítica do cientista não é destrutiva. “Que fique claro, entretanto, - frisa o pesquisador – que esta proposta de mudança da gestão das universidades e instituições de pesquisas não é um ataque a essas instituições, mas antes uma tentativa de esclarecer as suas deficiências e aumentar sua produtividade, para bem do Brasil”.

Os institutos de pesquisas no Brasil têm um comportamento “sui generis”, frisa o pesquisador. “Começam bem e acabam na obsolescência. Um exemplo magnífico de resistência foi dado pelo IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), que recusou os benefícios da estabilidade tornando-se uma organização social. O Brasil não deve criar novas instituições de pesquisas senão na forma de organização social, fórmula em que não há estabilidade (estabilidade atrai aqueles que não têm confiança em sua própria competência). E promover a transformação de suas decadentes instituições de pesquisas em organizações sociais, a exemplo do que fez o IMPA”.

No sentir de Cerqueira Leite, a criação de centros de pesquisa deve evitar outro vício: o distributivismo. Na área nuclear, por exemplo, o Brasil possui várias instituições distribuídas “democraticamente”, seguindo a vontade dos políticos. Ora, frisa o cientista, “se (o Brasil) tivesse concentrado seus investimentos em uma única entidade, nós teríamos hoje alguma competência em pesquisa e tecnologia nucleares”. 

E alerta: “É preciso resistir a forças políticas que lutam para levar novas instituições de pesquisas e faculdades para seus nichos eleitorais. A concentração de conhecimento permite uma troca constante de informações que são essenciais para a pesquisa e a inovação. O argumento recente de que a comunicação eletrônica hoje substitui a necessidade de convivência é falso. É como fazer sexo por Whattsapp e esperar que nasça um filhote. É preciso incentivar empresas nascentes de base tecnológica a se aproximarem física e tecnologicamente a universidades e instituições de pesquisas. Um meio de conseguir esta aproximação é criar incubadoras nessas instituições. Essa é uma ideia antiga e parcialmente acolhida no Brasil, mas sem apoio substancial de governos”.

Cerqueira Leite aponta para outra necessidade essencial: devem ser escolhidos projetos realistas. “É preciso – frisa – examinar a possibilidade de resultados positivos mesmo que se trate de ciência pura, mas essencialmente para pesquisa aplicada. (...). É preciso concentrar esforços nas áreas essenciais para o futuro do Brasil. (...). E aqui será necessária muita vontade política para resistir às forças que propõem o distributivismo”.

Cerqueira Leite conclui assim o seu artigo, fazendo uma crítica ao atual governo, mas criticando, basicamente, o secular corporativismo brasileiro: “Não é um Bolsonaro da vida que derrotará a ciência no Brasil, nem o negativismo de seus capangas, mas sim o corporativismo de pesquisadores e a conivência de autoridades responsáveis”.