Desejo aos meus leitores tudo de bom neste final de ano. Ao fazê-lo, não pretendo fantasiar a realidade como se tudo fosse cor de rosa. Sabemos que vivemos tempos difíceis. Mas, por desafiadoras que sejam as dificuldades que enfrentamos, sabemos, de outro lado, que há alternativas praticáveis para os desafios que as circunstâncias nos colocam. “Eu sou eu e as minhas circunstâncias – escrevia o filósofo José Ortega y Gasset – e se não as salvo, não me salvo eu”. São difíceis, sim, as circunstâncias que enfrentamos neste milênio, não circunscritas apenas ao Brasil. São dificuldades globais, pois mundiais são as circunstâncias que a civilização tecnológica, na era das redes, nos coloca. Não podemos nos abstrair do que acontece no resto do mundo. A pandemia é uma clara manifestação dessa nossa circunstância global. Precisamos salvar a nossa existência nas atuais circunstâncias. Para isso contamos com o uso da razão e com o diálogo com os nossos semelhantes.
Concordo com a visão de moderado otimismo do general Sergio Etchegoyen, ao ensejo do fim do ano, no seu artigo intitulado: “Feliz 2022!”. “Após sobreviver a tantas ´vésperas do fim do mundo’ – frisa o general -, terminei por aprender que a vocação brasileira para gerar crises só é menor do que a capacidade de superá-las. A idade e as oportunidades que a vida me proporcionou, fizeram-me testemunha de inúmeras crises, com variadas naturezas e intensidades. (...). O Brasil sobreviveu e saiu maior de todos os maus momentos até aqui, mas jamais experimentamos algo da gravidade da deterioração do Poder Judiciário incentivada por integrantes da Suprema Corte que se atribuem ilegítimo poder moderador, usurpam a competência constitucional de fiscalizar o Executivo que cabe ao Legislativo, assumem funções policiais e do Ministério Público e saem a manifestar-se fora dos autos. A continuar assim, o Judiciário corre o risco de transformar-se em um ‘paraíso moral’, onde tudo pode, com seus antológicos bate-bocas transmitidos ao vivo pela TV Justiça, os injustificáveis benefícios salariais autoconcedidos, a extensão dos recessos e a lentidão proverbial com que cuida do interesse dos outros”.
Diante desses desafios e para contornarmos o risco de uma ruptura institucional, devemos fazer uso da razão e do diálogo. Uso da razão que deve ser sistemático e não apenas ocasional. Esse uso da razão passa pelo esforço, na área de conhecimento de cada um, para imaginarmos melhores circunstâncias institucionais, que possibilitem um convívio civilizado com os nossos semelhantes. A reflexão, aliás, deve ir acompanhada de outra característica: a universalidade. Não podemos restringir as nossas trocas de ideias apenas aos que pensam como nós. Precisamos abrir o leque do nosso diálogo a todos os quadrantes, incluída a oposição. Tendo assumido as rédeas do poder, em 2019, um novo governo com características liberal-conservadoras, esperávamos que a partir daí – e por iniciativa dos líderes, a começar pelo Presidente da República – surgisse uma tentativa sistemática de diálogo com todos os atores políticos, não importando o quadrante ideológico em que se situassem.
No novo governo havia uma missão clara: pacificar o país e partir para estabelecer metas de governo que sinalizassem o caminho a ser percorrido por todos os brasileiros. Um governo em constante diálogo com todos os segmentos da nossa sociedade que, resgatando valores esquecidos como as ancestrais crenças na família e nas nossas tradições conservadoras, nos possibilitasse encontrarmos o caminho a ser percorrido. É bem verdade que houve uma oposição ríspida e sistemática dos que não ganharam as eleições, em face dos novos tempos. Faltou aos perdedores nas eleições a humildade de deixarem para lá as mágoas do passado e partirem, de peito aberto, para a renovação das nossas instituições. A grande mídia, de outro lado, não cumpriu o seu papel como era esperado. Muitos jornais parapeitaram-se numa oposição sistemática ao atual governo, como se de um inimigo se tratasse.
Ouvi do Presidente Bolsonaro, nos primeiros dias do seu mandato, que ele pretendia pacificar o país e entrega-lo funcionando normalmente ao seu sucessor quatro anos depois, sem pretender a reeleição. Fiquei realmente impressionado com esse propósito, eminentemente patriótico. Mas as coisas, nos meses subsequentes, foram evoluindo de forma diferente. O primeiro mandatário, estimulado por conselheiros ambiciosos, passou a pensar na reeleição. E aí os novos tempos começaram a virar repetição de brigas do passado. A prometida pacificação não aconteceu. E ficamos reféns do oposicionismo cego e das respostas agressivas aos ataques gratuitos e continuados. Eu próprio senti no MEC esse clima de confronto, em que entrou, como um dos convidados abusivos dos novos tempos, a guerra ideológica alicerçada no inescrupuloso uso dos big data por parte da militância devidamente aparelhada. Militância da oposição, já treinada na arte de “assassinato de reputações” dos governos passados. Militância da situação, que utilizava métodos semelhantes multiplicados pela tecnologia dos big data, da parte dos ativistas que defendiam o governo.
A respeito desses embates e da necessidade de prosseguirmos a caminhada, o general Etchegoyen lembrava que “o amadurecimento institucional é um processo de aprendizado, do tipo tentativa e erro, e temos avançado muito mais do que se poderia imaginar. (...). Seguiremos superando os obstáculos no caminho da prosperidade. Depende unicamente de nós”.
O meu amigo Ubiratan Iorio, no seu artigo intitulado: “A Economia na balança” (Revista Oeste) frisa a respeito das circunstâncias vividas: “O que se viu no plano político no ano que se despede foi um jogo viciado e cada vez mais desigual, de três contra um: de um lado, (a) não poucos congressistas, com destaque para os presidentes das duas Casas e para uma oposição especializada em sabotagens — como a de ir chorar quase diariamente no tapetão do STF —, bloquearem pautas e tumultuarem votações; (b) os semideuses de toga prejudicando a segurança jurídica com seus narizes abelhudos; e (c) a velha imprensa saudosa de mesadas oficiais. E, do outro, acuado por um bombardeio incessante, o governo federal, ou, melhor dizendo, a sua ala não política, uma vez que setores da chamada ala política, devido ao manicômio partidário da nossa república, algumas vezes parecem jogar no time adversário”.
Mas as coisas não estão perdidas e podemos nos erguer no ano que se inicia, a fim de caminharmos com segurança na renovação das nossas instituições republicanas. “Neste balanço de fim de ano – frisa Ubiratan Iorio - não devemos nos limitar à conhecida análise de ascensorista, em que se lista cansativamente o sobe e desce dos indicadores econômicos, mas enfatizar que há razões sólidas para otimismo, além da mencionada resistência histórica da economia a chuvas e trovoadas. Refiro-me à consolidação fiscal e à evolução na composição dos investimentos, que vem sendo promovida silenciosamente, cujo efeito é aumentar a sua qualidade e, portanto, a sua produtividade.(...). Dentre as boas providências, destacam-se: a revisão do contrato de cessão onerosa, que tornou possível o maior leilão de petróleo do mundo; a modernização das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho; a maior reforma estrutural do FGTS da história; o novo cadastro positivo e medidas para ampliar o crédito e fomentar inovações; a nova lei do agro; a lei de liberdade econômica, que está trazendo melhorias substanciais ao ambiente de negócios; as novas leis de falências e de licitações; a redução dos custos para o crédito imobiliário; as novas regras (marcos) para saneamento, gás, agências reguladoras, ferrovias, navegação de cabotagem e cambial; a autonomia do Banco Central; o marco das startups; as concessões de portos, aeroportos, estradas e de abertura de ferrovias”.
Além dessas realizações, temos outros sinalizadores positivos no terreno econômico “Trata-se – frisa Ubiratan Iorio - do aumento na taxa de poupança e da mudança qualitativa na composição dos investimentos, com menor participação do Estado e maior do setor privado (em termos técnicos, um crowding out às avessas, ‘do bem’). Ambos são fundamentais. O primeiro porque, ao fim e ao cabo, a formação de poupança, e somente ela, é que sustenta os investimentos no longo prazo; o segundo, porque gera enormes ganhos de produtividade e, portanto, crescimento autossustentado. Em suma, a política econômica do governo está correta e é uma pena que esteja enfrentando tantos adversários em um jogo bastante viciado. Há motivos para esperança, mas haveria bem mais se a politicagem crônica deixasse de obstruir as reformas estruturais imprescindíveis que o povo endossou em 2018 e que, ao que parece, vão ficar para um eventual segundo mandato”.
O pré-candidato pelo partido Podemos, Sérgio Moro, por sua vez, na mensagem de fim de ano, disse: “2021 chega ao final. Um ano triste pela pandemia, pelo desemprego, pela fome e agora pelas enchentes. 2022 será um ano de escolhas. Não vamos deixar ninguém destruir ou roubar o Brasil dos nossos sonhos. Este é o nosso País. Um Brasil que quer a honestidade. Um Brasil que quer a verdade. Um Brasil que quer soluções e não brigas. Estarei com vocês em 2022. Vamos ter um Brasil do jeito certo. Vamos fazer isso juntos”.
O jornalista Alberto Bombig [O Estado de S. Paulo, Coluna Estadão, 28 de dezembro de 2021, p. A2] escreveu: “Em conversa com empresários do grupo Personalidades em Foco, Sérgio Moro disse que, se eleito presidente, não será um ‘anjo vingador’ contra políticos, mas falou em ‘movimento de anulação de condenações que gera descrédito, ruim para as instituições. Nesse último ponto, o ex-juiz respondia a questionamentos sobre o STF. ‘Compartilho dessa crítica, respondeu Moro, com a ressalva de que sou institucional. O remédio para isso são mudanças e reformas que melhorem nossas instituições. O mero ataque e o desrespeito não é algo que constrói. É preciso pensar em reformas institucionais do STF. Transformá-lo num tribunal constitucional e pensar em mandato para os ministros (...). Há hoje uma excessiva verticalização, tudo pode chegar ao Supremo. Precisa resolver as coisas em primeira e segunda instâncias’, disse”.
Moro aposta na articulação política feita ainda na pré-campanha como caminho para aprovar reformas e medidas imediatas: fim da reeleição e do foro privilegiado logo no início de um eventual mandato. A respeito disse: “A dificuldade é fazer a demanda por reformas essenciais vencer os interesses setoriais e corporativos”. O pré-candidato foi questionado sobre como conquistar apoio prévio da classe política equilibrando seu discurso anticorrupção, tido como ‘ameaçador’ à categoria. “O que queremos – respondeu o candidato - é fortalecer nossas instituições. Quando fui ministro, conversei muito, mas fui sabotado. Há espaço para discussões”.
Nem tudo é perfeito, mas o Brasil fez, em 2021,o dever de casa, em meio a uma dolorosa pandemia e com embates constantes entre governo e oposição e entre os três poderes. Mas podemos, com certeza, fazer um balanço de otimismo moderado. Não estamos no melhor dos mundos possíveis. Mas fizemos, em economia e no jogo político, algumas coisas importantes que salvam a nossa esperança em dias melhores. Feliz 2022!