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EIITI SATO - DUAS REFLEXÕES SOBRE A REUNIÃO DA CÚPULA DA ORGANICAÇÃO DO TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA (OTCA)

EIITI SATO - DUAS REFLEXÕES SOBRE A REUNIÃO DA CÚPULA DA ORGANICAÇÃO DO TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA (OTCA)

CÚPÚLA DA AMAZÔNIA DE BELÉM DO PARÁ - CHEFES DE ESTADO PARTICIPANTES

A primeira reflexão refere-se à constatação de que a reunião de cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), realizada nos dias 8 e 9 de Agosto, serviu basicamente para indicar que há disposição para recuperar o tema da Amazônia como tema relevante para a diplomacia brasileira e para os países da região amazônica. A segunda reflexão, pouco animadora, refere-se ao significado econômico e estratégico da cooperação amazônica, implícito no entendimento corrente nos países que integram a OTCA.

UM POUCO DE HISTÓRIA.

Houve um tempo em que a Amazônia despertava grande interesse na nação brasileira, inclusive no imaginário popular. Na realidade, havia ainda no mundo cientifico e popular a memória ainda fresca das grandes aventuras e dos feitos de se atingir e de se explorar lugares e realidades exóticas e desconhecidas, como o haviam feito Alexander Von Humboldt (1769-1859), Charles Darwin (1809-1882) e Roald Amundsen (1872-1928). Um dos notáveis brasileiros entusiastas da Amazônia foi Euclides da Cunha (1866-1909) que, especialmente após sua missão no Purus em 1904, pensava em estudar cientificamente, com profundidade, a floresta amazônica.

O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), que deu origem à OTCA, nasceu de uma iniciativa do governo brasileiro com o intuito de promover o desenvolvimento econômico, os transportes e a exploração dos recursos naturais da região Amazônica. Além do Brasil, em 3 de Julho de 1978, ainda no Governo de Ernesto Geisel (1907-1996), os seguintes países assinaram o TCA: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. É importante considerar que as negociações com vistas ao TCA ocorreram dentro do contexto de um ambiente internacional em que as questões ambientais, pela primeira vez, ganhavam espaço na agenda internacional. Em 1972 havia se realizado em Estocolmo a Primeira Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente. Nesse contexto emergiu a tese de que havia regiões no mundo que seriam essenciais para a manutenção do ecossistema planetário e que, em consequência, deveriam ser “internacionalizadas”.

Como era de se esperar, a Amazônia foi identificada como uma dessas regiões a serem internacionalizadas e, em larga medida, o TCA foi uma resposta no sentido de que, entre outras coisas, os países da região mostravam que eram perfeitamente capazes de, soberanamente, administrar com sensatez e com a devida prudência a região, protegendo o que deveria ser protegido e, ao mesmo tempo, desenvolvendo políticas de aproveitamento, de forma racional e cooperativa, dos recursos naturais da região. Em suma, o tratado visava a combinar três objetivos: 1 – a soberania das nações da região; 2 – a exploração de forma saudável dos recursos naturais; 3 – a preservação da Amazônia como patrimônio ambiental da região e do planeta como um todo.

Em dezembro de 1995 , os países que haviam assinado o TCA decidiram criar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), o que ocorreu formalmente em 1998. Uma das características mais notáveis da OTCA é que seria a única organização internacional que teria sede no Brasil. Assim, em 2003 foi criada a Secretaria Permanente da OTCA, sediada no Brasil, para administrar as atividades da instituição.

Apesar de tudo, ao longo do tempo, a OTCA, assim como a Amazônia, permaneceu sempre na condição de baixa prioridade na política externa de seus países membros. Um fato especialmente revelador dessa baixa prioridade, ocorreu com a instalação da sede da OTCA em Brasília. Por vários anos, a OTCA ocupou uma sala em um dos anexos do Ministério das Relações Exteriores (“Bolo de Noiva”) mudando-se depois para uma casa alugada no Lago Sul de Brasília. Foi somente em Outubro de 2021, quando o governo Bolsonaro já se encaminhava para o fim que, oficialmente, foi inaugurada uma sede própria situada no Setor de Embaixadas de Brasília. No entanto, construir uma sede própria é importante, mas desenvolver uma política para a região é algo que exige mais vontade, uma visão estratégica e, pior, muito mais dinheiro.

Possivelmente uma das explicações para as décadas de desinteresse dos governos brasileiros pela Amazônia tenha sido o fato de que o processo político, no qual o sistema eleitoral centrado apenas no voto, passou a ocupar as atenções da classe política. Com efeito, esse fato reduz substancialmente o interesse por quaisquer perspectivas estratégicas para a nação. No sistema eleitoral que considera apenas o voto, a região norte do Brasil, que ocupa 45% do território nacional, tem um “peso eleitoral” aproximado de 8,5%, enquanto a região Sudeste, que tem um peso eleitoral de cerca de 42%, se estende por apenas 11% do território da nação. Ganhar os votos no Distrito Federal praticamente equivale a ganhar os votos em todo o Estado do Amazonas. Essas são apenas algumas disparidades que ajudam a explicar o desinteresse dos sucessivos governos pela Amazônia.

UM RESULTADO PREOCUPANTE DA CÚPULA DA OTCA.

É sobre esse quadro histórico que a realização do encontro de cúpula dos países membros da OTCA, em Agosto deste ano, pode ser visto como iniciativa promissora da diplomacia brasileira e dos países da região. Apesar de tudo, os resultados do encontro se afiguram bem pobres, na realidade, até preocupantes. Uma Declaração Presidencial, extraída como uma conclusão do encontro de cúpula, contendo 113 “decisões”, significa que não houve decisão alguma, ficando apenas na esfera das boas intenções e da costumeira retórica política. A conclusão inevitável da leitura das 113 “decisões” é que são apenas uma satisfação às forças políticas que dão sustentação aos governos dos países membros e, em especial, às ONGs nacionais e internacionais associadas às várias vertentes militantes do ambientalismo, do multiculturalismo e das políticas de gênero.

No conjunto, talvez a “decisão” de número 35 seja a de conteúdo mais preocupante dessa Declaração Presidencial, ao dizer que seus signatários, chefes de governos soberanos, decidiam, formalmente:

Exortar os países desenvolvidos a cumprirem seus compromissos de fornecer e mobilizar recursos, incluindo a meta de mobilizar US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para apoiar as necessidades dos países em desenvolvimento, e a reconhecerem a necessidade de fazer progressos substanciais nas deliberações sobre a nova meta coletiva, quantificada para o financiamento climático, a ser concluída até 2024, diante da necessidade urgente de ampliar a ação climática, levando em conta as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento.

 A inclusão dessa “decisão” na declaração oficial contraria as origens da OTCA, que valorizavam, em primeiro lugar, a soberania e o orgulho nacional das nações que a criaram. Essa “decisão 35”, em particular, deixa transparecer o que o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) um dia chamou de “complexo de vira-lata”, que os dicionários conceituam como um modo de pensar baseado, em parte, na ignorância e, em parte, no deslumbre que condiciona o indivíduo a pensar que tudo aquilo que provém de sua pátria é inferior àquilo que vem do estrangeiro. Moralmente, uma nação que recebe ajuda externa para manejar seus próprios recursos, nunca vai ser tratada “de igual para igual” por aqueles que concedem ajuda. Theodore Roosevelt (1858-1919), o governante que praticamente iniciou a prática de estabelecer áreas de conservação de reservas naturais nos EUA – orgulhoso como era a respeito de si mesmo e de sua nação – certamente jamais permitiria que dinheiro estrangeiro algum fosse usado nas reservas naturais americanas. Para Roosevelt, assim como para os governantes americanos que o sucederam, tais áreas constituem um patrimônio nacional soberano, sendo, portanto, inadmissível que interesses estrangeiros, de qualquer natureza, atuem nessas reservas sob qualquer forma ou pretexto. Do ponto de vista da filosofia política, o conceito de soberania tem duas faces: uma “para fora”, que é a capacidade de uma nação manter-se diante de potências estrangeiras; e outra face voltada “para dentro”, que é a capacidade de o Estado manter a ordem interna e exercer sua autoridade e sua capacidade de manejar o patrimônio e as instituições e organizações que compõem a nação. Na versão da sabedoria popular “caipira” dos sertões brasileiros se diz que, “para aquele que esmolou três vezes não há mais salvação”. Uma nação incapaz de formular e de pagar por suas próprias políticas, e que admite depender de recursos de outras nações, não é uma nação soberana por inteiro. As nações hoje convivem cada vez mais intensamente com as relações internacionais, em todas as esferas, mas os empréstimos continuam sendo a forma de relacionamento financeiro mais típico entre nações igualmente soberanas. A ajuda entre nações iguais, por sua vez, só se explica e não é moralmente degradante, apenas em situações excepcionais como a de catástrofes naturais.

Brasília/Agosto/2023