Voltar

DR. ENÉAS CARNEIRO (1938-2007), UM NACIONALISTA CONSERVADOR QUE APOSTAVA NA EDUCAÇÃO

DR. ENÉAS CARNEIRO  (1938-2007), UM NACIONALISTA CONSERVADOR QUE APOSTAVA NA EDUCAÇÃO

O DR. ENÉAS CARNEIRO CRIOU O SEU PARTIDO, 'PRONA", PARA SE CANDIDATAR À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

“Para concluir o exame sumário dos indicadores geopolíticos estáveis do País, bastará dizer que o território brasileiro tem tudo para suplantar qualquer crise no setor de energia que venha se abater sobre a Terra. Energia radiante, biomassa, hidrocarbonetos, hidroeletricidade, urânio, tório e todos os metais usados nos engenhos produzidos pela tecnologia de ponta, estão à disposição dos brasileiros. O que nos falta, então, para a arrancada final no rumo do progresso?” (Dr. Enéas CARNEIRO, org. Um grande projeto nacional, 1994, p. 47).

Ao receber, com muita honra, a Medalha Dr. Enéas Carneiro do Mérito Estudantil, gostaria de lembrar parte da sua biografia e algumas das suas ideias, que o tornaram figura importante no panorama político contemporâneo. O Dr. Enéas (1938-2007) destacou-se pelas suas propostas inspiradas num original nacionalismo humanista, de cunho conservador, contrário ao neoliberalismo e ao socialismo e em sintonia com a corrente hoje denominada de Liberalismo Social, que ancora em autores da talha de Alexis de Tocqueville (1805-1859) e que tem representantes de peso como Miguel Reale (1910-2006) e Antônio Paim (1927-2021). Na seara conservadora, o Dr. Enéas ocupa lugar ao lado de figuras que exploraram as condições estratégicas do Brasil Potência, como o visconde de Uruguai, Paulino Soares de Souza (1807-1866) ou, no século passado, Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951).

Enéas Carneiro iniciou a sua educação superior na Escola de Saúde do Exército, tendo-se formado, em 1959, como terceiro sargento auxiliar de Anestesiologia. Continuou os seus estudos em 1960, na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, tendo colado grau como médico em 1965. Afastou-se da carreira militar após 8 anos de serviço no Hospital Central do Exército. Em 1968 licenciou-se em Matemática e Física pela Universidade do Estado da Guanabara e fundou o Curso Gradiente. Cursou e completou a sua especialização em Cardiologia em 1969, na Santa Casa do Rio de Janeiro, tendo adiantado, entre 1973 e 1975, os estudos de Mestrado em Cardiologia, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1975, apresentou a primeira versão do seu Curso “O Eletrocardiograma”, tendo-o ministrado em São Paulo e no Equador.

Na seara da política, o Dr. Enéas fundou, em 1989, o Partido da Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), tendo militado nessa agremiação partidária até 2006, quando ocorreu a fusão do PRONA com o Partido Liberal. No ano seguinte, o Dr. Enéas faleceu. Na sua juventude, o nosso autor interessou-se pela leitura dos ativistas de inspiração marxista, notadamente Friedrich Engels (1820-1895), tendo sido entusiasta do denominado “socialismo científico”, tão exaltado na antiga União Soviética. Como revelou em entrevista no Programa Questão de Ordem, em 1994, o Dr. Enéas deixou de ser socialista, porque “quando o Estado toma conta dos meios de produção, a competição some e, satisfeitas as necessidades básicas, como a habitação, a sociedade entra em letargia e não se desenvolve”.

O Doutor Enéas candidatou-se por três vezes à Presidência da República (1989, 1994 e 1998). Em uma oportunidade, no ano 2000, candidatou-se à Prefeitura de São Paulo e em 2002 foi eleito deputado federal por São Paulo, tendo recebido uma votação recorde de 1,57 milhão de votos. Foi acusado, injustamente, de “extrema direita”, pelo fato de ter-se aproximado, segundo alguns dos seus críticos, das ideias integralistas. Como lembrarei ao repassar as suas propostas políticas, o Dr. Enéas não é um tradicionalista. Ele é, mais, um conservador de inspiração nacionalista.

Para o médico Dr. Enéas Carneiro, o Brasil se assemelha a um organismo vivo, no qual a luta pela sobrevivência constitui uma das tendências fundamentais. Para sobreviver como Nação, o nosso país não poderia esquecer algumas tarefas básicas, como preparar os seus cidadãos para que pensassem na sobrevivência da nossa organização política como um todo, não esquecendo, no entanto, a defesa dos interesses individuais. Tratava-se de pensar na nossa unidade como Nação ao redor do Estado, sem esquecer o universo de interesses individuais que cada um de nós torna concreto. Não se trataria, pois, à maneira rousseauniana, de extinguir a luta pelos interesses individuais. A morte da vida política em sociedades como a União Soviética, decorria desse erro monumental. A luta pela unidade política e pela defesa do Estado, não poderia se fazer à margem da defesa dos nossos interesses individuais. É necessário construir a identidade nacional e o Governo Representativo, incorporando, pelo diálogo e pela tolerância, interesses diferentes aos nossos, de que são portadores os outros indivíduos. A catalepsia de que foram vítimas as nações agrupadas em torno à União Soviética, decorria desse exagero rousseauniano, de fazer prevalecer, unicamente, o interesse público sobre os interesses particulares, pretendendo extinguir a dissidência para adotar a unanimidade. Ora, tanto para o Dr. Enéas quanto para um escritor conservador como Nelson Rodrigues (1912-1980), “toda unanimidade é burra”. Era necessário manter a diversidade de interesses e conciliá-la, mediante hábil negociação e diálogo, em torno ao que fosse importante para todos, não apenas, exclusivamente, para os chamados “puros”, aqueles que pretendiam renunciar à luta em prol dos seus interesses. Essa seria uma abstração de índole totalitária. Tratar-se-ia, melhor, de conciliar os interesses individuais mediante a sua Representação no Parlamento, a fim de identificar aquilo que interessaria a todos e que constituiria o “interesse público” ou o “bem comum”.

O grande mal que afeta ao Brasil, considerava o Dr. Enéas, consiste justamente em que a representação política não foi equacionada a contento. A política, portanto, divorciou-se da representação e da luta em prol dos interesses individuais dos brasileiros. Pois aqueles que nos deveriam representar e que foram eleitos para tanto, terminaram abrindo mão da sua sagrada missão, passando a integrar um anônimo e apátrida “sistema”, no qual a classe política terminou se identificando, como diria Aristóteles (384-322 AC), com a luta em prol dos seus próprios interesses, não em prol do exercício da representação, a fim de defender, perante o governo e perante o mundo, com unhas e dentes, os interesses dos seus mandatários, os eleitores. O mal do Brasil, como República, consiste justamente em que os que mandam se representam apenas a si próprios, deixando do lado de fora a sagrada missão de representar os interesses dos cidadãos. O Doutor Enéas fundou o PRONA, justamente, para lutar contra essa deformidade da nossa organização social, passando a incorporar os cidadãos mediante uma revitalização da representação política.

“É contra tudo isso que se lança o PRONA”, frisava o Dr. Enéas na obra por ele organizada e intitulada: Um grande projeto nacional, de 1994, despertando da letargia de quem se sente à margem do processo histórico do seu país. A propósito, escrevia o Dr. Enéas na parte introdutória: “Os recursos do território, somados às qualidades da população, credenciam o Brasil a assumir a posição de Estado Perturbador, capaz de romper o círculo vicioso do subdesenvolvimento, não obstante o cerco dos países ricos. É contra tudo isso que se lança o PRONA, dando um grito de alerta a toda a Nação Brasileira, para que desperte da letargia em que se encontra e perceba, dentre todos os que se apresentam como postulantes ao cargo de Presidente da República (...) quem é que está realmente preocupado com o destino do Brasil e que reúne condições de inteligência, preparo, visão de estadista e que se encontra numa condição privilegiada de absoluta independência em relação ao sistema que, de uma forma ou de outra, acabou por engolfar a classe política brasileira” [Enéas CARNEIRO, organizador, Um grande projeto nacional, 1994: páginas 47, 53-54].

O PRONA, segundo o seu fundador, partiria do rejuvenescimento da representação dos interesses dos brasileiros, rumo a um ambicioso projeto que, na sua expressão econômica, se alicerçaria nas seguintes ideias: “As principais políticas econômicas, de médio e de longo prazo, com as respectivas estratégias, são: retomar, no mínimo, a taxa histórica de crescimento de 7% ao ano, objetivando criar novos empregos e redistribuir dinamicamente a renda fazendo o Brasil atingir novo patamar econômico (...), consolidando uma infraestrutura produtiva de expressão moderna e competitiva, alicerçada no mercado interno e inserida no mercado mundial” [Enéas CARNEIRO, org., Um grande projeto nacional, 1994, página 56]. Outra proposta a ser viabilizada, consistiria em “ampliar e modernizar as grandes vias de transporte, com visão intermodal nos sentidos Norte-Sul e Leste-Oeste, de forma que atuem como instrumentos de integração econômica e social, ocupando espaços vazios no Centro-Oeste, na Amazônia, com inteligência demográfica e econômica e viabilizando corredores de exportação” [Enéas CARNEIRO, org., Um grande projeto nacional, 1994, página 58].

Quais seriam as condições sociais para que fosse possível partir para esses reptos? O Dr. Enéas identificava duas variáveis fundamentais: educação e saúde pública. Quanto à primeira, o nosso personagem considerava que, sem a mediação da linguagem adequada, garantida pela Educação Básica, seria impossível socialmente fazer deslanchar qualquer projeto de reformas. Ora, a instauração de uma base linguística que facilitasse a expressão dos brasileiros, só se tornaria possível mediante a adequada alfabetização de todos, a fim de que pudessem se comunicar e transmitir, para as gerações vindouras, os propósitos nacionais, concebidos pelos nossos governantes à testa do Estado.

A respeito dessa inadiável tarefa, afirmava o Dr. Enéas: “No que concerne ao estudo da língua portuguesa, vai ser exigido o mínimo de conhecimento do vernáculo que, outrora, era ministrado nos cursos primário e secundário. Já enfatizamos a incúria, o desleixo, a verdadeira falta de higiene vernacular que caracterizam o modo de expressão que se tornou a regra no país, com a desculpa de ‘linguagem moderna’. O jargão, o caçanje, a linguagem chula, os solecismos, as agressões violentíssimas às normas gramaticais, são a tônica dos pronunciamentos da maioria daqueles que atualmente detêm o poder no país ou se apresentam como candidatos aos cargos eletivos. A importância da linguagem não reside apenas na sua concepção estética. Na verdade, quanto mais precisa e mais clara é a expressão do pensamento, mais fácil é a comunicação entre as pessoas” [Enéas Carneiro, org., Um grande projeto nacional, 1994, página 56 ].

O ilustre médico explicava a importância da linguagem, com uma história de conhecido pensador oriental. Frisava a respeito: “Perguntaram certa vez a Confúcio (552-489 AC) o que faria em primeiro lugar se tivesse que administrar um país. ´Seria, evidentemente, corrigir a linguagem’ – respondeu ele. Seus interlocutores ficaram surpreendidos, e indagaram porquê. Foi a seguinte a resposta do Mestre: ‘se a linguagem não for correta, o que se diz não é o que se pretende dizer, o que deve ser feito deixa de ser feito; se o que deve ser feito deixa de ser feito, a moral e as artes decaem; se a moral e as artes decaem, a Justiça se desbarata; se a Justiça se desbarata, as pessoas ficam entregues ao desamparo e à confusão. Não pode, portanto, haver arbitrariedade no que se diz. É isso que importa, acima de tudo’” [Enéas CARNEIRO, org., Um grande projeto nacional, 1994, página 151].

Quanto à saúde pública como variável fundamental para encararmos os reptos do desenvolvimento, o Dr. Enéas achava que, sem o devido equacionamento dela, simplesmente veríamos comprometida a nossa existência. Duas medidas permitiriam garantir aos municípios prestarem a devida atenção aos cidadãos de todas as classes: 1ª - os médicos egressos das escolas de governo fariam “estágio obrigatório remunerado de 2 anos no interior do país, escolhendo as cidades para onde irão por ordem de classificação nas provas da sua faculdade, sem prática de privilégios de nenhuma espécie”. 2º “Serão criadas (aproveitando-se as que já existem) tantas Unidades Básicas de Saúde quantas forem necessárias para atender toda a população brasileira. Deverá existir no mínimo uma Unidade Básica de Saúde para cada 5.000 habitantes, a uma distância não superior a 5 quilômetros da residência mais distante, funcionando 24 horas por dia. Ela será a única porta de entrada do sistema, evitando-se, com isto, que os hospitais fiquem sobrecarregados” [Enéas CARNEIRO, org. Um grande projeto nacional, 1994, páginas 197-198]. O tipo de profissional que o Dr. Enéas almejava para trabalhar nessa porta de entrada do sistema de saúde, era o do “médico de família”.

Terminemos este panorama das contribuições do Dr. Enéas Carneiro com as suas reflexões sobre a Amazônia. Ela – frisava o ilustre médico – “ocupa metade da área do território nacional e no seu subsolo existem jazidas minerais de valor incalculável. O que a maioria dos brasileiros não sabe (...) é que as nossas riquezas minerais estão sendo mandadas para o exterior como minério bruto, a preço de banana, e compramos de volta os produtos manufaturados aos preços que eles fazem. (...). Tudo é gigantesco na Amazônia: a floresta, com sua fauna e flora diversificadas, a bacia hidrográfica, com um fabuloso potencial energético, enfim, a Amazônia faz de nós o país mais rico do Planeta. Esta é a verdadeira razão por que os países do primeiro mundo querem a internacionalização da Amazônia. É por isso que existe toda essa gritaria internacional a favor dos nossos índios, tornando alguns deles os maiores latifundiários do planeta, enquanto milhões de outros brasileiros não têm sequer um palmo de terra. E, finalmente é também por isso que, de modo sub-reptício, tenta-se convencer a opinião pública de que não há mais necessidade das nossas Forças Armadas. Porque elas são o último baluarte em defesa do nosso pobre Brasil. Mais uma vez, o PRONA caminha em sentido contrário a toda essa farsa (...). Vamos tomar uma definição política clara, prestigiando, equipando e remunerando bem nossas Forças Armadas, para que elas possam voltar a atuar em defesa da segurança e da integridade do território nacional” [Enéas CARNEIRO, org. Um grande projeto nacional, 1994, pp. 214-215].

Ora, se as Forças Armadas, bem aparelhadas e em sintonia com a defesa dos interesses dos brasileiros, são condição de segurança para a integridade do Brasil, sem uma adequada compreensão do que a Amazônia significa em termos de potencialidade econômica, não seria possível mantê-la e protegê-la. Essa missão de profundo conhecimento das nossas riquezas corresponde à Universidade, a qual, segundo o Dr. Enéas, deve sair do seu castelo de isolamento burocrático e ideológico, para o cumprimento da missão insubstituível de conhecer em profundidade as nossas riquezas naturais, a começar pela Amazônia, hoje tão cobiçada no plano internacional. O Dr. Enéas defendia a ideia de uma Universidade pública que, afinada com as instituições privadas, garantisse a pesquisa básica necessária, para termos um conhecimento aprofundado das nossas potencialidades a partir das riquezas naturais da Amazônia. É evidente que a missão das Universidades não se restringiria a essa Região. Vale para todas as outras Regiões brasileiras. No plano da pesquisa básica, deveria haver projetos para esse conhecimento nos vários Estados do Brasil. Ensino, pesquisa básica e extensão, essas seriam as funções das nossas Universidades. E nelas, especialmente nas públicas, deveria ser garantido, pelos gestores, o culto à meritocracia e a valorização ética do patriotismo. As empresas deveriam ser chamadas a colaborarem nessa alta missão, superando o inútil preconceito de que a proximidade com o setor produtivo equivaleria a uma privatização de todas as instituições de ensino e pesquisa. Universidades públicas entregues aos sindicatos, como hoje ocorre, certamente seriam objeto da crítica afiada do Dr. Enéas. Essas instituições, legadas pelos nossos antepassados, deveriam servir, fundamentalmente, ao Brasil, sem se deixarem sequestrar pelo canto de sereia das ideologias, que tudo confundem e que tornam impossível a prática da eficiência com meritocracia.

Podemos terminar estas palavras com a indagação feita pelo Dr. Enéas Carneiro em torno às nossas potencialidades para atingirmos o completo desenvolvimento: “Para concluir o exame sumário dos indicadores geopolíticos estáveis do País, bastará dizer que o território brasileiro tem tudo para suplantar qualquer crise no setor de energia que venha se abater sobre a Terra. O que ficaria faltando para o nosso completo desenvolvimento?”

À indagação feita, assim respondia o nosso autor: “Energia radiante, biomassa, hidrocarbonetos, hidroeletricidade, urânio, tório e todos os metais usados nos engenhos produzidos pela tecnologia de ponta, estão à disposição dos brasileiros. O que nos falta, então para a arrancada final no rumo do progresso? Resposta: a ascensão de homens virtuosos, em substituição à súcia de oportunistas, aproveitadores, gatunos e traidores da pátria, que vêm ocupando as posições de mando no País, quase sem interrupção, desde a Independência Política. Sob a direção de homens de bem, também estadistas e patriotas, o Brasil proclamará sua Independência Econômica, embora com 172 anos de atraso” (Dr. Enéas CARNEIRO, org. Um grande projeto para o Brasil, 1994, p. 47).

Referência Bibliográfica:

 CARNEIRO, Enéas (organizador). Um Grande Projeto Nacional (1994). Edição do Kindle. Porto Alegre: Edições Águia do Sul.