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DISCURSO DE RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ NA POSSE DE HUMBERTO SCHUBERT COELHO NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOSOFIA

DISCURSO DE RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ NA POSSE DE HUMBERTO SCHUBERT COELHO NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOSOFIA

O PROFESSOR DOUTOR HUMBERTO SCHUBERT COELHO PRONUNCIA O SEU DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOSOFIA, EM 27 DE JANEIRO DE 2022

Professor Doutor Edgard Leite, Presidente da Academia Brasileira de Filosofia.

Demais Membros da Academia Brasileira de Filosofia aqui presentes.

Professor Doutor Humberto Schubert Coelho, novo membro da Academia Brasileira de Filosofia.

Familiares do Professor Humberto Schubert Coelho.

Senhoras, Senhores:

É uma alegria enorme participar, mesmo que à distância, desta Sessão da Academia Brasileira de Filosofia, destinada a dar posse ao novo membro, Professor Doutor Humberto Schubert Coelho, meu querido amigo e ex-aluno do Curso de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora.

No início de 2003 foi criado por mim, no Departamento de Filosofia da UFJF, o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos. Surgiu em decorrência do interesse de estudantes do Curso de Filosofia pelo Pensamento Filosófico Brasileiro, bem como pelo Pensamento ibérico e Ibero-americano, de forma geral. Considerei que a preocupação dos meus alunos com o estudo da Filosofia Brasileira e Latino-americana estava fora de contexto, depois dos affaires de patrulhamento ideológico que tinham sido protagonizados, entre 1975 e 1985, pela Comissão de Filosofia da CAPES. Efetivamente, à sombra desse patrulhamento, tinham definhado os vários cursos de Pós-graduação em Pensamento Brasileiro criados, entre 1972 e 1984, na PUC do Rio de Janeiro, na Universidade Gama Filho e na Universidade Federal de Juiz de Fora.

Pessoalmente, depois de todos esses fracassos, não cogitava em dedicar mais tempo às atividades de pesquisa e estudo sistemático do Pensamento Brasileiro no seio da Universidade, deixando para uma perspectiva puramente pessoal e internacional, o aprofundamento nesses temas, ao ensejo da minha participação no Projeto Ensaio Hispânico, que o amigo José Luis Gómez Martinez tinha criado e dirigia na Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos. Outro Projeto em que colaborava como pesquisador era o relativo à escrita e publicação da Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, coordenado por Antônio Paim, Eduardo Abranches de Soveral, Francisco da Gama Caeiro e outros, na Universidade Católica Portuguesa. Essa obra foi publicada em Lisboa entre 1989 e 1992, pela Editora Verbo. Continuaria colaborando, outrossim, com as pesquisas desenvolvidas pela UNESCO em Paris, no Institut International de Philosophie, que estava interessado em mapear a meditação filosófica hispânica e hispano-americana. Nesse contexto, foi publicado na Holanda, em 2003, o volume 8º da Coleção “Contemporary Philosophy”, intitulado: Philosophy of Latin America [Editor: Guttorm Floistad; Dordrecht / Boston / London], para o qual preparei o capítulo sobre a Filosofia Contemporânea na América Latina.

Mas os meus alunos do curso de graduação em filosofia da UFJF, em 2003, não estavam preocupados com o desânimo reinante em face das condições negativas para o estudo da Filosofia Brasileira. Queriam saber, mesmo, o que havia para ser estudado nessa seara e desejavam enveredar pelo caminho da pesquisa.

Para concretizar esse propósito, programei, contrariando as minhas expectativas negativas, uma primeira atividade, desenvolvida ao longo de 2003: o Seminário de Introdução ao Estudo da Filosofia Brasileira. Em 2004, por sugestão dos meus alunos, foi programado o Seminário sobre a Filosofia dos Mitos Indígenas no Brasil. E, em 2005, foi desenvolvido o Seminário sobre “O Patrimonialismo e a Literatura na América Latina”, com estudo das obras: El otoño del patriarca, de Gabriel García Márquez; Facundo: Civilización y Barbarie en el Pampa Argentino, de Domingo Faustino Sarmiento; Yo el Supremo, de Augusto Roa Bastos; Antônio Chimango, de Amaro Juvenal; El ogro filantrópico, de Octavio Paz; El señor Presidente, de Miguel Angel Asturias; La fiesta del Chivo e La guerra del fin del mundo, de Mario Vargas Llosa e O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. Ao ensejo desses seminários, escrevi a minha obra intitulada: A análise do patrimonialismo através da literatura latino-americana [Prefácio de Arno Wehling. Rio de Janeiro: Documenta Histórica / Instituto Liberal, 2008, 263 pp.].

De entrada, deixei claro que não queria dar feição burocrática ao grupo de estudos, preferindo que se sedimentasse numa agenda de atividades que, efetivamente, fossem realizadas, de maneira consensual, pelos seus integrantes. Surgiu, assim, o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da UFJF. Os alunos fundadores foram: Alexandro Ferreira de Souza, Marco Antônio Barroso, César Rafael Pitt, Humberto Schubert Coelho, Camila dos Santos, Bernardo Goytacazes de Araújo, Júlia Junqueira e Jefferson Silveira Teodoro. Após a fundação do Núcleo, passaram a integrá-lo, também, o professor Fabrício Oliveira, mestre e pesquisador da Faculdade de Direito da UFJF, Flavio Carlos Octaviano, Paulo Roberto Machado Tostes, Rosilene de Oliveira Pereira (Doutora e docente da Faculdade de Educação da UFJF), Regina Coeli Barbosa Pereira (Doutora e docente da mesma Faculdade) e os alunos do curso de Filosofia da UFJF: Bruno Maciel, Heloana Cardoso, Leonardo Rosa Maricato dos Santos, Eloiza Mara da Silva, Rosa Maria Marangon, Myriam Toledo Augusto, Sérgio Luna Couto e Sandra Rodrigues Eiterer.

Ao longo dos anos 2005 e 2006, efetivaram-se diversos seminários sobre as mitologias ameríndias, que deram ensejo à inclusão, no currículo do Curso de Filosofia da UFJF, de uma série de “Seminários sobre Temas Especiais de História da Filosofia”, que passaram a ser por mim oferecidos aos alunos da graduação, de forma ininterrupta, entre 2005 e 2013. Paralelamente, foi criado, em 2006, o “Núcleo de estudos sobre Madame de Staël e o romantismo literário e filosófico”. Alguns dos meus alunos do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos participaram dos Seminários desenvolvidos, entre 2007 e 2013, neste novo Núcleo, dentre eles, Humberto Schubert Coelho, Alexandre Souza e Marco Antônio Barroso. Os trabalhos ali apresentados pelos alunos passaram a ser publicados na revista eletrônica Ibérica, criada por iniciativa de Alexandro de Souza e Marco Antônio Barroso.

Tomei carona no empreendimento editorial dos meus alunos e ajudei a consolidar o Conselho Consultivo da mencionada publicação, convidando figuras exponenciais da pesquisa de história das idéias, no contexto luso-brasileiro e ibero-americano. Passaram, assim, a formar parte do mencionado Conselho, Antônio Paim (do Instituto Brasileiro de Filosofia e do Instituto de Humanidades), Leonardo Prota (do Instituto de Humanidades), José Esteves Pereira (da Universidade Nova de Lisboa), Juan Carlos Torchía Estrada (da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e editor do Handbook of Latin American Thought), José Luis Gómez Martinez (criador e coordenador do Projeto Ensayo Hispánico na Universidade da Geórgia em Athens, Estados Unidos), Zdenek Kourim (residente em Paris e membro do Centre de Recherches Scientifiques da França e um dos principais pesquisadores da Filosofia Brasileira nesse país), João Ricardo Moderno (presidente da Academia Brasileira de Filosofia, no Rio de Janeiro) e Enrique Menéndez Ureña (da Universidade de Comillas, em Madri).

Tanto pelo estímulo recebido dos membros do Conselho Consultivo quanto pelo empenho dos redatores, a Revista Ibérica consolidou-se, desde a sua fundação em 2005, como publicação de alto nível no terreno da filosofia e da história das idéias, tendo sido inclusive reconhecida, pela CAPES, como referência para os cursos de pós-graduação da área de ciências humanas.

Outras realizações importantes do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos foram a participação de vários membros do Núcleo no Primeiro Congresso Luso-Galaico-Brasileiro, realizado na Universidade Católica Portuguesa, no Porto, em Outubro de 2007. Nessa oportunidade, o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da UFJF passou a formar parte, oficialmente, das entidades organizadoras dos Colóquios “Antero de Quental”. Em Outubro de 2009 registrou-se a participação de pesquisadores do Núcleo no Colóquio em Homenagem a Miguel Reale, realizado em Lisboa, pelo Instituto de Filosofia Luso-brasileira.

O estudo dos mitos ameríndios revelou-se idéia de grande valor heurístico entre os membros do núcleo. Pensei, inicialmente, que se tratava de simples curiosidade intelectual que não teria maior continuidade. Estava enganado. Os meus alunos queriam aprofundar mesmo nas raízes pré-racionais da cultura. Descobri isto quando vários deles foram aceitos no programa de pós-graduação em Ciência da Religião da UFJF, dentre eles: Humberto Schubert Coelho (com pesquisa sobre a influência da mística de Jacob Böeme no idealismo transcendental de Kant), Marco Antônio Barroso (com pesquisa sobre a Filosofia da Religião em Benjamin Constant de Rebecque) e Alex de Souza (com pesquisa acerca dos fundamentos filosóficos do conceito de “sagrado” em Rudolf Otto).

Tentei, em vão, que Marco Antônio Barroso, Alexandro Souza e Humberto Schubert Coelho, os mais destacados dentre os meus alunos, fossem integrados ao Departamento de Filosofia, quando, em 2009, foram abertas vagas para contratação de docentes. Mas a falta de uma linha clara de desenvolvimento acadêmico do Departamento terminou impedindo que esses valiosos alunos passassem a integrar, como doutorandos, o corpo docente. O meu amigo Humberto somente chegou, anos depois, a integrar o corpo docente do Departamento de Filosofia da UFJF, através da sua aprovação, por concurso público de provas e títulos. Hoje, felizmente, Humberto enriquece o ensino da Filosofia no mencionado Departamento . Acaba de ser publicada a sua tese de doutorado que, decerto, terá grande influência entre os seus alunos.

Humberto Schubert Coelho, de acordo aos dados do seu Curriculum Lattes, possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2005). Apresentou, no final do Curso, a Monografia intitulada: O papel de Goethe na formulação da Contemporaneidade Filosófica (tendo sido orientado pelo saudoso professor Mário José dos Santos). Obteve o grau de mestre em Ciência da Religião nesta mesma Universidade, em 2007, com a dissertação intitulada: A religião de Goethe (tendo contado com a orientação de Luis Henrique Dreher). Fez Doutorado sanduíche em Ciência da Religião nas universidades de Juiz de Fora e Martin-Luther Universität Halle (Alemanha), tendo defendido, em 2012, a tese intitulada: Livre-arbítrio e sistema: conflitos e conciliações entre Böhme e Goethe (com orientação dos professores Luis Henrique Dreher - UFJF e Jörg Dierken - Martin Luther Universität).

Humberto realizou estágio pós-doutoral na Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (2012-2013). Tem experiência docente na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia da Cultura, Metafísica, Ética e Filosofia da Religião, dialogando também com aspectos sistemáticos e filosóficos da Teologia e da Ciência da Religião. Trabalha com autores variados do Renascimento, como Jakob Böhme (1575-1624) e Erasmo de Roterdã (1466-1536), até a Contemporaneidade, com William James (1842-1910) e o neokantiano Dieter Henrich (1927-), com ênfase no ponto de vista metafísico e principiológico da filosofia fundamental. Em aportes para outras disciplinas, como a ética e a filosofia da cultura, mantém o interesse no desdobramento dos aspectos ontológicos e processuais da metafísica, particularmente a da subjetividade, nessas esferas práticas.

Humberto realizou, ademais, em 2008, Cursos de Formação Complementar na Foundation for Economic Education (sediada nos Estados Unidos, em Atlanta, Georgia), bem como na Universität Essen (Alemanha, 2005) e na Universität Passau (Alemanha, em 2003-2004). Dentre os seus livros publicados podem ser destacados os seguintes: Genealogia do Espírito (Brasília: Editora Federação Espírita Brasileira, 2009) e História da Liberdade Religiosa – Da Reforma ao Iluminismo. (Petrópolis: Vozes, 2022).

Meu caro Humberto Schubert Coelho, seja bem-vindo à Academia Brasileira de Filosofia! É uma satisfação grande acolhê-lo no seio dela. A sua presença entre nós enriquecerá, sem dúvida, o interesse pela Filosofia Brasileira, sempre em diálogo com a meditação filosófica universal.

Concluo destacando, com as palavras do autor, a síntese da obra que Humberto Schubert Coelho acaba de lançar pela editora Vozes de Petrópolis: “A liberdade no Ocidente muitas vezes é abordada apenas sob o seu aspecto social e político, mas a fé nas suas diversas expressões, o interesse transcendente, o elemento religioso que cala fundo na alma humana, quase sempre tiveram papel central nesse tão importante debate. Caso as várias doutrinas e instituições religiosas não tivessem feito parte da nossa história, muito daquilo que pensamos e decidimos talvez nem teria sido cogitado. Algumas das grandes oposições do imaginário moderno derivam dessa ascendência da religião sobre a cultura. Ortodoxia e heresia, ciência e religião, razão e fé, catolicismo e protestantismo, conformidade e dissidência, filosofia e teologia, fundamentalismo e secularização, dentre outras tantas tensões dialéticas, ajudaram a traçar as linhas de fronteira, bem como os debates, as definições e as tomadas de posição necessárias para a convivência, harmoniosa ou não, no mundo moderno. Filósofos – religiosos, sem religião ou antirreligiosos – frequentemente contribuíram para o debate sobre a natureza da fé, os limites do saber teológico e o lugar da religião na sociedade. Não poucas vezes, elucubrações metafísicas, investigações éticas e teorias políticas impactaram, seja a percepção pública, seja as próprias posições das igrejas a respeito de temas doutrinais. Teólogos ou líderes espirituais propiciaram transformações da consciência coletiva, ora atuando sobre a doutrina, ora sobre a experiência de fé da população em geral. Embora a Reforma e o Iluminismo tenham posição de destaque nas histórias da filosofia ou da religião, nem sempre ficaram evidentes as conexões entre ambos e o debate fundamental sobre a natureza (metafísica) e sobre o lugar (ético e civil) da religião na vida dos indivíduos. É esta a lacuna que o presente estudo se propõe a preencher”.

Não duvido da originalidade com que Humberto Schubert Coelho aborda a questão da religião no mundo atual, considerando a liberdade religiosa como a primeira grande conquista da Modernidade. Contribuição inestimável neste mundo dolorido pelas guerras, pela intolerância, pelo materialismo e pela pandemia, na busca de um caminho de superação espiritual dos seus entraves. A Liberdade Religiosa, estudada com afinco pelo novo membro da Academia Brasileira de Filosofia, é sem dúvida, uma das grandes questões de atualidade.

Obrigado.