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DIÁLOGO E CONHECIMENTO PARA TRANSFORMAR A EDUCAÇÃO E A SAÚDE

DIÁLOGO E CONHECIMENTO PARA TRANSFORMAR A EDUCAÇÃO E A SAÚDE

No dia 21-08 participarei, em São Paulo, com o Professor Luís Antônio Tozi, de um bate-papo acerca do tema que serve de título a este post, promovido pelas seguintes entidades: o MIRIX Group, o Centro para Liberdade Econômica da Universidade Mackenzie, o Instituto Liberal, o Instituto Millenium e o Instituto Liberal de São Paulo (ILISP).

Pontuarei alguns aspectos básicos do que se poderia esperar do conhecimento filosófico, para fundamentar esse diálogo. Exponho, a continuação, uma síntese da minha intervenção. Destacarei quatro pontos: 1 – O que esperar da reflexão filosófica no Brasil de hoje? 2 – Qual seria o problema fundamental do processo educacional brasileiro, visto do ângulo filosófico? 3 – Como é enxergada, no nosso país, a função advocatícia, à luz dos princípios filosóficos? 4 – Como se deveriam dinamizar esses aspectos, no terreno da ética, para melhor conduzir a dinâmica da prestação dos serviços de saúde?

1. O que esperar da reflexão filosófica no Brasil de hoje?

Ao longo dos anos noventa do século passado participei, como professor de Filosofia das Universidades Gama Filho e Federal de Juiz de Fora, das reuniões desenvolvidas pela Faculdade de Administração da USP a qual, em convênio com a Fundação Getúlio Vargas, sediava rotineiramente um Seminário multidisciplinar para definir, junto ao Ministério do Trabalho, as características de diversas profissões.

Tratava-se de definir quais seriam as características do trabalho de um professor de Filosofia, no emaranhado de disciplinas e Cursos apresentados pelas várias Instituições. Tarefa desafiadora, haja vista que a profissão de filósofo aparece desde muito cedo nas instituições docentes, já em Platão e Aristóteles, na Civilização Romana, passando pela Idade Média e pelo seu magnífico legado, ao ensejo da reflexão de Pedro Abelardo e dos grandes sistematizadores da Filosofia Medieval, como Santo Tomás de Aquino e os continuadores da Tradição Nominalista, na Segunda Escolástica Ibérica (como o padre Francisco Suárez) e chegando até a Modernidade, com a turbulência ensejada pela entrada da nova física da Natureza no ensino universitário e a formulação, pelos filósofos escoceses como David Hume, da perspectiva tanscendental na teoria do conhecimento, sistematizada por Immanuel Kant e Georg Wilhelm Hegel no século XVIII, a qual, a partir de então, acompanhou a reflexão sobre o sentido último da física da natureza, ao ensejo das pesquisas de Galileu Galilei e Isaac Newton.

Destaquei que o que marcava a presença dos profissionais de Filosofia era o resgate da dimensão de sentido da existência humana, no contexto dos grandes sistemas metafísicos, como por exemplo o de Gottfried Wilhelm Leibniz, ou o arcabouço problemático contido na meditação kantiana acerca da perspectiva transcendental do conhecimento, continuada por Hegel e pelos seus discípulos e projetada sobre os séculos XIX e XX na corrente do neokantismo. Esse resgate sedimentava-se em duas vias complementares: a filosofia da natureza, de um lado, e a história da filosofia. Em síntese, o profissional da Filosofia lidava com a busca da dimensão de sentido para a existência humana e para fundamentar o saber científico, perante um universo cada vez mais desafiador, em face da eclosão de inúmeras especialidades científicas.

Em síntese apertada, o filósofo lidava com a busca da dimensão de sentido da existência e do conhecimento. Observamos, nesse processo, já nos séculos XX e XXI, que o profissional da Filosofia acompanha a reflexão no terreno das ciências e dos seus métodos, não a substitui. Essa reflexão se projeta sobre a sociedade humana na sua natural diversidade, não tentando encontrar uma sociedade perfeita, mas buscando identificar quais seriam as condições de sobrevivência da liberdade e do saber no complexo mundo contemporâneo, reconhecendo a índole problemática da reflexão filosófica e a sua natural diversidade nas várias culturas.

O que esperar da reflexão filosófica, hoje? Responderia, muito sinteticamente: o resgate da dimensão de sentido da existência e do conhecimento humanos.

2. Qual seria o problema fundamental do processo educacional no Brasil, visto do ângulo filosófico?

O grande problema do nosso processo educacional consiste em que se perdeu de vista a sua essência e a sua função social. O ensino básico e fundamental foram capturados, no nosso pais, efetivamente, por uma tacanha perspectiva sociológica com Paulo Freyre e Moacir Gadotti, qua passaram a interpretar como a finalidade única desse nível de ensino, a preparação do terreno para a construção do socialismo. Assim, a teoria de Paulo Freire de uma educação libertadora, virou slogan de uma campanha puramente política, de inspiração gramsciana, que buscava a fundamentação da militância em prol do socialismo, sendo ela vendida como a única base para identificar uma proposta pedagógica libertadora.

O resto seria “educação bancária”, a serviço de uma alienação, que beneficiaria exclusivamente as “classes dominantes” em detrimento da preservação dos anseios dos setores populares, simplesmente descartados como inexistentes ou como unicamente aproveitáveis como “carne de canhão” na luta de militantes ensandecidos. Assim, o sistema de ensino básico e fundamental, como também o ensino médio profissionalizante, terminaram sendo entregues à ação dos chamados “intelectuais orgânicos” de inspiração gramsciana, os únicos sintonizados com a verdade sociológica fundamental, que consistiria na identificação do tipo de conhecimento que aceleraria o processo de implantação do socialismo pela ação do “Novo Príncipe”, o Partido. Qualquer outra proposta dever-se-ia caracterizar como alienante e digna de descarte no lixão das ideologias caducas.

O grande mal de Paulo Freyre e de Gadotti, portanto, consistiu em identificar uma única saída para o sistema educacional: a militância socialista. Não há nada que possa ser preservado da nossa tradição cultural, à luz da escolha da solução militante em prol do socialismo. A coisa fica preto no branco. Com essa proposta simplória e unidimensional, não há possibilidade de coexistência de qualquer solução gradativa e que leve em consideração a complexidade social.

Um educador sério se especializou na construção de uma proposta pé no chão para a educação das nossas crianças nos níveis básico e fundamental: o eminente pedagogo e professor João Batista de Oliveira, no seu Instituto Alfa e Beto em Uberlândia, Minas Gerais. Ele destoa radicalmente do simplório receituário ideológico de Paulo Freyre e Moacir Gadotti. O primeiro deitou as bases do que seria uma “educação libertadora”. O segundo apresentou a base programática e organizacional para os sindicatos que tomariam conta do processo. Reconheçamos que é extremamente agressiva e ignorante a proposta apresentada pelos supracitados ideólogos: suscita, obviamente, uma rejeição generalizada. O Professor João Batista de Oliveira só enxerga uma solução para início de conversa: fechem-se as Faculdades de Pedagogia que pulularam pelo Brasil afora, à luz da megalomaníaca proposta socialista paulofreiriana. Volte-se, no nosso sistema educacional, à preparação de professores como se diz “em chão de fábrica”, ressuscitando as antigas Escolas Normais, que formavam os professores para os ciclos básico e fundamental, num processo mais realista de ensino-trabalho, com os pedagogos preparando os seus discípulos em sala de aula e supervisionando o seu trabalho.

A síntese da proposta apresentada pelo professor João Batista de Oliveira consistiria, nem mais nem menos, em “voltar a escutar o que a sociedade quer”, não em consultar uma onírica proposta ideológica, alheia por completo às nossas tradições e às necessidades pedagógicas das novas gerações. Para finalizar este item, recordemos um dado estatístico interessante: não é por falta de dinheiro, como frisam os socialistas, que as coisas não andam no Brasil no terreno da Educação. Há fartos recursos assignados pelo Orçamento da União, que chegam a 5,7 % do PIB, colocando o Brasil, junto com a Finlândia, no item de excelência no que tange ao montante destinado à educação. O problema é organizacional e ideológico: corporativismo fechado e burro, junto com a opção ideológica em prol de um vaporoso socialismo. E ninguém cobra de ninguém, sendo que os militantes estão satisfeitos e não prestam contas do seu descalabro orçamentário, pois Lula, no segundo mandato, isentou os sindicatos de prestarem contas ao TCU.

3. Como é enxergada, no Brasil de hoje, a profissão de advogado, à luz dos princípios filosóficos?

O Brasil conta com a astronômica soma de 1.454.521 advogados, de acordo com a OAB, sendo a proporção desses profissionais, por número de habitantes, a mais generosa do mundo: um advogado para cada grupo de 145 brasileiros. Somos o país com maior número de causídicos do Planeta, de acordo com o IBA (International Bar Association)!

Três fatores, a meu ver, contribuem para esse estado de coisas: Cultura e Tradição, Demanda Judicial e Facilidade de acesso ao Curso. Contamos hoje com 1.240 faculdades de Direito. Isso nos torna o maior "complexo industrial" de formação de bacharéis em Direito do Planeta. O País conta, como frisamos acima, com um advogado para cada 145 brasileiros. Uma relação bastante generosa. No item qualidade radica certamente o problema. A procura pelo curso de Direito, no entanto, não olha para ela. O motivo da escolha pela profissão está mais relacionado ao cômodo ponto de vista da tradição reinante. Muitos procuram essa carreira pelas expectativas de verem abertas possibilidades de concurso público. O leque de possibilidades no horizonte é generoso, para quem conclui os cinco anos de estudo: defensor público, magistrado, membro do Ministério Público, consultor jurídico, delegado, advogado, diplomata, promotor de Justiça, etc.

De outro lado, o oferecimento de oportunidades na seara jurídica ajuda aos que buscam uma saída rápida. Houve um exponencial crescimento da oferta de Cursos de Direito nas últimas décadas: entre 1995 e 2023, o aumento foi de 706%. Como não tentar essa profissão, levando em conta que tantas oportunidades de entrada no Curso de Direito são oferecidas? A verdade é que se sedimentou a procura por advogados em importantes cidades brasileiras, sendo o Distrito Federal a urbe que tem a maior proporção de causídicos, 15,42 (por 1 mil habitantes), seguida do Rio de Janeiro (com um coeficiente de 8,70), Rio Grande do Sul (com 8,20) e São Paulo (com 7,51).

Valeria a pena dar uma olhada para a História Cultural do Ocidente, no que tange à forma em que ocorreu a presença da variável jurídica na evolução da sociedade. Herdamos do Código Justiniano, no ano de 529, graças ao empenho do Jurisconsulto Triboniano, uma compilação monumental do Direito Romano, ordenada pelo Imperador Romano Oriental Justiniano I (482-565). O princípio que balizava essa enorme obra jurídica rezava assim: “Non est Civitas propter Civem, sed Cives propter Civitatem” (“Não está o Governo em função do Cidadão, mas o Cidadão em função do Governo”). Esse princípio jurídico, aliás, constituiu o fundamento do nosso Direito Administrativo, formulado à sombra do Estado patrimonial, gerido como propriedade privada do Monarca, já desde os nebulosos tempos da Revolução de Avis (1385) sob o primeiro monarca da Casa de Avis, o jurisconsulto João das Regras (1357-1404).

Essa exagerada importância conferida ao Direito Administrativo terminou contaminando o trabalho dos Juristas, sendo que eles passaram a se preocupar mais com a rápida formulação dos princípios do Direto Administrativo, deixando em segundo plano o Direito Civil, que mira as pessoas. A consequência dessa estado de coisas é negativa para uma sadia evolução jurídica, rumo ao fortalecimento do nosso Código Civil. Hoje, parece que eles se preocupam, fundamentalmente, com a rápida formulação dos princípios do direito administrativo (que possibilitam o enquadramento vertical dos cidadãos), em detrimento do aperfeiçoamento do nosso Direito Civil (que mira mais as pessoas e os seus livres relacionamentos).

Observado o posicionamento do Executivo em face da reforma do Código Civil, pode-se concluir que há uma preocupação com uma rápida substituição dele por uma nova modalidade de Código de Direito Administrativo, que permita, aos sindicatos, exercerem um papel de enquadramento autoritário dos recalcitrantes gestores privados, por parte das organizações sindicais alimentadas pelo Estado Patrimonial. Ora, no nosso patrimonialismo secular, sabemos que o que terminou prevalecendo do ângulo jurídico, foi a preocupação com a manutenção da estrutura patrimonial do Estado, da qual se tornaria instrumento eficiente a teia de sindicatos controlados pelo Executivo. Essa situação foi herdada do longo ciclo getuliano e das suas reformas trabalhistas, pensadas à luz do princípio fascista e corporativista de que “tudo deve ocorrer dentro do Estado, jamais fora dele”.

4. Como se deveriam dinamizar, hoje, o processo educacional e a função advocatícia, para melhor servir às pessoas, à luz dos aspectos filosóficos?

Immanuel Kant, na sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) partiu da formulação daquele que seria o princípio básico do agir moral, que o pensador alemão traduziu no seu imperativo categórico, que reza assim: “Age de forma tal que trates a pessoa do próximo sempre como fim e nunca como meio”.

Num contexto, como o contemporâneo, em que se perdeu de vista o sentido da Ciência e da Filosofia e se caiu numa perversa proposta anti-humanística de “Sociedade do Espetáculo”, que seria gerenciada por algoritmos programados via redes, a proposta de Kant volta a colocar as coisas no seu lugar. A existência humana é primordial, como é também a preservação da dignidade humana. Nem os Estados, nem as redes sociais nem os seus mais retumbantes algoritmos podem se erguer como as linhas mestras que comandam o agir dos homens em sociedade. Deve-se manter, incólume, a preservação dos direitos humanos básicos à vida, à liberdade e às posses. A liberdade de pensamento e de expressão não são doações arbitrárias dos donos do poder, mas constituem circunstâncias ontológicas dos seres humanos quando entram em sociedade. A Soberania das Nações não pode se erguer sobranceria à dignidade humana e aos princípios que a defendem, como mostrou muito bem o grande constitucionalista francês Benjamin Constant de Rebecque, na sua obra Princípios de Política (1810), que inspirou a nossa primeira Constituição como Nação Independente, a Carta Imperial de 1824.

A partir do imperativo categórico kantiano que manda “agir de forma tal a manter incólume a pessoa humana, que deve ser tratada como fim e não como simples meio”, temos um critério claro e objetivo para solucionar problemas na formulação das políticas públicas no terreno da saúde, da educação e de organização política, quer nas nossas organizações, mesmo as supranacionais, como no terreno dos Municípios e dos Estados. Toda solução formulada para aperfeiçoar os sistemas de saúde e de prestação de outros serviços à sociedade, deve-se inserir no contexto do respeito diuturno à dignidade da pessoa, que manda que todo ser humano seja tratado sempre como fin e nunca como simples meio.

Dessa alta finalidade de servir à dignidade humana não podem fugir os poderes públicos, cujo sentido é exatamente o de a preservarem e garantirem, por cima de qualquer regime ou ideologia.