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DESTRINCHANDO AS APARÊNCIAS PARA APREENDER A ESSÊNCIA DAS COISAS

DESTRINCHANDO AS APARÊNCIAS PARA APREENDER A ESSÊNCIA DAS COISAS

UM LIVRO ATUAL; DE ANTÔNIO PAIM, (1927-2021), "PARA ENTENDER O PT" (LONDRINA: EDIÇÕES HUMANIDADES, 2002].

Neste mundo tumultuado dos bilhões de informações que diariamente se projetam sobre nós “dos quatro cantos do horizonte”, com rapidez estonteante como fatos desconexos, temos a sensação de nos perdermos num todo em que não há relação entre as coisas. Dados que se projetam “dos quatro cantos do horizonte”, foi a expressão usada pelo grande pensador sergipano Silvio Romero (1851-1914), para tipificar o “surto de ideias novas” que, no último quartel do século XIX, desabou sobre o Brasil, causando perplexidade em todo mundo.

A esse “surto” que já nos acompanhava há mais de um século, juntou-se, na atual conjuntura, a Internet no meio noticioso, com a visão individual dos que postam as suas apreensões do meio em que vivem e a sua explicação das coisas imediatas. Mais atomizado ficou, portanto, o horizonte de eventos que nos assombram. Será que não há mais relação entre “as palavras e as coisas”, como perguntaria Michel Foucault (1926-1984)? Temos de nos contentar com a presença assimétrica de bilhões de imagens e de vozes, de relatos e de pretensas análises científicas ou filosóficas, que não guardam relação aparente entre si?

A verdade é que, como diriam Kant (1724-1804) e Weber (1864-1920), lemos as coisas sob o viés das nossas categorias e valores. Particularmente, leio fatos e narrativas como expressão do que os outros pensam, do ângulo que, como liberal, tenho privilegiado à maneira do grande Tocqueville (1805-1859): a questão da defesa da liberdade.

Destacarei, a seguir, dez trechos noticiosos tirados do Estadão de domingo 10 de dezembro. Em segundo lugar, refletirei sobre os fatos mencionados, ao ensejo da minha leitura da imprensa e julgando a partir do meu objeto formal de conhecimento: a defesa da liberdade.

1º texto. Fernanda Trisotto, Júlia Affonso e Jader Porcella. “PT pressiona Haddad para ‘vencer eleição’” [Estadão, 10-12-2023, p. A 8]. “Ministro reage à presidente da legenda e diz não ser verdade que déficit público faz a economia crescer”. Haddad defendeu o controle de gastos diante dos ataques da presidente da sigla, Gleisi Hoffmann, e do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT CE). “Haddad e Gleisi discordaram sobre a relação entre o resultado primário e o crescimento da economia. Haddad disse não haver correspondência entre déficit e avanço do PIB. Gleisi criticou a meta zero e defendeu a flexibilização. O partido está de olho nas eleições de 2024 e teme os efeitos do ajuste fiscal. Haddad citou o exemplo das gestões anteriores de Lula, em que houve superávit primário de 2% e a economia cresceu, em média, 4%. ‘Não é verdade que déficit faz crescer. De dez anos para cá, a gente fez R$ 1,7 trilhão de déficit e a economia não cresceu. Não existe essa correspondência’. Gleisi afirmara, mais cedo, que o déficit de 2023 se aproximava de 2%. Mais tarde, José Guimarães discursou e fez coro com Gleisi, deixando clara a razão: ‘Se tiver que fazer déficit, vamos fazer, ou a gente não ganha a eleição’ ”.

Para bom entendedor, poucas palavras bastam. O que disse José Guimarães, traduziu perfeitamente as intenções dos petistas. “Vamos fazer o diabo” com a economia, a fim de ganharmos as eleições do ano que vem. Ora, essa atitude coloca à margem das coisas os esforços de Haddad em prol de sanear as contas públicas. Lula e os petistas só pensam naquilo: ganhar as próximas eleições. E a gastança é o único caminho, sem maiores preocupações com controles fiscais. Para que, então, gastar tanto tempo e saliva dizendo, por boca do Ministro da Fazenda, o que jamais será feito? Lula e o PT querem gastança: logo a terão!

2º texto. Rolf Kuntz, “O Brasil também precisa de Lula” [Estadão, 10-12-2023, p. A6].

Na parte final do seu artigo, Kunz escreve: “(...) O mercado calcula uma redução dos juros básicos de 12,25% para 11,75%, neste fim de ano. O cenário inclui inflação de 3,92% em 2024 e juros de 9,25 no final do próximo ano - uma taxa ainda incompatível com uma economia vigorosa. Mas a ideia de uma economia solta e próspera está fora desse quadro. As projeções apontam expansão econômica de apenas 1,50% nos próximos 12 meses. O presidente Lula poderia mudar esse quadro se indicasse, de forma clara e crível, um compromisso de boa gestão fiscal em seu segundo ano de governo. Com mais confiança, empresas e consumidores cuidariam do crescimento”.

Acontece que essa hipótese nunca será realidade. Lula jamais garantirá confiança para crescer economicamente. O Brasil que busca crescer, não precisa do Lula, que quer exatamente o contrário: gastar os tubos para ganhar as próximas eleições. O resto é balela.

3º texto. Tácio Lorran e Daniel Wetterman. “Janones entrega 76% dos recursos de emendas à prefeitura de ex-namorada. Dinheiro enviado por deputado federal a Ituiutaba bancou cachê de artistas como Gusttavo Lima, Simone, Alok e Zezé di Camargo e Luciano em feira agropecuária” [Estadão, 10-12-2023, p. A7].

Tácio Lorran e Daniel Wetterman destacam no seu artigo: “O deputado federal André Janones (Avante, MG) priorizou a prefeitura de Ituiutaba (MG), governada pela ex-namorada e ex-assessora Leandra Guedes, na hora de enviar emendas parlamentares por meio do mandato na Câmara. O parlamentar destinou R$ 58,4 milhões de recursos para o município nos últimos quatro anos. O valor equivale a 76,1% de todas as emendas indicadas por Janones no período. Janones e Leandra são investigados em razão de um suposto esquema de ‘rachadinha’ no gabinete do parlamentar em Brasília. A prefeita era assessora dele na Câmara. Outros dois ex-assessores acusam Janones de cobrar a devolução de parte dos salários para cobrir despesas do deputado. Leandra seria a operadora do esquema, de acordo com os relatos (...)”.

Está na cara que o que Janones e a sua amiga querem é tudo, menos a saúde financeira do país. Usam o dinheiro público para pagar o cachê de caros artistas e, como insinuam os comentários sobre rachadinhas, enriquecer um pouco, que ninguém é de ferro. É o velho esquema petista de poupança com dinheiro dos outros!

4º texto. Luciano Nogueira Marmontel, de Pouso Alegre (MG). “Austericídio eleitoral” [Estadão, 10-12-2023 – Fórum dos Leitores, p. A4]. “Austericídio eleitoral. A resolução do PT afirma literalmente: ‘O Brasil precisa se libertar, urgentemente, da ditadura do Banco Central independente e do austericídio fiscal, ou não teremos como responder às necessidades do País’ “.

Traduzindo: “O PT precisa urgentemente controlar o Banco Central para evitar o austericídio eleitoral nas eleições de 2024”. O que é diafanamente objetivo está contido nas últimas duas linhas: o PT precisa urgentemente controlar o Banco Central!

5º texto. Pedro S. Malan. “Modo campanha eleitoral e modo governo em exercício” [Estadão, 10-12-2023 – p. A4]. “Esperemos que na Argentina – e no Brasil, por que não dizer – a geometria no poder se revista de sensatez e consistência, em especial na condução responsável da economia”.

O sofisticado economista Pedro Malan gastou tinta à toa. Podemos esperar tudo do Brasil, menos “que a geometria no poder se revista de sensatez e consistência!” Tanto o chefe petista quanto o resto da turma acreditam somente em dinheiro a rodo para ganhar as próximas eleições. O resto são apenas boas intenções!

6º texto. J. S. Decol (São Paulo). “Cumplicidade” [Estadão, 10-12-2023, Fórum dos Leitores, p. A4]. “Cumplicidade. Ao não se posicionar firmemente contrário à irredentista e criminosa aventura do ditador Nicolás Maduro de anexar na canetada a rica região de Essequibo, da Guiana, à Venezuela, como uma conquista territorial nos mesmos moldes da invasão da Rússia à Ucrânia, o presidente Lula deixa de ser apenas obsequioso com seu muy amigo, tornando-se aos olhos do mundo cúmplice na condenável ação, causando um inestimável prejuízo à imagem do Brasil. Vergonha!”.

Valem as últimas palavras da missiva do cidadão J. S. Decol, que se resumiriam na palavra que ele destacou no início de sua carta: “Cumplicidade”.

7º texto. Roberto Solano (Rio de Janeiro). “Copacabana” [Estadão, 10-12-2023. Fórum dos Leitores, p. A4]. “Caetano Veloso cantou: ‘Copacabana me engana, esconde o superamendoim, o espinafre, o biotônico’. Bons tempos... Hoje, Copacabana esconde o assaltante, o justiceiro, segurança zero, um bairro morto e abandonado. A princesinha do mar não existe mais, só resta chorar e ouvir as músicas que o lindo bairro inspirou”.

 Acontece que a cúpula do poder nesta estranha e descaracterizada República de faz de conta é, em grande medida, responsável pela insegurança que se enraizou em Copacabana, no Rio e em muitas outras cidades brasileiras, com os repetidos benefícios concedidos ao crime organizado, liberando narcotraficantes, facilitando a vida dos assaltantes mediante essas estranhas “Audiências de Custódia” que são rápidas em libertar logo larápios e assassinos, quando prendidos pela Polícia, que teme, além do mais, as ciladas tendidas pelas autoridades com uma legislação leniente e contrária aos agentes da Segurança Pública. Tudo em benefício do crime organizado!

Desde os tempos do populista Brizola (1922-2004), que proibiu à polícia carioca de subir os morros, não se via tanto acinte. Com a sua leniência para com o crime organizado, o STF e Lula condenaram todos os cidadãos de bem à insegurança continuada que a criminalidade espalha na outrora “Cidade Maravilhosa”!

8º texto. Oscar Thompson (São Paulo). “Preparação” [Estadão, 10-12-2023, Fórum dos Leitores, p. A4]. “Documento do PT faz crítica a poder do Centrão e ‘austericídio’ fiscal no governo [Estadão, 8-12. P. A8]. Ao criticar o governo federal, a cúpula do PT parece se esquecer de que está criticando a si mesma, pois o dono da sigla está no comando do Poder Executivo federal. Mas, com a aprovação desta resolução, o PT nada mais faz do que se preparar para a eventualidade de as políticas do governo federal não darem certo e, principalmente, da ausência do nome de Lula na cabine eleitoral de 2026. Em outras palavras, a cúpula do PT já aceitou a alta probabilidade de desastre do governo Lula e de que Lula não tentará a reeleição. Os desatentos não perceberam esse movimento. Mas a internet nunca se esquece, e, ainda que hoje despercebida, em 2026 será bradada com um ‘eu bem que disse’. O pior é que esse tipo de jogo tem funcionado”.

Concordo com a afirmação do missivista de que a liderança do PT parece se esquecer de que está criticando a si mesma. Ora, como a história para os petistas é uma narrativa construída por eles, se as coisas não se ajustarem às suas expectativas, o fracasso será corrigido mediante uma nova narrativa que o PT tirará do bolso. Os petistas de há muito brigaram com os fatos e se encerraram esquizofrenicamente na sua ideia de História como narrativa deles próprios. É caso de polícia mas também de hospício.

O Petrolão não deixou de ser – para os petistas - uma narrativa a ser corrigida por outra narrativa, a da tentativa do golpe contra o governo do PT em 8 de janeiro do ano passado.... Haja canseira para tanta esquizofrenia, que só se pode curar respeitando os fatos e não as narrativas de inspiração gramsciana!

9º texto. Mônica Gugliano. “Grupo quer se apresentar como a direita moderada contra extremismo em 2026: Partido com a terceira maior bancada na Câmara antecipa a mudança da direção e quer atrair quadros de outras legendas” [Estadão, 10-12-2023, p. A9]. “A centro-direita liberal está se movimentando para ter um projeto que possa chamar de seu em 2026. A largada aconteceu com as mudanças no União Brasil, previstas para serem consumadas no dia 29 de fevereiro, com a troca de comando da sigla, que foi antecipada, pois estava prevista somente para maio. Sai o atual presidente Luciano Bivar, que validou a entrada de membros do partido no governo Lula (...) e deve entrar o advogado e vice-presidente do partido Antonio Rueda. (...). A estratégia tem reunido um grupo de políticos, com ou sem mandato, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, o deputado federal e ex-ministro Mendonça Filho (União-PE), o ex-prefeito de Salvador ACM Neto e vários outros que veem espaço na atual conjuntura para traçar um projeto que, na visão deles, seja consistente. O plano pretende reorganizar grupos do antigo PFL, DEM, mas está aberto ao PSDB e PP e acena principalmente aos tucanos de centro. (...). ‘, Somos um grupo liberal com algumas ideias conservadoras, mas não como o bolsonarismo’, define Mendonça Filho”

“São ideias e propostas para serem defendidas por esse grupo ideológico que ficou à margem da política nacional com a polarização registrada nos últimos anos entre PT e o bolsonarismo. Passam por questões como segurança, um tema que o governador de Goiás trata com extrema atenção e sobre o qual costuma apontar falhas na política nacional, como ‘a liberalidade com que se trata o crime organizado’, por exemplo, até a reforma trabalhista e a base nacional curricular”.

“A política e o Brasil foram dragadas por essa combinação de extrema-direita-esquerda. Temos que recuperar nosso espaço, que não é nem o petismo nem a direita do ex-presidente Jair Bolsonaro” diz Mendonça Filho. “No governo Bolsonaro, parlamentares do DEM e do PSL participaram tanto do ministério quanto da base de apoio do governo no Congresso”.

Trata-se, a meu ver, de uma proposta da direita moderada, que não quis, no entanto, comprar a tese do Golpe de Estado perpetrado pela sacra trindade da esquerda, STF-TSE-LULA e que pretende, sem uma ação direta ou mais radical em termos programáticos, deixar que o tempo burile as arestas e abra espaço para a sua proposta de retomada da vida institucional na República, deixando que as coisas voltem ao seu leito tradicional, como os rios após a enchente. Esperar para ver.

A conclusão da análise da Mônica Gugliano é moderada e conservadora: “Ao tornar Jair Bolsonaro inelegível pelos próximos anos, a Justiça eleitoral deu o passo que fez a centro-direita começar a se reorganizar. Abriu-se um espaço para aqueles que concordavam com o projeto liberal na economia, mas discordavam da forma de Bolsonaro agir. As conversas têm avançado também com os governadores, como Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Romeu Zema (Novo), de Minas, Ratinho Júnior (PSD) do Paraná, e até, embora um pouco mais distante, com o tucano Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul (...).”

Conclusão.

Poucos compraram, entre os grupos acima mencionados, a análise liberal-conservadora do que se passou no Brasil nos últimos cinco anos. O bolsonarismo surgiu como uma opção de direita que empolgou a grande massa dos descontentes com o ciclo lulopetista e que foram arregimentados ao redor de dois pontos pelo novo presidente: a proposta liberal-conservadora de Paulo Guedes, portadora de uma mensagem de esperança e de valorização da livre iniciativa, não só no meio empresarial tradicional, como entre os pequenos empresários, vítimas do estatismo crescente; em segundo lugar, a crítica ao lulopetismo e à esquerda radical vociferante, com as suas propostas pseudo culturais para banir os valores conservadores das famílias da classe média, mediante a imposição de pautas “progressistas” como a educação de gênero, o abortismo, as pautas de educação sexista, o vitimismo dos meliantes e o rousseaunianismo em geral, que tornou vítimas os marginais e culpados os cidadãos de bem. Terminaram sendo foco de ataques dos esquerdistas, os cristãos de várias denominações e valorizados os grupos que aderiram à Teologia da Libertação. Foram arregimentados aqui os descontentes com as ações de perseguição legal ao crime organizado e, consequentemente, com a Operação Lava-Jato.

Tal foi o grau de adesão à proposta liberal-conservadora do bolsonarismo, que o chamado sistema – aqueles que, por comodidade ou visão pragmática das coisas – aderiam a um novo Centrão, já presente nos partidos tradicionais e saudosos das vantagens auferidas pela burocracia do Estado Patrimonial, que os máximos dirigentes da esquerda – mancomunados em novo projeto “republicano” – apoiaram o autoritarismo instrumental do STF e do TSE para fazer regredir e aniquilar o conservadorismo bolsonarista e abrir espaço para um novo capítulo da esquerda comandada pela alta cúpula petista e tucana, abrindo espaço para o golpe ocorrido em 2020/2021 com a libertação de Lula e o início do fim da Lava-Jato.

Muitos jovens passaram a lutar contra essa tentativa de dar sobrevida ao Estado Patrimonial, ingressando nas fileiras de novos partidos de inspiração liberal, a fim de manter viva a luta iniciada por Bolsonaro. Hoje as coisas se encontram nesse pé, com alguns jovens liberais aguerridos que se destacam na atuação parlamentar como Marcel Van Hattem, Nikolas Ferreira e Deltan Dallagnol.