Amigos, reproduzo aqui interessante artigo do ex-prefeito e ex-vereador César Maia, atualmente no PSDB, mas que também militou nas fileiras do PDT de Leonel Brizola e do PFL, partido pelo qual se elegeu prefeito do Rio de Janeiro, bem como vereador.
Como vocês podem verificar no artigo da autoria de César Maia, que a seguir transcrevo, o problema da direita brasileira é ser radical e dependente de uma visão de tipo religioso. Essa seria a direita que se consolidou no Brasil ao longo dos séculos XIX e XX. Convenhamos que se trata de uma visão bastante recortada do que seria o pensamento da direita. É o vício que a esquerda brasileira tem em relação a outras ideologias políticas. Não consegue ter delas uma concepção equilibrada e objetiva, terminando por menosprezá-las.
Lembro-me do meu mestre, o historiador colombiano Jaime Jaramillo Uribe (1917-2015), que lecionou durante várias décadas na Universidade de Los Andes, em Bogotá, e que foi o autor que introduziu no cenário dos estudos historiográficos o pensamento conservador colombiano dos séculos XIX e XX. Alertava o mestre para o processo simplificatório que se estruturou inicialmente na França, por obra e graça da reação dos tradicionalistas (nomeadamente Joseph de Maîstre e Luis de Bonald) em face da Revolução Francesa. O conservadorismo de De Maîstre e de Bonald foi radical, consolidando uma versão tradicionalista de cunho absolutista, que abjurava das Luzes e da possibilidade de haver um conservadorismo moderado. O Tradicionalismo francês enaltecia o catolicismo radical que se insurgiu contra os Jacobinos e que, em matéria política, apostava numa volta aos regimes teocráticos da Idade Média.
Dizer que o pensamento da direita ficou nesse estreito cercadinho é uma ignorância grave em matéria de história das ideias. Porque, mesmo na França, os tradicionalistas foram criticados por conservadores cristãos moderados como Chateaubriand ou por liberais-conservadores como Jacques Necker, Henri-Benjamin Constant de Rebecque, Madame de Staël, François Guizot, Alexis de Tocqueville e uma plêiade de cérebros moderados que buscavam a preservação dos valores tradicionais, sem abrir mão das Luzes que, embora tivessem desatado as fúrias revolucionárias, era necessário preservar, moderadamente, pois sem racionalidade não há apreensão cognitiva da realidade, evitando o extremismo que conduziu à reação armada contra a República laica, que se instaurou na segunda metade do século XIX, quando da chegada à Presidência, na Segunda República francesa, do “Príncipe-Presidente”, Luís Napoleão, em cujo gabinete serviu, em 1849, como Ministro de Assuntos Estrangeiros, o deputado e consagrado escritor Alexis de Tocqueville.
Porque na Europa e no Continente europeu, assim como nos Estados Unidos da América e também no Brasil e em outros países da América Latina, como Argentina, México e Colômbia, houve um conservadorismo moderado focado na preservação dos valores caros à população, como o culto à família e ao reconhecimento do fator religioso considerado algo essencial à vida das comunidades. Foi resgatada a urgência de preparar o governo representativo sem se distanciar da representação natural dos corpos intermediários. Foram preservados, também, a valorização da autoridade quando exercida na trilha do bem comum, o equilíbrio entre razão e fé, enfim, os valores e atitudes que foram adotados pelos Pais da Independência americana e pelos partidos moderados, de inspiração conservadora, que abriram o passo para o enriquecimento das classes médias na Inglaterra, na Europa Ocidental e nas Américas espanhola e portuguesa, sem perder de vista os valores de justiça social pregados pela doutrina social dos Papas.
Tudo isso é necessário recordar hoje. Pois o conservadorismo não se pode catalogar como mais um extremismo da direita, a qual, embora tenha sido reformulada ao ensejo do nascimento dos totalitarismos do século XX, não conseguiu destruir o conservadorismo moderado, que foi o que terminou prevalecendo na Inglaterra, na França e na Alemanha, bem como nos Estados Unidos. No Brasil, o conservadorismo moderado floresceu no Império, após o Ato Adicional (1841), com figuras importantes como o Visconde de Uruguai e José Pereira de Vasconcelos. No ciclo republicano, esse conservadorismo está nas raízes do liberalismo moderado de Rui Barbosa e de José Maria Belo. No período contemporâneo, esse conservadorismo moderado encontrou espaço junto a pensadores vigorosos como Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima e se formatou na Colômbia, em pleno final do século XX e início do atual milênio, com um estadista da talha de Alvaro Uribe Vélez.
No Brasil, o conservadorismo moderado também entrou na pauta dos novos movimentos conservadores contemporâneos, entre os quais sobressai o bolsonarismo, que coexiste com a pluralidade ideológica e com a preservação das instituições do governo representativo. A retórica marxista certamente tentou deformar o novo conservadorismo como algo de tipo totalitário, a fim de abrir o passo para a derrubada do jogo político tradicional, com a emergência de uma proposta que corre por fora da tradição estabelecida, à cuja testa se coloca Lula, que foi, aliás, julgado e condenado não por um regime totalitário, mas por instituições republicanas comprometidas com a preservação das instituições jurídicas. O autoritarismo do STF e do TSE praticado, hoje, contra os que nos insurgimos em face da obscura manipulação de dados eleitorais, serve mais aos interesses dos que pretendem colocar em andamento uma versão socialista pautada pela esquerda radical.
Considero a entrada das redes digitais como um elemento que influi na divulgação e na potencialização do conservadorismo, não ao ponto de serem definitivas na constituição teórica dessa modalidade de pensamento, mas na divulgação ao grande público das suas teses e propostas. Mas essa dinâmica abriu-se, em termos gerais, também para as demais tendências ideológicas.
Felizmente, a nova geração de estudiosos do pensamento brasileiro está fazendo um desenho bem mais completo do panorama da história das ideias políticas. No que corresponde à pesquisa acerca do pensamento conservador, menciono, apenas, uma das obras que marcaram os novos rumos da nossa meditação nacional: refiro-me ao magnífico ensaio do jovem jornalista e diretor do Instituto Liberal no Rio de Janeiro, Lucas Berlanza, intitulado: Guia bibliográfico da Nova Direita: 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro. (Prefácio de Rodrigo Constantino). São Luís: Resistência Cultural, 2017, 255 páginas.
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César Maia – Uma nova direita?
Não há novidades na radicalização política dos últimos anos. É assim desde meados do século 19, entre direita e esquerda. A mobilização da direita através da massificação populista teve seu auge após a 1ª Guerra Mundial, com o Fascismo e o Nazismo. Em ambos os casos a propaganda ganhou enorme destaque.
Neste momento, a polarização passou a ser vista como um momento de uma nova direita. É importante analisar as circunstâncias que produziram essa percepção. Para tanto, há que analisar as extremas direitas nos diversos países, o que elas têm em comum nos dias de hoje e o que as diferencia de antes.
A mobilização da direita nos séculos 19 e 20 teve um caráter religioso. Mas sempre por um processo vertical, de cima para baixo. Nos últimos anos, ocorreu uma mudança significativa. Esse processo de mobilização e massificação ganhou um caráter horizontal. O seu multiplicador ocorreu de forma difusa. Isso teve uma liderança da direita. A razão de fundo foi tecnológica, através da internet e a popularização horizontal pelos smartphones. Isso gerou uma massificação através das Redes Sociais. Para se diferenciar da esquerda, essa nova direita assumiu-se como conservadora e antidemocrática.
A esquerda foi surpreendida ao sentir que o sindicalismo e os movimentos sociais articulados da forma anterior não eram mais capazes de mobilizar. A avaliação deste novo quadro, a partir dos democratas nos EUA e Europa e, como desdobramento, chegando ao Brasil, alterou essa hegemonia.
A esquerda e os democratas absorveram as novas tecnologias e passaram a também mobilizar via Redes Sociais. Esta é uma nova situação que superou a polarização anterior e, com isso, a extrema direita foi perdendo a hegemonia conquistada.
Assim, temos um novo quadro. A radicalização da direita atraiu a esquerda para uma aproximação ao centro em defesa da democracia. E a absorção e o uso das Redes Sociais.