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AMÉRICA LATINA NO PANORAMA GEOPOLÍTICO

AMÉRICA LATINA NO PANORAMA GEOPOLÍTICO

O ENGENHEIRO INGO PLÖGER (1949-), PRESIDENTE DO CAPÍTULO BRASILEIRO DO CONSELHO EMPRESARIAL DA AMÉRICA LATINA

Na passada reunião do grupo “Altos Papos” coordenado em São Paulo pelo Dr. Antônio Roberto Batista, na noite de 8 de fevereiro, participou como palestrante o engenheiro Ingo Plöger (1949-), que preside o capítulo brasileiro do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL). A Live, realizada através da plataforma digital do Centro Universitário FEI - Campus São Bernardo do Campo, no interior paulista, foi aberta pelo reitor dessa Instituição, o engenheiro e professor doutor Gustavo Donato. Ingo Plöger apresentou uma síntese acerca dos recentes estudos efetuados pelo CEAL, em relação às grandes tendências geopolíticas dos vários países da América Latina, na agitada quadra da realidade mundial contemporânea.

Em escala planetária, o conferencista destacou, en passant, que a África vai reduzir os níveis de pobreza ao longo das próximas décadas, em decorrência das políticas públicas que estão sendo implementadas em vários países do Continente, com auxílio de entidades internacionais entre as que se destaca a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECDE, com sede em Paris). Isso sem esquecer o notável esforço de financiamento, por parte dos Chineses, de obras de infra-estrutura que se espalham hoje por várias regiões do Continente Africano.

Ainda em termos de uma visão macro, observa-se que há uma tendência dos Estados Unidos a se afastarem da evolução tecnológica chinesa, enquanto Pequim desenvolve tecnologia de ponta, notadamente em inteligência artificial, com a finalidade de superar os Americanos nesse quesito, no que tange, especialmente, às aplicações industriais e bélicas.

No que toca à América Latina, a perspectiva desenhada pelo CEAL é otimista. A parte andina do nosso Continente depende mais da China, com o financiamento de grandes obras de infraestrutura e o crescimento da presença comercial de Pequim em vários países. O palestrante destacou, como ponto negativo, o acelerado e enorme déficit comercial hoje existente entre o México e a China. Já a parte atlântica da América Latina apresenta uma situação de maior equidistância em relação aos Chineses, destacando-se três vetores: o energético, o alimentício e o da exploração de matérias primas.

Do ângulo das tecnologias digitais observa-se, no Continente Latino-americano, uma forte transformação, que veio potencializar, ainda mais, a modernização do Sistema Bancário. Característica geoestratégica desse fenômeno é o fato de a parcela mais jovem da população urbana e rural estar-se integrando, aceleradamente, ao processo de automação digital, mediante a criação de Startups nos terrenos do mercado de capitais, da criação de empresas prestadoras de serviços, do agronegócio, do comércio online, dos transportes, da transmissão do conhecimento, da pesquisa e da propaganda. A transformação digital no Continente latino-americano oferece um poder de integração gigantesco. Trata-se de um fato realmente alvissareiro, porque se estende a toda a Região e abarca, especificamente, as novas gerações.

Três vetores foram destacados nesse amplo fenômeno de modernização: o energético (com produção de energias provenientes de fontes naturais e renováveis), o alimentício (incluindo fibras novas a partir das pesquisas realizadas pelo agronegócio) e o da exploração de novas matérias primas (variante na qual também se destacam as Américas da Região Andina e do Caribe).

O palestrante chamou a atenção para o poder de integração representado pela transformação digital que, como já foi frisado, abarca notadamente as novas gerações da cidade e do campo. Este ponto abre uma enorme janela de esperança sobre o futuro geoestratégico da América Latina. As transformações digitais, frisou Ingo Plöger, acelerarão, ainda mais, na América Latina, a diminuição de custos de produção e o aumento de benefícios. A rápida modernização da infraestrutura decorre, em boa medida, desse processo modernizador, com melhores e mais rápidos métodos de gestão em portos, aeroportos, rodovias, ferrovias e com a geração de energias limpas e renováveis.

O modelo brasileiro de integração energética representado pela empresa Itaipu Binacional (que é administrada pelo Brasil e pelo Paraguai), tem funcionado sem dificuldades de monta e com total eficiência ao longo dos últimos 40 anos, constituindo um paradigma que deve inspirar outros empreendimentos não somente no Brasil, mas pela América Latina afora, também.

Concluindo a sua palestra, o engenheiro Ingo Plöger destacou que, em face dos demais centros de poder geoestratégico mundial, a América Latina possui uma consistência mais jovem (que a aproxima da Africa e da Oceania), em face dos tradicionais focos de poder mundial, identificados com a América do Norte e a Eurásia. O nosso sistema republicano assemelha-se ao vigente nas demais Repúblicas latino-americanas. Isso facilita os empréstimos culturais, bem como as alianças comerciais e no terreno geoestratégico.

As últimas palavras do palestrante foram um chamado ético: é necessário nos conscientizarmos de que as desigualdades de renda, tal como são experimentadas, ao longo da história, pelas populações da América Latina, são moralmente inaceitáveis e exigem de nós, uma mudança radical de mentalidade: é imperativo transformarmos já esse pano de fundo de desigualdade, que conspira contra os sentimentos de dignidade e de amor ao próximo.

A Europa do século XIX, que emergia, coberta de cinzas, das grandes revoluções do século XVIII, conseguiu formular, pela boca dos seus pensadores e homens de Estado, o urgente chamado para equacionar a questão da justiça social. Fazendo-se eco de todos eles, o grande Alexis de Tocqueville (1805-1859) frisava , apelando para os sentimentos cristãos: “Todos os grandes escritores da Antiguidade faziam parte da aristocracia dos senhores, ou pelo menos viam essa aristocracia estabelecida sem contestação ante os seus olhos; o seu espírito, depois de se haver estendido por vários lados, achou-se, pois, limitado por aquela, e foi preciso que Jesus Cristo viesse à terra para fazer compreender que todos os membros da espécie humana eram naturalmente semelhantes e iguais” [Tocqueville, A democracia na América. 2ª edição brasileira com tradução de J. Ribeiro da Silva, Belo Horizonte / São Paulo: Editoras Itatiaia / EDUSP, 1977, p. 329].

Tive a honra e a satisfação de ser o primeiro a colocar os meus pontos de vista em face da palestra do Ingo Plöger. Destaquei o clima de entusiasmo com o qual o palestrante se referiu às nossas potencialidades geoestratégicas, nestes tempos de pandemia que já vai derivando, felizmente, em endemia, mas que golpeou todo o Planeta de forma cruel. A América Latina, com a sua desigual distribuição da riqueza, tornou-se centro de grandes dramas humanos, já alimentados pelas incertezas do desenvolvimento. Impressionou-me a coragem do chamado ético do palestrante, em face da situação de penúria econômica pela qual passam muitos dos nossos semelhantes.

Em relação ao caso específico do México, com o acelerado e enorme déficit comercial, apontado por Ingo Plöger, hoje existente em face da China, anotaria, como causa, o desregrado gasto público. Deter-me-ei nesse ponto. O enorme déficit público é causado pelo gigantismo do Estado Patrimonial. O grande país asteca ficou refém, segundo o engenheiro, poeta e escritor Gabriel Zaid (1934-), da vetusta estrutura sindical, que engessa as relações sociais, condicionando-as às exigências tacanhas da oligarquia dos sindicatos, dominados por uma esquerda raivosa e nacionalista que tomou conta do Estado e que elege os Presidentes da República, dando ensejo ao mostrengo descrito pelo prêmio Nobel de Literatura Octavio Paz (1914-1998) como "El Ogro Filantrópico".

A respeito dessa "ditadura sindical" que mantém o México na eterna dependência do atraso, frisa Gabriel Zaid: "(...) As corporações sindicais acumularam mais do que as antigas corporações eclesiásticas. Possuem o direito a designar prefeitos, governadores, deputados, senadores. Dominam o principal setor do Partido Revolucionário Institucional. Têm chefias locais e regionais. Possuem miles de milhões de pesos, empresas de todos os tipos, barcos, fazendas, fábricas, cadeias de lojas, jornais, escolas. Têm foros fiscais: os seus ingressos não são taxados e ninguém tem direito a fiscalizar as suas contas. Têm foros de propriedade: o presidente que se atreveu a expropriar a banca privada, não se atreveu a expropriar o Banco Operário. Têm foros de força: podem agremiar se valendo da intimidação física; podem expulsar (e deixar sem emprego) os seus agremiados; podem obrigá-los a marchar em peregrinações políticas; podem sequestrá-los e obrigá-los a confessar, como fazia a Santa Inquisição: como donos da sua própria justiça, à margem dos foros civis. Têm um histórico de mortes não desvendadas, que parecem ajustes de contas. Em caso extremo, chegaram a ameaçar as autoridades com o recurso à violência, dentro ou por fora da Constituição. Num regime presidencialista, que apoiam em troco ao respeito aos seus foros, uma e outra vez sublinharam que o seu apoio não é incondicional. São capazes de gestos desafiadores e até de velados desacatos sem paralelo atual: como os que antes se enxergavam entre os caudilhos armados que negociavam a sua lealdade ao Presidente da República. Como se fosse pouco, possuem legitimidade. Assim como os intelectuais, as instituições, o poder, a sociedade, não podiam blasfemar perante os propósitos redentores do sindicalismo. Há até doutrinas que supõem que os sindicatos são algo assim como a Igreja Militante: protagonistas da luta do Bem contra o Mal. Um foro como a cláusula de exclusão, que põe os agremiados nas mãos dos seus líderes, parece sacrossanto. Já ninguém pede 'Religião e foros!', mas 'Controle sindical e foros'; parece uma aspiração legítima para muitas almas piedosas (...). Obregón, Calles, Cárdenas, que criaram o monstro, a favor do poder presidencial, nunca imaginaram o tamanho com que iria crescer, alimentado pelo gigantismo industrial".

E continua assim Gabriel Zaid a sua caracterização das desgraças mexicanas: "Há até os que pensam que, num futuro próximo, algum presidente terá de se impor, como Carranza, Obregón, Calles Cárdenas, sobre alguns líderes fortes demais: eliminando-os de alguma forma, mais ou menos violenta. Mas seria um erro: o perigo não está em que tais ou quais pessoas tenham acumulado um poder sem paralelo por fora da presidência, mas na forma de acumulá-lo, que de fato é a mesma que culmina na presidência (exceto que a presidência é transitória): com os arranjos privados, à margem dos votantes. Por isso, a maneira de acabar com o monstro tem de ser democrática: destruir os foros do absolutismo presidencial junto com os foros sindicais; fazer com que os presidentes não sejam donos da República, nem os líderes donos dos sindicatos: fazê-los depender de apoios democráticos, em vez de corporativos" [ZAID, Gabriel. "Sindicatos integrados" (1988), in: AGUILAR Rivera, José Antonio (organizador). La espada y la pluma: Libertad y liberalismo en México 1821-2005. México: Fondo de Cultura Económica, 2011, pp. 1023-1024].

Algo semelhante escreveram Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888) com relação à Argentina [em Facundo, civilização e barbárie no pampa argentino]  e Antônio Paim (1927-2021), em face do estatismo brasileiro [em Momentos decisivos da história do Brasil ]. Ambos os autores esmiúçam criticamente a viscosa e imensa massa do Estado Patrimonial que, desde o século XIX, assombra a argentinos e brasileiros, tendo privatizado o poder em mãos de excludentes lideranças político-sindicais. É do lúcido Antônio Paim a seguinte afirmação: "(...) a cúpula da burocracia estatal brasileira (hoje, friso eu, encarnada no STF), sustentáculo da tradição patrimonialista, representa os sentimentos e as aspirações da maioria da nossa população. Por certo que isto pode mudar, mas enquanto tal não se der, não se vislumbra no horizonte quando poderá ocorrer o cumprimento da aspiração de sair do patrimonialismo" [PAIM, Antônio, Momentos decisivos da história do Brasil, 2ª edição, Campinas: CEDET / Vide Editorial, 2014, p. 15]. 

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Ingo Plöger (1949-) é brasileiro de origem alemã. Engenheiro Mecânico formado pela Universidade Tecnológica de Darmstadt, com Pós-Graduação em Ciências Econômicas e do Trabalho pela Universidade Tecnológica de Munique. É empresário e acionista da Companhia Melhoramentos de São Paulo, fundador e presidente da IPDES (Empresa de formação estratégica de cenários e desenvolvimento empresarial). Participa do Conselho Global em várias empresas (Bosch do Brasil e International). Foi conselheiro da Zivi Hercules, da VARIG e da EMBRAER. É conselheiro da FEI (Fundação Educacional Inaciana), da Fundação Faculdade de Medicina de São Paulo, membro do Conselho Consultivo da Sociedade Beneficente Alemã, membro da diretoria da Associação Brasileira de Agronegócio (ABAG), foi presidente internacional do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL) e presidente do Capítulo Brasileiro do mesmo Conselho. É ex-presidente da Igreja Luterana da Paz. Algumas das suas obras: Sociedades anônimas, mercado de capitais e outros estudos (em colaboração com: Maria Lúcia Cantidiano, Igor Muniz, Isabel Cantidiano et alii). Paris: Quartier Latin, pp. 61-65. The EU-Mercosur Association Agreement, Mutual Advantages for Business and Economic Cost Failure, MEBF Mercosur Chair of Institut d’Études Politiques de Paris, Science Po, Edited by Alfredo G.A. Valadão, Paris 2004. “Opening Statement” by Ingo Ploger and Guy Dolle; “New dynamics” and other articles in: Latin Trade, Opinion by Ingo Ploger, 2019 https://latintrade.com/category/opinion/ingo-ploger/  [consultado em 16-02-2022].