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ALTAS TECNOLOGIAS DIGITAIS, SISTEMA PRODUTIVO E PROCESSO EDUCACIONAL

ALTAS TECNOLOGIAS DIGITAIS, SISTEMA PRODUTIVO E PROCESSO EDUCACIONAL

CENTRO UNIVERSITÁRIO DA FEI EM SÃO BERNARDO DO CAMPO - SP

No dia 25 de janeiro teve lugar a Live quinzenal do grupo “Altos Papos”, coordenado pelo Dr. Antônio Roberto Batista. A sessão foi aberta pelo professor Doutor Gustavo Donato, reitor da Fundação Educacional Inaciana (FEI), com sede em São Bernardo do Campo (SP). Dessa vez, a exposição ficou por conta de engenheiro eletricista Marco Antônio Assis de Melo, que falou sobre “Impactos das tecnologias de Memória Artificial sobre as comunicações e o sistema produtivo”. Assis Melo é graduado em Engenharia Elétrica pela Faculdade de Engenharia Industrial FEI (1991), com Mestrado em Engenharia Elétrica pela mesma Faculdade (1999) e pela Universidade de São Paulo (2004), possuindo o título de Doutor em Engenharia Elétrica também pela USP (2009). O palestrante tem experiência na área de Engenharia Elétrica, com ênfase em Sistemas Eletrônicos, Processamento de Sinais, Telecomunicações, Sistemas de Controle aplicados principalmente nos seguintes itens: filtros não lineares, processamento de imagens, processamento de sinais, processadores para sinais e imagens, hardware e software para aplicações e sistemas espaciais. Como docente e pesquisador da FEI, Marco Antônio Assis de Melo tem-se dedicado ao estudo das tecnologias que giram em torno ao G5 e G6.

Da exposição desse especialista ficou clara uma coisa: o nível de sofisticação em matéria de Tecnologia Digital e Memória Artificial é de tal ordem, que já estamos assistindo à automação em nível de chips inteligentes. Os processos produtivos serão acelerados com a utilização sistemática da tecnologia da Inteligência Artificial e, se não nos prepararmos, perderemos terreno, rapidamente, para países que façam o dever de casa em matéria de formação de profissionais habilitados para lidar com essas tecnologias.

Hoje, estão longe de nós não apenas os supercomputadores de ponta que nos Estados Unidos, na Europa, na China, no Japão e na Coreia do Sul trabalham com tecnologias avançadas de inteligência artificial e prenunciam avanços tais em medicina que podem prever “a morte da morte” lá pelos idos de 2045. Está longe de nós, também, o ponto de partida da cadeia de produção de máquinas inteligentes, o universo dos chips. Em relação a estes últimos, como informava recente matéria da revista Veja [Caio Saad, “O chip da discórdia”, edição 2772, 19/01/2022, pp. 50-51] esses minúsculos componentes, “vitais para a cadeia produtiva global, os microprocessadores onipresentes no universo eletrônico, estão provocando uma corrida entre as nações do Ocidente para não mais depender da China”. A nossa indústria automobilística está lidando com o problema da falta de chips, em decorrência de a cadeia produtiva destes ter sofrido as intermitências de produção ensejadas pelo COVID.

No Brasil, infelizmente, começamos mal a nossa caminhada rumo à utilização sistemática da informática nos processos produtivos. Com a famigerada criação da Secretaria Especial de Informática, em 1979, o Brasil perdeu a oportunidade de ter-se tornado um país líder nas novas tecnologias nesse setor. Intelectuais, professores universitários, empresários, parlamentares e governantes olhavam com desconfiança para a entrada da tecnologia da informática. Foram fechadas as portas para a IBM instalar-se no Brasil, com a finalidade de produzir os primeiros computadores pessoais. O cientificismo caboclo olhava com desconfiança para os Estados Unidos e o consenso geral era de que “não se poderia entregar o ouro aos Americanos”, abrindo espaço, no nosso país, para a instalação de fábricas de computadores e para a livre entrada, nas nossas indústrias, dos últimos avanços em matéria de informática.

Foi assim como, em meados da década de 1970, a IBM e a Hewlett Packard foram bater em outras portas como Taiwan, Hong Kong, Singapura, a República Popular da China, o México, a Espanha e a Coreia do Sul. “O atraso é nosso”, esse parecia ser o lema das nossas elites, fanaticamente apoiadas pelo grosso da sociedade e da intelectualidade, com raríssimas exceções como o então Senador Roberto de Oliveira Campos (1917-2001), que literalmente ficou “falando sozinho” quando da discussão, pelo Congresso, do projeto da “Lei de Informática” ao defender, com coragem, a necessidade de abertura do país nessa área tecnológica. O jornalista e economista Gilberto Paim (1919-2013) que era assessor do senador Campos, no seu livro intitulado: Computador faz política [Rio de Janeiro: APEC, 1985] resumiu os lances inglórios dessa “epopeia do retrocesso” que vergonhosamente nos atrasou em décadas, impedindo o domínio, pelo Brasil, da tecnologia informática. Ficamos entregues ao arbítrio da famigerada “Secretaria Especial de Informática”, gerida pelos coronéis do Instituto Militar de Engenharia, que autorizava a importação de microprocessadores e chips, para garantir “a reserva de mercado da informática” com pagamento, evidentemente, do correspondente imposto [A “Secretaria Especial de Informática”, órgão complementar do Conselho de Segurança Nacional, foi criada por Decreto de 2 de Outubro de 1979 assinado pelo Presidente, general João Figueiredo].

Os países que progrediram com invenções e pesquisa na área da Memória Artificial aplicada às comunicações e ao sistema produtivo, estão dando as cartas acerca dos rumos da economia global. Existem, hoje, Universidades e Institutos de Pesquisa dedicados ao estudo do tema, como a Singularity University mantida pela NASA no Silicon Valley (Califórnia – Estados Unidos), o Instituto de Artes e Tecnologia do MIT com sede em Boston (Massachussets, Estados Unidos), um de cujos diretores é o conhecido pesquisador e palestrante internacional José Luis Cordeiro (cofundador da Singularity University), que se dedica ao estudo da forma em que a vida humana está sendo transformada pelas altas tecnologias de comunicação e informática aplicadas à Medicina. No MIT, o Instituto de Engenharia do Conhecimento (cujo diretor é o engenheiro Alberto Barrientos) dedica-se também às pesquisas sobre a Memória Artificial e sua aplicação aos processos produtivos. A Universidade Autônoma de Madri desenvolve projetos análogos sob a direção do vice-reitor Javier Ortega. Várias Fundações dedicam-se ao estudo do projeto de uma “vida útil indefinida” como a Fundação Matusalém (criada na Virgínia – USA pelo gerontólogo britânico Aubrey de Grey, PhD pela Universidade de Cambridge) e a Fundação SENS (com sede na Califórnia, Estados Unidos e fundada por A. de Grey).

No nosso país, certamente, há hoje núcleos de interesse nesses temas, como a FEI, a USP e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica. O astronauta Marcos Pontes, desde o Ministério da Ciência e Tecnologia está dando um apoio expressivo a projetos nessas áreas tecnológicas, estimulando o surgimento de startups que vinculem jovens pesquisadores. Isso, em que pese os inoportunos cortes orçamentários de que foi vítima o MCTI recentemente. Mas, convenhamos, são iniciativas muito pequenas em face da magnitude do caminho a percorrer.

O principal problema no Brasil, afora os “preconceitos nacionalisteiros” de que falava Roberto Campos, é que não temos, ainda, um sistema de ensino público de qualidade que, desde o segundo grau profissionalizante até a formação tecnológica de alto nível, ofereça suficientes oportunidades de boa formação aos nossos jovens.

Duas tarefas parecem-me inadiáveis se quisermos abrir espaço para os nossos jovens se beneficiarem desses avanços de alta tecnologia. Em primeiro lugar, completarmos a reforma iniciada pelo presidente Michel Temer, com a plena implantação do Segundo Grau Tecnológico Profissionalizante. Em segundo lugar, fazermos a reforma no que tange à eleição de reitores e à gestão das Universidades Federais.

A respeito dessas tarefas inadiáveis, notadamente a de completarmos a reforma do Segundo Grau Profissionalizante, escrevia recentemente o ex-presidente Temer: “Fizemos, no nosso governo, a Reforma do Ensino Médio e a criação de 500 mil vagas de ensino em tempo integral. É preciso dar sequência ao processo de melhoria da qualidade do ensino público, especialmente da educação básica. É urgente formular respostas contundentes aos retrocessos provocados pela pandemia na área educacional. (...). Em lugar de significar uma condenação às nossas crianças e adolescentes mais pobres, esse vírus deve ser transformado no melhor argumento para virarmos definitivamente a chave. Fazer brotar uma grande e inédita articulação nacional, reunindo os governos federal, estaduais e municipais, além de organizações da sociedade civil, para ombrear em qualidade as escolas públicas e as privadas, com metas e prazos. (...). Não precisamos de salvadores da pátria, mas de líderes, gente com capacidade de articulação e negociação” [Michel Temer, “O eleitor e as eleições”, O Estado de S. Paulo, 25/01/2022].

Do ângulo administrativo, a reforma que deveria acompanhar a mudança do currículo do Segundo Grau Profissionalizante, deveria ser a de dotar as Secretarias Estaduais de Educação dos instrumentos administrativos para que pudesse ser efetivada e gerida, com continuidade e segurança, a reforma do ensino profissionalizante. Trata-se de substituir o ensino livresco, dando continuidade à reforma iniciada no governo de Michel Temer, com a programação de Cursos profissionalizantes, em que os alunos aprendem à luz da prática do binômio ensino-trabalho, da forma em que, no Estado de São Paulo, a Secretaria de Educação cuida da formação dos estudantes secundaristas, vinculando-os já, pelos conteúdos e pela forma de ensino, à prática como ponto de partida do processo de aprendizado.

Isso implica, evidentemente, incorporar, de maneira definitiva, ao processo de ensino-aprendizagem, o sistema produtivo, mediante a participação efetiva deste nos processos educacionais. Ora, os resultados alvissareiros conseguidos pela Fundação Paula Souza no Estado de São Paulo, nesse tipo de formação, decorrem do fato de a mencionada Fundação cuidar da qualidade do ensino profissionalizante como ensino em chão de fábrica, em que as Empresas passam a participar da programação acadêmica, de acordo às necessidades por elas sentidas na região em que estão sediadas.

Se, em cada Estado da Federação, a respectiva Secretaria de Educação contasse com o auxílio de uma fundação como a Paula Souza, para gerir de maneira adequada o ensino profissionalizante de segundo grau, tornar-se-ia realidade, em pouco tempo, a emergência da nova forma de Ensino Profissionalizante de Segundo Grau. É evidente que, num país continental como o Brasil, as realidades regionais e as necessidades do setor produtivo são muito variadas. Não se poderia impor, na materialização do Ensino Profissionalizante de Segundo Grau, o mesmo modelo para todas as regiões. Seria necessário que o Sistema de Ensino se adequasse à realidade produtiva regional. Ora, essa diversificação já acontece, como por exemplo em Pernambuco, com as Escolas Agrícolas de tempo integral. Seria necessário que, em cada unidade da Federação, a Secretaria Estadual de Educação contasse com o auxílio de uma Fundação como a Paula Souza, que estabelecesse a ponte entre o ensino formal e o sistema produtivo.

Anoto, a respeito, que o motivo principal da minha saída do MEC decorreu dos obstáculos que foram criados para a realização desse modelo, quando me vi obrigado a dispensar o Secretário Executivo, o professor Tozi, um antigo superintendente da Fundação Paula Souza, que eu tinha levado justamente ao Ministério, com o intuito de que tornasse realidade  a reformulação completa do Ensino Técnico do Segundo Grau. A famigerada “Guerra Cultural”, entendida como combate puramente ideológico, foi um obstáculo que os militantes de direita criaram para que se tornasse realidade esse projeto.

Trato, por último, do segundo ponto que mencionei anteriormente, como tarefa inadiável para melhor dotar a nossa sociedade dos instrumentos educacionais adequados que nos permitam abrirmos as nossas Universidades Públicas ao mundo da Alta Tecnologia. O ponto central da reforma consistiria na mudança da escolha de Reitores para as Universidades Federais. Estas viraram uma terra de ninguém, em decorrência do fato de que a eleição direta de Reitores passou a ser uma manobra corporativista dos sindicatos de docentes, discentes e administradores, todos ligados à CUT, para manter as Universidades a serviço das prioridades ideológicas da esquerda radical. Propus a adoção do sistema de escolha de Reitores pelo modelo de análise de currículos por uma Comissão de Alto Nível que, no Estado correspondente, abra uma chamada de apresentação de currículos dos candidatos que queiram se inscrever. Esses currículos são rigorosamente analisados pela Comissão de Análise de Currículos, escolhendo os cinco melhores. Esses cinco candidatos submetem-se a debates abertos com funcionários, docentes, discentes e empresários da região (que são convidados a formar parte da Comissão de Seleção), levando em consideração que a presença do Setor Produtivo é de capital importância para que a Universidade responda às necessidades econômicas da região em que está inserida.

Os três melhores candidatos que forem apontados com maior pontuação a partir dos debates com a Comunidade Universitária e os Empresários, são apresentados à Autoridade Competente (O Presidente da República), para que escolha entre eles o Reitor da Instituição. Com este sistema, inspirado nas práticas do Instituto Tecnológico da Aeronáutica para nomear os seus Reitores, garante-se a desideologização da eleição de Reitores, bem como a sua responsabilidade em face dos requerimentos da Região onde está situada a respectiva Universidade Federal.

Anoto, en passant, que o fato de me ver obrigado pelo Presidente a demitir o assessor que tinha levado do ITA (o antigo pró-reitor administrativo, para que colaborasse na implantação desse modelo), também contribuiu para a minha saída do MEC.