Voltar

AGRURAS DO PERONISMO (Um texto de 2010)

AGRURAS DO PERONISMO (Um texto de 2010)

OS PAIS DO PERONISMO: O GENERAL JUAN DOMINGO PERÓN (1895-1974) E A SUA ESPOSA EVA DUARTE DE PERÓN (1919-1952)

Enquanto se passavam os modorrentos meses do final de 2010, aceitei o convite que me foi formulado pela Universidade Católica Argentina, de Buenos Aires, através do professor Doutor Luis Baliña, da Faculdade de Teologia (com a intermediação do meu amigo do Centro de Estudos de Economia Personalista, Alex Catarino, do Rio de Janeiro), para vir a Buenos Aires, a fim de fazer três conferências: a primeira, sobre “O Panorama da Filosofia Brasileira (no longo período que se estende do século XVIII até o presente)”, a segunda sobre “Políticas culturais e erradicação da violência nas áreas carentes de Bogotá e Medellín” e a terceira sobre “A questão da originalidade na meditação filosófica na América Latina”. Aproveitei, também, para divulgar, junto ao público docente e discente da mencionada Universidade, ao ensejo desses eventos, o meu livro intitulado: Da guerra à pacificação: a escolha colombiana (Campinas: Vide Editorial, 2010).

Estas atividades foram desenvolvidas no período compreendido entre 9 e 13 de Novembro de 2010, mais ou menos ao mesmo tempo em que, em Lisboa, três membros do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da Universidade Federal de Juiz de Fora participavam do Colóquio Tobias Barreto, promovido pelo Instituto de Filosofia Luso-brasileira, em homenagem à vida e pensamento de Miguel Reale (1910-2006). Esses membros do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos eram: Alexandre Ferreira de Souza, Marco Antônio Barroso e Bruno Maciel.

 Fiquei surpreendido com a beleza do campus da Universidade Católica Argentina, situado na beira do Rio de la Plata, na região de Puerto Madero; a Universidade, há já vários anos, passou a ocupar alguns dos galpões do antigo porto, que foram postos à venda pela prefeitura de Buenos Aires. Foi feita magnífica obra arquitetônica que, mantendo a aparência externa dos prédios, em tijolo vermelho, acondicionou o interior para as várias unidades acadêmicas da Universidade (com exceção da Faculdade de Teologia e da Escola de Veterinária). Lembro-me de que, em 1987, eu tinha estado em Buenos Aires e visitei a região do porto, então tremendamente degredada. A recuperação da área, efetivada nos anos 90 do século passado, deu vida nova a esta parte da cidade.

Fiquei impressionado, especialmente, com a vitalidade da Universidade Católica Argentina. A partir da decisão dos seus dirigentes, a Universidade passou a olhar para o seu entorno e a querer dar uma contribuição, do ângulo acadêmico, à solução dos graves problemas sociais que apresenta a cidade de Buenos Aires, notadamente os decorrentes do tráfico de drogas e da violência por ele desencadeada. Ora, essa preocupação humanística passou a se tornar concreta em três núcleos acadêmicos: a Faculdade de Filosofia (cujo decano era o professor Doutor Néstor A. Corona), a Faculdade de Teologia (sendo um dos responsáveis por esse projeto o prof. Doutor Luis Baliña) e a Coordenação de Compromisso Social e Extensão (sob a direção do prof. Juan Cruz Hermida).

Achei muito interessante o fato de que, no contexto do compromisso social mencionado, os dirigentes da Universidade contemplaram a institucionalização do estudo da Filosofia Latino-americana, como forma de melhor compreender a identidade do país. Isso contrastava com as dificuldades que experimentávamos, no Brasil, os estudiosos da filosofia brasileira, ainda banida dos currículos da graduação e da pós-graduação, por obra e graça do patrulhamento exercido, a partir do MEC, pelos seguidores do Padre Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), quem desatou acirrado combate em prol da supressão dos cursos de Filosofia Brasileira. Foram fechados, por pressão da CAPES, onde pontificava o padre Vaz no Comitê de Filosofia, os programas de pós-graduação em Pensamento Brasileiro. Foram extintos, um a um, numa implacável maré cartorial, o programa de mestrado da PUC, no Rio, em 1979; os de mestrado e doutorado em Pensamento Luso-brasileiro da Universidade Gama Filho, em 1995; e o de mestrado em Filosofia Brasileira da Universidade Federal de Juiz de Fora, em 1996.

Do contato com professores e alunos da Universidade Católica Argentina, tirei uma conclusão semelhante à que tirei da minha experiência com a filosofia autóctone, na Universidade Federal de Juiz de Fora: os que se interessavam – salvo algumas exceções que confirmavam a regra e que estavam constituídas pelos docentes mais antigos e por alguns dirigentes lúcidos – eram jovens universitários que queriam conhecer melhor o país e a sua formação cultural, a fim de mais efetivamente encarar aos reptos do mundo globalizado.

Impressionou-me positivamente, na Universidade Católica Argentina, a seriedade com que os docentes e dirigentes encaravam esse repto, garantindo aos seus alunos uma extraordinária infra-estrutura nas salas de aula (maravilhosamente equipadas com tudo que havia de mais moderno em novas tecnologias da comunicação) e com o suporte de uma biblioteca de grandes dimensões, situada na antiga Faculdade de Teologia (com as obras primas dos clássicos da Filosofia Universal, desde os pré-socráticos, passando pelas edições críticas da obra integral de Platão e Aristóteles, dos Santos Padres, com a coleção Migne completa, da Filosofia Medieval e dos principais autores dos períodos moderno e contemporâneo). Integrava a biblioteca, também, um elenco bastante representativo das mais importantes publicações periódicas, da Europa, dos Estados Unidos, Canadá e da América Latina, nos terrenos da Filosofia e da Teologia. Essa tradição de seriedade acadêmica e bibliográfica nós precisaríamos aprender, no Brasil, com os nossos vizinhos argentinos. Afinal de contas, os hispano-americanos contam com Universidades desde o século XVI e nós, no Brasil, vimos surgir as primeiras instituições do gênero apenas no século XX, a partir da criação da Universidade do Distrito Federal, no Rio, e da USP, nos anos trinta.

Como seria importante que, nas nossas Universidades, os dirigentes, mestres e funcionários cuidassem com mais carinho de dois aspectos deixados em segundo plano: a modernização das salas de aula e a organização de bibliotecas com critério de aprofundamento nas raízes da cultura ocidental. Um fato chocante me chacoalhou, por esses dias, na Universidade Federal de Juiz de Fora: queria doar uma coleção de cem volumes, magnificamente editados (entre 1996 e 1999), pela Presidência da República da Colômbia, acerca das fontes da formação do Estado colombiano, ao ensejo da magna obra administrativa e legislativa de Francisco de Paula Santander (1792-1840) e Simon Bolívar (1783-1830), os fundadores das instituições do vizinho país. Não consegui levar a termo a doação ao acervo do Centro de Estudos Ibéricos da UFJF, por força de um estúpido critério: somente eram aceitas, como doação, pela Biblioteca Central da Universidade, obras editadas depois do ano 2000, segundo me explicou a diretora, “porque as anteriores estão na Internet”. Caberia perguntar se está na Internet a coleção Migne, por exemplo, que os nossos amigos argentinos se orgulham de ter para consulta de seus alunos na Biblioteca da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Argentina, em Buenos Aires... Para os interessados na coleção das obras colombianas que ia doar à UFJF, uma notícia positiva: ela repousa, muito bem organizada, na biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora, que de braços abertos aceitou a minha doação....

Uma última observação, de caráter político, para encerrar o meu comentário: fui acordado no hotel onde fiquei hospedado, no centro de Buenos Aires, pelo barulho ensurdecedor de tambores e surdos tocados, desde o amanhecer, por militantes das centrais sindicais, que faziam as suas reivindicações infernizando a vida dos cidadãos comuns, dos turistas e dos que viajavam a trabalho. Ao longo do dia, as manifestações (“piquetes”, como os argentinos as chamam) continuavam, fechando vias e tornando caótico o já difícil trânsito da capital portenha. A polícia de Buenos Aires garantia a livre circulação de militantes, não o direito de ir e vir dos outros cidadãos! Era uma polícia a serviço dos novos “donos do poder”. Estava a Argentina, então, como o Brasil, sofrendo com as desgraças do populismo sindical.

No nosso país, o suplício dos cidadãos ficava por conta de militantes do MST, dos funcionários públicos em greve crônica e, também, dos sequazes marginais do patrimonialismo, os bandidos e os narcotraficantes. Tristes momentos estávamos a viver na América Latina com esse populismo irresponsável, que eleva tributos sem limite, coopta massas de militantes para mostrar força e desestimula a vida civil organizada das odiadas classes médias. Estávamos pagando, com certeza, como ainda pagamos agora, a conta pelas nossas escolhas erradas.