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A TECNOLOGIA 5G E A ENTRADA DO BRASIL NA NOVA ERA ECONÔMICA

A TECNOLOGIA 5G E A ENTRADA DO BRASIL NA NOVA ERA ECONÔMICA

LABORATÓRIO DE MANUFATURA DIGITAL DA FEI EM SÃO BERNARDO DO CAMPO, CRIADO EM COLABORAÇÃO COM AS EMPRESAS VIVO DIGITAL E ERICSSON



Na quinta-feira 2 de dezembro tivemos uma excelente Live do grupo “Altos Papos” (coordenado pelo Dr. Antônio Roberto Batista), acerca do que representa para o Brasil a entrada da Tecnologia 5G. Eu estava particularmente interessado no tema, porque, segundo vejo, a adoção dessa tecnologia é a janela que possibilitará à nossa indústria sair do marasmo em que se encontra, a fim de voar em céus mais amplos rumo ao pleno desenvolvimento.

A reunião foi coordenada pelo engenheiro e professor Gustavo Donato (doutor pela Escola Politécnica da USP, em 2008) e que ocupa, desde janeiro de 2020, a reitoria do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI) de São Bernardo do Campo. Como palestrante atuou o também engenheiro Fábio Lima, (doutor pela Politécnica da USP, em 2010), professor adjunto e um dos responsáveis pelo Laboratório de Manufatura Digital da FEI, que é um dos primeiros, mas não propriamente o único a funcionar no país.

Embora me interesse pelo tema da Tecnologia 5G, não sou especialista na área, mas sigo com atenção as notícias a respeito da vinda para o Brasil desse avanço tecnológico, que está abrindo o caminho, mundo afora, para a nova revolução da economia, alicerçada nas plataformas digitais de inteligência artificial, integradas ao processo produtivo. Ao Laboratório de Manufatura Digital da FEI estão integradas, além da Fundação Educacional Inaciana, duas empresas multinacionais de conhecido renome nessa área produtiva.

A melhor forma para um principiante como eu entender a Tecnologia 5G, frisou o palestrante Fábio Lima, é prestar atenção a um fenômeno tecnológico que já está rodando pelas ruas de algumas cidades desenvolvidas, como o “automóvel autônomo”. O que é que possibilita tal realização altamente tecnológica e sofisticada? A resposta é simples, embora de difícil realização: a incorporação a essa realidade veicular, de inúmeras fontes de automação presentes nas ruas, nos prédios e nas estradas. Simples e complexo. Simples, porque entendemos que sem essa comunicação em nível da tecnologia da automação, não seria possível a esse veículo transitar pelas ruas e estradas sem esbarrar no primeiro obstáculo, pondo em risco a vida e a segurança das pessoas. Ao projeto do “automóvel autônomo” foram integrados vários processos tecnológicos de inteligência artificial e robotização, que tornaram possível o trânsito desimpedido e seguro desse modelo veicular. O “automóvel autônomo” “lê” por onde passa, em ruas, prédios, praças e estradas, informações essenciais para programar os seus movimentos em questão de segundos.

O carro digital circula tranquilo, como alguém que colocou a “internet das coisas” no seu lar e que, com um pequeno sinal, consegue movimentar e preparar ambientes na sua casa, de acordo com as necessidades. A inteligência artificial, implantada nos objetos, consegue a proeza de ler em instantes inúmeras informações que beneficiam a vida e o conforto dos usuários nas suas “casas inteligentes”. O dono do lar está dotado dos instrumentos eletrônicos de aferição de sinais e emissão de comandos, de forma semelhante a como o “veículo autônomo” realiza as suas ações, auxiliado pela inteligência artificial presente no seu entorno.

Convenhamos que o exemplo do “veículo autônomo” não é tão novo para a imaginação humana. Já o próprio Aristóteles (384-322 AC), quando falava do mito de Hefesto, previa máquinas que fariam todas as tarefas de que precisássemos, liberando tempo para o ócio e satisfazendo as nossas necessidades. E o “carro do Sol” de que falava Parmênides de Eléia (515-460 AC) no seu belo poema Sobre a natureza, conduzia com autonomia o filósofo e poeta pelos ares, até chegar ao Céu Empíreo, residência dos deuses.

Quero chamar a atenção para algumas condições essenciais, sem as quais iria por água abaixo todo o empreendimento de alta tecnologia. Na programação das máquinas que participarão do novo panorama de inteligência artificial presente nas coisas, pressupõe-se muito trabalho em equipe e muita liberdade de busca e de aferição de resultados. As empresas que formam parte do “Laboratório de Manufatura Digital” da FEI, tiveram de conversar muito antes de dar partida ao processo de produção. Não há “dono da bola” nesse ambiente amplo e sofisticado: todos colaboram para conseguir pôr em prática um novo sistema de manufatura que é obra de todos, de acordo a parâmetros previamente negociados e definidos. O trabalho em equipe dos profissionais que embarcaram nessa iniciativa é essencial. Como também é “conditio sine qua non” a liberdade crítica para buscar os melhores caminhos que levem a uma manufatura de alta performance.

Imaginemos que a hierarquia da organização social, que dá guarida a esses empreendedores, decidisse “ser a dona da bola” e passar a controlar, com rédea curta, o trabalho dos envolvidos. O primeiro efeito seria o desinteresse dos que enxergavam mais longe um produto surgido da cooperação de todos, mas visando resultados mais eficientes. Um controle político sobre o processo mataria a livre iniciativa dos envolvidos!

A tecnologia 5G coloca, sem dúvida, este tipo de interrogante para os sistemas de governo de “poder total”, como frisava Karl Wittfogel (1896-1988) na sua obra O Despotismo oriental [cf. Wittfogel, 1977]. Para satisfazer essa variante irreversível, seria necessário adaptar e controlar a tecnologia, para que se acomodasse aos interesses dos “donos do poder”, como diria Raimundo Faoro (1925-2003). Esse seria o objetivo das tendências mitómanas da chamada “ditadura científica” da nossa combalida tradição cientificista de inspiração pombalina, segundo mostrou o saudoso mestre Antônio Paim (1927-2021) na sua obra intitulada: A querela do estatismo [cf. Paim, A, 1978]. Problema de grandes proporções especialmente para os chineses, que chegaram a formular essa tecnologia, mas que pretendem (ao que tudo indica) controla-la dentro dos parâmetros “confucianos” de poder total presidido pelo novo líder, que já conseguiu, aliás, a proeza de se tornar, na democracia de partido único da China, o dono da bola com aspirações a durar para sempre....

Neste desconjuntado e perplexo início de milênio, estamos assistindo, no palco político brasileiro, a um tipo bem particular e agressivo de domínio sobre a inteligência artificial, por parte de uma minoria que se crê dona da bola das relações de poder utilizando a tecnologia dos “Big Data”. Eu próprio, no MEC, senti-me instrumento dessa agressiva empreitada, dirigida contra a minha gestão pela militância de direita, que viu mermadas as suas expectativas orçamentívoras. Quando cheguei ao Ministério, sabia que teria briga feia com a militância de esquerda, comodamente encarrapitada em posições de comando que a favoreciam com benefícios praticamente exclusivos. Ledo engano. A exclusividade estratégica era também cultuada, a ferro e fogo, com farta utilização da memória artificial, para derreter inimigos e desafetos, por parte da militância de direita.

Descobri, com auxílio de alguns técnicos que foram contatados “ad hoc”, que a Big Data a serviço dos militantes era capaz de disparar, no transcurso de uma hora, mais de 200 mil mensagens instantâneas que se espalhavam pelas redes, denegrindo a minha imagem. Era exatamente o mesmo mal da fritura virtual, na qual a esquerda já era useira e vezeira, com a famosa tecnologia do “assassinato de reputações”, à qual fazia alusão o deputado Tuma Jr. na sua obra intitulada: Assassinato de reputações: um crime de Estado [cf. Tuma Jr, 2013].

Nós chegamos a esses extremos de sofisticação tecnológica a serviço dos “donos do poder”, pelo espinhoso caminho do cientificismo, cultuado pelas nossas lideranças políticas ao longo do século XX, como herança nociva do despotismo ilustrado pombalino [cf. Paim, A., 1978]. Que o getulismo fez uso da informação a serviço do poder ditatorial não há dúvida. Essa tendência, aliás, era da essência do Castilhismo, como provei na minha obra Castilhismo, uma filosofia da República [cf. Vélez, 1980]. A empreitada getuliana concretizou-se na sistemática utilização da mídia da época, através do DIP (Departamento de Informação e Propaganda) do Estado Novo.

No contexto do regime militar, entre 64 e 85, o caminho foi o do controle rigoroso da nascente tecnologia digital pela “Secretaria Especial de Informática”, que tinha como imperativo categórico impedir que a globalização capitalista se assenhoreasse da nossa economia. O resultado foi a longa noite do autoritarismo digital praticado pelos governos militares e prolongado, depois, pelos civis no exercício do poder na “República Nova”.

O economista Gilberto Paim (1919-2013) dedicou a obra intitulada: Computador faz política [Rio de Janeiro: APEC, 1985] à discussão dessas questões. Recordava a fina ironia do senador Roberto Campos (1917-2001), quando, comentando a recusa do governo brasileiro à entrada da indústria cibernética, assinalava os “(...) benefícios que o fechamento do mercado brasileiro trazia a várias nações, por terem um concorrente a menos. Pois a Escócia, a Irlanda, a Espanha e outras nações chegavam a subvencionar a implantação de indústrias de alta tecnologia, sem se preocuparem com a origem dos capitais” [Paim, G., 1985: 78].

O problema, para Gilberto Paim, não era apenas do governo brasileiro. Era também das nossas elites pensantes. Associações profissionais de docentes e pesquisadores fecharam com as propostas retrógradas do governo. “O atraso é nosso!” parecia que fosse a consigna do dia. A respeito, Gilberto Paim escreveu: “Roberto Campos parecia uma voz solitária em meio à fanfarra do nacionalismo tecnológico. A Secretaria Especial de Informática está atrasando o desenvolvimento nacional de forma criminosa, dizia ele. Mas quem abafava o seu discurso? Não eram uns poucos militares, mas, pasmem, a Associação Nacional dos Docentes em Ensino Superior, de braços dados com a União Nacional dos Escritores e a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação! Como fora criada por decreto inconstitucional, a SEI precisava de uma lei para sancionar seus atos antediluvianos, todos formando um modelo de intransigência hitlerista. Cerca de duas centenas de entidades profissionais suplicavam ao Congresso Nacional a urgente aprovação do projeto de lei que dava amplos poderes aos coronéis que dominavam a Secretaria, agindo como verdadeiros proprietários de um feudo administrativo. Entre essas entidades, além das já supracitadas, estavam a Associação Brasileira de Imprensa, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Sociedade Brasileira de Computação, a Federação Nacional dos Engenheiros, a Coordenação Nacional dos Geólogos, a Sociedade Brasileira de Genética, a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, a Federação Nacional dos Médicos, a Federação Nacional dos Jornalistas e muitas e muitas outras entidades altamente representativas de segmentos da sociedade. Eram inumeráveis os sindicatos de trabalhadores de todo o país que aplaudiam os atos do nacionalismo eletrônico” [Paim, G., 1985: 79].

Gilberto Paim conclui: “Nenhuma das entidades referidas jamais deu um balanço no rol de prejuízos que a alucinada política de informática trouxe ao país, como prova de arrependimento por ter contribuído para causa-los. Os brasileiros provocaram o atraso e, apesar de comprovado esse fato, os Estados Unidos foram muitas vezes acusados de não desejarem o progresso do Brasil na área da eletrônica digital” [Paim, G., 2002: 82].

Conclusão.

Nesse contexto de cientificismo que teima em manter vivo, no Brasil, o Estado Patrimonial, terá resultado a adoção da tecnologia 5G? A resposta não deixa de ser positiva, levando em consideração a experiência que está sendo realizada pela FEI, com a criação do Laboratório de Manufatura Digital, como foi mostrado hoje pelo palestrante Fábio Lima, no contexto da acertada gestão do atual reitor da FEI de São Bernardo do Campo, professor Gustavo Donato. Só nos resta torcer para que o clima de liberdade acadêmica que preside essa experiência seja mantido, de forma que a iniciativa em curso se estenda para outras instituições de ensino superior, abarcando também o setor público.

A mais importante aplicação da tecnologia 5G deve direcionar-se, prioritariamente, no nosso pais, para dois terrenos, hoje extremadamente carentes de uma renovação de métodos, de procedimentos técnicos e de gestão: a economia e a educação. No primeiro campo, a economia brasileira acusa, há já várias décadas, um progressivo movimento de desindustrialização, que se traduz na queda da nossa produção industrial nesse setor, decorrente da falta de competitividade. Ora, esse vácuo somente pode ser solucionado mediante a absorção das novas tecnologias, notadamente pelas pequenas e médias empresas, que são as que mais contratam no mercado de trabalho. Pequenos e médios industriais estão perplexos diante da agressiva marcha de outros atores no terreno econômico e somente com uma adequada reengenharia das suas empresas, que as coloque no caminho da industrialização digital, será possível encontrarem uma saída. Ora, a tecnologia 5G chega como um mundo aberto de possibilidades de renovação.

E aqui abre-se um novo repto no terreno da preparação de mão de obra para esse processo de renovação à luz das novas tecnologias. Somente mediante um processo rápido e eficiente de educação tecnológica, longe dos desvios ideológicos patrocinados pela esquerda petista, será possível que apareçam os novos quadros para as empresas que anseiam transformar-se. É urgentíssimo, aqui, o processo de renovação do ensino médio profissionalizante, oferecendo aos educandos possibilidades concretas de formação no esquema aprendizado/trabalho com as novas tecnologias. Em segundo lugar, torna-se inadiável a formação de profissionais técnicos altamente qualificados nos nossos centros de formação profissional, no âmbito da educação técnica superior, a fim de que atendam às demandas tecnológicas e administrativas que irão surgir desse movimento de modernização. E, por último, embora não menos importante, é inadiável a formulação de procedimentos de formação humanística que acompanhem esses movimentos nos terrenos da educação e da gestão empresarial. Um novo modelo de "Educação humanística" faz-se necessário, pensado no contexto interdisciplinar em que Antônio Paim (1927-2021) e Leonardo Prota (1930-2016) pensaram os Cursos do Instituto de Humanidades (criado em 1986), iniciativa da qual tive a honra de participar e da qual eu, assim como o atual Diretor Executivo do Instituto, Arsênio Eduardo Corrêa, somos os herdeiros.

Especialistas em história da educação brasileira como Antônio Paim e Simon Schwartzman mostraram que a independência e a seriedade acadêmicas tem-se tornado uma realidade concreta ao longo da nossa história, em que pese a presença diuturna do Estado patrimonial [cf. Paim, 1979; Schwartzman, 1981; Pereira / Paim / Schwartzman et alii, 1983]. Esperamos que um futuro semelhante aconteça em relação à adoção da tecnologia 5G.

Bibliografia.

FAORO, Raimundo [1958]. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 1ª edição. Porto Alegre: Editora Globo, 2 volumes.

PAIM, Antônio [1978]. A querela do estatismo. 1ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

PAIM, Gilberto [1985]. Computador faz política. Rio de Janeiro: APEC, 1985.

PAIM, Antônio; Leonardo PROTA; Ricardo VÉLEZ Rodríguez [1988]. Historia da Cultura. São Paulo: Instituto de Humanidades, 4 volumes.

PAIM, Gilberto [2002]. O filósofo do pragmatismo – Atualidade de Roberto Campos. (Prefácio de Francisco de Assis Grieco). Rio de Janeiro: Editorial Escrita.

PAIM, Antônio [2015]. O patrimonialismo brasileiro em foco. (Com a colaboração de Antônio Roberto Batista, Paulo Kramer e Ricardo Vélez Rodríguez). Campinas: vide Editorial.

PEREIRA, Antônio Gomes (Organizador); PAIM, Antônio; SCHWARTZMAN, Simon; SILVA, Adroaldo Moura da; et alii [1983]. Para onde vai a Universidade brasileira? (Apresentação de Paulo Elpídio de Menezes Neto, reitor da Universidade Federal do Ceará; Introdução de Antônio Gomes Pereira). Fortaleza: Universidade Federal do Ceará - Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura / Brasília: MEC – CNPq.

SCHWARTZMAN, Simon [1981]. Ciência, universidade e ideologia: a política do conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar.

TUMA Jr., Romeu [2013]. Assassinato de reputações: um crime de Estado. 1ª edição. Rio de Janeiro: Topbooks. (Depoimento a Cláudio Tognolli).

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1980]. Castilhismo, uma filosofia da República. 1ª edição. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes (EST) / Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul.

WITTFOGEL, Karl August [1977]. Le despotisme oriental. (Tradução ao francês de M. Pouteau). Paris: Minuit.