Voltar

A INFLUÊNCIA DO LIBERALISMO ANGLO-SAXÃO NO PENSAMENTO POLÍTICO LUSO-BRASILEIRO DOS SÉCULOS XVIII E XIX

(Este texto constituiu, originariamente, a Comunicação por mim apresentada no IX Congresso Interamericano de Filosofia e VI da Sociedade Interamericana de Filosofia, reunido em Caracas, de 20 a 24 de Junho de 1977).

A ideia da representação é, sem dúvida, a mais característica do liberalismo político, que encontrou uma síntese amadurecida, depois de longa evolução, no Segundo Tratado sobre o governo de John Locke [1]. O Legislativo, para o pensador inglês, deve estar integrado por representantes dos proprietários e constitui o poder político fundamental no governo, competindo-lhe a função de legislar. Os outros poderes (Executivo, Federativo e Judiciário), segundo Locke, devem estar em função – respectivamente – de fazer cumprir as leis no interior do próprio país e em relação aos outros, e de reprimir o não cumprimento delas. O sentido fundamental da comunidade política e das leis que dela emanam, é salvaguardar os interesses dos indivíduos que, pelo seu trabalho, apropriaram-se dos bens materiais. Em relação à organização política, há um ponto que ressalta na obra do pensador inglês: a preocupação com o aperfeiçoamento dos mecanismos que conduzem a um exercício autêntico da representação; prova clara disso é a Constituição para a Colônia da Carolina do Norte que Locke redigiu [2], na qual dá normas precisas – até minuciosas – para regular a representação dos proprietários no exercício do governo. Mas onde mais viva aparece essa preocupação liberal básica é no processo histórico que dá origem, na Inglaterra, ao Parlamento e ao desenvolvimento do mesmo, durante os séculos XVII e XVIII [3] .

As ideias de Locke fazem a sua entrada no panorama cultural luso-brasileiro durante o século XVIII, a partir da reforma pombalina, sendo Verney (1713-1792) o principal canal de comunicação [4]. No entanto, somente na segunda década do século XIX é quando aparece, no campo da filosofia política, uma sistematização que pretende adaptar o liberalismo lockeano à peculiaríssima estrutura da monarquia portuguesa: trata-se do trabalho realizado por Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), para cumprir com a missão encomendada por dom João VI (1767-1826), de dar o passo da monarquia absoluta à constitucional [5].

Efetivamente, o ilustre pensador lusitano elabora um sistema político de monarquia constitucional, no qual adapta a ideia fundamental do sistema liberal concebido por Locke, a saber, a ideia da representação, assumindo, também, os elementos tradicionais suscetíveis de serem conservados para conseguir a estabilidade política; foi assim como Silvestre Pinheiro Ferreira concebeu as formas adequadas de colaboração entre a monarquia e as cortes, no exercício do Poder Legislativo. A presença de um político da talha de Pinheiro Ferreira e a consagração do princípio da monarquia constitucional, na Constituição Imperial de 1824, criaram um pólo positivo, por cima do processo de radicalização política em curso, garantindo o elemento orientador do amplo debate em que se comprometeu a elite ao longo de aproximadamente três decênios, do qual resultaria o consenso acerca da aceitação a ideia liberal, à luz da qual seriam concebidas as instituições que deram ao Brasil, no Segundo Reinado, o período de estabilidade política mais longo da sua história [6]. O sistema que elaboraram os estadistas brasileiros foi fruto da crítica e da experimentação e teve como preocupação fundamental o aperfeiçoamento da representação. Dentro desse contexto se explica a ideia do Poder Moderador como representativo da tradição nacional, e que encarnava, portanto, os interesses permanentes do povo, cuja representação no campo dos interesses mutáveis estava garantida pelo Parlamento [7].

Devemos também destacar que a sistematização do liberalismo político na obra de Silvestre Pinheiro Ferreira é complementada por uma concepção filosófica acerca do homem, enquadrada no contexto do ecletismo esclarecido, tradição que continuará a se desenvolver no Brasil ao longo do século XIX e que tratou de encontrar fundamentação filosófica para a concepção da pessoa humana, acorde com o ideario liberal adotado no plano político. O elemento digno de ser levado em consideração na obra de Pinheiro Ferreira enquanto filosofia política, é a construção de um sistema harmônico de pensamento que insere a cultura luso-brasileira no pensamento moderno. Como frisa Antônio Paim (1927-2021)[8], “(...) (...) a fidelidade de Silvestre Pinheiro Ferreira é muito mais no sentido de filiar o pensamento português à Idade Moderna do que à própria arquitetônica do saber por ele concebida. Deseja que o seu país se incorpore de vez ao movimento que produziu a filosofia de John Locke (1632-1704) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), a física de Isaac Newton (1643-1727), a química de Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794), a botânica de Carl von Linneo (1707-1778) – nomes todos que não se cansa de enaltecer nas Preleções – mas, sobretudo, quer filiá-lo ao liberalismo político”.

Com o advento da República aparece no Brasil a filosofia política de inspiração positivista, que nos seus pontos fundamentais se opõe à filosofia política de inspiração liberal, que predominou durante o Império. A base da filosofia política positivista radica no pressuposto de que a sociedade vai inexoravelmente pelo caminho de sua estruturação racional; essa convicção e os meios necessários para a sua realização são atingidos mediante o cultivo da ciência social. Diante dessa formulação, são possíveis duas alternativas: ou se empenhar na educação dos espíritos para que o regime positivo se instaure como fruto de um esclarecimento, ou simplesmente impor a organização positiva da sociedade por parte da minoria esclarecida. A primeira atitude foi sustentada especialmente por Luiz Pereira Barretto (1840-1923) e corresponde ao chamado ‘positivismo ilustrado’; a segunda foi a alternativa de Júlio de Castilhos (1860-1903), seguido por Borges de Medeiros (1864-1961) no Rio Grande do Sul e por José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) e Getúlio Vargas (1883-1954), no nível nacional. Essa atitude foi a versão da filosofia política de inspiração positivista que chegou a prevalecer e cujas repercussões se fazem sentir nos nossos dias” [9].

A aparição, no panorama político brasileiro, de um fenômeno tão radicalmente novo em relação ao liberalismo do Império como era o positivismo, condicionou fortemente a evolução daquele, retrasando o processo de maturação que se tinha iniciado durante o II Reinado. Efetivamente, o regime parlamentarista do Império tinha conduzido os espíritos a aprofundar na problemática da representação, tida como elemento fundamental na configuração e na legitimação do governo. Ao longo da história do Império brasileiro vemos como vai-se evoluindo de um tipo clássico de representação restringida, pelo voto censitário, a níveis muito reduzidos da população economicamente ativa, em direção a formas mais elásticas do exercício dos direitos de voto. Efetivamente, como frisa Antônio Paim [10], “O aperfeiçoamento da representação constituiu uma preocupação constante dos homens que responderam pelos destinos do país, no Segundo Reinado (...). Por essa razão, parece lícito supor que incorporariam o momento da democratização do liberalismo tradicional, a exemplo do que ocorreu nos principais países do Ocidente. No entanto, a interrupção abrupta desse processo, representada pela República, trouxe à tona outras influências”.

Os ideólogos brasileiros do período republicano são afetados, sem dúvida, pela agressiva ascensão das correntes autoritárias, entre as quais se destaca o autocratismo positivista iniciado por Júlio de Castilhos (1860-1903). Foi tanta a preocupação desses liberais por cerrar fileiras diante de uma filosofia política que pretendia voltar, sem mais, ao passado pre-liberal, que a sua contribuição teórica ficou retrasada em relação ao liberalismo imperial, invocando temáticas já superadas por ele, como por exemplo a insistência na liberdade, sem maiores considerações acerca das formas institucionais em que ela se debería tornar possível. O liberalismo republicano brasileiro, por assim dizer, atrofiou-se. Daí a razão de não encontrarmos, a partir de 1889, uma contribuição significativa ao pensamento político brasileiro, no que tange ao tema da representação, que já tinha atingido suficiente evolução ao longo do Império. Liberais ilustres como Rui Barbosa (1849-1923) contribuíram com a sua crítica indiscriminada ao liberalismo do Segundo Reinado, ao frear as possibilidades de um ulterior amadurecimento dele em direção a formas mais plenas de participação popular.

É justamente por essa letargia do liberalismo posterior a 1889, que não encontramos entre os seus expositores uma crítica suficientemente aprofundada à tendência autocrática por excelência: o castilhismo. Embora os principais representantes dessa crítica estivessem inspirados pelo Liberalismo, como era o caso dos gaúchos Gaspar da Silveira Martins (1835-1901) e Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938), convém destacar, no entanto, que a crítica ao autocratismo positivista não foi obra exclusiva deles. Efetivamente, o sistema castilhista foi criticado, também, por Sílvio Romero (1851-1914) especialmente nos seguintes escritos, que de forma direta ou indireta questionam a filosofia política de inspiração positivista: Parlamentarismo e Presidencialismo na República Brasileira (1893), Doutrina contra Doutrina – O Evolucionismo e o Positivismo no Brasil (1894-1895), “Uma suposta Lei Sociológica” (1896), “A questão do Rio Grande” (1898), “Castilhismo Positivista no Rio Grande do Sul” (1910), “República Unitária e Parlamentar” (1911), A Geografia da Politicagem o Norte o Sul do Brasil (1912), “O que o Brasil tem o direito de esperar do Exército” (1912) [11].

O castilhismo também sofreu críticas – embora mais esporádicas – da parte de Rui Barbosa (1849-1923), que se opôs principalmente à política de Pinheiro Machado (1851-1912) [12] e aos abusos de Castilhos em matéria de perseguição política [13]. Em 1923 intensificaram-se as críticas ao regime gaúcho, com motivo da quinta reeleição de Borges de Medeiros [14] e deram lugar a uma polêmica defesa do castilhismo por parte de Raymundo de Monte Arraes (1882-1965) na sua obra O Rio Grande do Sul e as suas Instituições Governamentais [15].

A crítica liberal gaúcha ao castilhismo é insuficiente na análise dessa filosofia política. Efetivamente, Silveira Martins e Assis Brasil enfatizam prioritariamente aspectos de direito constitucional, embora inspirados pela filosofia política liberal. Isso nos faz pensar que se não abordaram o castilhismo com maior profundidade e amplitude, colocando-o em relação com outras correntes totalitárias que irromperam na República Velha, não foi certamente por carecerem de uma base filosófica. Talvez a insuficiência a que nos referimos radica no imediatismo com que ambos os liberais sul-riograndenses encararam o castilhismo, devido em parte ao regionalismo gaúcho que os levava a considerar essa doutrina como fenômeno puramente local e, de outro lado, devido à extrema agressividade do regime instalado por Castilhos, que lhes impediu uma avaliação mais completa dessa doutrina. No entanto, acreditamos que a causa fundamental da mencionada superficialidade, deve ser buscada no deslocamento do liberalismo do período republicano em relação à tradição liberal do Império, como já foi anotado.

O alcance do nosso trabalho se reduz a mostrar a filiação de Silvestre Pinheiro Ferreira, Gaspar da Silveira Martins e Joaquim Francisco de Assis Brasil, em relação à tradição liberal lockeana (em Pinheiro Ferreira) e anglo-americana (nos outros dois personagens). A nossa finalidade será modesta: Limitar-nos-emos a destacar três aspectos que nos parecem básicos para compreender a filiação liberal dos autores mencionados: a ideia da representação, o papel do Poder Legislativo e a finalidade do governo. Trataremos de relacionar a concepção política de Pinheiro Ferreira, Silveira Martins e Assis Brasil com a dos autores que elaboraram o liberalismo político na Inglaterra e nos Estados Unidos. Adiantando-nos um pouco à análise pretendida, anotemos a continuidade que se segue no pensamento dos três autores em relação ao liberalismo anglo-americano, nos três pontos essenciais já mencionados.

Silvestre Pinheiro Ferreira [16] nasceu em Lisboa em 31 de dezembro de 1769. Os seus progenitores pertenciam à classe industrial e eram pouco acomodados. Orientado num começo à vida religiosa, entrou aos quatorze anos na Congregação do Oratório, na qual frequentou o concluiu o curso de humanidades, dando desde então inequívocas provas da sua grande capacidade intelectual que lhe valeram não poucas invejas dentro da comunidade, por causa das observações críticas que fizera a um dos mais destacados membros, o físico-matemático Teodoro de Almeida (1722-1804). As dificuldades que encontrou na congregação a partir de então, o obrigaram a se retirar da mesma, renunciando ao estado clerical.

Depois de se desempenhar em Lisboa como professor particular de filosofia, durante algum tempo, ganhou, por concurso, ao que parece, em 1794, a substituição da cátedra de Filosofia Racional e Moral do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Vítima novamente dos ciúmes intelectuais, teve de se expatriar para escapar à prisão com que foi ameaçado. Transladou-se temporariamente a Londres e logo a Holanda. Ao lado do Ministro de Portugal em Haia, Antônio de Araújo (1754-1817), Pinheiro Ferreira gozou de tranquilidade e apoio, sendo essa a oportunidade para começar a desempenhar funções diplomáticas, pois graças ao influxo do ministro português foi nomeado secretário da embaixada em Paris e logo secretário da legação portuguesa em Holanda. Partiu, pouco depois, entre 1799 e 1802, para uma viagem de instrução ao norte da Alemanha. Por esse tempo, Silvestre Pinheiro Ferreira foi nomeado Oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros e, pouco depois, Encarregado de Negócios na Corte de Berlim; o tempo livre que lhe deixava a missão diplomática o aproveitava no estudo das ciências naturais.

Por volta de 1810, Silvestre Pinheiro Ferreira viajou ao Rio de Janeiro, onde desempenhou algumas missões oficiais, de caráter diplomático. Tendo sido proclamada no Rio de Janeiro a adoção do sistema monárquico constitucional, em fevereiro de 1821, de acordo com a revolução que pouco antes tinha eclodido em Portugal, foi chamado para fazer parte do novo ministério e lhe foram entregues as pastas de Negócios Estrangeiros e de Guerra. Praticamente nos ombros de Pinheiro Ferreira recaiu a chefia do governo de Dom João VI, cabendo-lhe, dessa forma, a difícil tarefa de realizar a passagem da monarquia absoluta para a constitucional. Pinheiro Ferreira cumpriu a sua missão em ambiente bastante desfavorável, enfrentando tanto os saudosistas da situação anterior, quanto os que preferiam uma nova situação radical.

Desempenhando os cargos anteriormente mencionados, Pinheiro Ferreira acompanhou o rei Dom João VI no seu regresso a Portugal. Pouco tempo depois de ter chegado em Lisboa demitiu-se do Ministério (em maio de 1823), pelo fato de não estar de acordo com as ideias absolutistas que preponderavam no Congresso Constituinte. No entanto, foi chamado novamente para que exercesse o cargo de ministro à frente da pasta de Negócios Estrangeiros, cargo que desempenhou até o fim do ano 1823.

Em repetidas oportunidades Pinheiro Ferreira foi eleito deputado: em 1826, quando se encontrava em Paris; em 1838 e em 1842, mas somente assumiu o cargo representativo na última ocasião, poucos anos antes da sua morte, ocorrida em Lisboa em 2 de julho de 1846, com 76 anos de idade. Durante o seu trabalho como deputado, em 1843, apresentou à Câmara uma série de projetos que resumiam os seus profundos conhecimentos em ciências políticas e administrativas e que continham um sistema completo de organização do país, em harmonia com os princípios da Carta. Apesar desse trabalho, a sua atividade não teve a repercussão que era de se esperar, em que pese o fato de se tratar de uma das contribuições mais representativas do ilustre filósofo e homem público, no terreno do direito público português.

A obra de Silvestre Pinheiro Ferreira é bastante extensa, especialmente no campo da filosofia política e do direito constitucional. Esta é a lista das suas obras publicadas em português:

Preleções filosóficas sobre a teoria do Discurso e da Linguagem, a Estética, a Dicéosina e a Cosmologia (1813); Sinopse do Código de Processo Civil (1825); Prospecto e índice alfabético dos termos da Constituição do Império do Brasil e da Carta Constitucional Portuguesa (1830); Constituição Política do Império do Brasil e Carta Constitucional do Reino de Portugal (1830); Projetos de Ordenações para o Reino de Portugal (Tomos I, II e III, 1831-1832); Parecer sobre os meios de se restaurar o governo representativo em Portugal (em colaboração com o conselheiro Felipe Pereira D’Araújo e Castro, 1832); Projeto de um sistema de providências para convocação das Cortes Gerais e restabelecimento da Carta Constitucional (1832); Indicações de utilidade pública oferecidas às Assembléias Legislativas do Brasil e de Portugal (1834); Manual do Cidadão em um Governo representativo ou Princípios de Direito Constitucional, administrativo e das Gentes (Tomos I, II y III, 1834); Declaração dos direitos e deveres do homem e do cidadão (1836); Noções elementares de ontologia (1836); Projeto de um banco de socorro e seguro mútuo (1836); Breves observações sobre a Constituição Política da Monarquia Portuguesa, decretada pelas Cortes Constituintes reunidas em 1821 (1837); Noções elementares de filosofia geral e aplicada às ciências morais e políticas (1839); Projeto de associação para o melhoramento das classes industriosas (1840); Memória sobre a administração da justiça criminal, segundo os princípios do direito constitucional (1841); Mapa sistemático das terminações dos nomes e versos da língua francesa (1842); Projeto de uma enciclopédia (1843); Relatório e projeto de leis orgânicas para a execução da Carta Constitucional (1843); Breves observações sobre a legislação que regula o direito de importação dos livros portugueses (sem data); Questões de Direito Público e Administrativo, Filosofia e Literatura (1844); Breves observações sobre o Tratado concluído em 1826, entre Suas Majestades o Imperador do Brasil e o Rei da França (1845); Da oração do cristão (sem data); Aos proprietários dos prédios rústicos e urbanos (1846).

As obras de Silvestre Pinheiro Ferreira publicadas em francês e inglês, são as seguintes: Observations sur quelques passages du “Manuel Diplomatique” de Mr. le baron Charles de Maertens (1825); Essai sur la Psychologie (1826); Précis d’un cours de Droit Public interne et externe (1830); Qu’est ce que la Patrie? (1831); Notes au “Précis de Droit des gens du Conseiller de Maertens” (1831); Mémoir sur les moyens de mettre un terme à la guerre civil de Portugal (1832); “Supplement” au Guide Diplomatique de Mr. le Baron Charles de Maertens (1833) (1835); Observations sur la Charte Constitutionnelle de la France (1833); Principes de Droit Public constitutionnel, administratif et des gens ou Manuel du citoyen dans um gouvernement réprésentatif (1834); Projet du Côde Général D’une monarchie réprésentative (1834); Essai sur les rudiments de la grammaire allemande (1836); “Notes” ou Traité du Droit des Gens de Vattel (1838); Observations sur la Constitution de la Bélgique (1838); Observations sur la Constitution du Royaume de Saxe (1838); Cours de Droit Publique interne et externe, avec les observations sur la Charte de la France, de la Bélgique et du Royaume de Saxe (em 3 tomos, 1838); Preliminary discourse to a course of Political Economy (1839); Principles of Political Economy by Mr. Mac Culloch of the use of schools, accompained with notes and preceded by a preliminar discourse by Mr. Pinheiro Ferreira (1839), Précis d´un cours d’Economie politique, Suivi d´une bibliographie choisie de l’Economie Politique pour Mr. de Hoffmanns (1840); Précis d´une course de philosophie élementaire: Ontologie, Psychologie, Ideologie (1841); Précis d´un Cours de Droit Public, Administratif et des Gens, suivi d´un Projet de Code Politique pour la Nation Portugaise (1845).

Gaspar da Silveira Martins [17] nasceu em Bagé (Rio Grande do Sul) em 5 de agosto de 1835 e morreu em Montevidéu em 23 de julho de 1901. Formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, depois de ter estudado dois anos no Recife. Uma vez formado, desempenhou o cargo de juiz municipal na Corte durante o ano de 1858. Em 1860 fundou o Partido Liberal Histórico. Foi eleito deputado provincial pelo Rio Grande em 1862, representando esse estado na 15ª e na 17ª legislaturas. Em 1872 derrotou o gabinete Rio Branco nas eleições gerais para renovação da Assembléia Geral, apoiado pelo Partido Liberal da Província. Em 1878 foi Ministro da Fazenda do gabinete presidido pelo visconde de Sinimbu. Em 1880 foi eleito Senador. Em 1889, o Imperador o distinguiu com os cargos de Conselheiro de Estado e Presidente da Província do Rio Grande, tendo tomado posse do último cargo em 12 de julho desse ano. Em 6 de novembro desse ano, Silveira Martins fez entrega do governo provincial a Justo de Azambuja Rangel, a fim de viajar para a capital do Império. Durante a viagem, foi surpreendido pelo golpe que derrubou a Monarquia. Em 22 de dezembro de 1889, foi desterrado e partiu para a Europa. Em 19 de novembro de 1890 foi-lhe revogado o decreto de desterro. Em 1892 promoveu a reunião de um congresso em Bagé, no qual exigia-se a revisão da Carta estadual de 14 de julho de 1891, que tinha instaurado o regime castilhista e era proposto um modelo parlamentarista de governo para a República. Durante o mesmo ano estourou a revolução federalista no Rio Grande; Silveira Martins a apoiou, se opondo a Júlio de Castilhos. Ao término da contenda, o tribuno foi desterrado novamente, desta vez a Buenos Aires. Dali dirigiu-se, pouco depois, para a Europa. Em 1896 regressou ao Brasil e participou do Congresso Federalista de Porto Alegre, no qual apresentou um modelo de constituição parlamentarista, que foi aproveitado na Constituição Federal de 1934. Os seus escritos políticos se reduzem às intervenções no Senado, às eventuais entrevistas para a imprensa e às plataformas partidistas, sendo o seu escrito mais importante o Testamento Político [18].

Joaquim Francisco de Assis Brasil [19] nasceu em São Gabriel (Rio Grande do Sul) em 27-07-1857 e morreu em Pedras Altas, rio Grande do Sul em 24-12-1938. Como Castilhos, formou-se em direito na Faculdade de São Paulo. Republicano histórico, converteu-se no primeiro deputado eleito pelo Partido Republicano Riograndense PRR [20]; as suas intervenções na Assembléia Provincial do Rio Grande, durante os anos que precederam à Proclamação da República, levaram-no a se enfrentar com Silveira Martins. Casado em primeiras núpcias com a irmã de Castilhos, não se deixou influenciar por ele, mostrando profundas diferenças causadas pela sua orientação liberal, diametralmente divergente da inspiração positivista do líder republicano. O seu progressivo afastamento de Castilhos originou-se já em 1891, poucos meses depois do Congresso Constituinte da República. Deposto aquele, Assis Brasil participou da Junta Governativa do “Governicho” [21], por pouco tempo. Rejeitou o golpe de Estado que o Marechal Deodoro deu fechando o Parlamento. Entre 1891 e 1922, retirou-se da política militante para exercer a diplomacia. Foi embaixador do Brasil em Portugal, correspondendo-lhe a missão de reatar as relações diplomáticas entre os dois países, rotas desde 1893. Foi também Ministro Plenipotenciário na Argentina e nos Estados Unidos. Teve uma atuação decisiva como delegado do Brasil no Tratado de Petrópolis, no qual, sob a direção de Rio Branco, realizou-se a incorporação do Acre ao Brasil. Em 1922 voltou à luta política, a fim de disputar com Borges de Medeiros a Presidência do Rio Grande. Durante os incidentes dessa campanha eleitoral e da revolta de 1923, Assis Brasil desempenhou um papel importante. Em 1930 foi Ministro da Agricultura. Teve uma vida jornalística relativamente intensa durante os seus anos de formação sendo diretor de redação do jornal O Precursor, editado em São Gabriel em 1884. Escreveu as seguintes obras, de caráter político: A República Federal (1881); História da República Rio-Grandense (1882); Discursos pronunciados na Assembléia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul (1886); Democracia Representativa: Do voto e do modo de votar (1891); Do Governo Presidencial na República Brasileira (1896); Ditadura, Parlamentarismo, Democracia (1908); Brasil escreve-se com S (1918); Ideia de Pátria (1918). Deixou escritas duas obras literarias: Homens microscópicos (drama em quatro atos) e um poema inédito: “Libelos a Deus”. Nos seus últimos anos escreveu Cultura dos Campos, obra de caráter didático, fruto do retiro de Pedras Altas e que dá testemunho do desencanto que sofreu com a política da República.

NOTAS 

            [1] Locke (John). Segundo Tratado sobre o Governo. (Ensaio relativo à verdadeira origem, extensão e objetivo do Governo Civil). Trad. de E. Jacy Monteiro, São Paulo, Abril Cultural, 1973, 1ª edição. Locke (John). Locke (John), Constitutions fondamentales de La Caroline, (intr. Trad. Et notes par Bernard Gilson). Paris, Vrin, 1967. Cf. Chevallier (Jean-Jacques). As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro, Agir, 1973, pp. 110 ss. Cf. Verney (Luis Antonio). Verdadeiro método de estudar. (Edição organizada pelo prof. Antonio Salgado Junior), vol. III – Estudos filosóficos. Lisboa, Sá da Costa, 1950. Cf. Paim, Antônio, História das Ideias filosóficas no Brasil, 2ª edição, São Paulo, Grijalbo / Universidade de São Paulo, 1974. Cabral de Moncada (L.). Um “iluminista” português do século XVIII: Luiz Antonio Verney, São Paulo, Saraiva, 1941. Ricardo Vélez Rodríguez, Anotaciones en torno al empirismo (Aproximación al pensamiento de Locke, Condillac, Hume, Genovesi e Verney), Rio de Janeiro, PUC, 1973. Pinheiro Ferreira, Silvestre. Manual do cidadão em um governo representativo (1834), (trechos escolhidos e apresentados pelo professor Antônio Paim). Rio de Janeiro: PUC, 1973. Barretto (Vicente). A ideologia liberal no processo da independência do Brasil. (“Prêmio Poder Legislativo 1972”). Brasília, Câmara dos Deputados, 1973.

[2] Oliveira Torres (João Camillo). A democracia coroada – Teoria política do Império do Brasil. Petrópolis, Vozes, 1964. Do mesmo autor, Os construtores do Império. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1968 e Interpretação da realidade brasileira (Introdução à história das ideias políticas no Brasil), Rio de Janeiro, José Olympio, 1973, pp. 180-206. Mercadante (Paulo), A consciência conservadora no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, pp. 50-67; 186-197.

[3] Op. cit., p. 196.

[4] Cf. Verney (Luis Antonio). Verdadeiro método de estudar. (Edição organizada por Antonio Salgado Junior). Vol. III – Estudos filosóficos. Lisboa, Sá da Costa, 1950. Paim (Antônio), A filosofia política de inspiração positivista (Compilação de documentos e ensaios realizada e apresentada por Antônio Paim), Rio de Janeiro: PUC / Departamento de Filosofia, Filosofia no Brasil – Textos, 1973. Cf. Maciel de Barros (Roque Spencer), A evolução do pensamento de Pereira Barreto, São Paulo: Grijalbo, 1967; Pereira Barreto (Luís), Obras filosóficas, (organização, introdução e notas de Roque Spencer Maciel de Barros), São Paulo: Grijalbo, 1967, vol. I, “Uma palavra aos políticos”, pp. 149-163.

[5] Cf. Chevallier (Jean-Jacques). As grandes obras políticas de Maquiavel aos nossos dias. Rio de Janeiro: Agir, 1973. Pinheiro Ferreira (Silvestre), Manual do cidadão em um governo representativo (1834) – (Trechos escolhidos e apresentados pelo professor Antônio Paim). Rio de Janeiro, PUC, 1973. Paim (Antônio). A filosofia política de inspiração positivista (Compilação de documentos e ensaios realizada e apresentada por Antônio Paim), Rio de Janeiro: PUC / Departamento de Filosofia, Filosofia no Brasil – Textos, 1973.

[6] Barretto (Vicente). A ideologia liberal no processo da independência do Brasil. (Prêmio Poder Legislativo, 1972). Brasília: Câmara dos Deputados, 1973.

[7] Oliveira Torres (João Camillo de). A Democracia Coroada – Teoria política do Império do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1964. Do mesmo autor, Cf. Os construtores do Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968 e Interpretação da realidade brasileira (Introdução à História das Idéias Políticas no Brasil). Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, pp. 180-206. Mercadante (Paulo). A consciência conservadora no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, pp. 50-67; 186-197.

[8] Cf. Paim, História das Ideias filosóficas no Brasil, 2ª edição, São Paulo, Grijalbo / Universidade de São Paulo, 1974, ob. cit., p. 196.

[9] Paim (Antônio). A filosofia política de inspiração positivista (Compilação de documentos e ensaios realizada e apresentada por Antônio Paim). Rio de Janeiro: PUC – Departamento de Filosofia – Filosofia no Brasil – Textos, 1973. Cf. Maciel de Barros (Roque Spencer), A evolução do pensamento de Pereira Barreto. São Paulo, Grijalbo, 1967.

[10] Paim, (Antônio), A filosofia política de inspiração positivista (Compilação de documentos e ensaios realizada e apresentada por Antônio Paim). Rio de Janeiro: PUC – Departamento de Filosofia – Filosofia no Brasil – Textos, 1973, ob. cit., p. 64.

[11] Cfr. Mendonça (Carlos Sussequind de), Silvio Romero, sua formação intelectual, 1851-1880, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938; Coleção Brasiliana, vol. 114, pp. 307 ss.

[12] Cfr. Costa Porto, Pinheiro Machado e seu tempo – Tentativa de interpretação. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1951, passim.

[13] Cfr. Barbosa (Rui), Ditadura e República, Rio de Janeiro, 1932.

[14] Baptista Pereira, Pela redenção do Rio Grande. (Conferências feitas no Rio de Janeiro, em Ouro Preto, Belo Horizonte, Santos e São Paulo, de 27 de abril a 10 de julho de 1923). São Paulo, Saraiva, 1923.

[15] Arraes (Raimundo de Monte). O Rio Grande do Sul e as suas instituições governamentais – Estudos de política constitucional. Rio de Janeiro, Tipografia do Anuário do Brasil, 1926, 2ª edição.

[16] Cf. Silva, Inocêncio Francisco da. Dicionário bibliográfico português. Silvestre Pinheiro Ferreira; Manual do cidadão em um governo representativo), introdução de Vicente Barretto, Rio de Janeiro, Documentário / Pontifícia Universidade Católica; Brasília, Conselho Federal de Cultura, 1976. Barretto (Vicente), A ideologia liberal no processo da independência do Brasil 1798-1824, Brasília, Câmara dos Deputados, 1973 (Prêmio Poder Legislativo, 1972). Barretto, Vicente, “Uma introdução ao pensamento político de Silvestre Pinheiro Ferreira”, in: Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, 100 (XXV) 470/478, outubro / boa, 1862, t. VII, pp. 259-273, citado por Silvestre Pinheiro Ferreira, Preleções Filosóficas, (introdução de Antônio Paim), São Paulo: Editoras da Universidade de São Paulo e Grijalbo, 1970, 2ª edição, pp. 13-26. Paim, Antônio, História das ideias filosóficas no Brasil, 2ª edição, São Paulo, Grijalbo / Editora da Universidade de São Paulo, 1974, pp. 65 ss. e 179-202. Pinheiro Ferreira, Silvestre, dezembro, 1975.

[17] Orico (Osvaldo), Silveira Martins e sua época. Porto Alegre, Blogo, 1935. Britto (Victor de), Gaspar Martins e Júlio de Castilhos (estudo crítico de psicologia política), Porto Alegre, Livraria Americana, 1908, passim. Neves da Fontoura (João), Silveira Martins e Coelho Neto, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1938. Pessoa de Queiroz (Maria Helena), Zeledón Lizano (Cristina), Pesquisa sobre as ideias político-filosóficas de Gaspar da Silveira Martins, Rio de Janeiro, PUC, 1973.

[18] In: Diário de Pernambuco, 21-08-1902.

[19] Sá (Mem de). A politização do Rio Grande. Porto Alegre, Tabajara,1973, especialmente pp. 109-127. Souza (José Conceição Pereira de), O Pensamento de Assis Brasil, Rio de Janeiro, José Olympio, 1958. Enciclopédia Brasileira Mérito, vol. 3, p. 653, São Paulo, Editora Mérito, 1967; Enciclopédia Barsa, Vol. 2, p. 271; Rio de Janeiro, Enciclopédia Britânica Editores, 1966.

[20] Partido Republicano Riograndense, criado por Castilhos. Esse foi um dos instrumentos mais eficazes que utilizou o ditador gaúcho para se manter no poder e conferir estabilidade ao seu regime.

[21] Mote despectivo dado por Castilhos ao governo que o sucedeu, entre novembro de 1891 e junho de 1892.