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A HISTÓRIA DA CULTURA E O DESENVOLVIMENTO DE UM PROJETO NACIONAL.

A HISTÓRIA DA CULTURA E O DESENVOLVIMENTO DE UM PROJETO NACIONAL.

ALEXIS DE TOCQUEVILLE (1805-1859), MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DA FRANÇA, DURANTE SETE MESES, EM 1849.

Dois itens serão desenvolvidos neste curto artigo: I. A concepção de François Guizot (1784-1874) acerca da Política e da Cultura. II. O caso Brasileiro, na contemporaneidade.

I – A concepção de François Guizot acerca da Política e da Cultura.

François Guizot não conhecia a obra de Friedrich Hegel (1770-1831). Familiarizou-se com ele através de um ex-aluno do grande filósofo alemão, Victor Cousin (1792-1867), um dos denominados na França de “Filósofos Doutrinários”, que aplicou a dinâmica do Espírito Absoluto ao estudo da Filosofia, tendo sido um dos primeiros em formular a disciplina “História da Filosofia”, ao redor dos problemas emergentes da meditação sobre o Ser. O próprio Hegel confessou a Cousin a sua admiração por essa formulação, oriunda do seu sistema. Cousin, assim, tornou concreto o estudo da Filosofia como “História da Filosofia” ao redor de determinados problemas formulados pelos filósofos ao longo do tempo. Um exemplo disso é a obra de Cousin, intitulada: Du Vrai, du Beau et du Bien (Acerca do Verdadeiro, do Belo e do Bem, 1853). [Paris: Wentworth Press, 2018]. Dentro dessa dinâmica transcendental, pensava Cousin, a Filosofia era compreendida, na sua dialética histórica, destacando os problemas que centraram a atenção dos pensadores.

Nesse contexto, a Filosofia foi tematizada como “Filosofia Antiga”, “Filosofia Medieval” e “Filosofia Moderna”. No seio da “Filosofia Moderna” entrava o estudo da forma em que a meditação filosófica aperfeiçoaria progressivamente o espírito humano, através da criação de instituições culturais, que corresponderiam a um aperfeiçoamento das obras de cultura e que refinariam, sem cessar, o espírito humano ao longo dos tempos.

Guizot entendia nesse contexto de aperfeiçoamento dialético a sua História da Cultura (denominada por ele de “Histoire de la Civilisation”, termo correspondente à expressão castelhana de “Historia de la Cultura”). O espírito humano aperfeiçoar-se-ia moralmente, de forma indefinida, nessa sua marcha infindável, gerando instituições de cultura as quais, sucessivamente, inspirariam novas instituições culturais, que fariam aperfeiçoar, moralmente, o ser humano. Nessa sua marcha ascensorial rumo ao aperfeiçoamento, a razão não se deteria, dando ensejo, assim, a novas criações culturais que aperfeiçoariam, cada vez mais, a índole moral do espírito humano.

A apreensão da Liberdade como aperfeiçoamento do espírito humano, ao cair da Idade Média, nos tempos da Revolução Francesa de 1789, precisaria ser acompanhada de Instituições que garantissem o aperfeiçoamento moral dos seres humanos. “Terminar a Revolução Francesa”, esse seria um repto essencial do desenvolvimento do espírito, no sentido de garantir a continuidade de todas as reformas ensejadas para o melhor crescimento do homem, na sua dimensão moral. Guizot sistematizou toda essa caminhada de aperfeiçoamento, na sua obra intitulada: História da civilização ocidental desde a queda do Império Romano até a Revolução Francesa [cf. a edição espanhola da obra, intitulada: Historia de la civilización en Europa. Tradução de F. Vela; Prólogo de José Ortega y Gasset, “Guizot y la Historia de la civilización em Europa”. Madrid: Alianza Editorial, 1990]. Guizot decidiu concretizar esse crescimento moral, oriundo da Revolução de 1789, não na destruição de tudo quanto embasou o passado da antiga cultura nobiliárquica e feudal, mas na criação e desenvolvimento das instituições que garantissem o aperfeiçoamento moral da humanidade, após a Revolução.

Tratava-se, no terreno social, segundo Guizot, de formar uma nova liderança ao redor da Classe Média, emergente como vencedora do ciclo revolucionário. Ora, essa Classe era a Burguesia, a qual deveria aperfeiçoar as instituições que garantissem o exercício da Liberdade, nos tempos modernos. Guizot, com o auxílio de Cousin, conseguiu reformular o processo educacional público da França, inserindo-o no contexto de formar cidadãos que realizassem os valores de moralidade e de modernidade que garantiriam o progresso do País. Recordemos que os líderes da Classe Média, os Burgueses, tinham recebido de Guizot o imperativo categórico de: “enriquecei-vos”. Guizot cuidou, aliás, de organizar o Partido liberal-conservador moderado que permitisse, aos Burgueses, defender a Liberdade e a Moderação).

Toda a sua obra historiográfica, educacional e governamental foi inserida por Guizot nessa dinâmica dialética, que permitia a renovação das instituições apesar de sua transitoriedade no tempo. Toda a história da França e da Europa foram pensadas por Guizot dentro desse contexto de aperfeiçoamento humano, do ângulo econômico, político e moral. A concretização desse esforço da Classe Média para a realização de sua alta tarefa, deu-se no ciclo das reformas que foram empreendidas entre 1830 e 1848, que garantiam aos franceses o exercício da representação sob a liderança da Burguesia, como classe chamada ao exercício do poder. Essa foi a essência das reformas de Guizot, muito bem estudadas na obra de Pierre Rosanvallon, intitulada: Le Moment Guizot [Paris: Gallimard, 1985].

II – O caso brasileiro, na contemporaneidade.

Alexis de Tocqueville (1805-1859) foi influenciado por Guizot, no que tange à ideia de “finalizar a Revolução Francesa”. Mas Tocqueville dissentia do seu mestre o qual, como vimos, restringia à Burguesia a missão de representar, no Parlamento, os interesses da Casse Média. O jovem pensador, que se tinha formado como advogado e que exercia a magistratura, endereçou ao seu mestre, Guizot, a crítica de trancafiar o pleno exercício da Liberdade no terreno de uma classe privilegiada. Crítica semelhante, aliás, fizeram a Hegel os discípulos da denominada “esquerda hegeliana”, no sentido de que, se o devir dialético da Cultura na História Humana não se deteria em nenhum momento, não era possível endeusar o extraordinário crescimento do Estado Prussiano, que chegava a ser confundido com a concretização do Espírito Absoluto. Tocqueville achava que o “momento Guizot” deveria ser superado pelo alargamento da Liberdade para todos os Franceses e não apenas para a Burguesia. Tocqueville converteu-se, assim, no profeta da Liberdade para todos.

Ora, entre nós, a pregação liberal-conservadora dos novos tempos que buscavam o alargamento da Liberdade para todos os 210 milhões de brasileiros e não apenas para os 10 milhões de felizardos que vivem do orçamento público, incomodou ao stablishment, que reagiu, com raiva, à tentativa de os liberais-conservadores questionarem a legitimidade dos denominados “donos do poder”, deixando ao relento os que não pertencessem a essa exclusiva elite do estamento dominante na condução do Estado. A reação não veio empacotada da mesma forma que as reações anteriores denominadas, no nosso ciclo republicano, de “autoritarismo instrumental”. O pacto do STF-STE com a esquerda burocrática representada pelo PT, e com a burocracia de séculos que se enriqueceu absurdamente com o duplo episódio do “Mensalão” e do “Petrolão’ no ciclo lulopetista, veio mal embrulhada, desta vez, num pacote que parece ter emergido das sombras do passado pombalino: o autoritarismo para frear os “crimes contra a democracia”, encarnados no chamado “Inquérito do Fim do Mundo”, nome que conhecido Magistrado aposentado deu às providências do novo despotismo iluminista. Tal contribuição do burocratismo orçamentívoro vem complementar, neste pesado início de Milênio, o “socialismo do século XXI”, com que as Narcoditaduras bolivarianas, hoje, nos assombram neste fragilizado Continente.

Pesadas nuvens de intolerância e de totalitarismo se cernem sobre os férteis campos brasileiros, que garantem a produtividade da maior parcela da nossa economia, tendo as velhas elites industriais largado no meio do caminho a industrialização, reféns cada vez mais do lucro subsidiado e da tributação insana imposta por social-democratas e petistas, ao longo dos últimos trinta anos. Nos dias atuais, a torta liderança petista foi guindada rapidamente ao poder pela engenharia política do stablishment, que reagiu enraivecida contra um governo liberal-conservador que surpreendeu a todos e que pretendia dar continuidade à Operação Lava-Jato. Jamais o canto de sereia do socialismo radical chegou tão perto de dominar totalmente o cenário que desenha, no horizonte, o incêndio socialista em que mergulham nações outrora prósperas como a Venezuela, a Argentina, a Colômbia, etc.

No meio de tanta incerteza e diante do fracasso econômico com que nos acena no horizonte a atual administração petista, vale a pena dirigir os nossos olhos para as Nações que conseguiram driblar esses abismos de insanidade e violência, como foi o caso da França da segunda metade do século XIX. Diante da Revolução de 1848, na qual os socialistas quiseram impor um regime de força, Alexis de Tocqueville não se apavorou e considerou que havia uma saída digna para ser conquistada: reestruturar a representação no seio do Parlamento, a fim de garantir a vida das instituições republicanas. Já doente, o notável pensador nos deixou uma lembrança dos seus temores e dos seus heroicos esforços para reerguer das sombras do populismo o seu país: colaborou, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, com a Segunda República francesa, à cuja testa se colocou um presidente, Luís Napoleão Bonaparte (1808-1873) que, se não era um consumado estadista, pelo menos deu provas de que queria controlar com firmeza os socialistas. Embora tenha permanecido pouco tempo no gabinete francês (sete meses, entre março e novembro de 1849) Tocqueville garantiu que valia a pena se comprometer com o seu país nessa situação-limite, que ameaçava com derrubar as instituições penosamente reconstruídas após o terremoto da Revolução Francesa, do Terror Jacobino, da volta ao poder dos corruptos Bourbons, da aventura imperial de Napoleão Bonaparte (1769-1821) e do regime conservador da Monarquia de Julho, presidido por Guizot à frente do Gabinete Ministerial, entre 1830 e 1848. Tocqueville sintetizou as suas lembranças desse período na obra intitulada: Lembranças de 1848 [tradução de Modesto Florenzano, introdução e notas de Renato Janine Ribeiro, São Paulo: Companhia das Letras, 1991].

Os liberais brasileiros tornaram-se porta-vozes da lição deixada por Tocqueville. O maior deles no período contemporâneo, Antônio Paim (1927-2021), na sua obra intitulada: História do Liberalismo Brasileiro [3ª edição revista e ampliada, Prefácio de Alex Catharino, Posfácio de Marcel Van Hattem, São Paulo: Editora LVM, 2018, 419 páginas], assinala o caminho que devemos percorrer para tornar o nosso País uma democracia que represente realmente a todos os brasileiros.

Esse caminho é o do aperfeiçoamento da Representação no Congresso, a fim de que as leis emanadas desse corpo colegiado indiquem o caminho para o funcionamento da Democracia. Esse caminho, frisa Paim, consiste na adoção do Voto Distrital, que realmente possibilite aos brasileiros elegerem os seus representantes em todos os corpos colegiados: Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas Estaduais, Câmara dos Deputados e Senado da República. Esses representantes passarão a lutar em defesa dos interesses dos seus eleitores, acabando com a farra do voto proporcional, que somente representa aos donos das siglas partidárias, que são os que escolhem os candidatos.

Numa versão preto no branco elaborada pela liderança da esquerda radical, tudo aquilo que não se identifique com os interesses de Lula e Companhia é simplesmente alcunhado de "Extrema Direita" e de praticar "Atos antidemocráticos". A respeito, o jornalista J. R. Guzzo assim tipificou essa cisão da seguinte forma: "Em nenhum momento ao longo dos 500 anos de história do Brasil, a autoridade pública, os tribunais de justiça e a polícia falaram tanto de democracia como hoje. Mais que isso: montaram uma espécie de 'comissariado nacional de repressão aos atos antidemocráticos', que deu a si próprio a autorização para violar as leis quando julga que o 'estado de direito' está ameaçado por alguém ou por algum tipo de ideia. A manifestação suprema dessa cruzada, que se propõe a nos salvar da 'extrema direita', é o inquérito perpétuo que o STF mantém aberto há mais de quatro anos contra os 'atos antidemocráticos'. É um elixir universal. Serve para quem fala mal das urnas do TSE, tem atitudes 'golpistas' ou participou da arruaça do 8 de Janeiro - que a presidente do STF considerou igual ao bombardeio de Pearl Harbor, que matou 2,4 mil pessoas e levou os Estados Unidos a uma guerra de quatro anos contra o Japão e a Alemanha nazista." [ J. R. Guzzo, "A democracia de dois lados", O Estado de S. Paulo, 3 de setembro de 2023, p. A9].