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A ÉTICA PÚBLICA LIBERAL E A CRÍTICA À UTOPIA SOCIALISTA NA FRANÇA



Talvez Alexis de Tocqueville (1805-1859) tenha sido um dos pensadores sociais e homens de ação que concretizou, da forma mais completa, a dupla feição da ética estudada por Max Weber (ética de convicção e de responsabilidade) [cf. Weber, 1972]. O pensador francês, efetivamente, ancorou tanto numa quanto noutra. Tocqueville cultua o ideal da ética de convicção quando reflete acerca do seu compromisso como intelectual. Mas propõe, também, um original conceito de ética de responsabilidade em relação à problemática da pobreza.

É meu propósito, aqui, abordar ambos os aspectos mencionados, enfatizando a atualidade do modelo ético tocquevilliano para o século XXI. Na parte final deste artigo, destacarei a crítica realizada pelo pensamento liberal contemporâneo em relação à pervivência da utopia socialista. Referir-me-ei, particularmente, à última obra do pensador francês Jean-François Revel (1924-2006), intitulada: A Grande Parada.

Serão desenvolvidos os seguintes itens: 1) A ética intelectual de Tocqueville, atrelada à defesa incondicional da liberdade. 2) A ética política de Tocqueville, alicerçada no princípio da benevolência. 3) Estatismo e comunismo na República Francesa no século XX, segundo Maurice Druon (1918-2009). 4) O processo centralizador no Presidencialismo monárquico da Quinta República Francesa. 5) Um exemplo do processo centralizador da Quinta República Francesa: o regalismo estetizante de François Miterrand (1916-1996). 6) A crítica liberal de Jean-François Revel à sobrevivência da utopia socialista na França.

1 - A ética intelectual de Tocqueville, atrelada à defesa incondicional da liberdade.

 Tocqueville considerava que o seu primeiro compromisso como intelectual consistia no esclarecimento e na divulgação da verdade histórica, que conduzisse à conquista da liberdade para todos os franceses. Neste seu empenho não admitia negociação. Daí as suas fortes críticas aos socialistas, aos bonapartistas, aos seus pares, os nobres (que tinham ancorado numa proposta de volta ao Ancien Régime), e aos próprios doutrinários, seus mestres, que tinham fechado as conquistas liberais na gaiola de ouro do formalismo jurídico e do elitismo burguês. Destaquemos, de entrada, a forma toda peculiar em que Tocqueville entende a democracia, como conquista da liberdade por parte de todos.

Três pontos saltam à vista na ética intelectual tocquevilliana: em primeiro lugar, a fundamentação das suas convicções morais no Cristianismo, do qual o nosso autor tira o princípio fundamental de que todos os seres humanos possuem a mesma dignidade e, portanto, podem aspirar aos benefícios da liberdade. Em segundo lugar, a solidariedade para com os seus concidadãos, que correm perigo de cair nas mãos do despotismo, em lugar de conquistar a almejada liberdade. Em terceiro lugar, o dever de testemunhar a verdade histórica que o nosso autor descobriu na sua viagem à América. Essa verdade histórica resume-se na seguinte afirmação: “a liberdade democrática é possível!”

No tocante ao primeiro ponto, Tocqueville [1977: 329] escreve o seguinte: "Todos os grandes escritores da Antigüidade faziam parte da aristocracia dos senhores, ou pelo menos viam essa aristocracia estabelecida sem contestação diante dos seus olhos; o seu espírito, depois de se haver expandido em várias direções, achou-se, pois, limitado por aquela, e foi preciso que Jesus Cristo viesse à terra para fazer compreender que todos os membros da espécie humana eram naturalmente semelhantes e iguais".

Em relação ao segundo ponto, assim escrevia Tocqueville (em carta inédita a Orglandes, de 24/11/1834) [apud Mélonio, 1993: 30]: "Eu creio que cada um de nós deve prestar contas à sociedade, tanto dos seus pensamentos quanto das suas forças. Quando vemos os nossos semelhantes em perigo, é obrigação de cada um ir em socorro deles".

Em relação ao terceiro ponto, o dever de testemunhar a verdade histórica descoberta na América, Françoise Mélonio [1993: 30-31] escreve: "Tocqueville regressa, pois, da América, investido do dever de testemunhar. O primeiro volume de Da Democracia na América, que publica em 1835, recebe desse objetivo apologético os traços que fazem dele o breviário da democracia moderna. Da Democracia é uma obra de auxílio ao povo em perigo (...). Ora, há urgência. Na Europa, os tempos se aproximam do triunfo da democracia. Tocqueville assume a postura de um São João Batista da democracia clamando no deserto: acordai antes que seja tarde demais! O movimento democrático não é, ainda, suficientemente rápido como para desistir de dirigi-lo. A sorte [das nações européias] está nas suas mãos, mas bem cedo lhes escapa. E que não se diga que é tarde demais para tentar. Contra os pregoeiros de desgraças, os resignados, Tocqueville faz um apelo aos franceses para que, sem delongas, tomem o seu destino nas próprias mãos, a exemplo da América. Como os profetas e os pregadores, Tocqueville argumenta com os riscos que representa uma conversão tardia".

2 - A ética política de Tocqueville, alicerçada no princípio da benevolência.

Tocqueville elaborou a sua concepção de uma ética política, ao discutir a problemática da pobreza na sociedade européia da sua época. As suas reflexões a respeito estão contidas em dois escritos de 1835, intitulados: "Memória sobre a pobreza" e "Segundo artigo sobre a pobreza", que foram redigidos para a Sociedade Acadêmica de Cherbourg e que integram os seus Escritos Acadêmicos. Na edição das Obras de Tocqueville [primeiro volume, 1991], preparada por André Jardin, Françoise Mélonio e Lise Queffélec, outros dois ensaios de Tocqueville foram escolhidos: o "Discurso à Academia Francesa" de 1842 sobre a história da França e o "Discurso à Academia de Ciências morais e políticas" de 1852, sobre a ciência política. A finalidade desses "Escritos Acadêmicos" era, segundo aponta Françoise Mélonio [1991: I, 1626] discutir "como estruturar a sociedade moderna, aglutinando os cidadãos desunidos, que a hierarquia de privilégios do Antigo Regime não organizava mais".

Tocqueville analisa a problemática da pobreza no contexto mais amplo da ciência social da época, inspirada na fisiologia social de Pierre Cabanis (1757-1808), François Bichat (1771-1802), Philippe Pinel (1745-1826), Félix Vicq d’Azyr (1748-1794), Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825), etc. [cf. Rosanvallon, 1985: 22; Mélonio, 1993: 33 seg.; Vélez-Rodríguez, 1997c: 22-45]. É bem verdade que o nosso autor supera qualquer pretensão cientificista, deixando de render tributo, também, ao vício do historicismo. Mas utiliza o símil do corpo enfermo, para se referir à problemática social. Em relação ao mencionado fenômeno na Inglaterra, por exemplo, o nosso autor escreve: "(...) a pobreza, essa praga horrenda e imensa, que contaminou um corpo cheio de forca e de saúde" [Tocqueville, 1991: I, 1174].

Fiel ao arquétipo epistemológico mencionado, Tocqueville analisa a problemática da pobreza em três etapas: sintomatologia, tratamento errado e tratamento certo. Em relação à primeira etapa, o pensador destaca um fato paradoxal: essa doença somente é visível em organismos fortes. As nações que caminham rumo à modernidade, como a Inglaterra e a França, apresentam o contraste entre geração da riqueza e pobreza, contraste que não é visível onde a pobreza é a norma e a riqueza a exceção, como na Espanha ou em Portugal. O nosso autor dedica especial atenção ao estudo da doença na Inglaterra, país que conseguiu desenvolver os recursos econômicos de forma a permitir à maioria dos seus cidadãos a conquista de uma vida confortável e segura. Um sexto da população britânica, no sentir de Tocqueville, é marginalizada pela pobreza. Mas justamente por estar a maioria dos cidadãos em situação de conforto econômico, a marginalização do proletário é mais visível entre os ingleses do que na própria França.

No que tange à França da sua época, Tocqueville destaca que acontece algo semelhante: percebe-se mais a pobreza ali onde houve maior desenvolvimento. A respeito, o nosso autor escreve: "A média dos indigentes da França (...) é de um pobre para cada vinte habitantes. Mas notam-se enormes diferenças entre as várias partes do reino. O departamento do Norte que é sem dúvida o mais rico, o mais povoado e o mais desenvolvido em todos os campos, conta perto de uma sexta parte da sua população que recebe o apoio da caridade pública. Na região de la Creuse, o mais pobre e o menos industrializado de todos os nossos departamentos, somente se conta um indigente para cada cinqüenta e oito habitantes. Nessa estatística, a Mancha é indicada como possuindo um pobre para cada vinte e seis habitantes". [Tocqueville, 1991: I, 1156].

Em relação à segunda etapa na discussão da problemática da pobreza (o tratamento errado da mesma), Tocqueville chama a atenção para a confusão que a cultura humana termina estabelecendo entre necessidades artificiais e essenciais. O nosso pensador considera que o progresso da civilização leva, também, a que a sociedade busque aliviar as necessidades dos que se sentem carentes. "Os progressos da civilização - frisa a respeito [Tocqueville, 1991: I, 1164] - não expõem somente os homens a muitas novas misérias; levam ainda a sociedade a aliviar misérias que, numa sociedade menos evoluída, ninguém sonharia em satisfazer. Num país onde a maioria está mal vestida, mal alojada, mal alimentada, quem pensa em dar ao pobre uma roupa limpa, um alimento fresco, uma moradia cômoda? Entre os ingleses, onde o grande número possuidor de todos esses bens considera como um mal horrível não tê-los, a sociedade acha que deve socorrer os que estão privados desses bens, e cuida de desgraças que ela própria não descobriria em outras sociedades".

Essa tendência encontrou expressão na Inglaterra, pela primeira vez, na lei de Elizabeth I (1533-1603) que dispunha a nomeação, em cada paróquia, de inspetores dos pobres (1601). Essa medida vinha responder à supressão, por Henrique VIII (1491-1547), de todas as comunidades dedicadas à caridade. Essa foi a remota origem da preocupação do governo inglês com a questão da pobreza, que nos países protestantes passou a ser responsabilidade do Estado, enquanto no universo católico tradicionalmente foi incumbência da caridade privada [Tocqueville, 1991: I, 1164-1165].

Tocqueville é claro na sua crítica à forma estatal da caridade: para ele, toda medida contra a pobreza, alicerçada numa estrutura burocrática permanente, produz a preguiça social. O nosso autor se antecipava profeticamente das dificuldades encontradas pelo Welfare State na erradicação da pobreza. Eis as palavras de Tocqueville em relação ao tópico em apreço: "Toda medida que alicerça a caridade legal sobre uma base permanente e que lhe confere uma forma administrativa, cria pois uma classe ociosa e preguiçosa, que vive às custas da classe industrial e trabalhadora. Essa é, senão o seu resultado imediato, pelo menos a sua conseqüência inevitável. Ela reproduz todos os vícios do sistema monástico, menos as altas idéias de moralidade e de religião que amiúde vinham se juntar a ele. Uma lei semelhante é um germe venenoso, depositado no seio da legislação; as circunstâncias, como na América, podem impedir o germe de se desenvolver rapidamente, mas não chegam a destruí-lo, e se a atual geração escapa à sua influência, ele devorará o bem-estar das gerações do futuro" [Tocqueville 1991: I, 1170].

Tocqueville formula os elementos básicos do que poderíamos chamar de princípio da beneficência na ética pública, quando apresenta as suas soluções, na terceira etapa da discussão da problemática da pobreza. O nosso pensador parte da definição moral do princípio da beneficência. Esse princípio alicerça-se numa espécie de imperativo categórico: deve poder se aplicar universalmente e as suas conseqüências devem estar de acordo com a moral. Eis as suas palavras a respeito: "Certamente estou longe de pretender colocar aqui em tela de juízo a beneficência que é, ao mesmo tempo, a mais natural, a mais bela e a mais santa das virtudes. Mas penso que não há princípio tão bom cujas conseqüências não possam ser todas admitidas como boas. Creio que a beneficência deve ser uma virtude máscula e fundada racionalmente, não um gosto frágil e irrefletido; que não se deve fazer o bem que mais agrada àquele que o faz, mas o mais verdadeiramente útil àquele que o recebe; não aquele que alivia da forma mais completa as misérias de alguns, mas aquele que serve ao bem-estar do maior número. Eu não saberia calcular a beneficência senão desta forma; compreendida num outro sentido, ela ainda é um instinto sublime, mas não merece, a meu ver, o nome de virtude [Tocqueville, 1991: I, 1177-1178].

A seguir, o nosso autor discute se a solução da problemática da pobreza, mediante a aplicação do princípio da beneficência, pode-se dar pelo caminho da caridade veiculada pela iniciativa individual. Tocqueville não duvida em reconhecer a utilidade dessa modalidade de ação social; mas pensa que é insuficiente para equacionar o problema da pobreza. Em relação a este ponto, o nosso autor escreve: "Resta, pois, a caridade particular; ela produz efeitos úteis. A sua própria fragilidade garante contra os seus perigos; ela alivia muitas misérias e não faz nascer outras. Mas, face ao desenvolvimento progressivo das classes industriais e diante de todos os males que a civilização mistura aos bens inestimáveis que ela produz, a caridade individual parece bem fraca. Suficiente na Idade Média, quando o ardor religioso lhe dava uma imensa energia, e enquanto a sua tarefa era menos difícil de cumprir, continuaria a sê-lo nos nossos dias, quando o fardo que ela carrega é pesado e no momento em que as suas forças são frágeis? A caridade individual é um agente poderoso que a sociedade não pode desprezar, mas no qual seria imprudente centrar todas as esperanças. Ela é apenas um dos meios e não poderia sê-lo exclusivamente" [Tocqueville, 1991,: I, 1179].

O pensador francês examina, a seguir, se o caminho para o equacionamento da problemática da pobreza seria o da associação das pessoas caridosas. Esse tipo de solução, ao regularizar os auxílios, poderia dar à beneficência individual mais atividade e maior poder. Tocqueville não deixa de reconhecer a enorme utilidade da colaboração entre este tipo de ação e a "caridade pública", ministrada pelo Estado. Mas, além de reconhecer a fragilidade de soluções necessariamente temporárias, que se organizam nos momentos das grandes calamidades, considera que a "esmola do Estado" deve ser tão passageira, tão instantânea e tão imprevisível quanto as calamidades que busca remediar [Tocqueville, 1991: I, 1178].

Tocqueville enxerga uma solução mais larga. Trata-se da formulação de uma política social que abarque três grandes aspectos: educação dos pobres, estímulo à propriedade fundiária dos camponeses e estímulo à poupança dos operários das indústrias. A finalidade dessa política social consistiria em estabelecer um equilíbrio entre a produção de bens e o seu consumo, a fim de evitar as distorções causadas no mundo moderno pelo sistema produtivo.

A propósito deste ponto, escreve Tocqueville [1991: I, 1180]: "(...) Após ter sonhado em aliviar os males, não seria útil buscar como preveni-los? Não seria possível impedir o rápido deslocamento da população, de tal forma que os homens não abandonem a terra e não se mudem para a indústria, senão quando esta possa responder mais facilmente às suas necessidades? A soma das riquezas nacionais não pode continuar a aumentar, sem que uma parte dos que produzem essas riquezas tenham que amaldiçoar a prosperidade que fazem nascer? É impossível estabelecer um relacionamento mais fixo e mais regular entre a produção e o consumo das matérias manufaturadas? Não se pode facilitar às classes operárias a acumulação da poupança que, nos tempos de calamidade industrial, lhes permita esperar, sem morrer, o retorno da fortuna?"

No fundo da proposta tocquevilliana há três convicções de profunda fé liberal: em primeiro lugar, é possível, mediante uma inteligente legislação, criar os mecanismos institucionais que permitam corrigir os desvios do sistema produtivo, a fim de torná-lo mais justo, de acordo com o ideal democrático; em segundo lugar, a legislação deve atender à educação do homem, que é o meio adequado para lhe permitir desenvolver a sua inteligência; em terceiro lugar, a legislação deve-se voltar, também, para a democratização da propriedade, que é o meio através do qual os pobres podem recuperar a dignidade perdida, a sua liberdade, a fim de que se integrem produtivamente à sociedade moderna.

Em relação à educação, frisa Tocqueville: "Entendo (...) a caridade pública como abrir escolas para os filhos dos pobres a fim de fornecer gratuitamente à inteligência os meios de adquirir, mediante o trabalho, os bens do corpo". Já no que tange à legislação que democratize a propriedade, o nosso pensador destaca dois tipos de medidas: umas, dirigidas ao homem do campo, a fim de evitar o êxodo rural; outras, dirigidas ao operariado urbano, a fim de estimular, nele, o sentido de responsabilidade, mediante o desenvolvimento da poupança.

A respeito do primeiro aspecto, escreve Tocqueville [1991: I, 1183-1184]: "Considero que entre os meios de dar aos homens os sentimentos da ordem da atividade e da economia, não conheço um mais poderoso que o de lhes facilitar o acesso à propriedade fundiária (...). O meio mais eficaz de prevenir a pobreza nas classes agrícolas é, pois, com certeza, a divisão da propriedade fundiária. Essa divisão existe entre nós, na França, e não devemos temer, pois, que se instalem, aqui, grandes e permanentes misérias. Mas pode-se ainda melhorar muito o conforto dessas classes e tornar os males individuais menos cruéis e mais raros. É dever do governo e das gentes de bem trabalhar para que isso aconteça".

O nosso pensador considerava que, no que tange à divisão fundiária, o problema era muito grande na Inglaterra, devido à concentração de terras em poucas mãos. Os camponeses despojados das suas pequenas propriedades iam para as cidades engrossar o exército de proletários. A expansão da pequena propriedade fundiária na França, de outro lado, não foi obra da Revolução de 1789, mas ocorreu paulatinamente ao longo dos séculos XVII e XVIII, como paradoxal efeito do desmantelamento centralizador das instituições feudais. O nosso autor dedicou uma longa análise ao fenômeno, na sua obra O Antigo Regime e a Revolução [Tocqueville, 1988: 117-127; 211-227; 259-269].

No que tange à legislação que deveria estimular no operariado urbano o sentimento de responsabilidade, Tocqueville [1991: I, 1187] escreve: "A meu modo de ver, o problema a ser resolvido é este: como encontrar um meio de dar ao operariado industrial, bem como ao pequeno agricultor, o espírito e os hábitos da propriedade. Dois meios principais apresentam-se: o primeiro (e, a primeira vista, o mais eficaz), consistiria em estimular no operariado o surgimento de um interesse pessoal na sua fábrica. Isso produziria, nas classes industriais, efeitos semelhantes aos que enseja a divisão da propriedade fundiária na classe agrícola".

O nosso autor examinava detalhadamente como se poderia dar essa solução na França da sua época. Considerava que, embora ideal, a participação do operariado na gestão e nos lucros das empresas era uma medida que, pela excessiva politização dos sindicatos, não tinha sido possível instaurar. Mas achava que, no futuro, mediante o amadurecimento da classe operária, graças a um sindicalismo mais evoluído e ao desenvolvimento da instrução, seria possível chegar a esse tipo de participação, que tornaria o operário efetivamente proprietário no seio das indústrias. Por enquanto, Tocqueville considerava que a solução era estimular a poupança, mediante uma adequada política salarial e a criação de mecanismos financeiros que a tornassem segura e atraente aos trabalhadores.

A respeito, o nosso autor frisava: "Posto que não é possível dar aos operários um interesse de propriedade na fábrica, pode-se, ao menos, facilitar-lhes, à sombra dos salários que retiram da fábrica, a criação de uma propriedade independente. Favorecer a poupança sobre os salários e oferecer aos operários um método fácil e seguro de capitalizar as suas poupanças e de fazê-las produzir lucros, tais, são, pois, os únicos meios de que a sociedade pode se servir, nos nossos dias, no esforço de combater os maus efeitos da concentração das propriedades mobiliárias nas mesmas mãos, a fim de dar à classe industrial o espírito e os hábitos da propriedade, que uma grande porção da classe agrícola já possui. Toda a questão reduz-se, pois, a buscar os meios que possam permitir ao pobre capitalizar e tornar produtivas as suas poupanças" [Tocqueville, 1991: I, 1188].

Qual seria o mecanismo financeiro ideal, na França, para estimular e gerir a poupança dos trabalhadores? O nosso autor era cético quanto à possibilidade de o Estado desempenhar a contento essa função, devido aos seus incontroláveis gastos e às desgraças que a imprevidência do Leviatã tinha causado na história do país. A respeito, escrevia: "Depois de cem anos, o Estado somente produziu, mais de uma vez, a falência: o Antigo Regime a produziu, a Convenção também. Durante os últimos cinqüenta anos o governo da França mudou radicalmente sete vezes e foi reformado em muitas outras oportunidades. Durante esse período, os franceses experimentaram 23 anos de guerra terrível e duas invasões quase totais do seu território. É triste recordar esses fatos, mas a prudência exige que eles não sejam esquecidos. Seria prudente, justamente num século de transição como o nosso, num século polarizado, pela sua conjuntura histórica, por grandes agitações (...) entregar nas mãos do governo, quaisquer que sejam a sua forma e o seu representante atual, toda a fortuna de um tão grande número de homens?"[Tocqueville, 1991: I, 1191].

O nosso autor apelava para uma solução original: reformar as caixas de poupança então existentes, de maneira que fossem instituições de crédito descentralizadas, que possibilitassem a aplicação do dinheiro arrecadado pela poupança dos trabalhadores, em obras que beneficiassem as várias regiões [Tocqueville, 1991: I, 1194]. De outro lado, o pensador francês propunha a criação de uma espécie de "banco dos pobres" que substituísse os montepios, considerados por ele como estabelecimentos graças aos quais o pobre era arruinado a fim de lhe garantir um refúgio na sua miséria" [Tocqueville, 1991: I, 1195].

O perfil da instituição bancária imaginada pelo nosso autor seria o seguinte: "Nesse sistema, a administração receberia de um lado as poupanças e, de outro, dar-lhes-ia aplicação. Os pobres que possuem dinheiro para emprestar o depositariam nas mãos de uma administração que, mediante contrato garantido por penhor, remetê-lo-ia aos pobres que teriam necessidade de empréstimo. A administração não seria mais do que um intermediário entre esses dois grupos. Na realidade, seria o pobre capitalizado ou momentaneamente favorecido pela fortuna, que emprestaria com juros a sua poupança ao pobre pródigo ou em situação precária. Nada de mais simples, de mais prático nem de mais moral do que tal sistema: as poupanças dos pobres, administradas dessa forma, não poriam em risco nem o Estado nem os pobres mesmos, pois nada há de mais seguro no mundo do que um empréstimo garantido por penhor. Além do mais, esse seria um verdadeiro banco dos pobres, cujo capital seria fornecido pelos próprios pobres" [Tocqueville, 1991: I, 1195].

As duas dimensões da ética no pensamento de Alexis de Tocqueville, a intelectual e a política, embora tematizadas em contextos diferentes da sua obra, estão, contudo, profundamente relacionadas. Diríamos que o ideal da ética política, materializado no princípio da beneficência, torna-se possível unicamente mediante o cumprimento do imperativo da defesa incondicional da liberdade para todos. O nosso pensador, efetivamente, caracteriza o princípio da beneficência da seguinte forma: fazer o bem mais verdadeiramente útil àquele que o recebe, de forma que sirva ao bem-estar do maior número. Ora, no pensamento tocquevilliano o bem mais radicalmente útil que se pode conceber para alguém na sociedade consiste na conquista da liberdade. O completo desenvolvimento do imperativo categórico da beneficência aponta, em última instância, para essa finalidade. Trata-se de fazer aos excluídos da sociedade da sua época, os proletários, o bem mais útil. Esse bem consiste, no pensamento do nosso autor, em dotá-los dos meios que lhes possibilitem reconquistar a dignidade perdida, alicerçada na liberdade. O proletário deve ser estimulado, nas empresas, a ter algum interesse material, assim como o homem do campo deve preservar as suas pequenas posses. Isso, basicamente, porque a partir daí eles poderão reconstruir o ideal de luta pela liberdade. O pensamento ético de Alexis de Tocqueville ancora, destarte, na mais pura tradição liberal de John Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755), Thomas Jefferson (1743-1826) e dos Federalistas americanos.

3 - Estatismo e comunismo na República Francesa no século XX, segundo Maurice Druon.

O que é que a França tem de comum com o Brasil? Poderíamos dizer que, em primeiro lugar, a estrutura centralizada do Estado. Em segundo lugar, poder-se-ia afirmar, validamente, que os nossos marxistas são tão estatizantes e dogmáticos quanto os comunistas franceses. Estalinistas mesmo. Com uma diferença: na França, e talvez em Portugal e na Espanha, esses dinossauros ficaram confinados no PC. No Brasil, mimetizam-se em tudo quanto é partido de esquerda, do PT ao PC do B, ao PSOL e quejandos, chegaram barulhentamente ao poder e nos oferecem o lamentável espetáculo de estatismo e de corrupção explícita, como nunca se viu na nossa história republicana. Já tinham ocupado, sofregamente, na década anterior, o segundo escalão dos Ministérios, quando não a direção das Universidades Federais e as Secretarias Estaduais ou Municipais, nos lugares onde havia governadores e prefeitos favoráveis. Das diferentes siglas que integram a fatia ideológica soi disant "progressista", parece que somente uma desencarnou, no Brasil, do velho marxismo-leninismo: o PPS, que se apresenta, no seu programa, como um Partido de inspiração social-democrata.

Por essas semelhanças entre a França e o Brasil (que são também encontradiças em Portugal e na Espanha, pelo menos no que se refere ao centralismo e ao engessamento do PC), certamente foi de interesse para os leitores portugueses e brasileiros a obra do historiador francês Maurice Druon (1918-2009) intitulada: La France aux ordres d'un cadavre [Paris: Editions de Fallois / Editions du Rocher, 2000, 146 pg.], cuja síntese foi assim apresentada pelos editores:

"Depois do final da Segunda Guerra Mundial, a França vive em regime semi-marxista, sendo o único país da Europa que se encontra nessa situação. O cadáver evocado pelo título é o da União Soviética, morta há cerca de dez anos, mas cujas orientações, instruções e consignas dadas ao Partido Comunista Francês e retomadas pelos sindicatos, continuam a se impor à nossa sociedade. Função pública, setor nacionalizado, convenções coletivas, código de trabalho, política fiscal, administração de justiça, ensino e pesquisa, tudo sofre conseqüências dos Planos concertados à época da liberação e durante a guerra fria, que tentavam fazer esmorecer ou desestabilizar nosso país, a fim de alinhá-lo com o modelo soviético. Os efeitos penetraram de tal modo nos nossos costumes que os cidadãos não os percebem. Mas a situação da França tem sido gravemente afetada. Este livro apresenta coisas nunca ditas, nem com tal vigor, por um escritor que tem ocupado altos cargos no Estado, e que está bem informado acerca de todos os aspectos da vida pública" [Druon, 2000, Apresentação, segunda capa].

Antes de prosseguir, no entanto, falemos um pouco do autor. Maurice Druon, da Academia Francesa, é um escritor conhecido internacionalmente graças à saga histórica intitulada Les rois maudits [cuja última edição apareceu na coleção "Volumes", Paris: Plon, 1999, 7 volumes]. Druon é autor também de duas séries de romances históricos, ambas reeditadas pela editora Plon, em 1999: Romans Mithologiques (Les Mémoires de Zeus, Alexandre le Grand, Les Rivages et Les Sources) e Romans Contemporains (Les grandes Familles, La chute des corps, Rendez-vous aux enfers, La volupté d'être). Outras obras de Maurice Druon são as seguintes: Mégarée, pièce en trois actes (1944), Lettres d'un Européen (1944), Nouvelles lettres d'un Européen (1970), La dernière brigade (1946), Remarques (1962), Un voyageur (1954), L'Hôtel de Mondez (1956), Tistou, les pouces verts (1957), Des seigneurs de la plaine à l'Hôtel de Mondez (1962), Paris, de César à Saint Louis (1964), Bernard Buffet (1964), Le pouvoir, notes et maximes (1965), Le bonheur des uns (1967), Vézelay, colline éternelle (1968), L'Avenir en désarroi (1968), Une église qui se trompe de siècle (1972), La parole et le pouvoir (1974), Attention la France! (1981), Réformer la démocratie (1982), Lettre aux Français sur la langue et leur âme (1994), Circonstances 1 - Circonstances civiques, du Voyage, du Gaullisme (1997, prêmio Jules Simon), Circonstances 2 - Circonstances politiques I, 1954-1974 (1998), Circonstances 3 - Circonstances politiques II, 1974-1998 (1999), Le "bon Français" (1999, prêmio Agrippa d'Aubigné).

Voltemos à obra que de Druon em que centramos a atenção: La France aux ordres d'un cadavre. O autor inspira-se na famosa sentença de Tocqueville: "Os Franceses querem a igualdade; e quando não a encontram na liberdade, procuram-na na escravidão" [pg. 135]. Como epígrafe, o autor utiliza as palavras de Montesquieu: "Quando se trata de provar coisas tão claras, estamos seguros de que não convenceremos" [pg. 7]. Mesmo que o PC francês, os comunistas portugueses ou os marxistas-leninistas tupiniquins não se convençam muito com as coisas tão claras mostradas pelo autor, são meridianas as ligações que ele estabelece entre o centralismo cartorial francês (que, como mostrou Tocqueville na sua obra L'Ancien Régime et la Révolution, tem séculos de história) e o processo de marxistização ocorrido por influência soviética. Não que o primeiro tenha sido causado pelo segundo. Mas a marxistização deitou no leito de Procusto do velho centralismo e lhe forneceu sangue novo. Ou sangue ectoplasmático, já que Druon fala em obediência a um cadáver.

A União Soviética aplicou à França as receitas de Sun-Zu (544-496 a.C.), o famoso estrategista chinês contemporâneo de Buda e Péricles, cujos escritos eram uma espécie de catecismo para os serviços secretos soviéticos. A respeito, frisa Maurice Druon: "A arte suprema da guerra, para Sun-Zu, consiste em conquistar o país ou cidades sem ter de dar a batalha, mas debilitando-os no interior, diminuindo os seus recursos e minando-os moralmente, até que fossem incapazes de se defenderem e se pudesse então pegá-los como frutos já podres. Para isso, todos os meios e todos os aliados são bons: a propagação de falsas notícias (ou desinformação), o estímulo às rivalidades internas, o descrédito jogado sobre os chefes por meio de falsas acusações, a infiltração das administrações por agentes da propaganda, a parálise do trabalho, a queda dos rendimentos. Depois de 2500 anos, se os processos são evidentemente diferentes, os princípios e os objetivos permanecem os mesmos" [Druon, 2000: 14-15].

Em meados de 1920, Vladimir Illich Ulianov, Lenin (1870-1924) tinha formulado e feito adotar, pelo Komintern (a Internacional Comunista), as 21 condições que deveriam ser aceitas pelos partidos que quisessem fazer parte dessa Internacional. O Komintern era definido como "o partido internacional da insurreição e da ditadura proletária" [pg. 20-21]. E um dos seus mandamentos era o seguinte: "Em quase todos os países da Europa e da América, a luta de classes entra no período de guerra civil. Os comunistas não podem, nessas condições, confiar na legalidade burguesa. É seu dever criar, em todos os lugares, paralelamente à organização legal, um organismo clandestino capaz de cumprir, no momento decisivo, com o seu dever em face da revolução" [Druon, 2000: 21].

O Partido Comunista constituiria a "seção francesa" da Internacional comunista. Em dezembro de 1920 houve uma polarização das organizações trabalhistas da França ao redor de dois núcleos: a Section Française de l'International Ouvrière (SFIO) e a Section Française de l'Internationale Communiste, que se converteu no Partido Comunista Francês (PCF), com a sua filial sindical, a Confédération Générale du Travail Unitaire (CGTU), alinhadas, estas duas últimas organizações, com os princípios formulados por Moscou. É bom lembrar que o Komintern constituiu, no período estalinista, uma "gigantesca burocracia com vocação mundial para a subversão e a propaganda" [Druon, 2000: 21], um formidável ordenador ou processador da estratégia, ao mesmo tempo que um formulador de ordens táticas instalado a dois passos do Kremlin, e onde os Partidos Comunistas dos diversos países não existiam senão como "seções".

A respeito da política estalinista, frisa Druon: "A genialidade de Josef Stalin (1878-1953) consistiu em construir e sustentar, na mesma mão, de um lado um Estado-partido com todos os traços do nacionalismo, do imperialismo e da ditadura totalitária, mas que era considerado como a fachada do socialismo em construção e, de outra parte, esse estado maior da revolução mundial que, na falta de chegar rapidamente a esta, servia principalmente aos interesses e ao poder da URSS" [Druon, 2000: 21-22].

O fato de o PC francês não ter conseguido enquadrar todos os ativistas, em decorrência da indisciplina que grassava nos seus quadros, fez com que, no Komintern, a França fosse jogada no saco de lixo dos "países latinos". Mas, devido à importância estratégica do país na Europa, os soviéticos decidiram apostar na marxistização ou sovietização dos quadros, enviando para a França um representante direto, Eugen Fried (1900-1943). Este era um judeu húngaro de nascimento, de nacionalidade tcheco-eslovaca, tinha sido um dos fundadores do PC tcheco e era um homem sedutor, que falava fluentemente várias línguas. De outro lado, Fried era um ativista perfeito, teórico e tático, bom negociador, trabalhador incansável e muito próximo de um dos colaboradores mais íntimos de Stalin. Druon alicerça-se, neste ponto, na obra de Annie Kriegel e Stéphane Courois, intitulada: Eugen Fried [Paris: Seuil, 1997].

Poucas pessoas sabiam que Fried integrava o bureau político do PC francês, ao lado de Maurice Thorez (1900-1964), Jacques Duclos (1896-1975) e Benoît Frachon (1893-1975), mais precisamente desempenhando as funções de chefia. Fried foi quem expulsou Jacques Doriot (1898-1945), que desempenhava as funções de maire em Saint-Denis, pelo crime de "desviacionismo". Foi igualmente Fried quem confirmou Maurice Thorez na chefia do Partido. A respeito, escreve Druon: "Nada de raro que, sob essa férula, o PCF tenha se convertido no mais estalinista dos partidos comunistas e que, por impregnação mental e força de hábito, tenha se conservado tal até os nossos dias, tendo renunciado ao estalinismo apenas de dentes para fora" [Druon, 2000: 25].

O Front Populaire de Léon Blum (1872-1950), com as reformas socialistas em andamento, semeou o terror no seio da burguesia, segundo Druon, em decorrência da propalada iminência da revolução proletária e da sovietização do país. Esse clima abriu a porta ao espírito de colaboracionismo da República de Vichy. No momento de reordenamento das instituições após a Segunda Guerra Mundial, o autor traça o seguinte quadro: "No governo de 1945, no qual Charles de Gaulle (1890-1970) deveria abrir espaço aos comunistas, eles teriam querido o exército; mas ficaram com o armamento. Eles desejavam, de outro lado, o ministério do Interior, mas não conseguiram. Em compensação, Maurice Thorez recebeu o ministério da Função Pública. Atribuição sem risco subversivo imediato, mas cujas conseqüências seriam duradouras e significativas. A Função Pública é todo o aparelho do Estado, as suas alavancas e as suas engrenagens" [Druon, 2000: 47].

Maurice Thorez foi o encarregado, como ministro da Função Pública, de redigir o Estatuto do Servidor Público. A respectiva lei foi promulgada em 5 de outubro de 1946. A respeito dessa legislação, afirma Druon: "Pode-se datar dessa lei a dinossaurização das administrações, a sua tendência a um crescimento maciço, a lentidão dos seus procedimentos, a incapacidade crônica do Estado para proceder às reformas mais evidentemente necessárias. Essa lei significava a petrificação de tudo!" [Druon, 2000: 49]. O nosso autor destaca o imobilismo a que conduziu essa nova legislação, com as seguintes palavras: "Pois seja lá o que se queira ou o que se faça, não se pode impedir que, alicerçados no estatuto de 46, os sindicatos controlem o desenvolvimento das carreiras, as promoções, as mudanças, as sanções. Salvo para os postos muito altos, a promoção por mérito ou por eficiência é impossível; os funcionários, bons ou maus, progridem de nível em nível, de forma pouco racional. O absenteísmo é tolerado, senão encorajado, os sindicatos garantindo a freguesia. É necessário que uma falta seja gravíssima, uma desonestidade verdadeiramente enorme ou um escândalo muito patente, para que medidas disciplinares sejam tomadas. O culpável sempre encontra um sindicato para se proteger ou para encontrar situações atenuantes. A preguiça, a lentidão, a falta de atenção, o erro, coisas todas prejudiciais aos cidadãos, são faltas veniais e perdoadas de antemão" [Druon, 2000: 51-52]. Parece que Druon estivesse falando do nosso sindicalismo petista.

O fato de os comunistas terem se apropriado do Ministério da Função Pública produziu, no seio do Estado francês, um efeito perverso: reforçou a velha tendência estatizante e centralizadora, proveniente do Ancien Régime e mantida inalterada pelo regime napoleônico e pelo republicanismo autoritário. Esse fator é o responsável, nos dias que correm, pela perda de competitividade da França no seio da União Européia e no plano internacional. Em relação ao inchaço burocrático que essa legislação produz, frisa o nosso autor: "Mas ninguém ousa evocar os 20 mil empregos fictícios que as administrações abrigam. Quando adianto essa cifra de 20 mil, estou seguramente por baixo da conta. Há vinte anos, esses empregos eram calculados entre 16 mil e 18 mil. Pois o número exato jamais consegue ser estabelecido, mesmo que exista um ministério da Função Pública que poderia tratar de sabê-lo. Esse é, ao que parece, um tema tabu, acerca do qual é mantido o mais completo silêncio" [Druon, 2000: 60].

O engessamento da função pública tem beneficiado, em primeiro lugar, à burocracia improdutiva e corrupta. Druon considera que os Ministérios da Educação e da Justiça foram invadidos, nos últimos 60 anos, por verdadeiros batalhões de burocratas que tinham como única divisa manter os seus privilégios, mesmo que para isso fosse necessário desmontar a instrução pública e a administração de justiça. O ministério da Educação, por exemplo, tem crescido em burocratas muito mais do que o necessário. Conta atualmente com 1,1 milhão de funcionários, dos quais 900 mil docentes. Nos últimos vinte anos, o número de estudantes aumentou, no entanto, apenas 17%, ao passo que o de docentes cresceu 40%, muito além das necessidades reais.

Mas também têm sido beneficiadas as empresas estatais, verdadeiras massas falidas que custam caro ao tesouro público. "Se o Estado produz - frisa Druon -, ele só pode fazê-lo em situação de monopólio. O Estado não saberia se permitir entrar no circuito da concorrência. Isso vai contra a sua dignidade. O Estado está aí para fixar as regras do jogo, não para jogar e muito menos para perder. Ora, o peso dos procedimentos nas empresas públicas, a burocratização do seu pessoal, a irresponsabilidade material dos seus quadros, as vacinam contra a competitividade. E se elas usam procedimentos porventura duvidosos (que às vezes são usados pelas empresas particulares), o descrédito recai sobre o Estado. É só lembrar o escândalo do affaire Elf-Aquitaine" [Druon, 2000: 66].

O crescimento descontrolado do pessoal vinculado ao Ministério da Função Pública custa caro aos cofres da nação. A carga tributária que pagam os contribuintes franceses é, sem sombra de dúvida, a mais alta da Europa Ocidental. E explica o fenômeno de que mais de 15 mil empresas tenham cruzado o Canal da Mancha, só na última década do século XX, para se estabelecerem na Inglaterra, país que goza de uma política tributária muito mais favorável aos investimentos e à geração de empregos. A respeito, afirma Druon: "As cargas que pesam sobre o contribuinte francês, imposto sobre a renda, taxas, quotas, retenções obrigatórias, transferências sociais (saúde, família, desemprego, velhice) elevam-se, todas compreendidas, a 62% do ganho individual médio. Dizemos médio. Como um número importante de cidadãos, levando em consideração a fraqueza dos seus ingressos, são livres de algumas dessas contribuições, é apenas lógico que os outros assumam encargos tributários que oscilam entre 70% e 100%. A Grã Bretanha conheceu há trinta anos esse tipo de excesso. A vida ali era sinistra; as lojas, desertas, faliam umas após outras, e todo o país periclitava. Hoje, é um país próspero e atraente; o desemprego caiu ali a 5,9% e Londres é uma festa. A carga fiscal média foi reduzida a 40%" [Druon, 2000: 90].

A burocracia alimentada pelos regulamentos favoráveis do Ministério da Função Pública garante, no sentir de Druon, que tal estado de coisas se mantenha inalterado. O sistema tributário repousa num verdadeiro cipoal de leis e regulamentos que ninguém consegue entender. Algo muito parecido à maré de leis, decretos e regulamentos elaborados pela Receita Federal brasileira todos os anos. A última edição do Code général des impôts conta com 2.097 páginas. Mas isso não é tudo. A Documentation fiscal é de base, publicada em 1999 pela Direção Geral de Impostos (a temida DGI, uma espécie de Big Brother fiscal) tem 5.948 páginas, exatamente 2.170 páginas a mais do que a publicação correspondente ao ano de 1990! Verdadeiro monumento digno do mais perfeito colbertismo, em pleno século XXI. Para garantir a tortura aos contribuintes, a DGI conta com nada menos do que com 80 mil funcionários.

Esse emaranhado de burocratas e de leis produz no cidadão francês uma terrível doença, segundo Druon: "le Français ne comprend rien à la fiscalité qui l'accable" (“Os Franceses não entendem nada do poder fiscal que os acabrunha”) [Druon, 2000: 91]. Atrever-me-ia a dizer que talvez não se trate de uma doença, mas de um expediente dos atribulados cidadãos para poder conservar a saúde mental, algo assim como o espírito carnavalesco brasileiro em face da irracionalidade do Leviatã orçamentívoro, que là-bas, no Brasil tropical, cobra mais de 50 impostos em cascata, além de contribuições compulsórias como a CPMF e os impostos disfarçados como o ICMS, para não falar do valerioduto e de outras curiosidades da engenharia da corrupção. Tudo para encher cuecas com dólares para os burocratas, abastecer o tesouro do Partido e garantir a festança oficial que, só com viagens, de janeiro até setembro de 2005, gastou um montante de R$ 1.799.397.275,00 (um bilhão, setecentos e noventa e nove milhões, trezentos e noventa e sete mil, duzentos e setenta e cinco reais) [cf. Brasil, Ministério da Fazenda – Despesas da União com Viagens de Pessoal, de Janeiro de 2005 até Setembro de 2005].

4 - O processo centralizador no Presidencialismo monárquico da Quinta República francesa.

Em que pese a evolução e o crescimento do Parlamento no decorrer do século XX, o velho centralismo continuou sendo uma das características marcantes do Estado francês até os nossos dias. A V República, proclamada em 1958, ensejou uma manifestação hodierna do centralismo modernizador, ao consagrar Charles de Gaulle como Monarca Republicano, feição que se prolonga nos seus sucessores [cf. Chevallier, 1977; Pactet, 1976; Maillet, 1970]. Explicam-se parcialmente, assim, as reformas estatizantes que marcaram os primeiros anos da administração Mitterrand, bem como o regalismo estetizante que foi a nota marcante do seu segundo governo.

A feição básica da V República francesa é, pois, a preservação da antiga tradição centralista e estatizante, mediante o fortalecimento do Poder Executivo. A respeito, frisa o Dossier preparado pelo Ministère des Affairs Étrangères [cf. Bonnard, 1991: 3-5]: "A intenção dos constituintes de 1958 era a de fortalecer o poder executivo, não somente as prerrogativas do Chefe de Estado, mas também as do Governo, a quem é confiada a responsabilidade de determinar e de conduzir a política da nação (...). Sob a V República, o Governo não procede mais do Parlamento, mas do desejo do Chefe de Estado; não é juridicamente submetido à investidura parlamentar, mesmo se politicamente deva usufruir da confiança das Assembléias. É este o objetivo do Artigo 8 da Constituição (...). O Presidente da República dispõe (...) de um grande poder de ação, embora deva levar em conta a composição da maioria parlamentar, a experiência política ou governamental e a confiança recíproca. A nomeação, em 1962, como Primeiro-Ministro, de Georges Pompidou (1911-1974), que não era parlamentar nem membro de um dos partidos da coalizão temporária é a prova disto, assim como a de Raymond Barre (1924-2007), em 1976".

A respeito dessa característica das instituições francesas, escreve Jean-Jacques Chevallier (1900-1983): "A República nova encontra-se bem fundamentada, com os seus princípios e os seus meios (que o Presidente De Gaulle enumera no dia 11 de dezembro de 1962, para conhecimento da Assembléia Nacional recentemente eleita). A sua enumeração abarca estes princípios: continuidade do Estado, estabilidade dos poderes, eficácia da ação política. E abarca, também, estes meios: as atribuições do Chefe do Estado investido pela nação; a separação das funções respectivas e, ao mesmo tempo, a cooperação do Parlamento e do Governo; a possibilidade do recurso direto à decisão do povo. O regime, após a prova de força, encontra-se confirmado e consolidado além dos homens que passam, além mesmo do seu fundador. Eis aí terminada e aperfeiçoada a grande Mudança anunciada por De Gaulle desde o seu regresso ao poder: que o Presidente, e não o Parlamento, seja a fonte do poder e da política, a fim de arrancar o Estado às disputas dos partidos" [Chevallier, 1977: 765-766].

Tamanha concentração de poder no Executivo (muito semelhante, aliás, à que no Brasil foi ensejada pelo Castilhismo e pelo Getulismo) teve um resultado claro ao longo dos quarenta anos de vigência da Constituição que instaurou a V República: o aumento exorbitante do centralismo e do estatismo na política francesa. Essa é a conclusão a que chega, sem meias palavras, Jean-François Revel, na sua obra intitulada: L'Absolutisme inefficace, ou contre le présidentialisme à la française [1992]. O erro da V República foi, no sentir deste autor, ter estruturado um regime constitucional personalista demais, feito à medida de De Gaulle, prevendo candidamente o bom uso que dele faria o primeiro depositário e sem imaginar os abusos que poderiam ser cometidos, no futuro, à sombra da Presidência. O princípio que, no sentir de Revel, deveria pautar a elaboração de uma Constituição, foi o enunciado no século XIX, durante a Restauração, por Pierre-Paul Royer-Collard (1763-1845): "O importante não é o que você fará, mas aquilo que você tem o poder de fazer". No caso da V República, o poder de fazer do Presidente é praticamente absoluto.

A respeito, escrevia Revel, se referindo à corrupção e à prepotência que grassaram no segundo mandato de Mitterrand: "Assumo aqui a tarefa de defender François Mitterrand contra os seus detratores. Reconheço, certamente, que ele tem sabido conjugar, no exercício da função presidencial, em desastroso e paradoxal casamento, o abuso do poder e a incapacidade de governar, o arbítrio e a indecisão, a onipotência e a impotência, a legitimidade democrática e a violação das leis, a cegueira crescente e a ilusão da infalibilidade, o Estado republicano e o favoritismo monárquico, a universalidade de atribuições e a pobreza de resultados, a durabilidade e a ineficácia, o fracasso e a arrogância, a impopularidade e a satisfação consigo mesmo. Reconheço tudo isso, mas proponho-me demonstrar que o culpado por todos esses males não é o homem, mas a instituição. Culpada é a presidência tal como ela é definida na Constituição da V República e sobre tudo, tal como ela tem-se pervertido, levando em consideração que esta perversão estava inscrita na definição e não podia deixar de acontecer ao longo das sucessões. (...) A presidência à la francesa continha em germe a capacidade de converter em vícios as virtudes dos homens tornados os seus prisioneiros (...). É o presidente que está a serviço do Estado ou o Estado que está a serviço do presidente? Toda a problemática da V República está aí. O problema não é, pois, saber quais são as virtudes ou os vícios de François Mitterrand ou de não importa qual outro presidente francês. O problema é constatar que a pendente das instituições os impulsiona a ampliar os seus defeitos, em detrimento das suas qualidades, as quais terminam por desaparecer. Por qualquer lado que seja abordado, o sistema presidencial francês parece conter, sem dúvida, um vírus fatal, pois atinge, sem que ninguém possa impedi-lo, este resultado: que na França só existe um único poder, o do presidente e, além disso, um poder que vira muito rapidamente dominação pessoal, arbitrária e mesmo caprichosa, sem limites, sem decência, sem a menor sanção, senão a sanção final pela demissão, graças ao sufrágio universal, cuja intervenção é, infelizmente, muito rara para dissuadir o soberano de confundir durante sete anos a sua subjetividade com as leis da República" [Revel, 1992: 11-13].

Sintetizando, os vícios fundamentais da V República seriam os seguintes, segundo Revel: a) faz absoluta a autoridade do Presidente, ao não definir mecanismos que o tornariam responsável perante a nação; b) converte em democraticamente falaciosa a autoridade presidencial, ao estabelecer que a Presidência é democrática porque o Presidente é eleito, sem definir os mecanismos institucionais que limitariam a autoridade do primeiro mandatário; c) distancia-se esse regime da verdadeira tradição liberal, segundo a qual o poder não vem do Executivo, mas do órgão que representa os interesses dos cidadãos, o Parlamento; d) abre-se a porta à instabilidade política, ao colocar toda a responsabilidade do governo nas mãos de um Primeiro Ministro indicado pelo Presidente e dele dependente e, portanto, simples fusível que é queimado e substituído, de acordo com a vontade imperial do primeiro mandatário.

5 - Um exemplo do processo centralizador da Quinta República francesa: o regalismo estetizante de François Miterrand.

O falecimento do ex-presidente socialista François Miterrand (1916-1996), deu ensejo a múltiplas apreciações acerca do seu controvertido estilo. Além dos testemunhos autobiográficos [cf. por exemplo, Mitterrand, 1985] encontramos, ao longo dos últimos anos, interessantes estudos que vão desde os aspectos biográficos [cf. Lang, 1995], até análises políticas acerca do longo período representado pelos mandatos de Mitterrand [cf. Favier e Martin-Roland, 1991; Webster, 1995]. Mas, sem dúvida, a obra que mais poeira levantou foi a de Jean-Marie Pontaut e Jerôme Dupuis [1996], intitulada: Les oreilles du Président, suivi de la liste des 2000 personnes "écoutés" par François Mitterrand.

Segundo esta última obra, o Presidente Mitterrand, em que pese as críticas por ele levantadas nas décadas de sessenta e setenta contra o autoritarismo de Charles de Gaulle (1890-1970), Georges Pompidou (1911-1974) e Valéry Giscard D'Estaign (1926-2020), montou sólida estrutura de poder autocrático e centralizador desde o Palácio do Eliseu, tendo utilizado, para isso, o serviço secreto francês. Por ordem de Mitterrand, os arapongas gauleses, comodamente instalados no subsolo do enorme prédio do Hotel des Invalides (onde ficam o Museu do Exército e a capela que guarda os restos mortais de Napoleão Bonaparte), bisbilhotaram as atividades de mais de duas mil pessoas, ao longo das últimas duas décadas do século passado, em explícita violação à sua privacidade. Entre as vítimas contavam-se ex-ministros, parlamentares, diplomatas, intelectuais e até a própria amante de Mitterrand, a museóloga Anne Pingeot (1943-), com quem o ex-Presidente teve uma filha, Mazarine.

Do ângulo da justificação estetizante do agir político [cf. Mello, 1980], a família Mitterrand deu a volta por cima, à la francesa, com o reconhecimento, pelo ex-Presidente, da sua filha Mazarine e com o convite feito pela própria ex-primeira-dama, Danielle Miterrand (1924-2011), a Anne Pingeot, para que aparecesse a seu lado no enterro do marido. Houve uma mise-en-scène que agradou à opinião pública francesa, ao que parece bastante propensa a aceitar esse expediente estetizante que consiste, de acordo com Mário Vieira de Mello (1912-2006) em agir, no espaço público, como se estivesse representando um espetáculo. Essa forma de justificação política é, aliás, bastante comum também no seio da cultura política brasileira, consoante o citado autor [cf. Mello, 1980].

Já do ângulo da transparência na vida pública, critério que encontrou rigorosa sistematização na meditação kantiana sobre a moralidade em política [cf. Kant, 1989], as coisas não aconteceram na França de forma muito clara. É o que se conclui do episódio da escuta clandestina, bem como da leitura da obra que publicou o médico pessoal de Mitterrand, o doutor Claude Gubler, em co-autoria com o jornalista Michel Gonod, sob o título de Le grand secret [1996] e que a Justiça francesa mandou retirar das livrarias. Segundo a mencionada obra, Mitterrand e os seus médicos mentiram sistematicamente à opinião pública desde novembro de 1981, quando foi descoberto que o então Presidente socialista sofria de câncer. A mentira, revestida da aparência de segredo de Estado prolongou-se até 1994, ano em que se agravou de tal forma a doença do primeiro mandatário, que se tornou praticamente impossível manter o segredo. Segundo o doutor Gubler, Mitterrand já não podia mais governar e passava o dia deitado.

Esse estilo imperial do comportamento presidencial causou mal-estar na sociedade francesa. Afinal de contas, trata-se de um meio político em que os ideais de liberdade e cidadania sempre foram apregoados. Em que pese a acomodação às benesses do welfare state, que conduziu os franceses a uma atitude de protesto em face das medidas de austeridade exigidas pela União Européia, não há dúvida de que a sociedade reagiu contra os excessos presidenciais. O triunfo dos neogaullistas nas eleições de 1995 foi uma primeira resposta. E, no terreno da análise política, podem ser mencionadas algumas obras que criticaram quer o imperialismo presidencial, quer o excessivo centralismo, como a de Thierry Desjardins, intitulada: Lettre au Président sur le grand ras-de-bol des français [1995] e a de Christian Saint-Etienne, intitulada: L'Etat mensonger. Pour en finir avec la société de dépendence [1996].

Convém destacar que o estilo imperial de Mitterrand não era apenas uma característica pessoal dele. Teve um conteúdo mais profundo. Manifestou-se cuidadosamente ornado com as vestes de uma liturgia de religião civil, na qual o ex mandatário encarnou, de forma estetizante, o papel de enviado dos deuses, em transe de regressar às suas origens. Se o espírito do absolutismo de Luis XIV (1638-1715) revelou-se nas evoluções do ballet do Rei-Sol, a auréola sagrada de Mitterrand cristalizou-se na estética faraônica da Pirâmide do Louvre, no monumentalismo arquitetônico do Grande Arco de La Défense, da Biblioteca Mitterrand na Rue Tolbiac, do Teatro da Opera da Bastille e, finalmente, no ritual que levou o ex-Presidente moribundo, poucas semanas antes do seu falecimento, ao Vale dos Reis, no Nilo. Eis o grande finale, ao mesmo tempo estetizante, estatizante e religioso, que o próprio Mitterrand planejou minuciosamente para os seus últimos dias.

Paradoxalmente, foi o próprio Mitterrand, um dos grandes “monarcas” da V República, quem melhor definiu a feição ditatorial do regime inaugurado por De Gaulle com as seguintes palavras, escritas no livro intitulado: Le coup d'État permanent [apud Giesbert, 1996: 1101]: "O que é a V República senão a posse do poder por um só homem, cuja menor falha é espiada com a mesma atenção pelos seus adversários e pelo clã dos seus amigos? Magistratura temporária? Monarquia pessoal? Consulado vitalício? (...) Eu chamo o regime gaullista de ditadura porque, no final das contas, é com isso que ele mais se parece".

6 - A crítica liberal à sobrevivência da utopia socialista na França.

Jean-François Revel, da Academia Francesa, foi um dos mais lúcidos críticos liberais do estatismo na tradição política do seu país. Revel é autor de clássicos do pensamento político como Ni Marx, ni Jésus (1970), La Tentation totalitaire (1976), La Nouvelle Censure (1977), Comment les démocraties finissent (1983, obra ganhadora dos prêmios Aujurd'hui e Konrad-Adenauer), Le Rejet de l'État (1984), Le Terrorisme contra la démocratie (1987), La Connaissance inutile (1988, prêmios Chateaubriand e Jean-Jacques Rousseau), Le Regain démocratique (1992, prêmios Ville d'Ajaccio e Mémorial), L'Absolutisme inefficace ou contre le présidentialisme à la française (1992) ou Fin du siècle des ombres, chroniques politiques et littéraires (1999). Jean-François Revel publicou, na virada do milênio, uma obra prima de crítica à ideologia socialista: La Grande Parade: Essai sur la survie de l'utopie socialiste [cf. Revel, 2000].

Este livro causou polêmica nos meios intelectuais do Velho Mundo e foi muito debatido no Brasil e na América Latina, em decorrência da denúncia que o autor fez da capacidade que os defensores do socialismo têm para encobrir a realidade com o véu da ignorância, em que pese o fato de o mundo comunista ter desabado no leste europeu.

A França, aliás, é caracterizada por Revel com palavras que poderiam muito bem ser aplicadas ao Brasil: "Devo dizer que, entre os países que sempre escaparam do comunismo mas onde a ideologia totalitária permanece forte, tanto no debate das idéias quanto pelo seu peso na prática política, a França ocupa um dos primeiros lugares, senão o primeiro. Ela constitui na Europa uma espécie de laboratório de ponta na produção das espertices destinadas a rejeitar ou a tornar inócuas as lições da experiência, ou a adotá-las com um atraso e uma má vontade tais que terminam por volatilizar os benefícios da aceitação da verdade" [Revel, 2000: 31-32].

O autor retoma, assim, a crítica feita por Tocqueville, em O Antigo Regime e a Revolução, à capacidade mistificadora dos philosophes franceses, que no final do século XVIII substituíram alegremente o conhecimento da complexa realidade social por fórmulas gerais e simplórias, fáceis de serem vendidas ao povão nos panfletos e nas tribunas. A conseqüência dessa insensatez é por todos conhecida: a guilhotina e o terror jacobino, de que foram vítimas os próprios ideólogos do caos.

Em 14 contundentes capítulos Jean-François Revel desossa, com precisão cirúrgica, o cadáver do dinossauro retórico com que os intelectuais socialistas têm tentado dar vida ectoplasmática ao apodrecido paquiderme do socialismo real. O cerne da ressurreição ideológica da utopia socialista pode ser resumido, segundo a exposição de Revel, nas seguintes considerações: 1) Já que o socialismo totalitário de carne e osso está morto e sepultado pelas suas antigas vítimas no leste europeu, os intelectuais ocidentais defensores desses ideais, em lugar de reconhecerem a falência do arquétipo dos seus sonhos, passaram a lhe dar vida utópica, afirmando que se o comunismo tinha desaparecido da Europa, morreram com ele, também, as esperanças da humanidade de ver concretizada a justiça social. 2) Para esses intelectuais, já que a retórica liberal estruturou-se, ao longo do século XX, em contraposição ao comunismo, desaparecido este não faz mais sentido mantê-la. 3) Responsável fundamental pela pobreza dos países do leste europeu e do terceiro mundo é, segundo os socialistas pensantes, o capitalismo e a sua superestrutura ideológica, o liberalismo. 4) O binômio capitalismo/liberalismo também é, para eles, o responsável pelo fim dos anos dourados do welfare state na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. 5) A intelectuária socialista é, no mundo globalizado por obra e graça do demônio capitalista, a portadora da única mensagem de esperança para a Humanidade no novo milênio; a sua pregação consiste em afirmar que o comunismo é a etapa suprema da democracia. 6) Posto que os Estados Unidos são o grande motor do capitalismo mundial, parte essencial da pregação dos novos messias consiste em denegrir a imagem dessa sociedade alimentando o espírito antiamericano.

Tornando realidade o adágio de Millôr Fernandes (1923-2012) que diz: “quando as ideologias ficam bem velhinhas vêm morar no Brasil", a esquerda tupiniquim, chefiada por Lula (1945-), deu provas de que acredita piedosamente nesse esdrúxulo princípio, ao fundar, com o apoio de Fidel Castro (1926-2006), o Foro de São Paulo (em 1990), com a finalidade de dar vida ao comunismo que tinha desabado na Europa com a queda do Muro de Berlim. Embarcaram nessa canoa furada não somente as guerrilhas latino-americanas, a começar pelas FARC, mas também populistas tresloucados como o coronel Hugo Chávez (1954-2013), da Venezuela, com a sua “revolução sentimental” [cf. Lecumberri, 2012], a CNBB e demais defensores da Teologia da Libertação, os “movimentos sociais” patrocinados pela esquerda raivosa, etc.

Embora seja bastante simplório o arrazoado dos intelectuais socialistas, a desinformação propalada por eles, no sentir de Revel, tem conseguido ocupar espaços na mídia e tender um cordão de isolamento contra aqueles que ousarem divergir do seu ponto de vista. O próprio Revel confessa ter sido vítima, na França e nos Estados Unidos, do patrulhamento ideológico das viúvas da Praça Vermelha, para utilizar a expressão cunhada por José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017) e daqueles que, não sendo socialistas militantes, sentem-se contudo presos pelo imperativo categórico do políticamente correto. Esse fato constitui, no sentir do autor, uma prova da lentidão do progresso da liberdade de espírito no mundo contemporâneo. "Uma grande parte de intelectuais, frisa Revel, persistem em se perguntar, antes de mais nada, não o que eles devem pensar, mas o que vai se pensar deles" [Revel, 2000: 54]. Esta situação constitui, a meu ver, uma verdadeira inversão da ética de convicção weberiana que deveria animar ao intelectual, defensor da verdade custe o que custar, sem esperar pelos aplausos da plateia. Ou melhor, estamos diante de uma inversão dos papéis com o imperativo político tolhendo o compromisso com a verdade típico dos intelectuais, que passam a agir calculando os resultados da ação e não consultando as próprias convicções.

Jean-François Revel desmascara a falsidade do discurso ideológico da esquerda, explicitando, em primeiro lugar, os interesses dela e, em segundo lugar, mostrando quem foi que resolveu na França a questão social. No que diz relação ao primeiro ponto, Revel escreve: "A defesa de estatutos protegidos e, digamo-lo claramente, o reforço dos privilégios, converteram-se nas principais causas do que a esquerda ousa ainda chamar de movimentos sociais, que na verdade não são mais do que antissociais" [Revel, 2000: 54].

Quanto ao segundo ponto, Revel não duvida em afirmar que foram os liberais os que, na França, enfrentaram e equacionaram a questão social, no século XIX. A respeito, afirma: "Dezenas de anos antes da aparição dos primeiros partidos comunistas, foram os liberais do século dezenove os que colocaram, antes que qualquer um, o que se chamava então de a questão social e responderam a ela, elaborando muitas leis fundadoras do direito social moderno. Foi o liberal François Guizot (1787-1874), ministro do rei Luís-Filipe I (1773-1850) que, em 1841, fez votar a primeira lei destinada a limitar o trabalho das crianças nas fábricas. Foi Frédéric Bastiat (1801-1850), esse economista genial que hoje seria alcunhado de ultraliberal desenfreado, que em 1849, sendo deputado na Assembléia legislativa, interveio precursoramente na nossa história para formular e exigir que fosse reconhecido o princípio do direito de greve. Foi o liberal Émile Ollivier (1825-1913) que, em 1864, convenceu o imperador Napoleão III (1808-1873) a abolir o delito de coalizão (ou seja, a proibição que impedia os operários de se agruparem em defesa dos seus interesses), abrindo assim o caminho para o futuro sindicalismo. Foi o liberal Pierre Waldeck-Rousseau (1846-1904) que, em 1884, no início da Terceira República, fez votar a lei que reconhecia aos sindicatos a personalidade civil. Permita-se-me sublinhar a seguinte lembrança: os socialistas da época, de acordo com a sua lógica revolucionária (bem anterior à aparição do menor partido comunista) manifestaram uma violenta hostilidade contra a lei Waldeck-Rousseau" [Revel, 2000: 48].

O remédio para as trapalhadas socialistas é simples, mas deve ser corajoso e rápido. No sentir do autor, a única atitude válida é a integridade moral dos intelectuais sensatos para denunciar, sem temor, essa tentativa de estelionato utópico, à maneira como Benjamin Constant de Rebecque (1769-1830) pôs a nu os malucos e proto-socialistas arrazoados de Rousseau (1712-1778) em política e em economia, ou seguindo as pegadas de Tocqueville na defesa incondicional e constante da liberdade ameaçada pelo igualitarismo estatizante. Advertência de grande importância sobretudo para o Brasil, país onde, como frisava o centenário pensador liberal Meira Penna, campeia o princípio da esquerda retardatária que, pela boca de um dos seus arautos, o Libertador Simón Bolívar (1783-1830), seguidor incondicional de Rousseau, foi formulado em meio a palavrões contra o liberalismo: “Por favor, carajos, déjennos hacer tranquilos nuestra Edad Media!” [Simón Bolívar, apud García Márquez, 1989: 130].

Conclusão

Quais as perspectivas que a França tem, hoje, para superar a tradição estatizante que produziu o gigantismo destacado no primeiro item deste artigo? Parece que remotas, pois ninguém quer discutir a fundo a questão. Nem a direita, nem o centro, nem a esquerda. A culpa pelo desemprego em alta e pelo emperramento do mercado é, como frisa Alain Touraine (1925-), da globalização, na melhor retórica esquerdizante brasileira [cf. Touraine, 1999]. Mas não faltam vozes esclarecidas como a de Jean Choussat (1934-1998), inspetor de finanças e antigo diretor do orçamento do Ministério da Economia, para quem havia, no final do século XX, na França, um excedente de quinhentos mil funcionários públicos, que oneravam pesadamente o tesouro.

Fazendo ouvidos moucos a essas advertências, o Ministro da Função Pública declarou que esse não era exatamente o problema. Pior ainda: anunciou a criação de 350 mil empregos-jovens (espécies de bolsas-estágio na função pública), cuja tendência será a perpetuação e o conseqüente inchaço da máquina estatal, que só tem feito crescer ao longo dos últimos anos: 570 mil funcionários a mais entre 1975 e 1980, 386 mil entre 1980 e 1985, 112 mil entre 1985 e 1990 e 150 mil entre 1990 e 1998. Números para burocrata nenhum botar defeito que produzirão, decerto, muitas mais distorções na economia francesa. [cf. Nirascou, 1998: 10; Vélez Rodríguez, 1998: 2]. De outro lado, não são poucos os preconceitos de amplos setores sociais em face da revisão do modelo centralizado francês, no que tange principalmente à Previdência e aos Fundos de Pensão [cf. Lebaube, 1998: 1; Van Eeckhout, 1998: 2; Piot, 1998: 2].

A saída para a problemática social crescente, que tem desaguado nas atuais turbulências, certamente está em identificar claramente o problema. A direita lepenista, certamente não tem soluções viáveis, além de fazer o circo pegar fogo. Dizer que tudo está errado por causa dos imigrantes é não procurar solução nenhuma, ou pior: busca-la na eliminação pura e simples de grupos humanos. O que hoje, certamente, será muito mais difícil do que na época de Hitler. É pretender apagar o incêndio com gasolina. A solução deverá ser pensada pelos grupos de centro. As saídas à esquerda tradicional são eminentemente retóricas, e só fazem aumentar o estatismo, que é justamente a causa fundamental do problema. Algo semelhante ao que acontece no Brasil com a dissidência petista empoleirada no PSOL. Mais estatizante e trotskista que os seus mestres. A antiga esquerda socialista francesa poderia ser enquadrada naquilo que o estudioso argentino Horacio Vásquez-Rial (1947-2012) denominou, com muita propriedade, de “A esquerda reacionária” [cf. Vásquez-Rial, 2003].

Para um lúcido crítico da tradicional classe política francesa, Pascal Lamy (1947-), ainda está para ser formulada a saída, nos arraiais de um autêntico pensamento social-democrata. A França precisa, hodiernamente, de uma ideologia que vislumbre esperanças no horizonte. Não se trata de reviver velhos messianismos políticos. Trata-se, sim, frisa Lamy, de construir, corajosamente, uma proposta realista, não pretendendo agradar aos administradores dos holofotes, mas apenas auscultando aquilo que os Franceses hoje mais almejam: oportunidades de trabalho, liberdade, bem-estar e estabilidade. Mas sem pretender fazer retroceder o relógio da história, tentando reviver a época dos “Trinta Gloriosos Anos” das políticas keynesianas. Também não se trata de negar o óbvio ululante, como a esquerda politicamente correta, à la Alain Touraine pretende, afirmando tranquilamente que “não houve Estado de Bem-Estar Social”. Essa é uma saída estúpida, que pretende recontar a história, de acordo com os interesses dos que perderam o rumo dela, comunistas e assemelhados.

Vale a pena citar o cerne da proposta de Pascal Lamy, uma das expressões mais lúcidas do atual pensamento político francês: “Se quisermos avançar, é preciso que respondamos à fragilidade ideológica (da esquerda). O relativo desembaraço com que os movimentos contestatórios do tipo de Attac têm travestido a ideologia do Partido Socialista não se explica somente pela capacidade de inserção de militantes bem formados, mas também pela ausência de uma plataforma ideológica sólida e assumida, que permita definir uma social-democracia à la francesa. E o que é uma plataforma ideológica? É uma certa visão de mundo. Levando em consideração que atravessamos uma fase política muito difícil, pois o pessimismo é grande - mais na França do que na Europa, e mais na Europa do que alhures -. É preciso não negligenciar esta variável. Como um avião que tem necessidade de ar sob suas asas, o ar da política é a antecipação, um certo sentido do futuro, um projeto! (...) O primeiro elo da corrente é uma análise crítica mais lúcida do capitalismo de mercado globalizado. Encontramo-nos numa fase histórica do capitalismo de mercado: a da mundialização, fonte de desenvolvimento, mas também de profundas desigualdades. A relação capital-trabalho joga-se em escala mundial, fazendo com que a balança se incline em prol dos detentores do capital. Efetivamente, não é o recurso de mão de obra que está em falta. Para dar resposta a essa relação desigual e desequilibrada de forças, a análise crítica social-democrata francesa deve, contudo, admitir uma coisa: o capitalismo de mercado possui os seus defeitos, mas tudo aquilo que temos ensaiado para substituí-lo nos últimos cento e cinqüenta anos tem fracassado... Fazer esta constatação não significa se resignar a encenar um simples acompanhamento do capitalismo. Significa, sim, elaborar os meios para fazer ressurgir o sistema desde dentro, recusando a lei do mais forte ou do mais rico”.

“O Outro elo da corrente – frisa Lamy -, consiste em desenredar o tecido social francês, no qual o desemprego é a manifestação mais forte. Mais do que a permanência insuportável de taxas de desemprego ao redor de 10 por cento, o problema reside na sua estrutura, caracterizada por três elementos: 1- a duração, 2 - o peso do desemprego entre os jovens (menores de 25 anos) e 3 - o peso do mesmo entre os seniors (maiores de 55 anos). Essa estrutura persistente gera um profundo sentimento de insegurança. Os que possuem um emprego temem perde-lo; os que não o têm, sentem inveja daqueles que estão empregados. E essa inquietação permeia todo o tecido social. Vejo, por exemplo, o caso de quadros dirigentes de empresas preocupados em garantir a sua estabilidade, e se sentindo, eles também, inseguros quanto ao seu futuro. Nossos filhos crescem num mundo muito mais duro do que o da nossa geração. Essa dureza decorre de múltiplos fatores, entre os quais sobressai a evolução do capitalismo de mercado em direção a uma efetivação da concorrência, num horizonte mais amplo de produtos, mas também de pessoas, de tecnologia, de inovação... Isso obriga a uma capacidade de resposta e a uma adaptação bem mais rápidas do que antes, fatores que têm efeitos devastadores sobre um tecido social mais frágil” [Lamy, 2005].

Parece que as soluções hoje surgem em alguns segmentos da intelectualidade, representados em figuras alheias à tradicional classe política como Pascal Lamy, Pierre Rosanvallon, Jean-Paul Fitoussi, Jean-François Revel, Maurice Druon, etc., que, pertencentes a universos ideológicos variados, têm projetado as suas análises sobre os descaminhos da sociedade francesa, ousando fazer uma sintomatologia clara dos problemas, sem pretender agradar a plateia, mas com o olhar colocado nas expectativas de milhões de Franceses. Esses intelectuais dão prosseguimento ao trabalho desenvolvido, anteriormente, por pensadores de renome como Raymond Aron (1905-1983) ou Alain Peyrefitte (1925-1999). Antes de tudo, o que inspira a esses intelectuais é a esperança de que o seu país encontre o caminho para trilhar a difícil senda do desenvolvimento e do progresso em tempos incertos, como estes. Repto, aliás, que é também de nós, brasileiros, neste século XXI.

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