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7 DE SETEMBRO, OS 200 ANOS DA NOSSA INDEPENDÊNCIA

7 DE SETEMBRO, OS 200 ANOS DA NOSSA INDEPENDÊNCIA

7 DE SETEMBRO DE 1822 - O GRITO DO IPIRANGA:

A nossa Independência é uma festa expressiva, notadamente quando se completam os duzentos anos desse acontecimento. A Independência do Brasil, nas Américas, não há dúvida de que foi um fato sem precedentes. Porque o Brasil tornou-se livre da sua matriz portuguesa, tendo preservado a instituição monárquica e consolidando o único Império que teve sucesso nas Américas. Isso decorre da originalidade da história portuguesa, de um lado, e das particulares condições geopolíticas e culturais do Brasil nessa remota data de 1822.

Portugal consolidou-se como uma das Monarquias mais antigas no Continente europeu, ao ensejo da gesta de Affonso Henriques (1106-1185) na Batalha de São Mamede (1128), tendo a bula pontifícia “Manifestis Probatum” (23 de maio de 1179) confirmado a sua autoridade real. Portugal guardou, no seu DNA, a memória do país pequeno rodeado de nações fortes, em face das quais teve de garantir a sua sobrevivência. É um exemplo de teimosia e estratégia.

Essa memória de país pequeno que deve garantir a sua existência entre Estados mais fortes, fez com que, já no século XVII, se adotasse a decisão estratégica de transferir a capital do Reino para uma das Colônias, em caso de invasão estrangeira. Foi o que aconteceu em 1808, quando se decidiu a vinda da família real para o Brasil (contando com a proteção da esquadra britânica). A estratégia adotada impediu aos invasores franceses de se apossarem da coroa portuguesa, diferentemente do que tinha acontecido com a Espanha, que virou monarquia satélite do Império Napoleônico, contra os protestos dos cidadãos das várias capitais das Colônias Hispano-Americanas (Buenos Aires, Lima, Bogotá, México, etc.), que invitaram o soberano espanhol, Dom Fernando VII (1784-1833), a fim de que transferisse a capital do Império para uma das suas colônias, de forma semelhante a como tinha agido a Coroa Portuguesa. Com o rei espanhol humilhado e preso, as Colônias Hispano-americanas romperam violentamente com a Metrópole sediada em Madri e o antigo Império esfacelou-se em múltiplas repúblicas que só conheceram a instabilidade e a guerra a partir de 1810.

A integridade continental da antiga Colônia brasileira foi sendo construída e garantida, entre os séculos XV e XVIII, por um criativo e ardiloso plano, que começou com a assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), que regulava a posse das terras no Novo Mundo, entre o Reino de Portugal e o da Espanha. Como quem garantia a questão de limites entre os dois poderosos Impérios, o Português e o Espanhol, era a autoridade do Papa, os estrategistas de Lisboa puseram em execução uma imaginosa estratégia: a falsificação dos mapas que eram apresentados, regularmente, ao Soberano Pontífice em Roma, para que tomasse conhecimento do estado das negociações. Ora, com regularidade beneditina, os mapas foram sendo falsificados pelos cartógrafos de Lisboa que, progressivamente, deslocavam os limites da Colônia Brasileira para o oeste. Com o passar dos séculos, entre 1494 e 1750, a linha divisória dos Impérios Espanhol e Português já lambia as estribações dos Andes. Os novos limites, garantidos pela autoridade papal, foram sendo progressivamente ocupados e delimitados pelos portugueses com Fortes, um dos quais é o famoso Forte do Príncipe da Beira, construído na fronteira com a Bolívia, na margem do Rio Guaporé. Esse Forte, aliás, é considerado como a maior edificação portuguesa levantada fora da Europa.

A mencionada fortificação foi construída ao tempo do Tratado de Santo Ildefonso (1777), que confirmou as fronteiras coloniais das potências ibéricas naquela área, conforme as disposições do Tratado de Madri (1750), o qual encerrava as negociações de limites que tinham começado com o Tratado de Tordesilhas (1494). A Colônia Brasileira converteu-se em um imenso Continente que abarcava a maior parte da América do Sul. Tudo sem disparar um tiro e apenas contando com a criatividade cartográfica da Corte e dos Diplomatas de Lisboa, dos quais, aliás, o missionário e escritor espanhol frei Bartolomé de las Casas (1484-1566) frisou que "tiveram mais perícia e mais experiência do que os Castelhanos". Quem redigiu a última versão do Tratado de Madri foi, aliás, um brasileiro, Alexandre de Gusmão (1695-1753), que se desempenhou como Secretário Particular do Rei de Portugal, dom João V (1730-1750) e que introduziu no documento, de maneira pioneira, o conceito de "Uti Possidetis" do antigo Direito Romano, para garantir a legitimidade da ocupação portuguesa das novas terras da Colônia Brasileira, expandida pela criatividade cartográfica dos Portugueses.

Com a criação, em 1815, do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, tendo como capital o Rio de Janeiro, Dom João VI (1767-1826), herdeiro da coroa após o falecimento da rainha dona Maria, com o auxílio do seu Ministro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) deitou as bases para a transformação da Monarquia Absoluta em Constitucional. Pinheiro Ferreira estruturou o Governo Representativo, adotando o Modelo Parlamentarista (que garantia a representação dos interesses mutáveis dos cidadãos), mitigando-os com a instituição do Poder Moderador, encarnado na figura do Imperador (que garantia a representação dos interesses permanentes da Nação). A ideia de Poder Moderador (ou Poder Neutro) foi proposta pelo jurista suíço-francês Benjamin Constant de Rebecque, na sua obra Princípios de Política (1810).

Tendo decidido as Cortes de Lisboa que o Rei deveria voltar para Portugal, Dom João VI deixou a chefia do governo em mãos do seu filho, Dom Pedro I (1798-1834), mas tendo como salvaguarda instruções secretas deixadas a ele no sentido de que, se algum incidente ameaçasse a integridade do Reino, não duvidasse em proclamar a independência de Portugal.

Foi o que terminou acontecendo em 7 de setembro de 1822. Na decisão de Dom Pedro I pesaram duas razões: de um lado, a sua própria convicção, reforçada por José Bonifácio de Andrada (1763-1838), de que o Brasil não poderia regredir ao estado de Colônia e de que seria uma humilhação inaceitável o Monarca se deslocar para Lisboa, a fim de prestar juramento perante as Cortes da antiga Metrópole. Em segundo lugar, pesaram as razões expostas nas missivas enviadas a Dom Pedro pela consorte real, a Imperatriz Dona Leopoldina da Austria (1797-1826): “Pedro – frisava Dona Leopoldina - o Brasil está como um vulcão. As Cortes Portuguesas ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos, humilham-vos. (...) Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças se partirmos agora para Lisboa”. Em outra parte da sua missiva, a Imperatriz exclamava: “O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio, ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida”.

A independência e o amadurecimento das instituições do Governo Representativo e do Poder Moderador garantiram ao Império brasileiro uma estabilidade invejável, que se firmou após as reformas de 1841. A estabilidade e a paz só se viram quebradas pelo golpe militar de 1889 que derrubou o Império e impôs a República, com a instabilidade que virou o clima dominante até os dias de hoje.

Da comemoração dos duzentos anos da nossa Independência tiremos duas lições: o patriotismo dos Próceres que tornaram possível esse evento e a institucionalização do Governo Representativo como a circunstância que deve garantir aos brasileiros, hoje, a paz, a liberdade e o progresso. Voltarmos à Monarquia Parlamentar tornou-se, para nós, no entanto, uma solução pouco factível nos dias de hoje, dada a evolução da nossa sociedade no contexto das instituições republicanas. Mas o que sim podemos fazer nesta significativa data é revivermos os ideais pelos que lutaram os nossos Próceres: fé nas mais caras tradições ligadas aos valores cristãos e à vida familiar, decisão inabalável de tornarmos a nossa sociedade mais justa e firme propósito de lutarmos pelos mais preciosos bens que recebemos de Deus neste mundo: a vida e a liberdade!